Language of document : ECLI:EU:C:2023:987

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

14 de dezembro de 2023 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Direito institucional — Deputados ao Parlamento Europeu — Regimento do Parlamento Europeu — Regras de conduta — Artigo 10.o, n.o 3 — Proibição de exibir bandeiras e faixas nas sessões do Parlamento — Medida verbal do Presidente do Parlamento que proíbe os deputados de colocar uma bandeira nacional nas respetivas mesas — Recurso de anulação — Artigo 263.o TFUE — Conceito de “ato impugnável”»

No processo C‑767/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 8 de dezembro de 2021,

Jérôme Rivière, residente em Nice (França),

Dominique Bilde, residente em Lagarde (França),

Joëlle Mélin, residente em Aubagne (França),

Aurélia Beigneux, residente em Hénin‑Beaumont (França),

Thierry Mariani, residente em Paris (França),

Jordan Bardella, residente em Montmorency (França),

JeanPaul Garraud, residente em Libourne (França),

JeanFrançois Jalkh, residente em Gretz‑Armainvilliers (França),

Gilbert Collard, residente em Marseille (França),

Gilles Lebreton, residente em Montivilliers (França),

Nicolaus Fest, residente em Berlim (Alemanha),

Gunnar Beck, residente em Neuss (Alemanha),

Philippe Olivier, residente em Draveil (França),

representados por F. Wagner, advogado,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Parlamento Europeu, representado por N. Lorenz e T. Lukácsi, na qualidade de agentes,

recorrido em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, N. Piçarra (relator), M. Safjan, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 16 de fevereiro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Por meio do presente recurso, Jérôme Rivière, Dominique Bilde, Joëlle Mélin, Aurélia Beigneux, Thierry Mariani, Jordan Bardella, Jean Paul Garraud, Jean‑François Jalkh, Gilbert Collard, Gilles Lebreton, Nicolaus Fest, Gunnar Beck e Philippe Olivier, deputados do Parlamento Europeu, pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 6 de outubro de 2021, Rivière e o./Parlamento (T‑88/20, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2021:664), que julgou inadmissível o seu recurso de anulação da medida verbal do Presidente do Parlamento, de 13 de janeiro de 2020, que proibiu os deputados de colocar a bandeira nacional nas respetivas mesas (a seguir «medida controvertida»).

 Quadro jurídico

2        Sob a epígrafe «Regras de conduta», o artigo 10.o do Regimento do Parlamento Europeu (9.a legislatura — 2019‑2024) (a seguir «Regimento») prevê:

«1.      A conduta dos deputados pauta‑se pelo respeito mútuo e radica nos valores e nos princípios estabelecidos nos Tratados, em particular, na Carta dos Direitos Fundamentais. […]

2.      Os deputados não comprometem o bom andamento dos trabalhos parlamentares, nem a segurança e a ordem ou o bom funcionamento dos equipamentos nas instalações do Parlamento.

3.      Os deputados não perturbam o bom funcionamento da assembleia e abstêm‑se de comportamentos inadequados. Os deputados não exibem bandeiras, nem faixas.

[…]»

3        O artigo 171.o daquele regimento, sob a epígrafe «Repartição do tempo de uso da palavra e lista de oradores», prevê, no n.o 4:

«O tempo de uso da palavra para [a primeira] parte do debate é repartido segundo os seguintes critérios:

a)      uma primeira fração do tempo de uso da palavra é repartida igualmente entre todos os grupos políticos;

b)      uma segunda fração é repartida entre os grupos políticos proporcionalmente ao número total dos seus membros;

c)      Aos deputados não inscritos é atribuído, globalmente, um tempo de uso da palavra calculado com base nas frações atribuídas a cada grupo político nos termos das alíneas a) e b);

d)      A repartição do tempo de uso da palavra deve ter em consideração o facto de os deputados portadores de deficiência pode[re]m precisar de mais tempo.»

4        O artigo 175.o do referido regimento, sob a epígrafe «Medidas imediatas», nos n.os 1 a 3, dispõe:

«1.      O Presidente adverte os deputados que infrinjam as regras de conduta definidas no artigo 10.o, n.o 3 ou n.o 4.

2.      Em caso de recidiva, o Presidente adverte novamente o deputado, e a advertência é lavrada em ata.

3.      Se a infração se mantiver, ou em caso de nova recidiva, o Presidente pode retirar a palavra ao deputado e ordenar que este seja expulso do hemiciclo até ao final da sessão. […]»

 Antecedentes do litígio

5        Os antecedentes do litígio, conforme resultam dos n.os 1 a 3 do acórdão recorrido, podem ser resumidos da seguinte forma.

6        Na sessão plenária de 13 de janeiro de 2020, o presidente do Parlamento adotou verbalmente, com base no artigo 10.o, n.o 3, do Regimento, medidas destinadas a garantir o respeito da ordem no hemiciclo, entre as quais a medida controvertida.

7        Nas sessões plenárias de 29 e 30 de janeiro de 2020, as vice‑presidentes que presidiram às sessões reiteraram a medida controvertida.

 Recurso no Tribunal Geral e acórdão recorrido

8        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de fevereiro de 2020, os recorrentes interpuseram recurso de anulação da decisão controvertida.

9        Os recorrentes invocaram quatro fundamentos de recurso. O primeiro era constituído por duas partes, relativas, a primeira, à violação e à desvirtuação do artigo 10.o do Regimento e, a segunda, à violação do artigo 4.o, n.o 2, TUE. O segundo fundamento era relativo à violação do princípio da segurança jurídica; o terceiro, a abuso de poder; e, o quarto, à violação dos princípios da igualdade de tratamento, da legalidade, da boa administração, do fumus persecutionis, bem como à violação da liberdade de expressão dos deputados.

10      O Parlamento suscitou, a título principal, uma exceção de inadmissibilidade do recurso, baseada na inexistência, primeiro, de um ato impugnável, na aceção do artigo 263.o TFUE; segundo, de legitimidade ativa dos recorrentes; e, terceiro, de interesse em agir dos mesmos. A título subsidiário, o Parlamento sustentou que o recurso era desprovido de fundamento.

11      O Tribunal Geral julgou procedente a exceção de inadmissibilidade relativa à inexistência de ato impugnável, na aceção do artigo 263.o TFUE.

12      No n.o 38 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que resultava dos articulados das partes que a medida controvertida consistia numa proibição dirigida aos deputados, nos termos do artigo 10.o, n.o 3, do Regimento, de exibir bandeiras nacionais na sua mesa. A este respeito, precisou que, embora os recorrentes tenham alegado também uma proibição de uso da palavra aplicada aos deputados que não respeitaram a referida medida, nada permitia concluir que esta última tenha ido além da proibição de colocar bandeiras nacionais.

13      Nos n.os 42 a 44 do referido acórdão, o Tribunal Geral salientou que, por força do Regimento, inspirado nas tradições parlamentares comuns aos Estados‑Membros, os deputados «[se exprimem] pelo uso da palavra». Precisou que, além da faculdade que lhes é concedida por este regimento de apresentar uma vez por sessão uma declaração escrita de 200 palavras, o referido regimento «não prevê nenhum outro meio de expressão de que disponham os participantes nos debates». Segundo o Tribunal Geral, a restrição relativa aos meios de expressão dos deputados assim estabelecida visa garantir a igualdade destes e, por conseguinte, o bom andamento dos trabalhos parlamentares. Este duplo objetivo é também prosseguido pelo artigo 171.o, n.o 4, do referido regimento, que prevê critérios precisos de repartição do tempo de uso da palavra entre os deputados.

14      Nos n.os 45 e 48 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afirmou que «uma imagem ou um objeto, pelo que simboliza ou pela mensagem que transmite, pode, sem dúvida, servir como meio de expressão, dando assim aos deputados que dele fazem uso a possibilidade de afirmar e defender as suas convicções políticas fora do seu tempo de uso da palavra». Considerou que, no caso em apreço, a bandeira nacional colocada pelos recorrentes nas respetivas mesas se tinha tornado «uma espécie de estandarte de um grupo político e um símbolo da causa que este defende». Além disso, no n.o 49 do referido acórdão, considerou que «a exibição da bandeira nacional de um Estado‑Membro, em particular na mesa de um deputado eleito para o Parlamento Europeu está em dissonância com a função representativa [desse] deputado», conforme definida, designadamente, no artigo 14.o, n.o 2, TUE e no artigo 22.o, n.o 2, TFUE.

15      No n.o 50 do referido acórdão, o Tribunal Geral declarou que, em razão da função que os recorrentes lhe atribuem, a bandeira nacional assim colocada nas respetivas mesas estava «reduzida a um simples meio de expressão ou de transmissão de opiniões» que não se distinguia dos objetos abrangidos pelos termos «faixas» e «bandeiras» utilizados no artigo 10.o, n.o 3, do Regimento ou pelos termos equivalentes utilizados nas diferentes versões linguísticas desta disposição.

16      Tendo em conta todos estes fundamentos, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 51 e 52 do acórdão recorrido, que, uma vez que o comportamento dos recorrentes era suscetível de perturbar o bom funcionamento dos trabalhos parlamentares, estava abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 10.o, n.o 3, do Regimento, que a medida controvertida se inscrevia «no âmbito da organização interna dos trabalhos do Parlamento» e não produzia efeitos jurídicos suscetíveis de afetar as condições de exercício do mandato de deputado dos recorrentes, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica. Por conseguinte, a referida medida não constituía um ato impugnável na aceção do artigo 263.o TFUE.

17      Em consequência, o Tribunal Geral julgou o recurso inadmissível.

 Pedidos das partes

18      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        julgar o recurso admissível;

–        anular a medida controvertida, e

–        condenar o Parlamento nas despesas.

19      O Parlamento conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso e que os recorrentes sejam condenados nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

 Quanto à admissibilidade do presente recurso

20      O Parlamento alega que o recurso não preenche os requisitos de admissibilidade enunciados no artigo 168.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que não indica de forma precisa os argumentos jurídicos em apoio dos fundamentos expostos, os quais não contêm nenhuma argumentação jurídica.

21      A este respeito, resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 169.o, n.o 2, do Regulamento de Processo que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os aspetos criticados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que sustentam especificamente esse pedido, sob pena de inadmissibilidade do recurso ou do fundamento em causa (Acórdão de 23 de novembro de 2021, Conselho/Hamas, C‑833/19 P, EU:C:2021:950, n.o 50 e jurisprudência referida).

22      No entanto, a petição de recurso permite identificar inequivocamente dois fundamentos através dos quais os recorrentes acusam o Tribunal Geral, por um lado, de desvirtuação dos factos e de erro de qualificação jurídica dos mesmos no n.o 38 do acórdão recorrido e, por outro, de erros de direito que viciam os n.os 41 a 50 desse acórdão no que respeita à interpretação do artigo 10.o, n.o 3, do Regimento. Por outro lado, resulta da resposta do Parlamento que este teve a possibilidade de apreender o conteúdo destes fundamentos e de lhes responder quanto ao mérito.

23      Nestas circunstâncias, há que considerar que o recurso identifica com suficiente precisão, em cada um dos seus fundamentos, os números do acórdão recorrido que são contestados e expõe os motivos pelos quais esses números, segundo os recorrentes, padecem de erros de direito, permitindo assim ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização da legalidade.

24      O presente recurso deve, pois, ser julgado admissível.

 Quanto ao mérito do presente recurso

 Quanto ao primeiro fundamento

–       Argumentos das partes

25      Com o seu primeiro fundamento, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral, no n.o 38 do acórdão recorrido, desvirtuou os factos e cometeu um erro na qualificação jurídica destes factos, ao não considerar que a medida controvertida tinha tido por efeito prático privar do uso da palavra os deputados e, portanto, alterar, de forma caracterizada, as condições de exercício do mandato daqueles que recusaram retirar as bandeiras nacionais das suas mesas, nas sessões plenárias de 29 e 30 de janeiro de 2020.

26      O Parlamento considera que o primeiro fundamento é manifestamente improcedente.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

27      Resulta do artigo 256.o, n.o 1, TFUE e do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o recurso de uma decisão do Tribunal Geral é limitado às questões de direito e que, consequentemente, o Tribunal Geral tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos pertinentes e os elementos de prova. Essa apreciação não constitui, exceto em caso de desvirtuação dos mesmos, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (Acórdão de 10 de julho de 2019, VG/Comissão, C‑19/18 P, EU:C:2019:578, n.o 47 e jurisprudência aí referida).

28      Tal desvirtuação existe quando, sem recorrer a novos elementos de prova, a apreciação dos elementos de prova existentes se afigura manifestamente errada. Essa desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas. Quando um recorrente alega uma desvirtuação de elementos de prova pelo Tribunal Geral, deve indicar com precisão os elementos que, em seu entender, foram desvirtuados e demonstrar os erros de análise que, do seu ponto de vista, levaram o Tribunal Geral a essa desvirtuação (Acórdão de 3 de dezembro de 2015, Itália/Comissão, C‑280/14 P, EU:C:2015:792, n.o 52 e jurisprudência referida).

29      Todavia, resulta inequivocamente da petição apresentada em primeira instância que os recorrentes pediram, no Tribunal Geral, a anulação da única medida controvertida, que consiste exclusivamente na proibição verbal de colocar as bandeiras nacionais nas respetivas mesas. Não contestaram, no Tribunal Geral, as posteriores medidas de privação do uso da palavra, nas sessões plenárias de 29 e 30 de janeiro de 2020. Nestas condições, não podem acusar o Tribunal Geral de ter desvirtuado o acórdão recorrido e cometido um erro de qualificação jurídica dos factos.

30      Em qualquer caso, importa acrescentar que, no n.o 38 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou, com justeza, que, embora os recorrentes tenham invocado também uma proibição de uso da palavra aplicada aos deputados que não respeitaram a medida controvertida, nada permitia demonstrar que essa medida ia «além de uma proibição, dirigida aos membros do Parlamento nos termos do artigo 10.o, n.o 3, do Regimento, de colocar bandeiras nacionais nas respetivas mesas».

31      Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu nenhuma desvirtuação ou erro de qualificação jurídica dos factos ao afirmar que a medida controvertida se destinava apenas a pôr termo à presença das bandeiras nacionais nas mesas dos deputados, sem que essa medida tenha tido concretamente por efeito, nas sessões plenárias de 29 e 30 de janeiro de 2020, proibir os deputados em causa de usar da palavra.

32      Daqui resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento

–       Argumentos das partes

33      Com o seu segundo fundamento, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral, nos n.os 41 a 50 do acórdão recorrido, cometeu uma «violação e [uma] desvirtuação de direito e de facto» do artigo 10.o, n.o 3, do Regimento, bem como um «erro manifesto de apreciação», que o levaram a decidir, no n.o 52 desse acórdão, que a medida controvertida se inscrevia no âmbito da organização interna dos trabalhos do Parlamento, não produzia efeitos jurídicos suscetíveis de afetar as condições de exercício do mandato de deputado dos recorrentes e, por conseguinte, não constituía um ato impugnável na aceção do artigo 263.o TFUE.

34      A este respeito, os recorrentes sustentam, primeiro, que as «bandeiras» nacionais não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 10.o, n.o 3, do Regimento, que apenas se refere às «faixas» e às «bandeiras». O Tribunal Geral devia ter demonstrado que uma bandeira nacional é uma «bandeira» ou uma «faixa», na aceção desta disposição, antes de determinar se a utilização dessa bandeira nacional pelos deputados perturbava a boa ordem na sala das sessões ou constituía um comportamento inadequado destes, suscetível de comprometer o bom andamento dos trabalhos parlamentares.

35      Neste contexto, os recorrentes sustentam que os termos «bandeiras» e «faixas» devem ser definidos em conformidade com o sentido corrente destes termos em língua francesa, conforme precisado na tomada de posição adotada pelo serviço do Dicionário da Academia Francesa, por carta de 20 de fevereiro de 2020, em resposta a um pedido que lhe foi dirigido por dois dos recorrentes.

36      Alegam também que o Tribunal Geral não devia ter tido em conta, no n.o 50 do acórdão recorrido, as diferentes versões linguísticas do artigo 10.o, n.o 3, do Regimento para determinar se as «bandeiras nacionais» em causa podiam ser qualificadas de «bandeiras» ou de «faixas», na aceção dessa disposição. Ao decidir desta forma, o Tribunal Geral infringiu o artigo 1.o do Regulamento n.o 1 do Conselho, de 15 de abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17, p. 385), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 517/2013 do Conselho, de 13 de maio de 2013 (JO 2013, L 158, p. 1), que dispõe que a língua francesa é uma língua oficial e uma língua de trabalho das instituições da União Europeia. Os termos em causa só deveriam, portanto, ter sido interpretados, relativamente aos deputados franceses, em conformidade com o alcance que lhes confere a língua francesa.

37      Segundo, os recorrentes alegam que o Tribunal Geral interpretou erradamente o artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento, que apenas proíbe a exibição de «bandeiras» e de «faixas», mas não de «bandeiras nacionais». Consequentemente, o Tribunal Geral equiparou erradamente uma «pequena bandeira colocada» na mesa dos deputados à exibição de «bandeiras» e de «faixas», quando os recorrentes, em qualquer caso, não exibiram as bandeiras nacionais «incessantemente».

38      Terceiro, o Tribunal Geral não procurou saber, no âmbito de uma análise contextual do artigo 10.o, n.os 2 e 3, do Regimento, se a medida controvertida visava sanar uma eventual perturbação, causada pela presença dessas bandeiras nacionais, no andamento dos trabalhos parlamentares ou na ordem e segurança das sessões. Não expôs, portanto, os motivos pelos quais a exibição de uma bandeira nacional na mesa de um deputado constituía um comportamento inadequado.

39      Quarto, os recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 43 a 45 do acórdão recorrido, que a medida controvertida visava garantir a igualdade dos deputados e podia basear‑se no artigo 10.o do Regimento, quando esse objetivo é prosseguido pelo artigo 171.o desse Regimento.

40      Quinto, segundo os recorrentes, «os deputados [ao Parlamento] são eleitos, antes de mais, pelos cidadãos do seu país, com base em listas nacionais num quadro fixado por cada Estado[‑Membro]». A circunstância de cidadãos de outros Estados‑Membros poderem integrar essas listas e votar nesse Estado‑Membro não retira «esse caráter nacional ao voto». De resto, a afirmação de «pertença nacional» decorre do artigo 4.o, n.o 2, TUE. Por conseguinte, contrariamente ao que o Tribunal Geral decidiu, no n.o 49 do acórdão recorrido, a presença da bandeira nacional na mesa de um deputado do Parlamento não está em dissonância com a função representativa desse deputado, tal como definida pelos Tratados, nem é suscetível de perturbar o bom andamento dos trabalhos parlamentares.

41      O Parlamento considera que o segundo fundamento é manifestamente improcedente.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

42      Com o seu segundo fundamento, os recorrentes acusam, em substância, o Tribunal Geral de, nos n.os 41 a 50 do acórdão recorrido, ter interpretado erradamente o artigo 10.o, n.o 3, do Regimento. Em sua opinião, esta disposição não pode servir de fundamento à medida controvertida, uma vez que as bandeiras nacionais não estão abrangidas pelo seu âmbito de aplicação. Nestas condições, tal medida poderia afetar as condições de exercício do seu mandato de deputado, alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, e constituiria, por conseguinte, um ato impugnável, na aceção do artigo 263.o TFUE.

43      Importa recordar que são consideradas «atos impugnáveis», na aceção do artigo 263.o TFUE, todas as disposições adotadas pelas instituições, qualquer que seja a sua forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos vinculativos (Acórdãos de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 31, e de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão, C‑575/18 P, EU:C:2020:530, n.o 46 e jurisprudência referida).

44      Para determinar se a medida controvertida produz efeitos jurídicos vinculativos, importa atender à substância desse ato e apreciar esses efeitos em função de critérios objetivos, como o conteúdo do referido ato, tendo em conta, se for caso disso, o contexto da adoção deste último, bem como os poderes da instituição que dele é autora (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de fevereiro de 2018, Bélgica/Comissão, C‑16/16 P, EU:C:2018:79, n.o 32, e de 9 de julho de 2020, República Checa/Comissão, C‑575/18 P, EU:C:2020:530, n.o 47).

45      Cumpre recordar que a medida controvertida consiste numa proibição, verbal, de colocar as bandeiras nacionais nas mesas dos deputados e foi adotada com base no artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento, que dispõe que «[o]s deputados não exibem bandeiras, nem faixas» nas sessões parlamentares. Como a advogada‑geral salientou no n.o 71 das suas conclusões, esta disposição é diretamente aplicável, sem necessidade de medidas de execução.

46      Para determinar se o Tribunal Geral, como alegam os recorrentes, cometeu um erro de direito na interpretação do artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento, há que ter em conta, como foi recordado no n.o 40 do acórdão recorrido, não só os termos desta disposição mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 28 de setembro de 2023, Gargždų geležinkelis, C‑671/21, EU:C:2023:709, n.o 50 e jurisprudência referida).

47      A formulação de uma disposição do direito da União utilizada numa das versões linguísticas não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. A necessidade de interpretação e aplicação uniformes de uma disposição do direito da União exclui que esta seja considerada isoladamente numa das suas versões, antes exige que seja interpretada em função da sistemática geral e da finalidade da regulamentação de que faz parte [v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 1977, Bouchereau, 30/77, EU:C:1977:172, n.o 14, e Acórdão de 15 de setembro de 2022, Minister for Justice and Equality (Nacional de país terceiro primo de um cidadão da União), C‑22/21, EU:C:2022:683, n.o 20].

48      Por conseguinte, foi com justeza que o Tribunal Geral tomou em consideração, no n.o 50 do acórdão recorrido, versões linguísticas distintas da versão em língua francesa do artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento, para determinar se as bandeiras nacionais constituíam «bandeiras» ou «faixas», na aceção desta disposição. Por outro lado, contrariamente às alegações dos recorrentes, o Tribunal Geral, deste modo, não infringiu de maneira nenhuma o artigo 1.o do Regulamento n.o 1 do Conselho, conforme alterado pelo Regulamento n.o 517/2013, que se limita a enumerar as línguas oficiais e as línguas de trabalho das instituições da União.

49      Quanto à questão de saber se a proibição de exibir «faixas» e «bandeiras», estabelecida no artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento, abrange igualmente as bandeiras nacionais, o Tribunal Geral salientou, no n.o 50 do acórdão recorrido, que os termos utilizados noutras versões linguísticas desta disposição correspondentes aos termos franceses «banderoles» e «bannières», designam geralmente objetos frequentemente realizados em tecido, fixados por vezes em bastões de madeira e nos quais estão inscritos, nomeadamente, slogans políticos, uma divisa ou a expressão de um apelo ou de um objetivo político. Teve, pois, razão ao decidir, nesse mesmo n.o 50, que, devido à função atribuída no caso em apreço à bandeira nacional pelos recorrentes, esta bandeira nacional podia ser considerada um meio de expressão ou de comunicação idêntico às bandeiras ou às faixas.

50      Esta interpretação é corroborada pelos elementos contextuais e teleológicos do artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento.

51      Com efeito, como o Tribunal Geral salientou nos n.os 42 a 44 do acórdão recorrido, a tradição do debate oral, que caracteriza a atividade parlamentar, está refletida no Regimento. Resulta da sistemática geral deste que os deputados se exprimem pelo uso da palavra e não dispõem, em princípio, de nenhum outro meio de expressão. Neste contexto, o artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento, lido em conjugação com o seu artigo 175.o, limita os meios de expressão dos deputados fora do seu tempo de uso da palavra, para garantir tanto a igualdade destes como a boa ordem na sala das sessões.

52      Por conseguinte, contrariamente ao que os recorrentes sustentam, foi com justeza que o Tribunal Geral considerou que tinham exibido uma bandeira ou uma faixa, na aceção do artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento, quando colocaram uma bandeira nacional nas respetivas mesas. Com efeito, à luz da função política atribuída deste modo a essa bandeira nacional, o ato dos deputados em causa deve ser entendido como a manifestação de uma opinião política ao mesmo título que a exibição das «bandeiras» e «faixas» referidas no artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento.

53      Quanto à argumentação dos recorrentes segundo a qual o Tribunal Geral errou ao não expor as razões pelas quais considerou que a exibição dessas bandeiras nacionais perturbava a boa ordem da sala das sessões e constituía um comportamento inadequado dos deputados, basta salientar que a proibição estabelecida no artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento não depende da demonstração concreta de que a referida exibição perturba o bom andamento dos trabalhos parlamentares.

54      No que respeita à argumentação dos recorrentes segundo a qual o Tribunal Geral interpretou erradamente o artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento, no sentido de que o objetivo desta disposição é a manutenção da igualdade entre os deputados quanto ao seu tempo de uso da palavra, basta salientar que o Tribunal Geral declarou, com justeza, no n.o 44 do acórdão recorrido, que o objetivo desta disposição, lida em conjugação com o artigo 175.o do referido regimento, consiste em garantir a igualdade dos deputados no que respeita aos seus meios de expressão e, portanto, tendo em conta que os deputados se exprimem, em princípio, oralmente, ao seu tempo de uso da palavra.

55      Por último, no que respeita à argumentação dos recorrentes segundo a qual dispõem do direito de colocar uma pequena bandeira nacional nas respetivas mesas, com fundamento no direito ao respeito da identidade nacional garantido pelo artigo 4.o, n.o 2, TUE, importa recordar, antes de mais, que esta disposição, contrariamente ao que alegam os recorrentes, não se refere a uma «pertença nacional». Em contrapartida, a referida disposição impõe à União que respeite a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, bem como a respetiva identidade nacional, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, e as funções essenciais do Estado.

56      Por outro lado, os membros do Parlamento representam os cidadãos da União, como resulta expressamente do artigo 10.o, n.o 2, e do artigo 14.o, n.o 2, TUE e ainda do artigo 22.o, n.o 2, TFUE, apesar de serem eleitos a partir de listas estabelecidas ao nível dos Estados‑Membros. Em conformidade com o princípio da democracia representativa, no qual, nos termos do artigo 10.o, n.o 1, TUE, o funcionamento da União se baseia, a composição do Parlamento reflete de forma fiel e completa a livre expressão das escolhas feitas pelos cidadãos da União, através de sufrágio universal direto, das pessoas através das quais pretendem ser representados durante uma determinada legislatura (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Junqueras Vies, C‑502/19, EU:C:2019:1115, n.o 83).

57      Daqui resulta que, como o Tribunal Geral declarou, com justeza, no n.o 49 do acórdão recorrido, a exibição das bandeiras nacionais dos Estados‑Membros nas mesas dos deputados eleitos para o Parlamento está em dissonância com a função representativa desses deputados, tal como definida pelos Tratados, para os quais o artigo 10.o, n.o 1, do Regimento expressamente remete.

58      Nestas condições, há que considerar que a medida controvertida não produz efeitos jurídicos suscetíveis de afetar as condições de exercício do mandato de deputado dos recorrentes alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica, uma vez que os seus efeitos não vão além dos produzidos pela proibição prevista no artigo 10.o, n.o 3, segundo período, do Regimento.

59      Por conseguinte, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito quando declarou, no n.o 52 do acórdão recorrido, que a medida controvertida não constitui um ato impugnável.

60      Daqui decorre que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

61      Tendo em conta as considerações precedentes, há que negar provimento ao presente recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

62      Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso da decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decide sobre as despesas. Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, deste último, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

63      Tendo o Parlamento pedido a condenação dos recorrentes nas despesas e tendo estes sido vencidos, há que condená‑los a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Parlamento.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Jérôme Rivière, Dominique Bilde, Joëlle Mélin, Aurélia Beigneux, Thierry Mariani, Jordan Bardella, JeanPaul Garraud, JeanFrançois Jalkh, Gilbert Collard, Gilles Lebreton, Nicolaus Fest, Gunnar Beck e Philippe Olivier são condenados a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas pelo Parlamento Europeu.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.