Language of document : ECLI:EU:C:2018:605

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

25 de julho de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador — Diretiva 2008/94/CE — Artigos 3.o e 4.o — Tomada a cargo dos créditos dos trabalhadores pelas instituições de garantia — Limitação da obrigação de pagamento das instituições de garantia — Exclusão dos créditos salariais originados mais de três meses antes da inscrição no registo comercial da decisão judicial de abertura do processo de insolvência»

No processo C‑338/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), por decisão de 31 de maio de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de junho de 2017, no processo

Virginie Marie Gabrielle Guigo

contra

Fond «Garantirani vzemania na rabotnitsite i sluzhitelite»,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, C. Toader e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de V. Guigo, por H. Hristev, advokat,

–        em representação do Governo búlgaro, por L. Zaharieva e E. Petranova, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Kellerbauer, Y. Marinova e P. Mihaylova, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 151.o e 153.o TFUE, do artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), dos artigos 3.o, 4.o, 11.o e 12.o da Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 2008, L 283, p. 36), e dos princípios da autonomia processual, da equivalência, da efetividade e da proporcionalidade.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Virginie Marie Gabrielle Guigo ao Fond «Garantirani vzemania na rabotnitsite i sluzhitelite» (Fundo «Créditos Garantidos dos Trabalhadores», Bulgária) do Natsionalen osiguritelen institut (Instituto Nacional da Segurança Social, Bulgária) (a seguir «Fundo de Garantia»), a respeito de uma recusa de garantir o pagamento dos créditos salariais em dívida.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        A Diretiva 2008/94 procedeu à codificação da Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO 1980, L 283, p. 23; EE 05 F2 p. 201), conforme alterada, em último lugar, pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de setembro de 2002 (JO 2002, L 270, p. 10), tendo igualmente procedido à sua revogação.

4        Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94:

«A presente diretiva aplica‑se aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação a empregadores que se encontrem em estado de insolvência, na aceção do n.o 1 do artigo 2.o»

5        O artigo 3.o desta diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.o, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho.

Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados‑Membros.»

6        O artigo 4.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.o

2.      Quando os Estados‑Membros fizerem uso da faculdade a que se refere o n.o 1, devem determinar a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia. Contudo, esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho anterior e/ou posterior à data a que se refere o segundo parágrafo do artigo 3.o

Os Estados‑Membros podem calcular este período mínimo de três meses com base num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses.

Os Estados‑Membros que fixarem um período de referência não inferior a 18 meses têm a possibilidade de reduzir a oito semanas o período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia. Neste caso, para o cálculo do período mínimo, são considerados os períodos mais favoráveis aos trabalhadores assalariados.

3.      Os Estados‑Membros podem estabelecer limites máximos em relação aos pagamentos efetuados pela instituição de garantia. Estes limites não devem ser inferiores a um limiar socialmente compatível com o objetivo social da presente diretiva.

Quando os Estados‑Membros fizerem uso desta faculdade, devem comunicar à Comissão os métodos através dos quais estabeleceram o referido limite máximo.»

7        O artigo 12.o da mesma diretiva prevê:

«A presente diretiva não prejudicará a faculdade de os Estados‑Membros:

a)      Tomarem as medidas necessárias para evitar abusos;

b)      Recusarem ou reduzirem a obrigação de pagamento prevista no artigo 3.o ou a obrigação de garantia prevista no artigo 7.o no caso da execução da obrigação não se justificar por força de existência de laços particulares entre o trabalhador assalariado e a entidade patronal e de interesses comuns concretizados por conluio entre eles;

c)      Recusarem ou reduzirem a obrigação de pagamento a que se refere o artigo 3.o ou a obrigação de garantia a que se refere o artigo 7.o nos casos em que o trabalhador assalariado possuísse, individual ou conjuntamente com os seus familiares próximos, uma parte essencial da empresa ou do estabelecimento do empregador e exercesse uma influência considerável sobre as suas atividades.»

 Direito búlgaro

8        Nos termos do artigo 4.o, n.o 1 da Zakon za garantiranite vzemania na rabotnitsite i sluzhitelite pri nesastoyatelnost na rabotodatelia (Lei relativa à proteção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador, a seguir «Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores»):

«Os trabalhadores que mantenham ou tenham mantido uma relação de trabalho com o empregador referido no artigo 2.o podem reivindicar os créditos garantidos na aceção da presente lei, independentemente de quais forem ou tenham sido a duração e os horários da referida relação de trabalho, desde que esta:

1.      não tenha cessado à data da inscrição no registo comercial da decisão judicial referida no artigo 6.o;

2.      tenha cessado no decorrer dos três meses que precederam a inscrição no registo comercial da decisão judicial referida no artigo 6.o»

9        O artigo 6.o desta lei prevê:

«O direito dos trabalhadores aos créditos garantidos, referido no artigo 4.o, n.o 1, constitui‑se no momento da inscrição no registo comercial da decisão judicial com a qual:

1.      É dado início ao processo de insolvência;

2.      É dado início ao processo de insolvência e é simultaneamente declarada a insolvência;

3.      É dado início ao processo de insolvência, de declaração de cessação das atividades da empresa, de declaração da insolvência do devedor e de interrupção do processo de insolvência devido à insuficiência dos ativos para o pagamento das custas do processo.»

10      O artigo 25.o da referida lei tem a seguinte redação:

«Os créditos garantidos na aceção da presente lei são concedidos com base num formulário de declaração preenchido segundo o modelo previsto para o efeito, remetido pelo trabalhador ao balcão local do Instituto Nacional da Segurança Social mais próximo da sede do empregador no prazo de dois meses a contar da data de inscrição da decisão judicial referida no artigo 6.o ou a contar da data em que os trabalhadores foram informados pelo empregador búlgaro da abertura de um processo de insolvência nos termos da legislação de outro Estado.»

11      O artigo 358.o do Kodeks na truda (Código do Trabalho) dispõe:

«1)      As ações respeitantes a conflitos laborais são intentadas nos seguintes prazos:

[…]

3.      No prazo de três anos para todos os restantes conflitos laborais.

2)      Os prazos referidos no número anterior começam a contar:

[…]

2.      para as restantes ações, a partir do dia em que o direito objeto do recurso se tornou exigível ou do dia em que a sua execução se tornou possível. Tratando‑se de dívidas pecuniárias, presume‑se a exigibilidade no dia em que o pagamento do crédito deveria normalmente ter sido efetuado.

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      V. Guigo trabalhou entre 29 de junho de 2007 e 14 de maio de 2012 para a Evrosilex OOD, sociedade com sede em Varna (Bulgária).

13      Por decisão judicial de 26 de junho de 2013, o Rayonen sad Varna (Tribunal Regional de Varna, Bulgária) condenou a Evrosilex no pagamento a V. Guigo de determinados créditos correspondentes à remuneração líquida de férias remuneradas gozadas nos meses de março, abril e maio de 2012, bem como a uma indemnização pela cessação do contrato sem pré‑aviso, sendo cada um destes créditos acrescido de juros legais.

14      Por decisão judicial de 18 de dezembro de 2013, iniciou‑se no Okrazhen sad Varna (Tribunal de Primeira Instância de Varna, Bulgária) um processo de insolvência da Evrosilex e foi declarada a sua insolvência. Nesse mesmo dia, essa decisão judicial foi inscrita no registo comercial.

15      Em 3 de agosto de 2016, V. Guigo solicitou ao Fundo de Garantia o pagamento dos créditos correspondentes às remunerações devidas pela Evrosilex. Este pedido era baseado na Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores, na decisão judicial do Rayonen sad Varna (Tribunal Regional de Varna) de 26 de junho de 2013, bem como no título executivo emitido com fundamento nesta decisão judicial. Não tendo o Fundo de Garantia respondido no prazo legalmente previsto, V. Guigo contestou o indeferimento tácito no Administrativen sad Varna (Tribunal Administrativo de Varna, Bulgária).

16      Por decisão de 13 de setembro de 2016, o Fundo de Garantia veio a indeferir expressamente o pedido de V. Guigo com fundamento no artigo 4.o, n.o 1, ponto 2, e no artigo 25.o da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores. V. Guigo interpôs recurso contra esta decisão no Administrativen sad Varna (Tribunal Administrativo de Varna).

17      Por decisão judicial de 7 de dezembro de 2016, este órgão jurisdicional negou provimento aos dois recursos de V. Guigo por considerar, por um lado, que os requisitos relativos à cessação do contrato de trabalho, fixados no artigo 4.o, n.o 1, da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores, não estavam preenchidos e, por outro, que decorria do Acórdão de 18 de abril de 2013, Mustafa (C‑247/12, EU:C:2013:256), que, por força do direito da União, os Estados‑Membros podem prever um prazo de três meses, tal como o prazo em causa no processo principal, sem que tal constitua uma restrição indevida do âmbito de aplicação da Diretiva 2008/94.

18      V. Guigo interpôs recurso desta decisão judicial no Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), órgão jurisdicional de reenvio.

19      Este órgão jurisdicional salienta que o litígio levanta a questão de saber se, em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 4.o, n.o 1, da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores não priva de pleno efeito os artigos 151.o e 153.o TFUE, bem como os artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2008/94, na medida em que se pode considerar que esta disposição nacional obsta a que um trabalhador detentor de créditos possa beneficiar de uma proteção mínima.

20      Questiona‑se, mais concretamente, a respeito da questão de saber se o direito da União permite a adoção de uma disposição como o artigo 4.o, n.o 1, da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores, que exclui do benefício da proteção mínima dos créditos salariais, caso o empregador tenha sido declarado insolvente, os créditos salariais com origem numa relação de trabalho que cessou há mais de três anos, fazendo‑o de forma automática e absoluta. O órgão jurisdicional de reenvio observa que a Diretiva 2008/94 não prevê a possibilidade de restringir a categoria de pessoas qualificadas como trabalhadores e que detêm créditos salariais em dívida sobre o empregador insolvente, salvo para a categoria específica de pessoa excluídas da proteção por força da presunção do artigo 12.o desta diretiva.

21      Por outro lado, este órgão jurisdicional questiona‑se a respeito da questão de saber se o prazo de dois meses, previsto no artigo 25.o da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores, para apresentar um pedido de pagamento dos créditos garantidos, que começa a correr a contar da data da inscrição no registo comercial da decisão judicial de abertura do processo de insolvência, assegura um nível suficiente de proteção dos trabalhadores e se este prazo não restringe excessivamente o exercício dos direitos que para estes trabalhadores decorrem da Diretiva 2008/94. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o Código do Trabalho prevê um prazo de três anos para intentar uma ação de pagamento de créditos salariais, que começa a correr a contar da data em que a dívida deveria ter sido paga pelo empregador, e que, embora estas duas leis nacionais rejam situações diferentes por natureza, ambas prosseguem, contudo, um objetivo em comum, a saber, a proteção dos créditos salariais dos trabalhadores.

22      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se ainda sobre a compatibilidade do artigo 25.o da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores com os artigos 3.o e 4.o da Diretiva 2008/94, bem como com os princípios da proporcionalidade e da efetividade, pelo facto de esta disposição ser aplicável de forma automática e sem nenhuma possibilidade de apreciação das especificidades de cada caso concreto.

23      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio expressa dúvidas quanto à compatibilidade com o artigo 20.o da Carta da diferença de tratamento de que são objeto os trabalhadores que têm direito à proteção dos seus créditos em dívida, consoante se aplique o artigo 358.o, n.o 1, ponto 3, do Código do Trabalho ou o artigo 4.o, n.o 1, da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores, e consoante o empregador seja solvente ou não.

24      Nestas circunstâncias, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem os artigos 151.o e 153.o TFUE e os artigos 3.o, 4.o, 11.o e 12.o da Diretiva 2008/94 ser interpretados no sentido de que admitem uma disposição nacional como o artigo 4.o, n.o 1, da [Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores], que exclui de proteção os créditos não pagos decorrentes da relação laboral das pessoas cuja relação laboral tenha cessado anteriormente ao período de três meses que antecede a inscrição da decisão de abertura do processo de insolvência relativo ao património do empregador?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, tendo em conta os princípios da equivalência, da efetividade e da proporcionalidade no âmbito dos objetivos sociais dos artigos 151.o e 153.o TFUE e a Diretiva 2008/94, deve o princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros ser interpretado no sentido de que admite uma medida nacional como o artigo 25.o da [Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores], segundo o qual, decorrido o prazo de dois meses a partir do momento da inscrição da decisão de abertura do processo de insolvência, os direitos à reclamação e ao pagamento dos créditos garantidos se extinguem, quando a ordem jurídica nacional contém uma disposição como o artigo 358.o, n.o 1, ponto 3, do Código do Trabalho, segundo o qual o prazo para reclamar os créditos não pagos decorrentes da relação laboral é de três anos a contar do momento em que o pagamento deveria ter sido feito e os pagamentos efetuados depois de decorrido esse prazo são considerados indevidos?

3)      Deve o artigo 20.o da [Carta] ser interpretado no sentido de que admite a distinção, por um lado, entre os trabalhadores cujos créditos não pagos decorrentes de uma relação laboral terminada anteriormente ao período de três meses que antecede a inscrição da decisão de abertura do processo de insolvência sobre o património do empregador e os trabalhadores cuja relação laboral termina dentro do referido período de três meses e, em segundo lugar, entre estes trabalhadores e aqueles que, com base no artigo 358.o, n.o 1, ponto 3, do Código do Trabalho, têm direito a exigir a proteção durante três anos dos créditos não pagos, a contar do momento em que o pagamento deveria ter sido feito?

4)      Deve o artigo 4.o, em conjugação com artigo 3.o da Diretiva [2008/94] e com o princípio da proporcionalidade, ser interpretado no sentido de que admite uma disposição como o artigo 25.o da [Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores], segundo o qual o direito à reclamação e ao pagamento de créditos garantidos se extingue automaticamente, sem possibilidade de apreciação individual das circunstâncias concretas do caso no termo do prazo de dois meses contados a partir do momento da inscrição da decisão de abertura do processo de insolvência?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

25      A título preliminar, importa salientar que, na medida em que a Diretiva 2008/94 se baseia no artigo 137.o, n.o 2, CE, atual artigo 153.o TFUE, e foi adotada para realizar os objetivos referidos no artigo 151.o TFUE, apenas é necessário interpretar as disposições desta diretiva para responder à primeira questão.

26      Assim, há que considerar que, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2008/94 deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional como o artigo 4.o, n.o 1, da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores, que não garante os créditos salariais dos trabalhadores cuja relação de trabalho tenha cessado mais de três meses antes da inscrição no registo comercial da decisão judicial de abertura do processo de insolvência do empregador.

27      Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94, esta aplica‑se aos créditos dos trabalhadores emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação aos empregadores que se encontrem em estado de insolvência.

28      Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a finalidade social desta diretiva consiste em assegurar a todos os trabalhadores assalariados um mínimo de proteção ao nível da União Europeia em caso de insolvência do empregador através do pagamento dos créditos em dívida emergentes de contratos ou de relações de trabalho, respeitantes à remuneração relativa a um determinado período (Acórdãos de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C‑309/12, EU:C:2013:774, n.o 20, e de 2 de março de 2017, Eschenbrenner, C‑496/15, EU:C:2017:152, n.o 52 e jurisprudência referida).

29      É à luz deste objetivo que o artigo 3.o da referida diretiva impõe que os Estados‑Membros tomem as medidas necessárias para que as instituições de garantia nacionais assegurem o pagamento dos créditos em dívida aos trabalhadores.

30      Contudo, como o Tribunal de Justiça já salientou, a Diretiva 2008/94 confere aos Estados‑Membros a faculdade de limitarem a obrigação de pagamento através da fixação de um período de referência ou de um período de garantia e/ou do estabelecimento de limites máximos aos pagamentos (v., por analogia com a Diretiva 80/987, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C‑309/12, EU:C:2013:774, n.o 22, e Despacho de 10 de abril de 2014, Macedo Maia e o., C‑511/12, não publicado, EU:C:2014:268, n.o 21).

31      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as disposições da Diretiva 2008/94 relativas à faculdade conferida aos Estados‑Membros de limitarem a sua garantia demonstram que o sistema estabelecido pela referida diretiva tem em conta a capacidade financeira desses Estados‑Membros e que procura preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia (v., por analogia, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C‑309/12, EU:C:2013:774, n.o 29, e Despacho de 10 de abril de 2014, Macedo Maia e o., C‑511/12, não publicado, EU:C:2014:268, n.o 21).

32      Assim, por um lado, o artigo 3.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/94 prevê que os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados‑Membros.

33      Por outro lado, por força do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2008/94, os Estados‑Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.o da diretiva. Segundo o artigo 4.o, n.o 2, da referida diretiva, quando os Estados‑Membros fizerem uso desta faculdade, devem determinar a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia sendo que, contudo, esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho anterior e/ou posterior à data a que se refere o artigo 3.o, segundo parágrafo, desta diretiva. Estas disposições concedem igualmente aos Estados‑Membros a faculdade de inserirem este período mínimo de três meses num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses, bem como de preverem uma garantia mínima limitada a oito semanas, desde que este período de oito semanas se insira num período de referência mais longo, de dezoito meses, no mínimo (v., por analogia, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C‑309/12, EU:C:2013:774, n.o 26).

34      Importa recordar que os casos em que é permitido limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia, conforme previstos no artigo 4.o da Diretiva 2008/94, devem ser objeto de interpretação estrita (v., por analogia, Acórdãos de 17 de novembro de 2011, van Ardennen, C‑435/10, EU:C:2011:751, n.o 34, e de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C‑309/12, EU:C:2013:774, n.o 31). Todavia, tal interpretação restritiva não pode ter por efeito esvaziar de conteúdo a faculdade expressamente reservada aos Estados‑Membros de limitarem a referida obrigação de pagamento (v., neste sentido, Acórdão de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o., C‑309/12, EU:C:2013:774, n.o 32).

35      No caso vertente, é em conformidade com o artigo 3.o, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/94 que o artigo 6.o da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores fixou como data de referência aquela em que a decisão judicial de abertura do processo de insolvência foi inscrita no registo comercial. Por outro lado, não resulta dos autos à disposição do Tribunal de Justiça que a República da Bulgária tenha feito uso da faculdade prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo e terceiro parágrafos, desta diretiva de fixar um período de referência, na aceção desta disposição.

36      Ora, por força do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da referida diretiva, os Estados‑Membros têm a faculdade de limitar a tomada a cargo pela instituição de garantia, caso a relação de trabalho tenha cessado antes dessa data de referência, apenas a concedendo aos trabalhadores cuja relação de trabalho tenha cessado durante os três meses que precedem essa data, conforme previsto no artigo 4.o, n.o 1, da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores. Com efeito, a exclusão dos trabalhadores cuja relação de trabalho tenha cessado antes deste período não viola a proteção mínima prevista no artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/94, uma vez que estes trabalhadores não têm, face ao empregador insolvente, créditos em dívida decorrentes do seu contrato de trabalho ou da relação de trabalho que tenham nascido nos três meses anteriores à referida data de referência.

37      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que a Diretiva 2008/94 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional como o artigo 4.o, n.o 1, da Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores, que não garante os créditos salariais dos trabalhadores cuja relação de trabalho tenha cessado mais de três meses antes da inscrição no registo comercial da decisão judicial de abertura do processo de insolvência do empregador.

 Quanto à segunda, terceira e quarta questões

38      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não é necessário dar resposta à segunda, terceira e quarta questões.

 Quanto às despesas

39      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

A Diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional como o artigo 4.o, n.o 1, da Zakon za garantiranite vzemania na rabotnitsite i sluzhitelite pri nesastoyatelnost na rabotodatelia (Lei relativa à proteção dos créditos dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador), que não garante os créditos salariais dos trabalhadores cuja relação de trabalho tenha cessado mais de três meses antes da inscrição no registo comercial da decisão judicial de abertura do processo de insolvência do empregador.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.