Language of document : ECLI:EU:T:2009:61

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

10 de Março de 2009 (*)

«Auxílios de Estado – Construção naval – Antiga República Democrática Alemã – Auxílios pagos para cobertura dos prejuízos decorrentes dos contratos de construção naval – Auxílios ligados à competitividade – Inexistência de pagamento excedentário»

No processo T‑68/05,

Aker Warnow Werft GmbH, com sede em Rostock (Alemanha),

Kvaerner ASA, com sede em Oslo (Noruega),

representadas inicialmente por M. Schütte, advogado, e B. Immenkamp, solicitor, e em seguida por M. Schütte,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por L. Flynn e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2005/374/CE da Comissão, de 20 de Outubro de 2004, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft (JO 2005, L 120, p. 21),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: V. Tiili (relator), presidente, F. Dehousse e I. Wiszniewska‑Białecka, juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Março de 2008,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico e factos na origem do litígio

1        Em 21 de Dezembro de 1990, o Conselho adoptou a Directiva 90/684/CEE, relativa aos auxílios à construção naval (JO L 380, p. 27). Esta directiva previa a possibilidade de concessão, segundo certas modalidades, de auxílios de Estado, por um lado, ao funcionamento e, por outro, à reestruturação, a favor das empresas de construção e de transformação naval (a seguir «estaleiros navais») situadas na Comunidade Europeia.

2        No que respeita aos auxílios ao funcionamento, os únicos pertinentes no âmbito do presente recurso, o artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 90/684 dispõe que «os auxílios à produção a favor [dos estaleiros navais] podem ser considerados compatíveis com o mercado comum, desde que o montante total do auxílio concedido para um contrato [de construção e de transformação naval] não exceda, em equivalente a subvenção, um limite máximo comum expresso em percentagem do valor contratual antes do auxílios». Além disso, por força do artigo 11.°, n.° 2, alínea a), da referida directiva, os Estados‑Membros notificam à Comissão, previamente à sua execução, qualquer regime de auxílio novo ou existente visado pela Directiva 90/684.

3        Por cartas de 24 de Maio e 4 de Junho de 1991, a República Federal da Alemanha notificou à Comissão, em conformidade com o artigo 11.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 90/684, os regimes de auxílios aos estaleiros navais situados no território alemão, e, em especial, os situados no território da antiga República Democrática Alemã.

4        Por decisão de 13 de Setembro de 1991 dirigida à República Federal da Alemanha (a seguir «decisão de 13 de Setembro de 1991»), a Comissão decidiu não levantar objecções em relação aos regimes de auxílios notificados. Na referida decisão, a Comissão considerou nomeadamente que, no que respeita aos «auxílios à produção ligados aos contratos» referidos no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 90/684, «segundo o programa de auxílios destinados a lutar contra a concorrência, [todos] os estaleiros navais alemães [podiam] beneficiar de subvenções que representassem 9,5% do valor contratual (8,7% do valor do contrato antes do auxílio), quando esses estaleiros estiverem em concorrência com outros estaleiros de países nos quais são pagos subsídios mais elevados». A decisão de 13 de Setembro de 1991 substituiu a decisão que a Comissão tinha adoptado por carta de 2 de Dezembro de 1987 e que permitia à República Federal da Alemanha conceder aos estaleiros navais alemães um auxílio destinado a lutar contra a concorrência (Wettbewerbshilfe, a seguir «auxílio à competitividade»).

5        Em 20 de Julho de 1992, o Conselho adoptou a Directiva 92/68/CEE, que altera a Directiva 90/684 (JO L 219, p. 54). A Directiva 92/68 destinava‑se a permitir unicamente aos estaleiros navais situados no território da antiga República Democrática Alemã beneficiar de um limite de auxílio mais elevado do que o previsto na Directiva 90/684, e facilitar a sua reestruturação, reduzindo ao mesmo tempo excedentes de capacidade no mercado mundial da construção naval.

6        A Directiva 92/68 inseriu na Directiva 90/684 o artigo 10.°‑A, n.os 1 a 3, que dispõe o seguinte:

«1. À excepção dos n.os 6 e 7 do artigo 4.°, o capítulo II [relativo aos auxílios ao funcionamento] não é aplicável às actividades de construção e transformação naval dos estaleiros [navais] em funcionamento no território da antiga República Democrática Alemã em 1 de Julho de 1990.

2. Até 31 de Dezembro de 1993, os auxílios ao funcionamento para actividades de construção e transformação navais destes estaleiros, a que se refere o n.° 1, podem ser considerados compatíveis com o mercado comum, desde que:

a)      Os auxílios destinados a facilitar a continuação do funcionamento dos estaleiros durante esse período não excedam, para nenhum deles, um limite máximo de 36% do volume de negócios anual de referência calculado sobre três anos de trabalhos de construção e transformação navais após a reestruturação. Estes auxílios devem ser pagos até 31 de Dezembro de 1993;

b)      Não sejam concedidos quaisquer outros auxílios à produção, para contratos assinados entre 1 de Julho de 1990 e 31 de Dezembro de 1993;

c)      [A República Federal da Alemanha] aceite proceder, de acordo com um calendário aprovado pela Comissão e, em qualquer caso, até 31 de Dezembro de 1995, a um[a] redução de capacidade real e irreversível igual a 40% líquidos da capacidade existente em 1 de Julho de 1990, que era de 545 000 [tonelagem bruta compensada];

d)      [A República Federal da Alemanha] apresente à Comissão, sob a forma de relatórios anuais elaborados por um revisor de contas independente, prova de que os auxílios pagos se destinam exclusivamente às actividades de estaleiros situados na antiga República Democrática Alemã; o primeiro destes relatórios deverá ser apresentado à Comissão, o mais tardar, até ao final de Fevereiro de 1993;

3. A Comissão certificar‑se‑á de que os auxílios previstos no presente artigo não afectam as trocas comerciais num sentido que contrarie o mercado comum.»

7        Por contrato de 7 de Outubro de 1992 (a seguir «contrato de aquisição») celebrado na sequência de um processo de concurso seguido de negociações exclusivas, a Treuhandanstalt (a seguir «THA»), o organismo de direito público encarregado de reestruturar e privatizar os estaleiros navais situados no território da antiga República Democrática Alemã, cedeu o estaleiro naval do Leste da Alemanha Neue Warnow Werft, o antecessor da Kvaerner Warnow Werft (a seguir «KWW»), ao grupo norueguês Kvaerner. A KWW passou a Aker Warnow Werft.

8        Em 30 de Outubro de 1992, a República Federal da Alemanha notificou à Comissão o contrato de aquisição, bem como, nomeadamente, um plano de previsão do pagamento de auxílios de Estado a fim de permitir à KWW reestruturar o estaleiro naval. Resulta, no essencial, dos artigos 7.° e 12.° do contrato de aquisição que os auxílios de Estado previstos a favor da KWW para reestruturar o estaleiro naval Warnow Werft deviam ser pagos por fracções e que o seu pagamento estava dependente de autorização prévia da Comissão.

9        Por decisão de 10 de Fevereiro de 1993 dirigida à República Federal da Alemanha, a Comissão decidiu, nomeadamente com base no artigo 4.° da Directiva 90/684, não levantar objecções quanto às alterações ao regime de auxílios à competitividade que a Comissão tinha aprovado na sua decisão de 13 de Setembro de 1991.

10      Na sua decisão de 10 de Fevereiro de 1993, a Comissão recorda os limites máximos de subvenções autorizados na sua decisão de 13 de Setembro de 1991.

11      Por decisões de 3 de Março de 1993 (a seguir «primeira decisão de autorização»), 17 de Janeiro de 1994 (a seguir «segunda decisão de autorização»), 20 de Fevereiro de 1995, 18 de Outubro de 1995 e 11 de Dezembro de 1995, dirigidas à República Federal da Alemanha, a Comissão autorizou, de acordo com a Directiva 90/684, conforme alterada pela Directiva 92/68, a concessão por fracções à KWW de auxílios, por um lado, ao funcionamento e, por outro, à reestruturação ao estaleiro naval Warnow Werft.

12      Apenas a primeira e segunda decisões de autorização são pertinentes no que respeita aos auxílios ao funcionamento concedidos à KWW.

13      A primeira decisão de autorização previa, nomeadamente, quanto aos auxílios ao funcionamento concedidos à KWW, o seguinte:

«Em 20 de Julho de 1992, o Conselho adoptou a Directiva [92/68] que altera a Directiva [90/984] relativa aos auxílios à construção naval. A nova Directiva [92/68] prevê uma excepção ao regime de auxílios ao funcionamento em proveito dos estaleiros navais da antiga [República Democrática Alemã], a fim de proceder a uma reestruturação urgente que lhes permitisse serem de novo competitivos.

Quanto à privatização do [estaleiro naval Warnow Werft], a Comissão recebeu do Governo alemão a versão definitiva [do contrato de aquisição], acompanhada de explicações. Numa conversa de 2 de Fevereiro de 1993, as autoridades alemãs forneceram precisões suplementares. A Comissão pôde deste modo reunir as informações necessárias para determinar se os requisitos de concessão do regime especial da Directiva [92/68] estavam preenchidos no caso [do estaleiro naval Warnow Werft].

Quando aprovou esta derrogação, a Comissão garantiu ao Conselho que usaria os seus poderes de controlo e vigilância a fim de que os estaleiros navais [situados no território da antiga República Democrática Alemã] obtivessem apenas os auxílios estritamente necessários à sua reestruturação.

[…]

[A] Comissão decidiu não se opor, em conformidade com as disposições da Directiva [90/684] em matéria de construção naval e da Directiva [92/68], ao pagamento da primeira fracção do auxílio [para o estaleiro naval Warnow Werft] na Alemanha. Esta fracção decompõe‑se do seguinte modo:

–        45 500 000 [marcos alemães] de auxílio ao funcionamento, 11 700 000 [marcos alemães] em compensação de uma parte dos prejuízos resultantes de [contratos de construção naval] posteriores a 1 de Julho de 1990, cuja execução está actualmente a decorrer, e 6 100 000 [marcos alemães] de auxílio à competitividade, bem como um pagamento de 27 750 000 [marcos alemães] de capitais próprios.

[…]»

14      A segunda decisão de autorização previa, nomeadamente, quanto aos auxílios ao funcionamento concedidos à KWW, o seguinte:

«Tendo em conta as obrigações actualmente subscritas pelo Governo alemão [no que respeita à capacidade de produção do estaleiro naval Warnow Werft], a Comissão [...] decidiu, em conformidade com a Directiva [90/684] relativa aos auxílios à construção naval e à Directiva [92/68] que altera a Directiva [90/684], não se opor a uma segunda fracção de auxílios [ao estaleiro naval Warnow Werft] na Alemanha; esta fracção decompõe‑se do seguinte modo:

–        617 100 000 [marcos alemães] de auxílio ao funcionamento, dos quais 113 500 000 [marcos alemães] serão pagos em numerário; neste último valor são incluídos 66 900 000 [marcos alemães] de auxílio à competitividade e 46 600 000 [marcos alemães] para cobertura de uma parte dos prejuízos que resultam dos contratos [de construção naval] assinados depois de 1 de Julho de 1990. Este auxílio ao funcionamento é o mais elevado dos que podem ser pagos ao estaleiro naval [Warnow Werft] em relação aos contratos celebrados até 31 de Dezembro de 1993.

[…]»

15      Em 8 de Julho de 1999, a Comissão adoptou a Decisão 1999/675/CE, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da KWW (JO L 274, p. 23). A referida decisão foi alterada pela Decisão 2000/416/CE da Comissão, de 29 de Março de 2000 (JO L 156, p. 39), na qual a Comissão concluiu, no essencial, que, na medida em que a KWW tinha ultrapassado o limite de capacidade de produção autorizado para o ano de 1998, os auxílios no montante de 82 200 000 marcos alemães (DEM) que lhe tinham sido concedidos eram incompatíveis com o mercado comum.

16      Em 15 de Fevereiro de 2000, a Comissão adoptou a Decisão 2000/336/CE, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da KWW (JO L 120, p. 12), na qual concluiu, no essencial, que, na medida em que a KWW tinha ultrapassado o limite de capacidade de produção autorizado igualmente para o ano de 1997, os auxílios no montante de 12 600 000 DEM que lhe tinham sido concedidos eram incompatíveis com o mercado comum.

17      Em 28 de Fevereiro de 2002, no seu acórdão Kvaerner Warnow Werft/Comissão (T‑227/99 e T‑134/00, Colect., p. II‑1205), o Tribunal de Primeira Instância anulou as duas decisões da Comissão supramencionadas nos n.os 15 e 16 com fundamento essencialmente no facto de a Comissão ter equiparado, sem razão, o conceito de limite de capacidade a um limite de produção efectiva. Em 29 de Abril de 2004, o Tribunal de Justiça negou provimento, no seu acórdão Comissão/Kvaerner Warnow Werft (C‑181/02 P, Colect., p. I‑5703), ao recurso interposto pela Comissão do acórdão do Tribunal de Primeira Instância.

18      Em 20 de Outubro de 2004, a Comissão adoptou a Decisão 2005/374/CE, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da KWW (JO 2005, L 120, p. 21, a seguir «decisão impugnada»).

19      Nos considerandos 1 e 2 da decisão impugnada, a Comissão indica que pediu, em 16 de Junho de 1999, informações às autoridades alemãs sobre a origem dos fundos que, segundo uma informação publicada na imprensa alemã de 12 de Junho de 1999, permitiram à KWW conceder um empréstimo de cerca de 205 000 000 euros à Kvaerner. A este propósito, a Comissão precisa que os seus pedidos se destinavam a verificar se os referidos fundos «provinham de auxílios à reestruturação pagos em excesso à [KWW] ou se continham outros elementos de auxílio».

20      Concluído o seu exame, por um lado, a Comissão constata, no considerando 127 da decisão impugnada, que «os movimentos de tesouraria [entre a KWW e a Kvaerner] anunciados pela imprensa alemã em 1999 não pareciam resultar de auxílios excedentários pagos durante o período de reestruturação que terminou em 1995».

21      Por outro lado, a Comissão refere, nos considerandos 120 e 121 da decisão impugnada, que, segundo as informações que lhe foram fornecidas pela República Federal da Alemanha, a KWW recebeu um auxílio de Estado excedentário de 25 999 000 DEM, correspondente à diferença entre o montante total dos auxílios que a KWW recebeu «durante o período de reestruturação», ou seja, 430 100 000 DEM, e os prejuízos reais decorrentes dos contratos de construção e de transformação naval que a KWW registou (a seguir «prejuízos decorrentes dos contratos»), ou seja, 404 101 000 DEM.

22      A Comissão conclui o seguinte na decisão impugnada:

«Artigo 1.°

O auxílio estatal no montante 13 293 077 euros (25 999 000 marcos alemães) concedido pela [República Federal da Alemanha] a favor da [KWW] é incompatível com o mercado comum.

Artigo 2.°

1.      [A República Federal da Alemanha] tomará todas as medidas necessárias para recuperar junto da [KWW] o auxílio a que se refere o artigo 1.°, que foi ilegalmente colocado à disposição do beneficiário.

[…]»

 Tramitação processual e pedidos das partes

23      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Fevereiro de 2005, as recorrentes, Aker Warnow Werft GmbH e Kvaerner ASA, interpuseram o presente recurso.

24      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do seu Regulamento de Processo, por cartas de 6 de Dezembro de 2007 e 7 de Janeiro de 2008, convidou as partes a responder a questões escritas e a apresentar certos documentos. As partes deram cumprimento a esse pedido nos prazos fixados.

25      Por cartas apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Fevereiro de 2008, as recorrentes pediram que certos documentos fornecidos pela Comissão em resposta às medidas de organização tomadas pelo Tribunal fossem retirados dos autos uma vez que não eram pertinentes para a solução do litígio (a seguir «documentos impugnados»). Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Fevereiro de 2008, a Comissão alegou que os documentos impugnados eram pertinentes a fim de responder às medidas de organização que o Tribunal lhe tinha dirigido.

26      Na audiência, que decorreu em 11 de Março de 2008, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais colocadas pelo Tribunal. Além disso, o Tribunal indeferiu o pedido das recorrentes de que os documentos impugnados fossem retirados dos autos, na medida em que os mesmos tinham sido apresentados pela Comissão em resposta às perguntas que lhe tinham sido feitas. Por fim, o Tribunal pediu à Comissão que lhe fornecesse certos documentos no prazo de quinze dias. A Comissão deu cumprimento a este pedido em 18 de Março de 2008. Por carta de 8 de Abril de 2008, as recorrentes apresentaram observações sobre os referidos documentos.

27      A fase oral foi declarada encerrada em 25 de Abril de 2008.

28      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

29      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Quanto ao mérito

30      As recorrentes apresentam quatro fundamentos de recurso. O primeiro fundamento refere‑se a um erro de direito e a um erro manifesto de apreciação, na medida em que, na decisão impugnada, a Comissão pôs, erradamente, em causa auxílios existentes e não podia ordenar a sua recuperação. O segundo fundamento refere‑se a um erro manifesto de apreciação ligado ao facto de a KWW não ter recebido nenhum auxílio excedentário, na medida em que o montante total do auxílio concedido para cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos era, na realidade, inferior ao montante dos prejuízos reais registados a esse título. O terceiro fundamento refere‑se à violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima resultante do prazo para intentar a acção e do comportamento da Comissão antes de esta ter sido intentada. O quarto fundamento, suscitado a título subsidiário, refere‑se a um erro manifesto de apreciação na determinação do montante fixo a reembolsar.

31      Refira‑se, a título preliminar, que, no âmbito do segundo fundamento, as recorrentes censuram a Comissão, no essencial, pelo facto de esta ter concluído que a KWW recebeu um montante total de auxílio de 430 100 000 DEM, correspondente a 450 000 000 DEM de auxílio para cobertura dos prejuízos decorrentes dos contratos e a 62 500 000 DEM de auxílio à competitividade, deduzido um montante de 82 400 000 DEM de auxílio ao funcionamento autorizado pela Comissão, mas não pago à Kvaerner, para cobertura dos seus prejuízos decorrentes dos contratos, no montante de 404 101 000 DEM. O segundo fundamento pode ser dividido em duas partes.

32      Na primeira parte, as recorrentes sustentam, no essencial, que a KWW recebeu, unicamente pelos prejuízos decorrentes dos contratos, um auxílio pago em numerário no montante total de 58 300 000 DEM, como resulta da primeira e segunda decisões de autorização, e não de 450 000 000 DEM, como considerou a Comissão na decisão impugnada.

33      Na segunda parte, as recorrentes alegam, no essencial, que o montante de 62 500 000 DEM recebido pela KWW em compensação do auxílio à competitividade não recebido não deveria ter sido incluído no cálculo do montante total do auxílio concedido a fim de cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos.

34      Tendo em conta que estas duas partes se destinam a demonstrar que o montante total do auxílio recebido pela KWW para cobrir os seus prejuízos decorrentes dos contratos não excede o montante total dos prejuízos reais que registou a este respeito, o Tribunal considera oportuno começar o seu exame pela segunda parte do segundo fundamento.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação na determinação do auxílio recebido que pode ser tomado em consideração na decisão impugnada

 Argumentos das partes

35      As recorrentes alegam, no essencial, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao incluir a quantia de 62 500 000 DEM, concedida a título de compensação do auxílio à competitividade não recebido, no montante total de auxílio que a KWW recebeu a fim de cobrir unicamente os prejuízos decorrentes dos contratos. Nestas condições, o montante total do auxílio recebido para cobrir os seus prejuízos de funcionamento decorrentes dos contratos é inferior ao montante dos seus prejuízos reais registados a este título, pelo que a KWW não beneficiou de nenhum auxílio excedentário.

36      Antes de mais, as recorrentes sustentam que, mesmo que o auxílio à competitividade constitua um auxílio ao funcionamento, não se destinava a compensar unicamente os prejuízos decorrentes dos contratos, como resulta da primeira e segunda decisões de autorização, bem como dos documentos notificados pela República Federal da Alemanha à Comissão. Segundo as recorrentes, o auxílio à competitividade destinava‑se, com efeito, a permitir que todos os estaleiros navais do território da Comunidade continuassem a ser competitivos face aos estaleiros asiáticos que beneficiavam de subvenções de modo a falsear a concorrência no mercado mundial da construção naval. O facto de o montante do auxílio à competitividade ter sido determinado em função do montante dos contratos de construção naval não significa, no entanto, que a concessão do referido auxílio dependia dos prejuízos que esses contratos podiam gerar. As recorrentes alegam por essa razão que a KWW podia afectar livremente o auxílio à competitividade a encargos de funcionamento diversos dos prejuízos gerados pelos contratos.

37      Além disso, as recorrentes observam, em resposta às questões escritas do Tribunal, que o auxílio à competitividade foi autorizado em conformidade com o artigo 4.° da Directiva 90/684 e com as directrizes para a concessão de auxílios à competitividade aos estaleiros navais implantados na Alemanha no território referido no artigo 3.° do Acordo de Unificação (Richtlinen für die Gewährung von Wettbeverbshilfen an Werften in der Bundesrepublik Deutschland auf dem in Artikel 3 des Einigungsvertrages genannten Gebiet, a seguir «directrizes alemãs») de 22 de Julho de 1991 (Bundesanzeiger 1991, p. 5153). As recorrentes sustentam que as referidas directrizes foram notificadas à Comissão e por ela aprovadas. Ora, daqui resulta nomeadamente que, se o auxílio à competitividade fosse concedido em função da celebração ou não de contratos de construção naval, este poderia ser afectado a encargos de funcionamento diversos dos prejuízos gerados pelos referidos contratos.

38      Por último, as recorrentes afirmam que o auxílio à competitividade constitui uma quantia fixa que não podia ser objecto de recuperação. Por um lado, observam que as directrizes alemãs previam expressamente que o auxílio à competitividade concedido não era reembolsável. Por outro, alegam que o auxílio à competitividade concedido à KWW não foi utilizado para cobrir prejuízos decorrentes dos contratos, mas que foi afectado, de um ponto de vista contabilístico, às reservas da KWW que tinham sido reduzidas por outros custos de funcionamento.

39      A Comissão responde que não cometeu nenhum erro ao incluir o montante do auxílio recebido a título de auxílio à competitividade no montante total dos auxílios recebidos pela KWW para cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos na medida em que, como constatou nos considerandos 94 a 96 da decisão impugnada, o auxílio à competitividade, por um lado, tinha sido autorizado para cobrir os «prejuízos durante a reestruturação» e, por outro, era uma «forma de rendimento» que permitiu à KWW reduzir os seus prejuízos decorrentes dos contratos e, portanto, a sua necessidade de auxílio ao funcionamento.

40      Além disso, a Comissão alega, em resposta às questões escritas e orais do Tribunal, que o auxílio à competitividade foi concedido em conformidade com o artigo 4.° da Directiva 90/684 e que se destinava a permitir a todos os estaleiros navais situados no território da Comunidade lutar contra a concorrência desleal praticada por certos países asiáticos que subsidiavam os estaleiros situados nos seus territórios. Por um lado, a Comissão precisou a este respeito que, embora não fosse necessário que a KWW registasse prejuízos decorrentes dos contratos para beneficiar do auxílio à competitividade, não deixa de ser verdade que este auxílio era calculado em função do preço de venda fixado em cada contrato de construção naval celebrado. Por conseguinte, segundo a Comissão, a concessão do referido auxílio tinha por efeito reduzir os prejuízos decorrentes dos contratos. Por outro lado, a Comissão considera que o auxílio à competitividade devia ser considerado no montante total dos auxílios concedidos unicamente a título dos prejuízos decorrentes dos contratos, uma vez que resulta de uma carta que lhe foi enviada pela República Federal da Alemanha, em 27 de Novembro de 1992, que a KWW tinha aceitado o montante de 450 000 000 DEM de auxílio pelos prejuízos decorrentes dos contratos, e não 569 600 000 DEM como tinha sido inicialmente equacionado entre a THA e a Kvaerner durante as suas negociações exclusivas, unicamente porque o auxílio à competitividade lhe tinha sido igualmente concedido para cobrir os seus prejuízos decorrentes dos contratos.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

41      As recorrentes alegam, no essencial, que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao incluir, no montante total dos auxílios recebidos para cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos, o montante de 62 500 000 DEM concedido a título de compensação do auxílio à competitividade não recebido.

42      Segundo a jurisprudência, para apurar se, na sua apreciação dos factos, a Comissão cometeu um erro manifesto susceptível de justificar a anulação da decisão impugnada, os elementos de prova apresentados pela recorrente devem ser suficientes para retirar plausibilidade às apreciações dos factos considerados na decisão em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, Colect., p. II‑2169, n.° 59).

43      No caso vertente, declare‑se a título preliminar que a Comissão, na decisão impugnada, efectuou um raciocínio por três etapas para chegar à conclusão de que a KWW recebeu um auxílio no montante de 25 999 000 DEM, qualificado de excedentário face ao montante dos seus prejuízos reais decorrentes dos contratos.

44      Em primeiro lugar, depois de ter recordado, nos considerandos 13 a 19 da decisão impugnada, os diferentes elementos de auxílios autorizados, nomeadamente, na primeira e segunda decisões de autorização, a Comissão indica, no considerando 118 da decisão impugnada, que se baseou no relatório do contabilista da KWW relativo à utilização do auxílio até 31 de Dezembro de 1995, comunicado pela República Federal da Alemanha à Comissão em 9 de Julho de 1996 (a seguir «relatório de 9 de Julho de 1996»), para declarar que a KWW recebeu os auxílios seguintes:

–        450 000 000 DEM para cobertura dos prejuízos decorrentes dos contratos;

–        62 500 000 DEM a título de compensação pelo facto de a KWW não ter recebido o auxílio à competitividade.

45      Quanto ao montante de 62 500 000 DEM recebido a título de compensação do auxílio à competitividade não recebido, resulta do considerando 116 da decisão impugnada que a Comissão considerou que um auxílio à competitividade tinha sido autorizado na primeira e segunda decisões de autorização para um montante total de 73 000 000 DEM, mas que uma parte do referido montante, ou seja, 10 500 000 DEM, não tinha sido concedida definitivamente à KWW, só lhe tendo sido pago um montante de 62 500 000 DEM.

46      Além disso, a Comissão observa, nos considerandos 91 e 117 da decisão impugnada, que a KWW não teve de executar certos contratos relativos a determinados tipos de navios («Kassettenschiffe») e que, consequentemente, não recebeu nenhum auxílio a este título. Por conseguinte, a Comissão indica que não tomou em consideração, na decisão impugnada, o auxílio que tinha autorizado até ao montante correspondente aos referidos contratos, ou seja, 34 600 000 DEM, que fazia parte do auxílio total ao funcionamento no montante de 617 100 000 DEM autorizado na segunda decisão de autorização.

47      A Comissão conclui assim, no considerando 118 da decisão impugnada, que as recorrentes receberam um montante total de auxílio, «durante o período de reestruturação», de 512 500 000 DEM, correspondente a 450 000 000 DEM para cobertura dos prejuízos decorrentes dos contratos e 62 500 000 DEM a título de compensação pelo auxílio à competitividade não recebido.

48      Em segundo lugar, a Comissão refere, no considerando 119 da decisão impugnada, que o montante dos prejuízos reais decorrentes dos contratos da KWW, tal como resulta dos relatórios de peritagem que lhe foram fornecidos pela República Federal da Alemanha em 30 de Junho de 1999, se elevava a 404 101 000 DEM.

49      Consequentemente, a Comissão considera, no considerando 120 da decisão impugnada, que a KWW recebeu um auxílio superior ao montante dos seus prejuízos reais decorrentes dos contratos no montante de 108 399 000 DEM.

50      Em terceiro lugar, a Comissão refere, nos considerandos 116 e 121 da decisão impugnada, que a KWW não recebeu o montante de 82 400 000 DEM de «auxílio ao funcionamento [que ela própria tinha] aprovado para a reestruturação», e que correspondia à «supressão de antigas dívidas». Nestas condições, a Comissão considera que «compensar auxílios excedentários para prejuízos não recebendo auxílios ao funcionamento parece estar em conformidade com o compromisso da Comissão constante das decisões de autorização a fim de garantir que o beneficiário apenas receba os auxílios necessários à sua reestruturação».

51      A Comissão extrai desta última afirmação a consequência, no considerando 121 da decisão impugnada, de que o montante de 82 400 000 DEM deve ser deduzido do auxílio excedentário no montante de 108 399 000 DEM que a KWW recebeu pelos prejuízos decorrentes dos contratos.

52      Assim, foi tendo em conta as três constatações segundo as quais a KWW, em primeiro lugar, recebeu um montante total de auxílio «durante a reestruturação» de 512 500 000 DEM, em segundo lugar, registou prejuízos reais decorrentes dos contratos no montante total de 404 101 000 DEM e, em terceiro lugar, não beneficiou do pagamento de um auxílio de 82 400 000 DEM que tinha sido autorizado que a Comissão concluiu, no considerando 121 da decisão impugnada, que a KWW beneficiou de um auxílio excedentário no montante de 25 999 000 DEM cuja recuperação deve ser ordenada.

53      Por conseguinte, por um lado, deve referir‑se que a Comissão considerou na decisão impugnada que o montante de 62 500 000 DEM que a KWW recebeu em compensação do auxílio à competitividade não recebido fazia parte dos auxílios que se destinavam e que serviram para cobrir os prejuízos reais decorrentes dos contratos e que o referido montante podia ser, pelo menos em parte, objecto de recuperação.

54      Por outro lado, supondo que a KWW tenha recebido 450 000 000 DEM de auxílio unicamente a título dos prejuízos decorrentes dos contratos e que, como afirmam as recorrentes, o montante de 62 500 000 DEM de auxílio à competitividade não devesse ter sido tomado em consideração na decisão impugnada, deveria considerar‑se que a Comissão concluiu erradamente pela existência de um auxílio excedentário. Com efeito, nessa hipótese, o montante do auxílio total recebido a título dos prejuízos decorrentes dos contratos seria, após dedução do auxílio de 82 400 000 DEM não pago, de 367 600 000 DEM, inferior ao montante total de 404 101 000 DEM correspondente aos prejuízos reais registados pela KWW a este respeito.

55      À luz das afirmações constantes dos n.os 53 e 54 supra, deve, pois, examinar‑se se, no caso vertente, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao ter em conta o montante de 62 500 000 DEM concedido à KWW em compensação do auxílio à competitividade não recebido a fim de determinar o montante total do auxílio que a KWW recebeu para cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos.

56      Em primeiro lugar, é pacífico que quer o auxílio autorizado para cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos quer o auxílio à competitividade fazem parte da categoria dos auxílios ao funcionamento previstos no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 90/684.

57      Todavia, cumpre referir que resulta da primeira e segunda decisões de autorização, cujas passagens pertinentes estão acima reproduzidas nos n.os 13 e 14, que a Comissão distinguiu claramente entre o auxílio destinado a cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos e o auxílio à competitividade. Com efeito, por um lado, as referidas decisões prevêem, respectivamente, um montante de «auxílio à competitividade» de 6 100 000 DEM e de 66 900 000 DEM, ou seja, um montante total de 73 000 000 DEM, de que foram pagos unicamente 62 500 000 DEM, facto que as partes não contestam. Não se precisa que este auxílio devia ser afectado à cobertura dos prejuízos decorrentes dos contratos. Por outro lado, as referidas decisões prevêem, respectivamente, um montante de auxílio de 11 700 000 DEM e de 46 600 000 DEM a usar, conforme especificamente previsto, apenas «para cobrir parte dos prejuízos relativos a contratos de construção naval assinados depois de 1 de Julho de 1990».

58      Além disso, resulta das disposições do contrato de aquisição com base nas quais a Comissão se baseou na primeira e segunda decisões de autorização supramencionadas nos n.os 13 e 14 que o auxílio previsto a título dos prejuízos decorrentes dos contratos se distinguia do auxílio ligado à competitividade. Por um lado, por força do artigo 7.°, n.° 6, do contrato de aquisição, a THA devia conceder um auxílio no montante de «450 000 000 DEM destinado a financiar os prejuízos […] durante o período de reestruturação devidos a faltas de produtividade [da KWW] e a outros prejuízos ligados à falta [nesse momento] de competitividade da [KWW]». Por outro lado, em conformidade com o artigo 18.°, n.° 1, do referido contrato, a THA tinha‑se comprometido a pagar o montante de 73 000 000 DEM à KWW na hipótese de esta última não receber o auxílio à construção naval. Do mesmo modo, no plano de previsão de pagamento de auxílios de Estado, que tinha sido anexado ao contrato de aquisição e notificado à Comissão, os montantes de auxílio à competitividade são previstos separadamente dos montantes de auxílios destinados a cobrir outros prejuízos de funcionamento, incluindo os decorrentes dos contratos.

59      Consequentemente, mesmo que o auxílio destinado a cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos e o auxílio à competitividade façam ambos parte da categoria dos auxílios ao funcionamento referidos no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 90/684, não deixa de ser verdade que a Comissão, na sua primeira e segunda decisões de autorização, e em conformidade com os documentos que a República Federal da Alemanha lhe tinha notificado, distinguiu os referidos auxílios, que deviam ser afectados a fins diferentes, ou seja, por um lado, cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos da KWW e, por outro, compensar a sua falta de competitividade.

60      Em segundo lugar, a decisão de 10 de Fevereiro de 1993, através da qual a Comissão, com base no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 90/684, decidiu não levantar objecções em relação às alterações introduzidas pelas autoridades alemãs no regime do auxílio à competitividade a favor de todos os estaleiros navais alemães, não menciona de modo nenhum que o auxílio à competitividade devia ser afectado exclusivamente à cobertura dos prejuízos decorrentes dos contratos. Com efeito, resulta da referida decisão que o regime de auxílio à competitividade que a República Federal da Alemanha tinha notificado à Comissão antes da adopção da primeira e segunda decisões de autorização se destinava a permitir que os estaleiros navais alemães continuassem a ser competitivos «quando estivessem em concorrência com estaleiros de países que concedem auxílios mais elevados à construção naval», sem que, no entanto, a Comissão precise quais os prejuízos específicos a que o auxílio à competitividade devia ser afectado.

61      A própria Comissão considera, de resto, que o auxílio à competitividade não se destinava necessariamente a cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos.

62      Por um lado, a Comissão reconhece expressamente, na sua resposta às questões escritas do Tribunal relativa ao regime aplicável ao auxílio à competitividade, que «segundo [o artigo 4.° da Directiva 90/684] os estaleiros [navais situados no território alemão] podiam receber auxílios [à competitividade], quer do contrato [de construção naval] considerado resultassem ou não prejuízos», que, «[p]or outras palavras, não era necessário suportar prejuízos decorrentes de um contrato [de construção naval] para beneficiar de um auxílio [à competitividade]», ou ainda, em resposta às perguntas do Tribunal na audiência, que «qualquer um deve poder receber este auxílio, independentemente de haver ou não prejuízos». Por conseguinte, a Comissão admite, pelo menos implicitamente, que não existe nexo de causalidade entre a concessão do auxílio à competitividade e o facto de os contratos celebrados gerarem prejuízos ou não. Deve, portanto, rejeitar‑se, por ser inoperante, o argumento da Comissão segundo o qual o auxílio à competitividade devia ser afectado à cobertura dos prejuízos decorrentes dos contratos pelo facto de o montante do referido auxílio ser calculado em função do valor de cada contrato de construção naval celebrado.

63      Por outro lado, resulta do artigo 3.°, n.° 1, das directrizes alemãs que «[o]auxílio à competitividade pode ser concedido quando, de modo firme, tenham sido feitos pedidos de construção ou de transformação de [navios] pelos estaleiros navais alemães entre 1 de Julho de 1990 e 31 de Dezembro de 1993». Todavia, as referidas directrizes não precisam de modo nenhum que o auxílio à competitividade devia ser unicamente afectado à cobertura dos prejuízos decorrentes dos contratos e não a outros prejuízos ligados ao funcionamento dos estaleiros navais. Além disso, a falta dessa menção é conforme com o próprio objecto do auxílio à competitividade que, como resulta da decisão da Comissão de 10 de Fevereiro de 1993 (v. n.° 10 supra), se destinava a permitir a todos os estaleiros navais europeus, e não apenas ao estaleiro naval Warnow Werft, lutar contra a concorrência praticada no mercado mundial por certos países asiáticos, e isto independentemente de os referidos estaleiros registarem prejuízos decorrentes da celebração de contratos de construção naval.

64      Portanto, há que concluir que, em conformidade com a primeira e segunda decisões de autorização, a decisão da Comissão de 10 de Fevereiro de 1993, as directrizes alemãs e o próprio objecto do auxílio à competitividade, a KWW não era obrigada a afectar o referido auxílio a encargos específicos tais como os prejuízos decorrentes dos contratos.

65      Em terceiro lugar, o relatório de 9 de Julho de 1996 indica que a KWW recebeu efectivamente a quantia de 62 500 000 DEM em compensação do auxílio à competitividade não recebido e que o referido auxílio faz parte do auxílio ao funcionamento. Todavia, este relatório não especifica que esta quantia tinha por objectivo servir, e tenha efectivamente servido, para cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos. Observe‑se a este respeito que a Comissão não contesta a afirmação segundo a qual o montante que a KWW recebeu em compensação do auxílio à competitividade foi afectado, de um ponto de vista contabilístico, às reservas da KWW e não à cobertura dos prejuízos decorrentes dos contratos.

66      Por conseguinte, impõe‑se referir que a Comissão não se podia basear no relatório de 9 de Julho de 1996 para considerar que o auxílio à competitividade tinha efectivamente servido para cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos.

67      Em quarto lugar, deve sublinhar‑se que, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal na audiência, a Comissão não contestou os argumentos das recorrentes segundo os quais, no essencial, a KWW podia utilizar o auxílio à competitividade para cobrir encargos diferentes dos resultantes dos prejuízos decorrentes dos contratos.

68      Resulta, portanto, das considerações precedentes, por um lado, que o auxílio à competitividade constituía um auxílio ao funcionamento cuja afectação a KWW podia determinar livremente e, por outro, que a Comissão não demonstrou que o referido auxílio tinha sido efectivamente afectado pela KWW à cobertura dos seus prejuízos decorrentes dos contratos.

69      Deve, portanto, concluir‑se que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o auxílio à competitividade devia ser contabilizado como auxílio que tinha sido concedido à KWW para cobrir unicamente os prejuízos decorrentes dos contratos.

70      Os argumentos suscitados pela Comissão a este respeito não podem ser acolhidos.

71      Antes de mais, devem ser rejeitados, por serem inoperantes, os argumentos da Comissão segundo os quais o auxílio à competitividade deve ser tomado em consideração no cálculo do montante do auxílio concedido a fim de cobrir os prejuízos decorrentes dos contratos, uma vez que o referido auxílio faz parte do montante total de auxílio autorizado «durante o período de reestruturação» ou que constitui uma «forma de rendimento» que permitiu diminuir o montante do auxílio total ao funcionamento concedido à KWW. Com efeito, estes argumentos não invalidam, de modo nenhum, as conclusões constantes dos n.os 68 e 69 supra.

72      Além disso, deve ser igualmente rejeitado, por ser inoperante, o argumento da Comissão segundo o qual a Kvaerner, no âmbito das negociações exclusivas que encetou com a THA com vista à aquisição pela KWW do estaleiro naval Warnow Werft, aceitou que a KWW recebesse pelos prejuízos decorrentes dos contratos apenas 450 000 000 DEM, e não 569 600 000 DEM como foi inicialmente previsto, unicamente na medida em que a KWW recebesse, além disso, o auxílio à competitividade. Com efeito, conforme exposto no n.° 68 supra, tendo em conta que a Comissão autorizou expressamente a concessão à KWW de um auxílio à competitividade, esse auxílio não pode ser equiparado ao auxílio concedido à KWW para cobrir unicamente os prejuízos decorrentes dos contratos, que devia, por sua vez, ser objecto de recuperação em caso de pagamento excedentário.

73      Em face das considerações precedentes, a decisão impugnada deve ser anulada sem que seja necessário o Tribunal pronunciar‑se sobre a primeira parte do segundo fundamento, bem como sobre os outros fundamentos deduzidos pelas recorrentes.

 Quanto às despesas

74      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

75      No caso vertente, tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos das recorrentes.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)      A Decisão 2005/374/CE da Comissão, de 20 de Outubro de 2004, relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha a favor da Kvaerner Warnow Werft, é anulada.

2)      A Comissão suportará as suas próprias despesas e as despesas efectuadas pela Aker Warnow Werft GmbH e pela Kvaerner ASA.

Tiili

Dehousse

Wiszniewska‑Białecka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Março de 2009.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.