ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
21 de Janeiro de 1999 (1)
«Concorrência Artigos 85.° e 86.° do Tratado CE Condições bancárias
uniformes relativas à abertura de um crédito em conta corrente e à fiança
geral»
Nos processos apensos C-215/96 e C-216/96,
que têm por objecto dois pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do
artigo 177.° do Tratado CE, pelo Tribunale di Genova (Itália), destinados a obter,
nos litígios pendentes neste órgãos jurisdicional entre
Carlo Bagnasco e o.
e
Banca Popolare di Novara soc. coop. arl (BPN) (C-215/96),
Cassa di Risparmio di Genova e Imperia SpA (Carige) (C-216/96),
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 85.° e 86.° do
Tratado CE à luz de determinadas condições bancárias uniformes, que a
Associazione Bancaria Italiana impõe aos seus membros no momento da
celebração de contratos relativos à abertura de um crédito em conta corrente e a
fiança geral (fideiussione omnibus),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
composto por: G. Hirsch (relator), presidente da segunda secção, exercendo
funções de presidente da sexta secção, G. F. Mancini, J. L. Murray, H. Ragnemalm
e K. M. Ioannou, juízes,
advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
secretário: R. Grass,
vistas as observações escritas apresentadas:
em representação de Carlo Bagnasco e o., por Anna Collivadino, advogada
no foro de Genova,
em representação da Banca Popolare di Novara soc. coop. arl (BPN), por
Giacomo Traverso, advogado no foro de Genova,
em representação da Cassa di Risparmio di Genova e Imperia SpA
(Carige), por Laura Granata, advogada no foro de Genova,
em representação do Governo italiano, pelo professor Umberto Leanza,
chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por G. de Bellis, avvocato
dello Stato,
em representação das Comunidades Europeias, por Fabiola Mascardi e
Wouter Wils, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes.
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de
Janreiro de 1998,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- Por dois despachos de 15 de Maio de 1996, entrados no Tribunal em 21 de Junho
seguinte, o Tribunale di Genova submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado
CE, quatro questões sobre a interpretação dos artigos 85.° e 86.° do mesmo
Tratado, à luz de determinadas condições bancárias uniformes («Norme bancarie
uniforme», a seguir «NBU») que a Associazione Bancaria Italiana (a seguir
«ABI») impõe aos seus membros aquando da celebração de contratos relativos à
abertura de crédito em conta corrente e à fiança geral.
- 2.
- Estas questões foram suscitadas no âmbito de dois litígios que opõem, no processo
C-215/96, Carlo Bagnasco e o. à Banca Populare di Novara soc. coop. arl (a seguir
«BPN») e, no processo C-216/96, Carlo Bagnasco e o. à Cassa di Risparmio di
Genova e Imperia SpA (a seguir «Carige»), acerca do reembolso de créditos
concedidos por esses estabelecimentos bancários.
- 3.
- Os demandantes nos processos principais, C. Bagnasco, como devedor principal,
e os seus fiadores, como devedores solidários, recorreram de duas injunções
datadas de 1 de Junho de 1992 provisoriamente executórias pelas quais o
Presidente do Tribunale di Genova lhes ordenou, a pedido, respectivamente do
BPN e do Carige, que pagassem ao BPN, o montante de 222 440 332 LIT,
referentes a:
um montante de 170 440 332 LIT, relativo ao saldo devedor de uma conta
corrente aberta em nome de C. Bagnasco, nos termos de um contrato
celebrado em 8 de Outubro de 1991, acrescido de juros a partir de 1 de
Abril de 1992, à taxa de 17%;
um montante de 9 400 000 LIT, referente ao saldo devedor de uma conta
corrente aberta em nome de C. Bagnasco, nos termos de um contrato
celebrado em 27 de Dezembro de 1991, acrescido de juros a partir de 1 de
Abril de 1992, à taxa de 17,50%;
um montante de 21 600 000 LIT, correspondente ao montante de quatro
livranças, descontadas à época pelo BPN e emitidas pela empresa individual
Fidaurum, de C. Bagnasco, montante a que cada um dos outros
demandantes nos processos principais deu o seu aval, em 22 de Janeiro de
1992, num montante de 5 400 000 LIT, acrescido de juros a partir de 22 de
Maio de 1992, à taxa legal de 10%, e
um montante de 21 000 000 LIT relativo a títulos de crédito da
responsabilidade de Ana Sbardella, descontados e creditados na conta
corrente «salvo boa cobrança», como resulta dos documentos assinados por
C. Bagnasco e relativo à constituição como penhor, sempre da
responsabilidade de Ana Sbardella, de títulos descontados por C. Bagnasco,
os quais são devidos pela pessoa cujos títulos foram protestados, com a
consequência, nos termos do contrato, de esta última deixar de ter direito
aos títulos não vencidos, montante acrescido de juros a partir da data da
injunção de pagamento, à taxa de 15%;
e a favor da Carige, o montante de 124 119 497 LIT, referente a:
um montante de 48 798 664 LIT, relativo ao saldo devedor de uma conta
corrente aberta em nome de C. Bagnasco, nos termos de um contrato
celebrado em 28 de Agosto de 1989, acrescido de juros a partir de 11 de
Junho de 1992, à taxa de 17,50%;
um montante de 75 320 833 LIT, acrescido de juros a partir de 11 de Junho
de 1992, à taxa de 15%, correspondente a um «adiantamento bancário» de
95 000 000 LIT, acordado em 12 de Novembro de 1991, por conta do qual
C. Bagnasco emitiu 19 livranças.
- 4.
- A injunção contra os demandantes nos processos principais, que são devedores
solidários, foi obtida devido ao aval que estes tinham dado em relação às livranças
não pagas e da «fiança geral» (fidejussione omnibus), que tinham subscrito até ao
montante de 300 000 000 LIT (processo C-215/96) e de 195 000 000 LIT (processo
C-216/96).
- 5.
- Os demandantes nos processos principais pediram ao órgão jurisdicional de reenvio
que declare a invalidade e/ou a inoponibilidade das injunções em causa ou a
título subsidiário que determine o montante efectivamente devido aos dois
bancos. Invocam, nomeadamente, incompatibilidade com os artigos 85.° e 86.° do
Tratado das NBU, em que se baseiam as pretensões dos demandados nos
processos principais.
- 6.
- Segundo o Tribunale di Genova, é pacífico que os artigos 85.° e 86.° do Tratado
conferem aos particulares direitos que estes podem invocar perante os órgãos
jurisdicionais nacionais. Do mesmo modo, as NBU, impostas pela ABI aos bancos
associados e aplicadas «tal e qual» pela totalidade dos bancos italianos nas suas
relações com a sua clientela, constituem um acordo, decisão ou prática concertada
e, nomeadamente, uma decisão de associação de empresas, na acepção do artigo
85.°, n.° 1, do Tratado.
- 7.
- O órgão jurisdicional de reenvio considera, no entanto, que certas cláusulas dos
contratos relativos à abertura de crédito em conta corrente e a fiança geral
suscitam o problema da sua compatibilidade com as disposições dos artigos 85.° e
86.° do Tratado.
- 8.
- Quanto aos contratos de abertura de crédito em conta corrente, o referido órgão
jurisdicional verifica que os contratos celebrados por C. Bagnasco com a BPN
prevêem, no ponto 2, a aplicação de uma taxa de juro anual de 17% e 17,5%,
aumentada de uma comissão de 0,125% sobre o saldo devedor máximo em cada
trimestre de calendário ou fracção.
- 9.
- Este ponto 2 precisa, além disso, que «as taxas de juro... podem ser aumentadas
ou reduzidas devido a mudanças ocorridas no mercado monetário». O ponto 12 do
contrato dispõe que «os bancos têm a faculdade de alterar a todo o momento as
taxas de juro... através de uma comunicação afixada nas suas instalações ou do
modo que considerem mais adequado». Tais cláusulas, constantes do contrato-tipo
da ABI, figuram também no contrato de C. Bagnasco com a Carige.
- 10.
- Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, apenas a determinação inicial da taxa de
juro passiva corresponde a uma negociação directa entre as partes, não sendo
previsível o aumento posterior da taxa de juro na sequência de alterações ocorridas
no mercado monetário por não ser previsível, ou no mínimo, dificilmente previsível
pelo cliente médio do banco. Assim, o poder de o banco decidir qual o momento
em que se efectuam as alterações desta taxa, bem como as condições da sua
comunicação aos clientes é reforçada.
- 11.
- No que diz respeito à fiança geral, o Tribunale di Genova observa que as cláusulas
pertinentes constantes do contrato-tipo da ABI e dos que constituem o objecto dos
presentes processos concernem:
ao compromisso de prestar uma fiança «à taxa de juro prevista para a
operação garantida e, em todo o caso, a uma taxa não inferior à taxa
bancária corrente», «para cumprimento de toda e qualquer obrigação para
com o banco, em relação a todas as operações bancárias de qualquer
natureza, já permitidas ou que venham a seguir a ser permitidas ao devedor
(ou a quem lhe suceda)»; a fiança garante, além disso, «quaisquer outras
obrigações que o devedor principal tenha em qualquer altura, para com o
banco, devido a garantias já fornecidas ao banco, ou a fornecer no futuro,
pelo mesmo devedor, no interesse de terceiros» (esboçando assim um
«mecanismo de fiança da fiança», susceptível de ser alargado, no que
concerne às pessoas em causa, de modo praticamente ilimitado e
incontrolável);
no ponto 5, a obrigação de o fiador se manter ao corrente da situação
patrimonial do devedor e, em especial, de se informar junto do mesmo da
evolução das suas relações com o banco, o qual é dispensado de pedir ao
fiador a autorização especial prevista no artigo 1956.° do código civil, que
prevê: «o fiador de uma obrigação é liberado das suas obrigações futuras
se o credor conceder crédito a um terceiro, sem autorização específica do
fiador, sabendo que a situação financeira desta pessoa evoluiu de modo a
tornar notavelmente mais difícil o reembolso do crédito em causa»;
no ponto 6, o facto de o fiador dispensar o banco da obrigação de agir no
prazo fixado no artigo 1957.° do código civil, que dispõe o seguinte: «o
fiador permanece obrigado, mesmo depois da extinção da obrigação
principal, se o credor propuser uma acção contra o devedor no prazo de
seis meses e prosseguir esta acção com diligência». Segundo o mesmo ponto
6 do referido contrato-tipo, o fiador continua obrigado em derrogação do
referido artigo 1957.° «mesmo que o banco não tenha proposto qualquer
acção contra o devedor e os co-devedores eventuais nem tenha prosseguido
essa acção», continuando assim solidariamente obrigado «até à extinção
total do débito, sem limites de tempo, nem cumprimento de condições»;
no ponto 7, primeiro parágrafo, a obrigação assumida pelo fiador de «pagar
imediatamente ao banco, por simples pedido escrito, também no caso de
oposição do devedor à dívida em capital, juros, despesas, impostos, taxas e
outras dívidas acessórias»;
no n.° 7, terceiro parágrafo, a declaração de que «para determinação da
dívida garantida, faz fé, em relação ao fiador, seus herdeiros, sucessores e
beneficiários, os registos contabilísticos do banco, não sendo este, no
entanto, obrigado a comunicar ao fiador por sua própria iniciativa,
informações gerais sobre a situação das contas e, de modo geral, sobre as
suas relações com o devedor»;
no ponto 7, quinto parágrafo, a derrogação prevista no artigo 1939.° do
código civil, nos termos da qual «a fiança não é válida se não for válida aobrigação principal, salvo se se tratar de uma obrigação contraída por um
incapaz», com a consequência de que «a obrigação mantém todos os seus
efeitos, mesmo que a obrigação principal seja, por qualquer motivo inválida,
considerando-se o fiador, para o caso de ser declarada a nulidade ou a
anulação da obrigação principal, obrigado como se a obrigação tivesse sido
assumida por ele próprio».
- 12.
- Quanto ao conjunto destas cláusulas, o órgão jurisdicional de reenvio considera ser
pertinente uma decisão do Tribunal de Justiça quanto aos montantes que a BPN
e a Carige consideram serem-lhe devidas a título de contratos de abertura de
contas correntes celebrados por C. Bagnasco e da fiança desses montantes
assumida pelos outros demandantes no processo principal. Decidiu, portanto,
suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as quatro questões
prejudiciais seguintes:
«1) Se as normas bancárias uniformes impostas pela ABI aos seus associados,
relativamente ao contrato para a abertura de crédito em conta corrente,
enquanto impostas e aplicadas de modo uniforme e vinculativo por parte
dos bancos associados na ABI, são compatíveis, na parte em que submetem
a abertura do crédito a um regime não previamente determinado da taxa
de juro, nem determinável pelo cliente, com o disposto no artigo 85.° do
Tratado, na medida em que são susceptíveis de afectar o comércio entre
Estados-Membros e têm por objectivo ou efeito impedir, restringir ou
falsear a concorrência no Mercado Comum;
2) Quais os efeitos que pode produzir o eventual reconhecimento da
incompatibilidade referida na alínea 1) sobre as correspondentes cláusulas
dos contratos de abertura de crédito em conta corrente, estipulados 'a
jusante pelos bancos associados com os clientes privados, dado que o
conjunto dos bancos associados na ABI pode ser considerado, nos termos
e para efeitos do artigo 86.°, como detentor de uma posição dominante
colectiva no mercado nacional do crédito, cuja aplicação concreta da
legislação em análise (relativamente à determinação da taxa de juro
devedora) se configura como exploração abusiva;
3) Se as normas bancárias uniformes impostas pela ABI aos seus associados
relativamente ao contrato de fiança 'omnibus para garantia da abertura
de crédito na medida em que impostas e aplicadas de modo uniforme e
vinculativo por parte dos bancos associados são compatíveis, em relação
às cláusulas aludidas na fundamentação do presente despacho e no seu
conjunto, com o disposto no artigo 85.° do Tratado, na medida em que são
susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros e têm por
objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no Mercado
Comum;
4) Quais os efeitos que pode produzir o eventual reconhecimento da
incompatibilidade referida na alínea 3) sobre as cláusulas correspondentes
dos contratos de fiança 'omnibus e sobre os próprios contratos 'a
jusante, celebrados pelos bancos, uma vez que o conjunto dos bancos
associados na ABI pode ser considerado, nos termos e para efeitos do
artigo 86.° do Tratado, como detentor de uma posição dominante colectiva
no mercado nacional do crédito, cuja aplicação concreta das normas em
análise se configura como exploração abusiva.»
- 13.
- É conveniente, antes de mais, precisar que, posteriormente à celebração dos
contratos em causa no processo principal, a regulamentação italiana aplicável à
abertura de crédito em conta corrente e à fiança geral foi alterada. Com efeito, a
Lei n.° 154/92 alterou o regime da fiança geral, impondo aos bancos a obrigação
de determinarem antecipadamente o montante máximo garantido.
- 14.
- Além disso, por nota datada de 22 de Fevereiro de 1993, a ABI decidiu notificar
as suas condições bancárias uniformes à Comissão para esta as examinar à luz do
artigo 85.° do Tratado. Os mesmo documentos foram comunicados à Banca d'Italia
(a seguir «Banco de Itália») na qualidade de autoridade nacional competente para
a aplicação da regulamentação em matéria de protecção da concorrência e do
mercado no sector do crédito.
- 15.
- Por carta de 7 de Julho de 1993, a Comissão informou o Banco de Itália de que
tinha decidido examinar apenas 3 dos 26 acordos notificados. Sem tomar posição
sobre a questão da existência de uma eventual restrição da concorrência, a
Comissão fez saber que a maior parte dos acordos, entre os quais os relativos à
abertura de crédito em conta corrente e à fiança geral, não pareciam ser
susceptíveis de afectar, totalmente ou de modo sensível, o comércio entre os
Estados-Membros. A Comissão precisou, nesta matéria, que, por um lado, os
serviços bancários em questão estão limitados ao território nacional e dizem
respeito a actividades económicas que, por estipulação contratual ou por sua
própria natureza, só devem ser exercidas no território italiano e têm uma influência
muito reduzida nas trocas entre os Estados-Membros e que, por outro lado, a
participação das filiais ou sucursais de estabelecimentos financeiros não italianos
é limitada. Declarou, por conseguinte, não querer proceder a outros actos de
instrução relativamente a estes acordos, entendendo que o artigo 85.° do Tratado
não lhes era aplicável.
- 16.
- Os únicos acordos que a Comissão considerou entrarem no âmbito da sua
competência própria dizem respeito às condições relativas às contas correntes com
abertura de crédito em divisas estrangeiras e às condições que regem os serviços
de cobrança ou de aceitação de efeitos, documentos ou cartas de crédito sobre a
Itália ou sobre o estrangeiro.
- 17.
- Em 23 de Novembro de 1993, o Banco de Itália iniciou um processo nos termos
da Lei n.° 287/90, cujo artigo 2.°, n.° 2, reproduz as disposições do artigo 85.°, n.° 1,
do Tratado, para exame dos 23 acordos excluídos do inquérito da Comissão. O
processo foi encerrado pela Decisão n.° 12, de 3 de Dezembro de 1994 (Bolletino
dell'Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato, de 19 de Dezembro de 1994,
Ano IV, n.° 48, p. 75), na qual o Banco de Itália declarou que, tanto as NBU
relativas às fianças para garantia de abertura de um crédito como as relativas à
abertura de um crédito utilizável em conta corrente são susceptíveis de afectar o
jogo da concorrência. A referida decisão convidou a ABI a modificar os acordos
e a comunicar essas modificações aos seus membros. A ABI era igualmente
convidada a precisar a estes que as referidas NBU constituem uma simples
orientação, destituída de qualquer valor vinculativo, e que também não têm valor
de recomendação e que, portanto, qualquer membro tem a faculdade de a invocar
ou não, bem como de lhe introduzir todas as alterações que considerar oportunas.
- 18.
- Na sequência desta decisão, a ABI alterou as NBU no sentido exigido pelo Banco
de Itália. Estas alterações não têm, todavia qualquer efeito retroactivo quanto aos
contratos já celebrados.
Quanto à admissibilidade do reenvio prejudicial
- 19.
- A BPN observa, em primeiro lugar, que as questões submetidas ao Tribunal de
Justiça não são relevantes para a solução do litígio no processo principal. Segundo
ela, resulta à evidência das provas documentais contratuais e do despacho de
injunção de pagamento que, no que diz respeito aos contratos de abertura de
crédito, as cláusulas e, portanto, as medidas impostas pela ABI não incidem sobre
taxas de juro variáveis ou sujeitas à influência das condições do mercado, mas, pelo
contrário, sobre taxas acordadas de modo fixo a priori e que, no que diz respeito
à fiança, se trata de um contrato em que toda e qualquer cláusula susceptível de
constituir um caso de violação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado está desprovida
de qualquer interesse.
- 20.
- Segundo uma jurisprudência constante, compete exclusivamente aos órgãos
jurisdicionais nacionais, que têm que decidir um litígio e devem assumir a
responsabilidade da decisão judicial a proferir, apreciar, à luz das particularidades
de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para estarem em
condições de proferirem a sua decisão, como a pertinência das questões que
submetem ao Tribunal de Justiça (v., acórdãos de 7 de Dezembro de 1995, Spano
e o., C-472/93, Colect., p. I-4321, n.° 15, e de 10 de Julho de 1997, Maso e o.,
C-373/95, Colect., p. I-4051, n.° 26). É apenas quando se verifique de modo
manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma norma
comunitária, solicitadas pelo órgão jurisdicional nacional, não têm qualquer relação
com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal que o pedido
pode ser declarado inadmissível (v., nomeadamente, acórdão Spano e o., já
referido, n.° 15, e de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C-415/93, Colect.,
p. I-4921, n.° 61).
- 21.
- No caso presente, basta verificar que os contratos celebrados entre as partes no
contrato principal contêm cláusulas relacionadas com as NBU, acerca das quais o
órgão jurisdicional de reenvio considerou necessário pedir ao Tribunal os elementos
de interpretação do direito comunitário, a fim de apreciar a sua compatibilidade
com os artigos 85.° e 86.° do Tratado.
- 22.
- Nestas condições, as objecções suscitadas pela BPN quanto à admissibilidade das
questões prejudiciais não podem ser acolhidas e há que dar resposta àquelas.
Quanto à primeira questão
- 23.
- Na sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta essencialmente
se as NBU, na medida em que permitem aos bancos, nos contratos relativos à
abertura de um crédito em conta corrente, alterar a qualquer momento a taxa de
juro, devido a mudanças ocorridas no mercado monetário, isto através de uma
comunicação fixada nas suas instalações ou do modo que considerarem mais
adequado, têm por objecto ou por efeito restringir a concorrência e são susceptíveis
de afectar o comércio entre Estados-Membros, na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado.
- 24.
- Os demandantes no processo principal alegam que existe na Itália um acordo para
a fixação das taxas de juro praticadas pelos bancos em relação aos seus devedores
e que existem mesmo acordos e/ou práticas concertadas relativos às condições
gerais dos contratos, elaborados no seio da ABI através das NBU, que os bancos
inserem sistematicamente nos contratos-tipo que apresentam à sua clientela. Em
virtude destas cláusulas, a posição do devedor principal e do fiador, qualquer que
seja a sua nacionalidade, perante um banco italiano, é enfraquecida em relação à
de qualquer outro devedor e/ou fiador que negocie com um banco de um outro
Estado-Membro.
- 25.
- Mesmo a taxa de base não é fruto de uma livre negociação entre partes, pois os
bancos inscritos na ABI são obrigados a respeitar as decisões do cartel; o cliente
não pode, portanto, encontrar diferenças significativas entre as taxas praticadas
pelos diversos estabelecimentos de crédito.
- 26.
- Segundo os demandantes no processo principal, os bancos dispõem, além disso, da
faculdade de modificarem unilateralmente as taxas, os preços e as outras condições.
A única protecção do cliente consiste na rescisão do contrato. Esta possibilidade
é, no entanto, puramente teórica, pois o cliente dificilmente encontrará um
estabelecimento de crédito que aplique taxas de juro diferentes, precisamente
devido à existência do cartel entre os bancos. O cliente que tenha de recorrer à
abertura de um crédito em conta corrente está, por conseguinte, numa situação de
sujeição absoluta em relação aos bancos filiados na ABI.
- 27.
- A BPN alega que a hipótese de os contratos serem o resultado de restrições e
obrigações impostas pela ABI, tal como na situação descrita no despacho de
reenvio, é puramente fictícia e inconcebível. Além disso, a análise do mercado
relevante tanto do ponto de vista da comercialização como no plano geográfico
demonstra que a actividade bancária não deixa margem suficientemente ampla
para permitir aplicar uma «política» bancária uniforme, susceptível de impedir,
restringir ou falsear o jogo da concorrência.
- 28.
- A Carige salienta que o regime aplicável em matéria de taxas de juro não
inteiramente determinadas nem determináveis não é incompatível com o artigo 85.°
do Tratado, por não ser o resultado de acordos entre empresas susceptíveis de
afectar de modo sensível a concorrência no mercado das prestações relativas às
transferências de capitais.
- 29.
- O Governo italiano observa que, por nota de 22 de Fevereiro de 1993, a ABI
notificou à Comissão as circulares enviadas aos seus membros, contendo as NBU,
a fim de que esta as examine à luz do artigo 85.° do Tratado. Os mesmos
documentos foram comunicados ao Banco de Itália, na sua qualidade de autoridade
nacional competente para a aplicação da regulamentação em matéria de protecção
da concorrência e do mercado no sector do crédito.
- 30.
- O Governo italiano salienta que os únicos acordos que a Comissão considerou
estarem dentro da sua competência própria se referiam às condições relativas às
contas correntes com abertura de crédito em numerário, às condições relativas às
contas correntes com abertura de crédito em divisas estrangeiras e às condições
que regem os serviços de cobrança ou de aceitação de efeitos, documentos ou
cartas de crédito sobre a Itália ou sobre o estrangeiro. Estes acordos são alheios
à presente causa.
- 31.
- Segundo a Comissão, embora não se exclua que as cláusulas em questão tenham
efeitos restritivos na concorrência, por provocarem uma limitação da liberdade
contratual dos bancos membros da ABI, estas cláusulas não são, todavia,
incompatíveis com o artigo 85.° do Tratado, por não haver afectação sensível do
comércio entre os Estados-Membros.
- 32.
- Há que recordar que, nos termos do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado são incompatíveis
com o Mercado Comum e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as
decisões de associação de empresas e todas as práticas concertadas que tenham por
efeito ou por objecto impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no
interior do Mercado Comum.
- 33.
- Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para apreciar se um
acordo deve ser considerado como proibido devido às alterações do jogo da
concorrência que provoca, é necessário examinar o jogo da concorrência no quadro
real em que ele se produziria na falta do acordo em litígio (v., em último lugar,
acórdãos de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão, C-7/95 P, Colect., p. I-3111,
n.° 76, e New Holland Ford/Comissão, C-8/95 P, Colect., p. I-3175, n.° 90).
- 34.
- Ora, embora o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não limite essa apreciação apenas aos
efeitos actuais, devendo igualmente ter em conta os efeitos potenciais do acordo
na concorrência no Mercado Comum, o acordo escapa, todavia, à proibição do
artigo 85.°, quando só afectar o mercado de um modo insignificante (acórdãos já
referidos, Deere/Comissão, n.° 77, e New Holland Ford/Comissão, n.° 91).
- 35.
- A este respeito, deve dizer-se que a abertura de um crédito em conta corrente
constitui uma operação bancária que, por sua natureza, está ligada à faculdade de
o banco modificar a taxa de juro acordada em função de elementos de referência
como, nomeadamente, as condições de refinanciamento do crédito pelos bancos.
Se esta faculdade implica para o cliente do banco o risco de aumento dos juros no
decurso do contrato, oferece-lhe também a oportunidade de uma diminuição
destes. Uma vez que, como no caso em apreço, a variação da taxa de juro depende
de elementos objectivos, tais como as alterações ocorridas no mercado monetário,
um acordo que exclui a faculdade de escolher uma taxa de juro fixa não pode ter
uma influência restritiva sensível no jogo da concorrência.
- 36.
- No que diz respeito à cláusula segundo a qual os bancos comunicam as alterações
da taxa de juro através de afixação nas suas instalações ou do modo que
considerarem mais adequado, basta dizer que esta cláusula não proíbe os bancos
de preverem uma comunicação mais adequada aos seus clientes.
- 37.
- Deve, por conseguinte, responder-se à primeira questão que as NBU (condições
bancárias uniformes) que permitem aos bancos, nos contratos relativos à abertura
de um crédito em conta corrente, alterarem a qualquer momento a taxa de juro em
razão de mudanças ocorridas no mercado monetário, e isto através de uma
comunicação afixada nas suas instalações ou do modo que considerarem mais
adequado, não têm por objecto nem por efeito restringir a concorrência na acepção
do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.
Quanto à terceira questão
- 38.
- Na sua terceira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta essencialmente se
as NBU relativas à fiança geral que deve garantir a abertura de um crédito em
conta corrente, tais como descritas no ponto 11 do presente acórdão, têm, no seu
conjunto, por objectivo ou por efeito restringir a concorrência ou são susceptíveis
de afectar o comércio entre Estados-Membros na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado.
- 39.
- Os demandantes no processo principal salientam que o fiador junto de um banco
que opera na Itália é obrigado, em virtude da jurisprudência italiana, a pagar todos
os montantes reclamados pelo banco a título de operações bancárias realizadas
pelo banco a favor do devedor principal, quer estas sejam usuais, acessórias ou
ocasionais, actuais ou futuras, mesmo quando essas operações impliquem, devido
ao poder discricionário do banco, um aumento imprevisível da dívida total do
cliente para com esse banco no decurso da execução da relação bancária.
- 40.
- Em apoio desta argumentação, os recorrentes no processo principal remetem para
o ponto 7, n.° 5, do contrato de fiança, segundo o qual o compromisso mantém
todos os efeitos mesmo que a obrigação principal seja inválida por qualquer razão,
sendo o fiador considerado, em caso de declaração de nulidade da obrigação
principal ou da anulação desta, obrigado como se tivesse agido por sua própria
conta.
- 41.
- A Carige observa, em contrapartida, que as NBU impostas pela ABI relativamente
ao contrato de fiança geral, celebrado a título de garantia de uma abertura de
crédito, são compatíveis com o artigo 85.° do Tratado por não serem susceptíveis
de afectar sensivelmente a concorrência no mercado devido à natureza dos serviços
prestados.
- 42.
- A Comissão sublinha que, no estado actual dos seus conhecimentos relativos aos
fluxos transfronteiriços da oferta e da procura de serviços bancários de abertura de
crédito em conta corrente e de fiança geral, os serviços em questão não parecem
revestir-se de uma importância determinante para a entrada no mercado financeiro
italiano de bancos provenientes de outros Estados-Membros. Remetendo para a
sua argumentação contida na carta de 7 de Julho de 1993, a Comissão sustenta que
as NBU, com base nas quais foram celebrados os dois contratos em causa no
processo principal, não preenchem uma das condições necessárias à aplicação do
artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, ou seja, serem susceptíveis de afectar de modo
sensível o comércio entre Estados-Membros.
- 43.
- Convém recordar, a título liminar, que a fiança constitui uma forma clássica de
garantia através da qual pode, nomeadamente, ser garantido o saldo devedor de
uma conta corrente. Em direito italiano, a fiança é objecto de uma regulamentação
específica no código civil, que pode ser derrogada em certas condições.
- 44.
- Na medida em que as NBU fixam «regras relativas à fiança que garante as
operações bancárias», derrogando a regulamentação do código civil, destinam-se
a garantir os créditos dos bancos do modo mais eficaz.
- 45.
- Em contrapartida, sendo estas regras, segundo as conclusões do órgão jurisdicional
de reenvio, obrigatórias para os membros da ABI, limitam a liberdade contratual
dos bancos, impedindo-os de oferecerem aos seus clientes, que solicitam uma
abertura de crédito, condições mais favoráveis para o contrato conexo de fiança.
Este só existe, no entanto, acessoriamente a um contrato principal, de que é, na
prática, e frequentemente, uma condição prévia (v., acórdão de 17 de Março de
1988, Dietzinger, C-45/96, Colect., p. I-1199, n.° 18).
- 46.
- Nestas condições, em vez de examinar desde já a questão de saber se esta
limitação da liberdade contratual provoca efeitos sensíveis na concorrência, é em
primeiro lugar, conveniente analisar a questão relativa aos efeitos eventuais no
comércio entre Estados-Membros de cláusulas como as contidas nos contratos de
fiança geral em causa no processo principal.
- 47.
- A este respeito, resulta de uma jurisprudência constante que um acordo entre
empresas, para ser susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros, deve,
com base num conjunto objectivo de elementos de direito ou de facto, permitir
encarar, com um grau de probabilidade bastante, que ele possa exercer uma
influência directa ou indirecta, actual ou potencial, nos contratos de trocas
comerciais entre os Estados-Membros, num sentido que possa prejudicar a
realização dos objectivos de um mercado único entre os Estados (v., acórdão de 11
de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n.° 22). Deste
modo, a aceitação das trocas intercomunitárias resulta, em geral, da reunião de
diversos factores que, tomados isoladamente, não são necessariamente
determinantes (v., acórdão de 15 de Dezembro de 1994, DLG, C-250/92, Colect.,
p. I-5641, n.° 54).
- 48.
- É igualmente jurisprudência constante que, embora o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado
não exija que os acordos visados por esta disposição tenham afectado
sensivelmente as trocas intracomunitárias, exige que seja provado que esses acordos
são susceptíveis de ter esse efeito (v., acórdão de 17 de Julho de 1997, Ferriere
Nord/Comissão, C-219/95 P, Colect., p. I-4411, n.° 19).
- 49.
- No caso em apreço, e relativamente aos efeitos do regime da fiança geral no
comércio intracomunitário, é concebível que as filiais ou sucursais de bancos de
outros Estados-Membros, que estejam estabelecidas na Itália, se vejam obrigadas,
para beneficiarem das vantagens em pertencer à ABI, a aplicar as NBU e a
renunciar, assim, à aplicação de condições mais favoráveis. Do mesmo modo, tendo
em conta o facto de a grande maioria dos bancos italianos serem membros da ABI,
os clientes que desejem celebrar um contrato de abertura de crédito em conta
corrente podem ver as suas possibilidades de escolha de um banco reduzidas,
quando a celebração desse contrato dependa da constituição de uma fiança sujeita
às referidas NBU, e que, no essencial, não podem ser derrogadas.
- 50.
- É certo que, em princípio, a resposta à questão de saber se as condições de
aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado se encontram ou não reunidas depende
de apreciações económicas complexas que cabe ao órgão jurisdicional nacional
efectuar, eventualmente, segundo critério fixados pela jurisprudência do Tribunal
de Justiça. No entanto, em certas situações, e dadas as indicações fornecidas pelo
Tribunal de Justiça, essa análise não se mostra necessária (v., acórdão DLG, já
referido, n.° 55).
- 51.
- A este respeito, há que ter em conta o facto de a Comissão, a quem a ABI colocou
a questão da compatibilidade das cláusulas relativas à fiança geral em relação ao
artigo 85.° do Tratado, ter declarado que o serviço bancário em questão diz
respeito a actividades económicas que têm uma influência muito reduzida nas
trocas entre Estados-Membros e que a participação de filiais ou sucursais deestabelecimentos financeiros não italianos é limitada (V., ponto 14 do presente
acórdão). Além disso, a Comissão precisou, em resposta a uma pergunta do
Tribunal, que a possível utilização de contratos de abertura de crédito e de fiança
geral por parte da clientela principal dos bancos estrangeiros, quer dizer, das
grandes empresas e dos operadores estrangeiros, não tem uma grande importância
e, em todo o caso, não tem uma importância decisiva na escolha feita pelos bancos
estrangeiros de se estabelecerem ou não em Itália, na medida em que os contratos
como os que estão em causa no processo principal só são raramente utilizados por
este tipo de clientela. Estas declarações da Comissão não foram infirmadas no
âmbito do presente processo.
- 52.
- Nenhum outro elemento dos autos permite, de resto, pensar com um grau de
probabilidade bastante que a reticência dos clientes, que desejem celebrar um
contrato de abertura de crédito em conta corrente, na escolha de um banco, devido
a existência de NBU relativas à fiança geral, seja susceptível de provocar um efeito
sensível no comércio intracomunitário.
- 53.
- Deve, por conseguinte, responder-se à terceira questão que NBU relativas à fiança
geral, destinadas a garantir a abertura de um crédito em conta corrente e que
derrogam o direito comum da fiança, tais como as do processo principal, não são
susceptíveis, no seu conjunto, de afectar o comércio entre Estados-Membros na
acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.
Quanto à segunda e quarta questões
- 54.
- Com a segunda e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio procura, em
primeiro lugar, saber se a aplicação das referidas NBU constitui, na acepção do
artigo 86.° do Tratado, uma exploração abusiva de uma posição dominante
colectiva pelos bancos associados na ABI. Interroga-se, seguidamente, sobre os
efeitos que uma eventual incompatibilidade das referidas NBU com os artigos 85.°
e 86.° do Tratado possa ter nas cláusulas correspondentes dos contratos que os
bancos celebraram com os seus clientes.
- 55.
- A BPN não vê como é que as cláusulas em questão constituem a expressão de uma
posição dominante, dado que a autolimitação que resulta do limite máximo de
descoberto e das cláusulas que atribuem à fiança direitos específicos de rescisão,
de informação, etc, contradiz a hipótese de aplicação, através de cláusulas de
conteúdo uniforme ou de «prática concertada», de uma vontade contratual que
visa limitar ou restringir a livre concorrência e proveniente de sujeitos estranhos
à relação contratual directa considerada.
- 56.
- A Comissão sublinha, em primeiro lugar, remetendo para a jurisprudência do
Tribunal de Justiça (v., acórdão de 17 de Outubro de 1995, DIP e o., C-140/94 a
C-142/94, Colect., p. I-3257, n.° 26 e 27), que o simples facto de a ABI agrupar a
quase totalidade dos bancos italianos não parece suficiente para concluir que os
seus membros detêm, em conjunto, uma posição dominante colectiva.
- 57.
- Segundo a Comissão, também não parece possível afirmar que, mesmo admitindo
que os bancos membros da ABI detêm em conjunto uma posição dominante
colectiva, que os comportamentos descritos pelo órgão jurisdicional nacional
constituam um abuso dessa posição.
- 58.
- A este respeito, deve recordar-se que, nos termos do artigo 86.° do Tratado, é
incompatível com o Mercado Comum, na medida em que o comércio entre
Estados-Membros seja susceptível de por ele ser afectado, o facto de uma ou várias
empresas explorarem de modo abusivo uma posição dominante no Mercado
Comum ou numa parte substancial deste.
- 59.
- Sem que seja necessário examinar se os bancos associados na ABI ocupam uma
posição dominante colectiva na acepção do artigo 86.° do Tratado, basta declarar
que uma vez que, tal como resulta do exame da primeira questão, a modificação
da taxa de juro de um crédito em conta corrente depende de elementos objectivos,
tais como mudanças ocorridas no mercado monetário, este comportamento não
pode, em caso algum, constituir uma exploração abusiva de uma posição dominante
na acepção do artigo 86.° do Tratado.
- 60.
- Quanto às NBU relativas à fiança geral, que devem garantir a abertura de um
crédito em conta corrente, resulta do exame da terceira questão que, no seu
conjunto, a sua aplicação não é susceptível de afectar sensivelmente o comércio
entre Estados-Membros.
- 61.
- Nestas condições, deve responder-se à segunda e quarta questões que a aplicação
das referidas NBU não constitui uma exploração abusiva de uma posição
dominante na acepção do artigo 86.° do Tratado.
- 62.
- Tendo em conta as respostas dadas às questões precedentes, não há que responder
à questão sobre os efeitos que uma eventual incompatibilidade das referidas NBU
com os artigos 85.° e 86.° do Tratado poderia ter nas cláusulas correspondentes dos
contratos que os bancos celebraram com os seus clientes.
Quanto às despesas
- 63.
- As despesas efectuadas pelo Governo italiano e pela Comissão, que apresentaram
observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às
partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão
jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Tribunale di Genova, por
despachos de 15 de Maio de 1996, declara:
1) Condições bancárias uniformes, que permitem aos bancos, nos contratos
relativos à abertura de um crédito em conta corrente, alterarem, a qualquer
momento, a taxa de juro em razão de mudanças ocorridas no mercado
monetário, e isto através de uma comunicação afixada nas suas instalações
ou do modo que considerarem mais adequado, não têm por objecto nem
por efeito restringir a concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do
Tratado CE.
2) Condições bancárias uniformes relativas à fiança geral destinadas a
garantir a abertura de um crédito em conta corrente e que derrogam o
direito comum da fiança, tais como as do processo principal, não são
susceptíveis, no seu conjunto, de afectar o comércio entre Estados-Membros
na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.
3) A aplicação das referidas condições bancárias uniformes não constitui uma
exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 86.° do
Tratado CE.
Hirsch Mancini Murray
Ragnemalm Ioannou
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Janeiro de 1998.
O secretário
O presidente da Sexta Secção
R. Grass
P. J. G. Kapteyn