Language of document : ECLI:EU:T:2024:297

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

8 de maio de 2024 (*)

«Regime linguístico — Anúncio de concurso geral para o recrutamento de administradores e de peritos nos domínios da indústria de defesa e do espaço — Limitação da escolha da língua 2 ao inglês — Regulamento n.o 1 — Artigo 1.o‑D, n.o 1, artigo 27.o e artigo 28.o, alínea f), do Estatuto — Discriminação em razão da língua — Interesse do serviço — Proporcionalidade»

No processo T‑555/22,

República Francesa, representada por T. Stéhelin, B. Fodda e S. Royon, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiada por:

Reino da Bélgica, representado por C. Pochet, M. Van Regemorter e S. Baeyens, na qualidade de agentes,

por

República Helénica, representada por V. Baroutas, na qualidade de agente,

e por

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Niddam, L. Vernier e I. Melo Sampaio, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: M. J. Costeira, presidente, M. Kancheva (relatora) e E. Tichy‑Fisslberger, juízes,

secretário: H. Eriksson, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 23 de novembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, a República Francesa, pede a anulação do anúncio de concurso geral EPSO/AD/400/22, intitulado «Administradores (AD 7) e peritos (AD 9) nos domínios da indústria de defesa e do espaço» (JO 2022, C 233 A, p. 1, a seguir «anúncio de concurso impugnado»).

 Antecedentes do litígio

2        Em 1 de janeiro de 2020, a Comissão Europeia criou uma nova Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, com o intuito de implementar as políticas da Comissão no domínio da indústria da defesa, cuja responsabilidade era até então da Direção‑Geral do Mercado Interno, da Indústria, do Empreendedorismo e das PME.

3        Em 16 de junho de 2022, o Serviço Europeu de Seleção do Pessoal (EPSO) publicou no Jornal Oficial da União Europeia o anúncio de concurso impugnado.

4        Nos termos das «Disposições gerais» do anúncio de concurso impugnado, «[o EPSO] organiza um concurso geral documental e mediante prestação de provas para a constituição de uma lista de reserva, a partir da qual a Comissão Europeia, em particular a Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço […], poderá recrutar novos funcionários (grupos de funções AD 7 e AD 9) [nos domínios da indústria da defesa e do espaço]».

5        O ponto 4.1. (sob a epígrafe «Estrutura geral dos procedimentos de concurso») do anúncio de concurso impugnado prevê que o concurso será organizado em cinco fases, a saber, a «[c]andidatura», a «[v]erificação da admissibilidade», o «[a]valiador de talentos», o «[c]entro de avaliação» e a «[v]erificação dos documentos comprovativos e [a] constituição de listas de reserva».

6        Nos termos do ponto 3.2. (sob a epígrafe «Condições específicas — línguas») do anúncio de concurso impugnado, «[p]ara serem admitidos a concurso, os candidatos devem dominar, pelo menos, duas das 24 línguas oficiais da UE, como previsto no ponto 4.2.1.».

7        Nos termos do ponto 4.2.1. («Requisitos linguísticos») do anúncio de concurso impugnado:

«Para ser[em] admitidos a concurso, os candidatos devem ter, pelo menos, um conhecimento aprofundado (nível mínimo C1) de uma das 24 línguas oficiais da UE e um conhecimento satisfatório (nível mínimo B2) de outra língua oficial da UE. Uma destas línguas deve ser o inglês.

[…]

Os requisitos linguísticos do presente concurso — ou seja, o facto de determinadas provas se realizarem obrigatoriamente em inglês — têm em conta a especificidade das funções do pessoal que trabalha na [Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço] e são igualmente aplicáveis a ambos os domínios e graus abrangidos pelo presente anúncio de concurso.

O pessoal da [Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço] utiliza principalmente o inglês no trabalho analítico, na comunicação interna e nas reuniões, na comunicação com as partes interessadas externas, na redação de relatórios, notas de informação, discursos e legislação, na preparação de publicações, no desempenho de outras funções mencionadas no anexo I, bem como em cursos de formação especializada. O inglês também é utilizado nas consultas interserviços, na comunicação interinstitucional e nos procedimentos de auditoria. Por conseguinte, é essencial que os candidatos tenham bons conhecimentos desta língua para estarem imediatamente operacionais após o recrutamento

Em determinadas circunstâncias são utilizadas outras línguas — por exemplo, no âmbito de trabalhos relativos [a] um país específico —, pelo que o seu conhecimento é considerado uma mais‑valia. No entanto, os candidatos aprovados devem possuir, pelo menos, um conhecimento satisfatório (nível B2) de inglês para poderem exercer as funções enumeradas no anexo I.

Por estes motivos, o inglês deve fazer parte do leque de línguas que os candidatos dominam, o que determina igualmente a utilização das línguas no formulário de candidatura e nos testes (ver ponto 4.2.2.).»

8        O anexo I do anúncio de concurso impugnado apresenta exemplos de funções típicas que os candidatos aprovados neste concurso podem ser chamados a exercer, consoante o domínio (indústria da defesa ou espaço) e a função exercida (administrador ou perito).

9        O ponto 4.2.2. (sob a epígrafe «Línguas do processo de candidatura e das provas») do anúncio de concurso impugnado prevê que a candidatura deve ser feita em qualquer uma das 24 línguas oficiais da UE, exceto a secção «Avaliador de talentos», que deve ser preenchida em inglês. No que respeita às provas do centro de avaliação, os testes de raciocínio devem ser realizados numa língua oficial da União que não o inglês. A entrevista situacional de avaliação de competências, a apresentação oral, a entrevista de avaliação das competências específicas e a prova escrita de avaliação das competências específicas devem ser efetuadas em inglês.

10      Por outro lado, é especificado neste ponto que «[o]s candidatos devem preencher a secção “Avaliador de talentos (Talent Screener)” do formulário de candidatura em inglês, uma vez que as suas respostas serão objeto de uma avaliação comparativa pelo júri» e que «esta secção da candidatura pode ser utilizada como documento de referência pelo júri durante a entrevista de avaliação das competências específicas».

11      Nos termos do ponto 4.3.3. (sob a epígrafe «Avaliador de talentos») do anúncio de concurso impugnado:

«O júri procederá a uma seleção documental dos candidatos considerados admissíveis. Para o efeito, efetuará uma avaliação comparativa dos méritos de todos os candidatos admissíveis com base nas informações constantes do formulário de candidatura. O anexo IV do presente anúncio fornece mais informações a esse respeito. Na sequência desta avaliação, o júri elaborará uma lista de candidatos por domínio e por grau, de acordo com a respetiva pontuação global. Os candidatos com a pontuação mais elevada serão convocados para o centro de avaliação.»

12      O anexo IV do anúncio de concurso impugnado indica os critérios de seleção por domínio, bem como o processo de seleção, no âmbito do «avaliador de talentos».

 Pedidos das partes

13      A República Francesa, apoiada pelo Reino da Bélgica, pela República Helénica e pela República Italiana, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o anúncio de concurso impugnado;

–        condenar a Comissão nas despesas.

14      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Francesa nas despesas.

 Questão de direito

15      A República Francesa invoca cinco fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 1.o‑D do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), lido à luz dos artigos 21.o e 22.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 27.o, primeiro parágrafo, do Estatuto. O terceiro fundamento é relativo a um uso indevido do procedimento previsto no artigo 342.o TFUE, bem como do procedimento previsto no artigo 6.o do Regulamento n.o 1 do Conselho, de 15 de abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17, p. 385), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 517/2013 do Conselho, de 13 de maio de 2013, que adapta determinados regulamentos e decisões nos domínios da livre circulação de mercadorias, livre circulação de pessoas, direito das sociedades, política da concorrência, agricultura, segurança alimentar, legislação veterinária e fitossanitária, política de transportes, energia, fiscalidade, estatísticas, redes transeuropeias, sistema judiciário e direitos fundamentais, justiça, liberdade e segurança, ambiente, união aduaneira, relações externas, política externa, de segurança e de defesa e instituições, devido à adesão da República da Croácia (JO 2013, L 158, p. 1). O quarto fundamento é relativo à violação do artigo 3.o, n.o 3, quarto parágrafo, TUE e do artigo 22.o da Carta dos Direitos Fundamentais. O quinto fundamento é relativo à violação do dever de fundamentação dos atos jurídicos da União previsto no artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE.

16      Em apoio do seu primeiro fundamento, a República Francesa alega que, tendo em conta a utilização e a utilidade de outras línguas oficiais da União além do inglês no âmbito do trabalho da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, particularmente do francês, o fundamento respeitante à necessidade de as pessoas recrutadas estarem imediatamente operacionais não é suscetível de justificar a limitação da escolha da língua 2 do concurso ao inglês (a seguir «limitação linguística controvertida»), uma vez que tal limitação não corresponde às necessidades reais do serviço. A República Francesa impugna a relevância dos documentos apresentados pela Comissão para demonstrar a utilização predominante da língua inglesa no trabalho do pessoal da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço. A República Francesa alega também que a Comissão não estabelece uma ligação entre a utilização do inglês na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço e as funções descritas no anúncio de concurso impugnado. A República Francesa também alega que a limitação controvertida não se baseia em critérios claros, objetivos e previsíveis. A República Francesa sustenta, além disso, que, mesmo admitindo que a discriminação controvertida possa ser justificada pela utilização do inglês na direção‑geral em apreço, a Comissão não demonstrou o caráter proporcionado dessa discriminação.

17      O Reino da Bélgica, a República Helénica e a República Italiana subscrevem os argumentos da República Francesa. O Reino da Bélgica e a República Italiana acrescentam que a Comissão não pode equiparar o interesse do serviço à mera necessidade de os funcionários recrutados estarem imediatamente operacionais para efeitos de comunicação interna e externa. Assim, o Reino da Bélgica sublinha que, embora o Tribunal Geral tenha reconhecido nos Acórdãos de 2 de junho de 2021, Itália/Comissão (T‑718/17, não publicado, EU:T:2021:316, n.os 63 e 64), e de 8 de setembro de 2021, Espanha/Comissão (T‑554/19, não publicado, EU:T:2021:554, n.o 65), que o objetivo da operacionalidade imediata poderia ser um objetivo legítimo, o Tribunal de Justiça não considerou, no Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Comissão/Itália e Espanha (C‑635/20 P, EU:C:2023:98, n.o 96), que esse objetivo dispensava a Comissão de demonstrar objetivamente a existência de um interesse do serviço na limitação da língua 2 de um concurso. Além disso, o Reino da Bélgica salienta que o próprio Tribunal Geral recordou no Acórdão de 2 de junho de 2021, Itália/Comissão (T‑718/17, não publicado, EU:T:2021:316, n.o 70), que o objetivo de os funcionários recrutados estarem imediatamente operacionais deve ser ponderado com o objetivo de recrutamento de funcionários com as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade, bem como com as possibilidades de aprendizagem pelos funcionários recrutados, nas instituições, das línguas necessárias ao interesse do serviço. Segundo o Reino da Bélgica, existem ainda, como foi sublinhado pela República Francesa, outros objetivos que devem ser ponderados com o objetivo de operabilidade imediata, como o da proteção da diversidade linguística da União, o de «manter vivo o multilinguismo», de «recrutar pessoal para perfis linguísticos variados devido à variedade de funções e à pluralidade de contactos que implica a ação da União ou a necessidade de integração na sociedade do Estado anfitrião».

18      A Comissão alega que, dos elementos de prova apresentados no Tribunal Geral, resulta que o inglês é a língua principal de trabalho da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço e que o seu domínio é, portanto, necessário para que as pessoas recrutadas estejam imediatamente operacionais, o que constitui um objetivo de interesse geral da política de pessoal reconhecido pelo juiz da União. A Comissão indica que nenhuma outra língua oficial da União é objeto de uma utilização comparável ao inglês na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço suscetível de justificar, tendo em conta a jurisprudência, a designação dessa língua como língua 2 do concurso em causa. Segundo a Comissão, a limitação linguística controvertida é também proporcionada ao objetivo de que as pessoas recrutadas estejam imediatamente operacionais, sendo que nenhum outro regime linguístico além do previsto no anúncio de concurso impugnado, tendo em conta a jurisprudência, permite alcançar este objetivo de interesse geral.

19      A título preliminar, há que recordar que o artigo 21.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais dispõe:

«É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.»

20      O artigo 22.o da Carta dos Direitos Fundamentais dispõe:

«A União respeita a diversidade cultural, religiosa e linguística.»

21      Importa também recordar que o artigo 1.o do Regulamento n.o 1 dispõe:

«As línguas oficiais e as línguas de trabalho das instituições da União são o alemão, o búlgaro, o checo, o croata, o dinamarquês, o eslovaco, o esloveno, o espanhol, o estónio, o finlandês, o francês, o grego, o húngaro, o irlandês, o inglês, o italiano, o letão, o lituano, o maltês, o neerlandês, o polaco, o português, o romeno e o sueco.»

22      Há que salientar, igualmente, que, embora o artigo 1.o do Regulamento n.o 1 enuncie expressamente quais são as línguas de trabalho das instituições da União, o seu artigo 6.o prevê que estas últimas podem determinar as modalidades de aplicação do regime linguístico estabelecido por este regulamento nos respetivos regulamentos internos.

23      A este respeito, importa antes de mais observar que, com base nos elementos que resultam dos autos do presente processo, não é possível demonstrar que a instituição a que pertence o serviço essencialmente abrangido pelo anúncio de concurso impugnado, a saber, a Comissão, tinha, até à publicação do referido anúncio, adotado disposições no seu regulamento interno destinadas a definir as modalidades de aplicação do regime linguístico geral fixado pelo Regulamento n.o 1, em conformidade com o seu artigo 6.o

24      Por outro lado, o artigo 1.o‑D, n.o 1, do Estatuto dispõe que, na aplicação deste último, é proibida qualquer discriminação em razão, nomeadamente, da língua. Em conformidade com o artigo 1.o‑D, n.o 6, primeiro período, do Estatuto, «[n]o respeito dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade, qualquer limitação da sua aplicação deve ser justificada em fundamentos objetivos e razoáveis e destinada a prosseguir os objetivos legítimos de interesse geral no quadro da política de pessoal».

25      O artigo 28.o, alínea f), do Estatuto dispõe, além disso, que não pode ser nomeado funcionário quem não provar possuir um conhecimento aprofundado de uma das línguas da União e um conhecimento satisfatório de outra língua da União. Embora esta disposição precise que é exigido o conhecimento satisfatório de outra língua «na medida necessária às funções» que o candidato é chamado a exercer, não indica os critérios que podem ser tomados em consideração para limitar a escolha dessa língua entre as línguas oficiais mencionadas no artigo 1.o do Regulamento n.o 1 (v. Acórdão de 9 de setembro de 2020, Espanha e Itália/Comissão, T‑401/16 e T‑443/16, não publicado, EU:T:2020:409, n.o 62 e jurisprudência referida).

26      Esses critérios também não resultam do artigo 27.o do Estatuto, cujo primeiro parágrafo dispõe, sem fazer referência a conhecimentos linguísticos, que «[o] recrutamento deve ter em vista assegurar à instituição o serviço de funcionários que possuam as mais elevadas qualidades de competência, rendimento e integridade, recrutados numa base geográfica tão alargada quanto possível dentre os nacionais dos Estados‑Membros da União» e que «[n]enhum lugar pode ser reservado para os nacionais de um determinado Estado‑Membro». O mesmo se diga do segundo parágrafo deste artigo, que se limita a enunciar que «[o] princípio da igualdade entre os cidadãos da União permite a cada instituição adotar medidas apropriadas caso seja observado um desequilíbrio significativo entre as nacionalidades dos funcionários que não seja justificado por critérios objetivos», precisando, nomeadamente, que «[e]stas medidas apropriadas devem ser justificadas e não devem dar origem a outros critérios de recrutamento que não os baseados no mérito» (Acórdão de 9 de setembro de 2020, Espanha e Itália/Comissão, T‑401/16 e T‑443/16, não publicado, EU:T:2020:409, n.o 63).

27      Por último, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, alínea f), do anexo III do Estatuto, o anúncio de concurso pode eventualmente especificar os conhecimentos linguísticos requeridos pela natureza específica dos lugares a prover. Todavia, não decorre desta disposição que exista uma autorização geral para limitar a escolha da segunda língua de um concurso a um número restrito de línguas oficiais de entre as mencionadas no artigo 1.o do Regulamento n.o 1 (v. Acórdão de 9 de setembro de 2020, Espanha e Itália/Comissão, T‑401/16 e T‑443/16, não publicado, EU:T:2020:409, n.o 64 e jurisprudência referida).

28      Resulta das considerações acima expostas que a limitação da escolha da segunda língua dos candidatos de um concurso a um número restrito de línguas, com exclusão das outras línguas oficiais, constitui uma discriminação em razão da língua, em princípio proibida por força do artigo 1.o‑D, n.o 1, do Estatuto (v., neste sentido, Acórdão de 26 de março de 2019, Espanha/Parlamento, C‑377/16, EU:C:2019:249, n.o 66). Com efeito, é evidente que através dessa limitação, certos candidatos potenciais, a saber, os que possuem um conhecimento satisfatório de, pelo menos, uma das línguas designadas, são favorecidos, uma vez que podem participar no concurso e ser recrutados como funcionários ou agentes da União, ao passo que outros, que não possuem esse conhecimento, são excluídos (v. Acórdão de 9 de setembro de 2020, Espanha e Itália/Comissão, T‑401/16 e T‑443/16, não publicado, EU:T:2020:409, n.o 65 e jurisprudência referida).

29      O amplo poder de apreciação de que dispõem as instituições da União no que respeita à organização dos seus serviços, do mesmo modo que o EPSO, quando este último exerce poderes que lhe são conferidos pelas referidas instituições, está, portanto, imperativamente enquadrado pelo artigo 1.o‑D do Estatuto, pelo que as diferenças de tratamento em razão da língua que resultam de uma limitação do regime linguístico do concurso a um número restrito de línguas oficiais só podem ser admitidas se essa limitação for objetivamente justificada e proporcionada às necessidades reais do serviço. Além disso, qualquer condição relativa a conhecimentos linguísticos específicos deve assentar em critérios claros, objetivos e previsíveis que permitam aos candidatos compreender os motivos dessa condição e aos órgãos jurisdicionais da União fiscalizar a sua legalidade (v. Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Comissão/Itália e Espanha, C‑635/20 P, EU:C:2023:98, n.o 68 e jurisprudência referida).

30      Também há que recordar que o Tribunal Geral declarou, no n.o 65 do Acórdão de 8 de setembro de 2021, Espanha/Comissão (T‑554/19, não publicado, EU:T:2021:554), que, salvo estipulação em contrário no respetivo anúncio de concurso, existe efetivamente um interesse do serviço em que as pessoas recrutadas pelas instituições da União no termo de um processo de seleção, tal como o que estava em causa no processo que deu origem ao referido acórdão, possam estar imediatamente operacionais e, assim, serem capazes de assumir rapidamente as funções que as referidas instituições têm a intenção de lhes confiar.

31      O Tribunal Geral também declarou no n.o 66 do Acórdão de 8 de setembro de 2021, Espanha/Comissão (T‑554/19, não publicado, EU:T:2021:554), que, mesmo admitindo que seja sempre necessário prever um tempo de adaptação a novas funções e a novos hábitos de trabalho, bem como o tempo necessário para a integração num novo serviço, é legítimo que uma instituição procure recrutar pessoas que, desde a sua entrada em funções, sejam capazes de, pelo menos, por um lado, comunicar com a sua hierarquia e com os seus colegas e ter, assim, a capacidade de apreender tão rápida e perfeitamente quanto possível o âmbito das funções que lhes são confiadas e o conteúdo das tarefas que vão ter de desempenhar e, por outro, comunicar com os colaboradores e os correspondentes externos dos serviços em causa.

32      O Tribunal Geral concluiu, deste modo, que deve considerar‑se legítimo que uma instituição procure recrutar pessoas que possam utilizar eficazmente e compreender tanto quanto possível a ou as línguas utilizadas no contexto profissional no qual essas pessoas seriam integradas (Acórdão de 8 de setembro de 2021, Espanha/Comissão, T‑554/19, não publicado, EU:T:2021:554, n.o 66).

33      À luz destas considerações, o Tribunal Geral verificou se, com base nos elementos facultados pela Comissão, o conhecimento de uma das quatro línguas propostas no anúncio de concurso impugnado nesse processo podia permitir aos candidatos aprovados no concurso em causa, uma vez recrutados, tornarem‑se funcionários imediatamente operacionais (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2021, Espanha/Comissão, T‑554/19, não publicado, EU:T:2021:554, n.o 73).

34      Foi neste contexto particular que o Tribunal Geral considerou que uma limitação da escolha da segunda língua dos candidatos de um concurso a um número restrito de línguas oficiais não pode ser considerada objetivamente justificada e proporcionada quando, entre essas línguas, figuram, além de uma língua cujo conhecimento é desejável, ou mesmo necessário, outras línguas cujo conhecimento não confira nenhuma vantagem particular em relação ao de uma outra língua oficial aos potenciais candidatos aprovados de um concurso (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2021, Espanha/Comissão (T‑554/19, não publicado, EU:T:2021:554, n.o 122).

35      Assim, resulta do Acórdão de 8 de setembro de 2021, Espanha/Comissão (T‑554/19, não publicado, EU:T:2021:554), que não foi objeto de recurso, que uma discriminação em razão da língua pode ser justificada pelo interesse do serviço em dispor de funcionários que dominem a língua ou as línguas utilizadas pelo serviço em apreço para estarem imediatamente operacionais.

36      Todavia, importa sublinhar que, no Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Comissão/Itália e Espanha (C‑635/20 P, EU:C:2023:98), o Tribunal de Justiça recordou que compete à instituição que limitou o regime linguístico de um processo de seleção a um número restrito de línguas oficiais da União demonstrar que essa limitação era efetivamente adequada para responder a necessidades reais relativas às funções que as pessoas recrutadas serão chamadas a exercer, que a mesma era proporcionada a essas necessidades e que assentava em critérios claros, objetivos e previsíveis, ao passo que incumbia ao Tribunal Geral efetuar um exame in concreto do caráter objetivamente justificado e proporcionado dessa limitação à luz das referidas necessidades (v. Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Comissão/Itália e Espanha, C‑635/20 P, EU:C:2023:98, n.o 69 e jurisprudência referida).

37      A existência de uma ligação entre a limitação linguística e as funções que as pessoas recrutadas serão chamadas a exercer já tinha sido exigida pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 26 de março de 2019, Espanha/Parlamento (C‑377/16, EU:C:2019:249, n.o 69), e de 26 de março de 2019, Comissão/Itália (C‑621/16 P, EU:C:2019:251). Neste último acórdão, no qual estava em causa a legalidade de um anúncio de concurso geral para a constituição de uma lista de reserva de administradores (AD 5) no domínio da proteção de dados, o Tribunal de Justiça declarou que, para o Tribunal Geral poder controlar se as regras que regulam os concursos em causa eram conformes com o artigo 1.o‑D do Estatuto tinha de efetuar um exame in concreto das referidas regras e das circunstâncias particulares em causa. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, só esse exame permitiu determinar os conhecimentos linguísticos suscetíveis de serem objetivamente exigidos, no interesse do serviço, pelas instituições, no caso de funções específicas, e, portanto, se a limitação da escolha das línguas suscetíveis de serem utilizadas para participar nesses concursos era objetivamente justificada e proporcionada às necessidades reais do serviço (Acórdão de 26 de março de 2019, Comissão/Itália, C‑621/16 P, EU:C:2019:251, n.o 94).

38      A este respeito, importa salientar que, dado que restringe a escolha da língua 2 do concurso, que é objeto do anúncio de concurso impugnado, à língua inglesa, com exclusão das outras línguas oficiais da União, a limitação linguística controvertida constitui uma discriminação em razão da língua, em princípio proibida, o que a própria Comissão reconhece.

39      Importa, portanto, verificar, em conformidade com a jurisprudência acima referida nos n.os 29 a 37, se essa limitação linguística é objetivamente justificada pelas necessidades reais do serviço e proporcionada às referidas necessidades.

 Quanto à aptidão da limitação linguística controvertida para responder às necessidades reais do serviço

40      A República Francesa sustenta que a limitação linguística controvertida constitui uma discriminação em razão da língua, em princípio proibida pelo artigo 1.o‑D, n.o 1, do Estatuto, lido à luz dos artigos 21.o e 22.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

41      A este respeito, a República Francesa salienta que o EPSO justifica a limitação linguística controvertida com a alegação de que, uma vez que o pessoal da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço utiliza principalmente o inglês tanto para todas as funções‑tipo que os candidatos aprovados no concurso podem ter de exercer como para a sua comunicação interna, interserviços e externa, um bom domínio do inglês é essencial para que os candidatos estejam imediatamente operacionais após o seu recrutamento na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço. Segundo a República Francesa, estas afirmações são gerais e abstratas e não são sustentadas por nenhum elemento quantitativo ou qualitativo específico tanto no anúncio de concurso impugnado como na contestação da Comissão.

42      A República Francesa alega que, contrariamente ao que o EPSO afirma no anúncio de concurso impugnado, uma parte significativa das comunicações na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço é realizada em francês. O lugar especial do francês na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço explica‑se, nomeadamente, pela experiência adquirida por certos agentes na École de Guerre de Paris (França). Além disso, são regularmente realizadas reuniões em francês, numerosos relatórios de missões são redigidos nessa língua e são também publicadas em francês determinadas atualizações da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço. A República Francesa recorda ainda que o membro da Comissão responsável pelo mercado interno, Thierry Breton, e o seu conselheiro, responsável pelos assuntos da defesa, são francófonos.

43      A República Francesa contesta, a este respeito, a relevância dos documentos apresentados pela Comissão nos anexos B1 a B5 da contestação para demonstrar o primado do inglês na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço. Salienta que, como admite a correspondente do Serviço de Recursos Humanos da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço no anexo B2, esses documentos não fornecem indicações linguísticas sobre discursos, legislação e cursos de formação especializada referidos no ponto 4.2.1. do anúncio de concurso impugnado. Estes documentos também não fornecem indicações linguísticas, além dos documentos formais e dos briefings, no que respeita à comunicação interna, às reuniões, à comunicação com as partes interessadas externas, às consultas interserviços, à comunicação interinstitucional e aos procedimentos de auditoria também referidos no ponto 4.2.1. do anúncio de concurso impugnado. A este respeito, a República Francesa contesta a distinção feita pela Comissão entre as comunicações formais e informais, que leva a que estas últimas sejam excluídas da apresentação da utilização das línguas na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço. Sustenta, assim, que o critério relevante é o de saber se a utilização de uma língua tem uma finalidade profissional respeitante às funções exercidas na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, independentemente do grau de formalismo dessa comunicação.

44      Quanto ao anexo B3, a República Francesa salienta que 15 709 documentos dos 36 057 documentos indicados, ou seja, mais de 40 %, não apresentam indicações linguísticas, pelo que não é possível saber em que línguas esses documentos são redigidos. Sublinha que a afirmação da Comissão segundo a qual a proporção desses documentos que estão redigidos em inglês é a mesma que para os documentos em que a língua é indicada não pode ser verificada.

45      Quanto ao anexo B5, a República Francesa salienta que 23 dos 29 anúncios de abertura de vagas, ou seja, uma larga maioria desses anúncios, indicam que é necessário um domínio da língua francesa a um nível pelo menos satisfatório (B2). Salienta também que quatro outros formulários exigem um domínio do francês ao nível B1, o que significa que o número de formulários que indicam que é necessário um certo domínio do francês é de 27 em 29. Por conseguinte, a limitação em causa ao inglês, dado que não garante que os candidatos aprovados dominam o francês ao nível exigido, não assegura de modo algum o recrutamento de candidatos aprovados «imediatamente operacionais» para os lugares em apreço.

46      Por outro lado, a República Francesa sublinha que tanto o EPSO no anúncio de concurso impugnado como a Comissão na sua contestação continuam a não demonstrar a existência de uma ligação concreta entre a utilização exclusiva da língua inglesa e as funções específicas exercidas na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, que são descritas no anexo I do anúncio de concurso impugnado, contrariamente ao que é exigido pela jurisprudência.

47      Assim, a República Francesa alega que resulta do anexo I do anúncio de concurso impugnado que os candidatos aprovados que serão recrutados como administradores podem ter de exercer funções que não são específicas aos domínios da indústria da defesa e do espaço, mas que são comuns ao acompanhamento de todas as políticas da União. A República Francesa sublinha que o caráter transversal das competências necessárias à realização de tais funções justifica a mobilidade dos candidatos aprovados nos concursos de uma Direção‑Geral para outra ao longo da sua carreira.

48      A este respeito, a República Francesa observa que o EPSO publicou anúncios de concurso que previam regimes linguísticos muito menos restritivos do que o previsto no anúncio de concurso impugnado, apesar de as funções que os candidatos aprovados nesses concursos podiam ter de efetuar não serem muito diferentes das descritas no anexo I do anúncio de concurso impugnado. A República Francesa observa que um candidato admitido no termo de um desses concursos e colocado numa lista de reserva parece, aliás, em princípio, poder ser recrutado pela Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, e vice‑versa, pelo que a alegada «especificidade» do pessoal da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço não parece justificar a limitação controvertida. A República Francesa também observa que o Tribunal Geral nunca anulou um anúncio de concurso que previsse esses regimes linguísticos ou regimes linguísticos análogos e salienta que a advogada‑geral E. Sharpston sublinhou as vantagens apresentadas por esses regimes nas suas Conclusões apresentadas no processo Espanha/Parlamento (C‑377/16, EU:C:2018:610).

49      Além disso, a República Francesa salienta que certas funções descritas no anexo I do anúncio de concurso podem ser exercidas em francês de forma operacional pelos administradores da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, devido à predominância de falantes francófonos entre os seus correspondentes.

50      A Comissão contesta a argumentação da República Francesa. Alega, assim, que a limitação linguística controvertida está em conformidade com as exigências da jurisprudência recente do Tribunal Geral decorrentes do Acórdão de 8 de setembro de 2021, Espanha/Comissão (T‑554/19, não publicado, EU:T:2021:554). Resulta desse acórdão que, quando o anúncio de concurso prevê uma limitação da escolha da língua 2, essa escolha não pode incidir sobre uma língua para a qual essa limitação não seja justificada. Também resulta do referido acórdão que os documentos que devem ser facultados para justificar essa limitação são os que permitem «determinar qual ou quais as línguas efetivamente utilizadas pelos serviços em causa no seu trabalho quotidiano, ou mesmo a língua ou línguas que são indispensáveis ao exercício das funções referidas no anúncio impugnado». Resulta ainda do acórdão acima referido que o Tribunal Geral pode verificar, com base nos documentos apresentados pela instituição em causa, se a utilização de uma língua é caracterizada por uma «nítida preponderância», o que leva a considerar que a sua inclusão é justificada, ou por percentagens «bem menos significativas», que conduzem à conclusão contrária.

51      A Comissão sustenta que resulta das indicações concretas facultadas no ponto 4.2.1. do anúncio de concurso impugnado, fundamentadas pelos elementos de prova que apresenta no Tribunal Geral, que o domínio do inglês é necessário para estar imediatamente operacional na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, o que não é o caso de nenhuma das outras línguas oficiais da União.

52      Em apoio desta afirmação, a Comissão apresenta um quadro que identifica as línguas dos documentos apresentados e recebidos pela Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço durante um período de um ano anterior à publicação do anúncio de concurso impugnado (anexo B3). Resulta desse quadro que em 36 057 documentos: 19 949 estão redigidos em inglês, 399 noutras línguas ou em várias línguas e 15 709 não têm língua indicada no sistema informático em que estão registados. Entre as outras línguas que não o inglês, o francês é a segunda língua mais utilizada (186 documentos), seguida do alemão (70 documentos), dos documentos multilingues (57 documentos) e do espanhol (37 documentos). Segundo a Comissão, resulta da análise dos documentos cuja língua é indicada, que são os únicos relevantes no caso vertente, que os documentos em inglês representam 98 % dos documentos, ao passo que os documentos em francês representam 0,9 % dos mesmos.

53      A Comissão também apresenta estatísticas sobre as línguas dos briefings preparados pela Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço no mesmo período (anexo B4), das quais resulta que, em 431 briefings para os quais a Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço era a principal autora ou contribuidora, 362 foram redigidos em inglês, ou seja, 84 %, e 69 em francês, ou seja, 16 %.

54      A Comissão apresenta igualmente anúncios de abertura de vaga para «administrador sem responsabilidade de chefia» publicados pela Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço durante o mesmo período (anexo B5) que, para todos os anúncios de abertura de vagas em questão que mencionam as competências linguísticas, exigem o domínio profissional do inglês. O francês só é mencionado em alguns anúncios de abertura de vaga, por vezes apenas como uma «vantagem». Além disso, a referência ao francês nos anúncios de abertura de vaga apenas está relacionada com a não atualização dos modelos de anúncios de abertura de vaga, sendo que as unidades para as quais esses anúncios foram publicados trabalham unicamente em inglês.

55      A Comissão acrescenta que a limitação linguística controvertida é necessária para evitar que a lista de reserva seja parcialmente inutilizável, o que não corresponde ao interesse do serviço. Com efeito, a Comissão precisa que, se um candidato aprovado pudesse passar no concurso sem dominar o inglês ao nível B2, não poderia ser recrutado na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, uma vez que os recentes anúncios de abertura de vagas para os lugares AD na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço exigem o domínio do inglês a um nível satisfatório. Segundo a Comissão, contrariamente ao que alega a República Francesa, não faz sentido deixar participar candidatos que, devido à insuficiência das suas capacidades linguísticas, não possam desempenhar as funções a cumprir.

56      A Comissão responde, além disso, a vários argumentos da República Francesa quanto ao caráter pretensamente injustificado da limitação linguística em causa.

57      Assim, primeiro, a Comissão não contesta que a limitação controvertida exclui os candidatos que não falam inglês ao nível B2, mas observa que os candidatos que aspiram a uma carreira internacional sem dominar o inglês ao nível B2 são raros e que, por outro lado, mesmo um regime linguístico de 24 línguas exclui os candidatos que não dominam duas línguas oficiais da União, respetivamente, aos níveis C1 e B2.

58      Segundo, quanto ao argumento da República Francesa segundo o qual todas as instituições poderão recorrer à lista de reserva, a Comissão salienta que, embora essa possibilidade efetivamente exista, a mesma é residual e não corresponde ao objetivo prosseguido pelo anúncio de concurso impugnado e não pode fundamentar o regime linguístico do concurso que deve ser justificado à luz das necessidades do serviço. A Comissão sublinha, além disso, que é necessário um domínio profissional do inglês para a grande maioria dos lugares nas instituições da União.

59      Terceiro, no que respeita ao argumento da República Francesa segundo o qual o francês é amplamente utilizado na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço e determinados postos de trabalho importantes são ocupados por francófonos, entre os quais o de Diretor‑Geral, a Comissão precisa que o facto de estar em condições de trabalhar em francês não significa que a língua de trabalho seja o francês. Assim, resulta do anexo B4 que alguns destinatários dos briefings, que têm apelidos francófonos, pedem para receber os referidos briefings em inglês. Do mesmo modo, o facto de o Diretor‑Geral da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, de nacionalidade finlandesa, dominar o francês e poder, eventualmente, utilizá‑lo pontualmente, não contradiz o facto de o referido Diretor‑Geral trabalhar em inglês.

60      Quarto, quanto à significativa presença de falantes francófonos entre os correspondentes do pessoal da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, a Comissão sublinha que esta pode também permitir comunicações informais pontuais numa base bilateral entre dois francófonos. No entanto, tal não tem impacto nas comunicações formais entre a Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço e os seus interlocutores. Segundo a Comissão, a questão não é, com efeito, a de saber se uma língua, como o francês, pode ser útil, mas sim se essa língua é efetivamente utilizada para o trabalho na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço. Por outro lado, a jurisprudência rejeitou expressamente as tentativas de justificar a inclusão de uma língua na escolha da língua 2 de um concurso com base no domínio da referida língua pelos seus interlocutores, por considerar que os dados sobre as línguas dominadas facultados pelo pessoal da Comissão eram desprovidos de relevância.

61      Quinto, no que respeita ao argumento da República Francesa segundo o qual as funções do pessoal da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço não são suficientemente específicas para justificar a limitação controvertida, a Comissão sublinha que a Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço é um serviço criado recentemente e de pequena dimensão, que teve apenas um único Diretor‑Geral desde que foi criado e que, portanto, trabalhou de forma homogénea numa única língua desde a sua origem. Por outro lado, segundo a Comissão, embora, no passado, os anúncios de concurso tenham podido prever mais línguas, isso não significa, necessariamente, que, dessa perspetiva, os serviços em causa fossem diferentes da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço. Isto é confirmado pelos acórdãos em que o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral declararam que a Comissão não conseguiu demonstrar que, noutros serviços, os seus funcionários trabalhavam noutras línguas além do inglês.

62      Sexto, a Comissão sustenta que os exemplos de anúncios de concurso a que a República Francesa faz referência não são relevantes no caso vertente. Assim, sublinha que o anúncio de concurso EPSO/AD/373/19 dizia respeito a um concurso generalista, destinado a todas as instituições da União e que tinha, além disso, sido publicado antes dos acórdãos mais recentes que anularam os anúncios de concurso ou as decisões do júri baseadas em anúncios de concurso que incluíam outras línguas além do inglês. Por seu turno, o anúncio de concurso EPSO/AD/397/32 é um concurso piloto e, nesta fase, constitui uma experiência isolada. Além disso, a Comissão sublinha que os regimes linguísticos desses concursos não podem servir de base de comparação no âmbito da apreciação da proporcionalidade da limitação controvertida, por um lado, porque um regime de 24 línguas não comporta nenhuma limitação e, por outro, porque a República Francesa não demonstrou em que medida um regime de 5 línguas se justificava no caso vertente.

63      Sétimo, a Comissão alega que o argumento da República Francesa, segundo o qual o candidato aprovado num concurso com regime linguístico que integre mais línguas pode ser recrutado na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, é especulativo, uma vez que a Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço procura recrutar especialistas e controlará sempre o nível de inglês no momento do recrutamento. Além disso, a Comissão não está de modo nenhum obrigada a justificar a diferença de regime linguístico entre dois concursos, por maioria de razão, quando os mesmos têm objetivos diferentes. A Comissão acrescenta que, embora os regimes linguísticos a que a República Francesa se refere não tenham sido anulados, também não foram contestados, sendo que a República Francesa não demonstra que esses regimes são compatíveis com a jurisprudência atual. A este respeito, a Comissão sustenta que, embora a jurisprudência não lhe imponha, em princípio, que limite a escolha da segunda língua do concurso ao inglês, não é menos verdade que, se o trabalho é principalmente realizado em inglês, a Comissão não pode incluir outras línguas além do inglês entre as línguas a escolher como língua 2 do concurso, tendo, pelo contrário, o direito de limitar a escolha da língua 2 ao inglês.

64      Oitavo, a Comissão salienta que um regime linguístico de 24 línguas oficiais da União exclui, apesar de tudo, certos candidatos devido ao seu nível de língua, segundo o artigo 28.o, alínea f), do Estatuto, o qual, ao impor o domínio de uma segunda língua, promove, necessariamente, uma ou várias línguas «veiculares» nos serviços das instituições.

65      Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada nos n.os 36 a 37, supra, a justificação de uma limitação linguística, tal como a limitação linguística controvertida, deve referir‑se às funções que as pessoas recrutadas serão chamadas a exercer. Por outras palavras, no caso vertente, cabe à Comissão demonstrar que as funções descritas no anúncio de concurso impugnado exigem, em si mesmas, um domínio do inglês ao nível B2.

66      No caso vertente, impõe‑se constatar que a Comissão não associa a necessidade de as pessoas recrutadas dominarem o inglês ao nível B2 para estarem imediatamente operacionais, às funções particulares que essas pessoas serão chamadas a exercer, mas apenas à circunstância de essas pessoas deverem exercer as referidas funções em serviços nos quais o pessoal atual utiliza principalmente o inglês para a realização das referidas funções.

67      Tal argumentação, que equivale apenas a dizer que as funções devem ser exercidas em inglês porque já o são nessa língua, não é, portanto, por princípio, suscetível de demonstrar que a limitação linguística controvertida é apta a responder às necessidades reais do serviço relativas às funções que as pessoas recrutadas serão chamadas a exercer, como exige a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 36, supra.

68      Além disso, há que salientar que a argumentação da Comissão, que consiste em justificar a limitação linguística controvertida pela existência de um pretenso «facto provado» na Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, não é coerente com a situação desta última. Com efeito, importa recordar que a Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço só tinha sido estabelecida há dois anos e meio no momento da publicação do anúncio de concurso impugnado e que se encontrava em plena fase de constituição dos seus efetivos, o que, aliás, a publicação do anúncio em apreço demonstra.

69      Em todo o caso, importa sublinhar que a argumentação da Comissão não é suficientemente apoiada pelos documentos apresentados para esse efeito no Tribunal Geral.

70      Assim, primeiro, resulta da declaração sob compromisso de honra da «correspondente recursos humanos» da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço (anexo B2) que as estatísticas sobre as línguas dos documentos apresentados e recebidos por essa Direção‑Geral (anexo B3) incluem todos os elementos mencionados no quarto parágrafo do ponto 4.2.1. do anúncio de concurso impugnado, com exceção expressa dos «discursos e legislação [e] de cursos de formação especializada», que são, no entanto, mencionados nesse anúncio como trabalhos realizados em inglês pelo pessoal da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço.

71      Segundo, importa sublinhar que o quadro apresentado pela Comissão no anexo B3 não permite identificar a natureza dos documentos em causa, mas unicamente a aplicação informática utilizada para o seu armazenamento e o seu modo de transmissão, pelo que não é possível verificar se esses documentos se referem efetivamente às funções que serão exercidas pelas pessoas recrutadas. A única declaração sob compromisso de honra da «correspondente de recursos humanos» da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço (anexo B2) através da qual esta certifica que o quadro apresentado pela Comissão incide sobre todos os elementos mencionados no ponto 4.2.1. do anúncio de concurso impugnado, com exceção de discursos, de legislação e de cursos de formação especializada, não pode suprir a falta de precisão do quadro em causa tendo em conta a natureza da apreciação dos elementos de prova a que o Tribunal Geral está obrigado a proceder em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 36, supra.

72      Além disso, resulta do quadro em apreço que, num total de 36 057 documentos, 19 949 documentos estavam redigidos em inglês, ao passo que apenas 399 documentos estavam redigidos noutra língua oficial da União, entre os quais, nomeadamente, 186 em francês, 70 em alemão, 37 em espanhol, 5 em italiano, 4 em neerlandês e 1 em grego. Embora essas estatísticas comprovem efetivamente uma utilização importante do inglês, as mesmas não podem ser consideradas definitivamente conclusivas visto que, relativamente a 15 709 documentos, não foi registada nenhuma língua. Importa observar a este respeito que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o Tribunal Geral não pode simplesmente presumir que a relação entre o número de documentos redigidos em inglês e o número de documentos redigidos noutras línguas oficiais da União quanto aos documentos cuja língua está registada é a mesma no que respeita aos documentos para os quais a língua não está registada, uma vez que, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 65, supra, o ónus da prova recai sobre a Comissão.

73      Terceiro, resulta dos dados facultados pela Comissão no anexo B4 que, dos 431 briefings que foram, no todo ou em parte, preparados pela Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço, 362 foram‑no em inglês, ou seja, 84 %, e 69 em francês, ou seja, 16 % (anexo B4). Todavia, importa salientar que resulta desses mesmos dados que, entre os 362 briefings preparados em inglês, 316 tinham por destinatário uma pessoa cuja língua materna era o francês ou uma pessoa que, notoriamente, fala francês. Na falta de demonstração por parte da Comissão de que a utilização do inglês no âmbito desses briefings resultava da vontade dos seus destinatários ou de circunstâncias particulares, não se pode considerar que estes dados demonstrem a necessidade de dominar o inglês no contexto da comunicação na instituição. Esses dados são, quando muito, unicamente suscetíveis de demonstrar que a Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço utiliza maioritariamente essa língua no âmbito da comunicação na instituição por escolha e não para responder às necessidades reais do serviço. Esta conclusão é, aliás, confirmada pelo argumento da Comissão segundo o qual o Diretor‑Geral da Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço fala efetivamente francês, mas trabalha unicamente em inglês.

74      Quarto, quanto aos anúncios de abertura de vagas apresentados pela Comissão, há que salientar desde já que esses documentos não são, em si mesmos, suscetíveis de demonstrar a utilização real de uma língua nos serviços da Comissão. Tais documentos são, todavia, suscetíveis de esclarecer as necessidades do serviço tal como foram identificadas por uma instituição. Ora, no caso vertente, impõe‑se constatar, à semelhança da República Francesa, que, dos 29 anúncios de abertura de vagas, 27 mencionam a necessidade, além de um domínio profissional do inglês, de um conhecimento do francês em diversos graus. Assim, a título de exemplo, um anúncio de 23 de junho de 2021 menciona a exigência de um domínio do francês ao nível C2 (anexo B5, página 40). Outro anúncio de 7 de julho de 2021 menciona o facto de o francês ser, como o inglês, uma língua de trabalho da unidade abrangida pelo anúncio de vaga (anexo B5, página 43). Um anúncio de 1 de novembro de 2021 menciona a exigência, além do domínio do inglês ao nível C1, do domínio do francês ao nível C1 ou B2 (anexo B5, página 47). Um anúncio de 26 de outubro de 2021 menciona a exigência de um bom conhecimento do inglês e idealmente do francês (anexo B5, página 70). Um outro anúncio de 29 de novembro de 2021 precisa que as línguas de trabalho são o inglês e o francês (anexo B5, página 57). O mesmo se aplica num anúncio de 14 de outubro de 2021 (anexo B5, página 64) e noutro anúncio publicado em 7 de fevereiro de 2022 (anexo B5, página 121). Os anúncios de abertura de vagas publicados no decurso do ano de 2022 referem a exigência de um bom conhecimento de inglês e, de preferência de francês (anexo B5, páginas 128, 177, 205 e 232), de um bom domínio do inglês e do francês (anexo B5, página 212) ou, ainda, do domínio, além do inglês ao nível C1, do francês ao nível B2 (anexo B5, páginas 131,138, 159, 166, 194, 208, 222 e 229) ou mesmo C1 (anexo B5, páginas 124,180 e 215) ou até de um domínio de inglês e francês ao nível C2 (anexo B5, páginas 117 e 188). Embora a leitura destes documentos confirme que a Direção‑Geral da Indústria da Defesa e do Espaço considerou, desde a sua origem, que o domínio do inglês era necessário para o exercício de diversas funções no seu seio, confirma também que, até à publicação do anúncio de concurso impugnado, não se tratava da única língua considerada útil, ou mesmo necessária ao exercício das referidas funções, a ponto de ter indicado em alguns desses anúncios que o inglês e o francês eram línguas de trabalho.

75      O argumento avançado pela Comissão segundo o qual a menção do francês nas exigências linguísticas destes anúncios de abertura de vagas resulta de um problema de atualização dos modelos dos referidos anúncios é pouco convincente, tendo em conta a diversidade dos anúncios em apreço e as diferenças entre os níveis de domínio do francês exigidos nos diferentes anúncios. Este argumento também não tem fundamento, uma vez que a Comissão não alegou nem demonstrou que esses anúncios foram retirados ou corrigidos.

76      Importa sublinhar que a Comissão não apresentou nenhum outro elemento de prova relativo à utilização do inglês «no trabalho analítico, na comunicação interna e nas reuniões, na comunicação com as partes interessadas externas, na redação de relatórios, notas de informação, discursos e legislação, na preparação de publicações, no desempenho de outras funções mencionadas no anexo I, bem como em cursos de formação especializada». O mesmo acontece, aliás, no que respeita «[à]s consultas interserviços, [à] comunicação interinstitucional e [a]os procedimentos de auditoria».

77      Resulta das considerações acima expostas nos n.os 65 a 75 que a Comissão não demonstrou que a limitação linguística controvertida era justificada na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 36.

 Quanto à proporcionalidade da limitação linguística controvertida

78      Segundo a República Francesa, nem o EPSO no anúncio de concurso impugnado nem a Comissão demonstraram de que modo a limitação controvertida era proporcionada ao objetivo de os candidatos aprovados no concurso estarem imediatamente operacionais.

79      A este respeito, a República Francesa, bem como o Reino da Bélgica, a República Helénica e a República Italiana sustentam que, embora o objetivo de recrutar funcionários imediatamente operacionais seja suscetível de fazer face às necessidades reais do serviço, o mesmo acontece com o objetivo de proteger a diversidade linguística da União e recrutar pessoal para perfis linguísticos variados devido à variedade de funções e à pluralidade de contactos que a ação da União implica. A necessidade de os funcionários da União poderem, através de um domínio razoável da língua do Estado‑Membro que acolhe a sede da instituição, do órgão ou do organismo em que trabalham, integrar‑se no território desse Estado, também faz parte das necessidades reais do serviço.

80      Além disso, segundo a República Francesa, há que mitigar o objetivo de recrutamento de candidatos aprovados em concursos que estejam imediatamente operacionais por três razões. Antes de mais, 50 % dos candidatos aprovados nos concursos de administradores especialistas continuam inscritos nas listas de reserva 6 meses após a publicação dos resultados e esta percentagem é de 35 %, 12 meses após a publicação dos resultados. Em seguida, os candidatos aprovados nos concursos teriam a possibilidade de participar em formações linguísticas antes e depois do seu recrutamento. Por último, os referidos candidatos aprovados podem passar vários anos na função pública da União e ocupar vários lugares suscetíveis de apresentar exigências linguísticas variadas. O recrutamento não deve, por conseguinte, ter em conta as exigências linguísticas específicas do seu primeiro emprego, nem confinar imediatamente os candidatos aprovados numa prática que favoreça o monolinguismo.

81      Por conseguinte, o EPSO devia ter assegurado a ponderação destes diferentes objetivos para privilegiar regimes linguísticos que limitassem o menos possível o recrutamento de perfis linguísticos variados, o que não fez no caso vertente.

82      A República Francesa rejeita, por outro lado, o argumento da Comissão segundo o qual os candidatos aprovados que não dominam o inglês ao nível B2 não têm nenhuma possibilidade de ser recrutados, o que torna a lista de reserva parcialmente inutilizável. Assim, por um lado, pelo menos 10 % dos candidatos aprovados nos concursos de administradores especialistas inscritos nas listas de reserva acabam, in fine, por nunca ser recrutados, quer por escolha, quer por não terem sido aprovados numa entrevista de emprego nos prazos fixados ou por não terem identificado uma oferta de emprego adequada. Nestas circunstâncias, seria ainda menos justificado aplicar um regime linguístico tão restritivo como o do anúncio de concurso impugnado desde a primeira fase do recrutamento. Por outro lado, é razoável considerar que a maior parte dos candidatos dominam o inglês a um nível B2, como admite a Comissão, o que limita o risco de obter uma lista de reserva inutilizável. Além disso, é o candidato aprovado que arriscou passar o concurso sem dominar o inglês a esse nível que tem de assumir as respetivas consequências.

83      A Comissão sustenta que a limitação linguística controvertida é proporcionada às necessidades do serviço. Segundo a Comissão, esta limitação é proporcional ao objetivo visado e não existiam outras possibilidades menos restritivas, uma vez que a inclusão de outras línguas oficiais da União além do inglês não teria sido conforme com a jurisprudência do Tribunal Geral. A República Francesa não explicou, aliás, que outro regime linguístico que respondesse às necessidades do serviço poderia ter sido previsto no anúncio de concurso impugnado. A Comissão acrescenta que o inglês é a língua estrangeira mais aprendida na Europa e que é razoável esperar que qualquer pessoa que deseje dedicar‑se a uma carreira internacional adquira um nível de inglês B2 previamente ao concurso. Por outro lado, o Tribunal da Função Pública, no Acórdão de 29 de junho de 2011, Angioi/Comissão (F‑7/07, EU:F:2011:97), considerou que, ao exigir apenas uma única língua e não uma combinação específica de línguas, um convite à manifestação de interesse tinha respeitado o princípio da proporcionalidade.

84      Em resposta ao argumento da República Francesa segundo o qual, por um lado, o objetivo de recrutar candidatos aprovados em concursos que estejam imediatamente operacionais deve ser mitigado, uma vez que nem todos os candidatos aprovados são recrutados imediatamente e, por outro, que esses candidatos aprovados teriam a possibilidade de participar em formações linguísticas, a Comissão sublinha que, se se devesse ter em conta a possibilidade de os candidatos desenvolverem as suas competências após o concurso, isso equivaleria a negar o interesse em organizar um concurso, cujo objetivo é selecionar os melhores candidatos.

85      A Comissão também contesta o argumento da República Francesa segundo o qual o regime linguístico previsto no anúncio de concurso impugnado apenas tem em conta as exigências linguísticas relativas às primeiras funções que os candidatos aprovados no referido concurso terão de exercer e implica confiná‑los a uma prática que privilegia o monolinguismo. Segundo a Comissão, o regime linguístico previsto no anúncio de concurso impugnado não se opõe ao recrutamento de candidatos aprovados que falam outras línguas além do inglês, nem a que essas pessoas utilizem essas outras línguas nas comunicações informais após o seu recrutamento.

86      No que respeita ao argumento da República Francesa segundo o qual teria sido mais adequado diminuir gradualmente o número de línguas abrangidas pela escolha da língua 2 em vez de passar de 24 línguas para uma única, a Comissão alega que tal diminuição não corresponde ao estado do direito atual, uma vez que a jurisprudência impõe que se justifique qualquer limitação linguística e que se censure a inclusão de qualquer outra língua cuja necessidade para o cumprimento das funções não possa ser provada.

87      Quanto ao argumento da República Francesa segundo o qual a Comissão não procedeu a uma ponderação entre diferentes interesses, a Comissão recorda que um concurso serve, antes de mais, para selecionar candidatos com o objetivo de um recrutamento.

88      Segundo a jurisprudência recordada no n.o 36, supra, cabe à instituição que limitou o regime linguístico de um processo de seleção a um número restrito de línguas oficiais da União demonstrar que tal limitação é perfeitamente adequada para responder a necessidades reais relativas às funções que as pessoas recrutadas serão chamadas a exercer e que é proporcionada a essas necessidades.

89      Resulta também da jurisprudência que cabe às instituições efetuar uma ponderação entre o objetivo legítimo que justifica a limitação do número de línguas dos concursos e as possibilidades de aprendizagem pelos funcionários recrutados, nas instituições, das línguas necessárias ao interesse do serviço (Acórdão de 27 de novembro de 2012, Itália/Comissão, C‑566/10 P, EU:C:2012:752, n.o 97).

90      No caso vertente, a Comissão não alega ter procedido a essa ponderação, limitando‑se, por um lado, a alegar que não existiam outras soluções menos restritivas do que a do regime linguístico previsto no anúncio de concurso impugnado, uma vez que a inclusão de uma língua diferente do inglês não teria sido conforme com a jurisprudência do Tribunal Geral, tendo em conta o peso preponderante do inglês nas Direções‑Gerais em causa, tendo‑se, por outro lado, limitado a remeter para os n.os 98 e 99 do Acórdão de 29 de junho de 2011, Angioi/Comissão (F‑7/07, EU:F:2011:97).

91      Todavia, por um lado, como constatado no n.o 77, supra, a Comissão não pode alegar que a limitação da língua 2 do concurso apenas à língua inglesa era conforme com a jurisprudência.

92      Por outro lado, importa salientar, à semelhança da República Francesa que, nos n.os 98 e 99 do Acórdão de 29 de junho de 2011, Angioi/Comissão (F‑7/07, EU:F:2011:97), o Tribunal da Função Pública não se pronunciou sobre a questão de saber se o direito da União permitia que um anúncio de concurso limitasse a uma única língua determinadas provas, como prevê o regime linguístico do anúncio de concurso impugnado, tendo ao invés considerado que a limitação da escolha da língua 2 do concurso às três línguas de comunicação interna, mesmo que um candidato tivesse escolhido uma língua de comunicação interna como primeira língua, era proporcionada ao objetivo prosseguido pelo EPSO no caso vertente.

93      Por conseguinte, impõe‑se constatar que a Comissão não demonstrou que a limitação linguística controvertida era proporcionada às necessidades do serviço na aceção da jurisprudência recordada no n.o 29, supra.

94      Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar procedente o primeiro fundamento invocado pela República Francesa.

95      Resulta de tudo o que precede que o anúncio de concurso impugnado deve ser anulado, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos invocados pela República Francesa.

 Quanto às despesas

96      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No caso vertente, tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela República Francesa, em conformidade com o pedido desta.

97      Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervieram no litígio suportam as suas despesas. Por conseguinte, o Reino da Bélgica, a República Helénica e a República Italiana suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      É anulado o anúncio de concurso geral EPSO/AD/400/22, intitulado «Administradores (AD 7) e peritos (AD 9) nos domínios da indústria de defesa e do espaço.»

2)      A Comissão Europeia é condenada a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela República Francesa.

3)      O Reino da Bélgica, a República Helénica e a República Italiana suportarão as suas próprias despesas.

Costeira

Kancheva

Tichy‑Fisslberger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de maio de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.