Language of document : ECLI:EU:C:2023:1016

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de dezembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d) — Contratação pública no setor dos transportes — Diretiva 2014/25/UE — Artigo 80.°, n.° 1 — Motivos facultativos de exclusão — Obrigação de transposição — Celebração por um operador económico de acordos com o objetivo de distorcer a concorrência — Competência da autoridade adjudicante — Impacto de uma decisão anterior de uma autoridade da concorrência — Princípio da proporcionalidade — Artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito à ação — Princípio da boa administração — Dever de fundamentação»

No processo C‑66/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por Decisão de 13 de janeiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de fevereiro de 2022, no processo

Infraestruturas de Portugal, S. A.,

Futrifer Indústrias Ferroviárias, S. A.,

contra

Toscca – Equipamentos em Madeira, Lda.,

sendo interveniente:

MotaEngil Railway Engineering, S. A.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos (relator), N. Piçarra e O. Spineanu‑Matei, presidentes de secção, M. Ilešič, P. G. Xuereb, L. S. Rossi, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 7 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Futrifer Indústrias Ferroviárias, S. A., por G. Guerra Tavares, A. Magalhães e Menezes e L. M. Soares Romão, advogados,

–        em representação da Toscca – Equipamentos em Madeira, Lda., por N. Cunha Rodrigues e J. M. Sardinha, advogados,

–        em representação do Governo Português, por P. Barros da Costa, F. Batista, P. Moreira da Cruz e M. J. Ramos, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Checo, por L. Halajová, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Húngaro, por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Braga da Cruz, P. Ondrůšek e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de maio de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), bem como do artigo 41.°, n.° 2, alíneas b) e c), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Toscca – Equipamentos em Madeira, Lda. (a seguir «Toscca») à Infraestruturas de Portugal, S. A., e à Futrifer Indústrias Ferroviária, S. A. (a seguir «Futrifer»), a respeito da decisão da Infraestruturas de Portugal de adjudicar à Futrifer um contrato público para a aquisição de cavilhas e travessas de madeira de pinho creosotadas.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2014/24

3        O considerando 101 da Diretiva 2014/24 enuncia:

«As autoridades adjudicantes deverão, além disso, poder excluir os operadores económicos que se tenham revelado pouco fiáveis, por exemplo na sequência de infrações de obrigações ambientais ou sociais, incluindo as regras em matéria de acessibilidade de pessoas com deficiência ou outras formas de falta profissional grave, como a violação das regras da concorrência ou dos direitos de propriedade intelectual. Deverá ser especificado que uma falta profissional grave pode pôr em causa a idoneidade de um operador económico, desqualificando‑o para efeitos de adjudicação de um contrato público, mesmo que tenha a capacidade técnica e económica necessária para executar o contrato.

[...] [As autoridades adjudicantes] [d]everão também ter a possibilidade de excluir os candidatos ou proponentes cujo desempenho no âmbito de anteriores contratos públicos tenha acusado deficiências graves no que se refere aos requisitos essenciais, por exemplo, falhas na entrega ou execução, deficiências significativas do produto ou do serviço prestado que os tornem inutilizáveis para o fim a que se destinavam, ou conduta ilícita que levante sérias dúvidas quanto à fiabilidade do operador económico. O direito nacional deverá prever uma duração máxima para essas exclusões.

Ao aplicar motivos facultativos de exclusão, deverá prestar‑se especial atenção ao princípio da proporcionalidade. Só em circunstâncias excecionais poderão as pequenas irregularidades conduzir à exclusão de um operador económico. No entanto, a reincidência em pequenas irregularidades pode levantar dúvidas quanto à fiabilidade de um operador económico que poderão justificar a sua exclusão.»

4        O artigo 26.°, n.° 5, segundo parágrafo, desta diretiva prevê:

«Se o contrato for adjudicado mediante concurso limitado ou procedimento concorrencial com negociação, os Estados‑Membros podem, não obstante o disposto no primeiro parágrafo, prever que as autoridades adjudicantes subcentrais, ou categorias específicas das mesmas, possam lançar o concurso através de um anúncio de pré‑informação em conformidade com o artigo 48.°, n.° 2.»

5        Nos termos do artigo 32.°, n.° 1, da referida diretiva:

«Nos casos e circunstâncias específicos previstos nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros podem determinar que as autoridades adjudicantes possam recorrer a um procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio de concurso.»

6        O artigo 55.° da mesma diretiva, sob a epígrafe «Informação dos candidatos e dos proponentes», dispõe, no n.° 2, alínea b):

«A pedido do candidato ou do proponente, as autoridades adjudicantes comunicam, logo que possível e, em todo o caso, no prazo de 15 dias a contar da data de receção de um pedido por escrito:

[...]

b)      Aos proponentes excluídos, os motivos da exclusão da sua proposta [...]»

7        O artigo 56.° da Diretiva 2014/24 tem a seguinte redação:

«1.      Os contratos são adjudicados com base nos critérios estabelecidos em conformidade com os artigos 67.° a 69.°, desde que a autoridade adjudicante tenha verificado, em conformidade com os artigos 59.° a 61.°, que estão preenchidas todas as seguintes condições:

[...]

b)      A proposta foi apresentada por um proponente que não se encontra excluído em conformidade com o artigo 57.° e que cumpre os critérios de seleção estabelecidos pela autoridade adjudicante nos termos do artigo 58.° e, se for o caso, as regras e os critérios não discriminatórios a que se refere o artigo 65.°

[...]

2.      [...]

Os Estados‑Membros podem excluir a utilização do procedimento a que se refere o primeiro parágrafo ou limitá‑la a certos tipos de contratos ou a circunstâncias específicas.»

8        O artigo 57.° desta diretiva, sob a epígrafe «Motivos de exclusão», prevê:

«1.      As autoridades adjudicantes devem excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação se tiverem determinado, mediante verificação em conformidade com os artigos 59.°, 60.° e 61.°, ou se de qualquer outro modo tiverem conhecimento de que esse operador económico foi condenado por decisão final transitada em julgado com fundamento num dos [motivos mencionados nas alíneas a) a f) do presente número.]

[...]

4.      As autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação, numa das seguintes situações:

[...]

c)      Se a autoridade adjudicante puder demonstrar, por qualquer meio adequado, que o operador económico cometeu qualquer falta profissional grave que põe em causa a sua idoneidade;

d)      Se a autoridade adjudicante tiver indícios suficientemente plausíveis para concluir que o operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência;

[...]

5.      [...]

A qualquer momento do procedimento, as autoridades adjudicantes podem excluir, ou ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir, um operador económico quando se verificar que o operador económico em causa, tendo em conta atos cometidos ou omitidos antes ou durante o procedimento, se encontra numa das situações referidas no n.° 4.

6.      Qualquer operador económico que se encontre numa das situações referidas nos n.os 1 e 4 pode fornecer provas de que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência de uma importante causa de exclusão. Se essas provas forem consideradas suficientes, o operador económico em causa não é excluído do procedimento de contratação.

Para o efeito, o operador económico deve provar que ressarciu ou que tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infração penal ou pela falta grave, esclareceu integralmente os factos e as circunstâncias através de uma colaboração ativa com as autoridades responsáveis pelo inquérito e tomou as medidas concretas técnicas, organizativas e de pessoal adequadas para evitar outras infrações penais ou faltas graves.

As medidas tomadas pelos operadores económicos são avaliadas tendo em conta a gravidade e as circunstâncias específicas da infração penal ou falta cometida. Caso as medidas sejam consideradas insuficientes, o operador económico recebe uma exposição dos motivos dessa decisão.

Um operador económico que tenha sido excluído, por decisão transitada em julgado, de participar em procedimentos de contratação pública ou concessão não pode recorrer à possibilidade prevista no presente número durante o período de exclusão resultante dessa decisão nos Estados‑Membros onde esta produz efeitos.

7.      Os Estados‑Membros devem especificar as condições de aplicação do presente artigo por meio de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e tendo em conta o direito da União. Devem, em particular, determinar o período máximo de exclusão no caso de o operador económico não ter tomado medidas, como as especificadas no n.° 6, para demonstrar a sua fiabilidade. Se o período de exclusão não tiver sido fixado por decisão transitada em julgado, esse prazo não pode ser superior a cinco anos a contar da data da condenação por decisão transitada em julgado nos casos referidos no n.° 1 e três anos a contar da data do facto pertinente nos casos referidos no n.° 4.»

 Diretiva 2014/25

9        O artigo 1.° da Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE (JO 2014, L 94, p. 243), conforme alterada pelo Regulamento Delegado (UE) 2017/2364 da Comissão, de 18 de dezembro de 2017 (JO 2017, L 337, p. 17) (a seguir «Diretiva 2014/25»), prevê:

«1.      A presente diretiva estabelece regras para os procedimentos aplicáveis aos contratos celebrados pelas entidades adjudicantes no respeitante aos contratos e aos concursos de conceção cujo valor estimado não seja inferior aos limiares definidos no artigo 15.°

2.      Na aceção da presente diretiva, entende‑se por “contratação pública” a aquisição de fornecimento, obras ou serviços, por contrato, por uma ou mais entidades adjudicantes a operadores económicos selecionados pelas mesmas, desde que esses fornecimentos, obras ou serviços visem a realização de uma das atividades referidas nos artigos 8.° a 14.°

[...]»

10      O artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva 2014/25 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, são entidades adjudicantes:

a)      As autoridades adjudicantes ou empresas públicas e que exerçam uma das atividades referidas nos artigos 8.° a 14.°».

11      O artigo 11.° desta diretiva tem a seguinte redação:

«A presente diretiva aplica‑se às atividades que tenham por objetivo a disponibilização ou exploração de redes destinadas à prestação de serviços ao público no domínio dos transportes por caminho de ferro, sistemas automáticos, carros elétricos, tróleis, autocarros ou cabo.

No que diz respeito aos serviços de transporte, considera‑se que existe uma rede quando o serviço é prestado nas condições estabelecidas por uma autoridade competente de um Estado‑Membro, tais como, por exemplo, as condições nas linhas a servir, a capacidade disponível ou a frequência do serviço.»

12      O artigo 15.°, alínea a), da referida diretiva prevê, em substância, que esta última se aplica aos contratos cujo valor estimado, sem imposto sobre o valor acrescentado (IVA), seja igual ou superior ao limiar de 443 000 euros para os contratos de fornecimento de bens e prestação de serviços e para os concursos de conceção.

13      O artigo 80.°, n.° 1, da Diretiva 2014/25 dispõe:

«As regras e os critérios objetivos de exclusão e de seleção dos operadores económicos que requerem a qualificação num sistema de qualificação e as regras e os critérios objetivos de exclusão e de seleção dos candidatos e dos proponentes nos concursos abertos, nos concursos limitados ou nos procedimentos por negociação, nos diálogos concorrenciais ou nas parcerias para a inovação, podem incluir os motivos de exclusão enumerados no artigo 57.° da Diretiva [2014/24], nos termos e condições nele definidos.

Se a entidade adjudicante for uma autoridade adjudicante, esses critérios e regras incluem os motivos de exclusão enumerados no artigo 57.°, n.os 1 e 2, da Diretiva [2014/24], nos termos e condições nele definidos.

Se os Estados‑Membros assim o exigirem, esses critérios e regras devem ainda incluir os motivos de exclusão enumerados no artigo 57.°, n.° 4, da Diretiva [2014/24], nos termos e condições definidos no mesmo artigo. [...]»

 Direito português

14      O artigo 55.°, n.° 1, alínea c), do Código dos Contratos Públicos, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «CCP»), tem a seguinte redação:

«Impedimentos

1.      Não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento, as entidades que:

[...]

c)      Tenham sido objeto de aplicação de sanção administrativa por falta grave em matéria profissional, se entretanto não tiver ocorrido a sua reabilitação, no caso de se tratar de pessoas singulares, ou, no caso de se tratar de pessoas coletivas, tenham sido objeto de aplicação daquela sanção administrativa os titulares dos órgãos sociais de administração, direção ou gerência das mesmas e estes se encontrem em efetividade de funções;

[...]»

15      O artigo 55.°, n.° 1, alínea f), deste código prevê que, nomeadamente, as entidades que tenham sido objeto de aplicação de uma sanção acessória, imposta pela Autoridade da Concorrência portuguesa, de proibição da sua participação em procedimentos de contratação pública, não podem ser candidatos, concorrentes ou integrar qualquer agrupamento.

16      O artigo 55.°‑A do referido código diz respeito à relevação dos impedimentos, enumerados no artigo 55.°, n.° 1, deste código, pela autoridade adjudicante, e precisa que não se aplica às situações referidas no artigo 55.°, n.° 1, alínea f), do mesmo código.

17      O artigo 70.° do CCP dispõe:

«Análise das propostas

[...]

2.      São excluídas as propostas cuja análise revele:

[...]

g)      A existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.

[...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

18      A Toscca intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (Portugal) uma ação em que pediu a anulação da Decisão da Infraestruturas de Portugal, de 25 de julho de 2019, que consistiu na adjudicação à Futrifer de um contrato para a aquisição de cavilhas e travessas de madeira de pinheiro creosotadas para o setor das infraestruturas ferroviárias, pelo preço base de 2 979 200 euros. No âmbito desta ação, a Toscca também pediu que o contrato lhe fosse adjudicado.

19      Na sequência da declaração de improcedência dessa ação por Sentença de 21 de fevereiro de 2020, a Toscca recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte (Portugal). Este, por Acórdão de 29 de maio de 2020, revogou aquela sentença, julgou procedente a ação da Toscca e condenou a Infraestruturas de Portugal a adjudicar o contrato a esta sociedade.

20      Por Acórdão de 22 de abril de 2021, o Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) anulou o acórdão referido no número anterior, por falta de fundamentação, e determinou a baixa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Norte. Em 2 de junho de 2021, este proferiu um novo acórdão com o mesmo resultado que o do Acórdão de 29 de maio de 2020. A Infraestruturas de Portugal e a Futrifer interpuseram, cada uma, recurso de revista desse Acórdão de 2 de junho de 2021 para o Supremo Tribunal Administrativo, que é o órgão jurisdicional de reenvio.

21      Este último órgão jurisdicional salienta que, em 12 de junho de 2019, a Futrifer foi condenada pela Autoridade da Concorrência (Portugal) no pagamento de uma coima por violação do direito da concorrência em concursos públicos, organizados em 2014 e 2015 e relativos à prestação de serviços de manutenção de aparelhos e vias que faziam parte da rede ferroviária nacional, uma infraestrutura que era gerida por uma entidade pública entretanto integrada por fusão na Infraestruturas de Portugal.

22      O órgão jurisdicional de reenvio indica, a este respeito, que a exclusão de um concorrente por falta de fiabilidade devido a uma violação do direito da concorrência, cometida fora de um procedimento de contratação pública, parece apenas ser admitida nos termos do artigo 55.°, n.° 1, alínea f), do CCP, ou seja, por efeito de uma condenação expressa proferida pela Autoridade da Concorrência, que aplique a esse concorrente a sanção acessória de proibição de participação em concursos públicos durante um determinado período. Segundo esse órgão jurisdicional, esta solução é, todavia, contrária à Diretiva 2014/24 e, em especial, ao seu artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), na medida em que põe em causa a autonomia da autoridade adjudicante para se pronunciar sobre a fiabilidade dos concorrentes.

23      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se se pode considerar que a decisão de adjudicação de um contrato a um concorrente que tenha sido condenado por violação do direito da concorrência, num procedimento de contratação pública anterior, organizado pela mesma entidade adjudicante, está suficientemente fundamentada, à luz, nomeadamente, do direito a uma boa administração, previsto no artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta, quando essa entidade adjudicante não formulou um juízo autónomo e fundamentado sobre a fiabilidade desse adjudicatário.

24      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se é conforme com o direito da União uma legislação nacional nos termos da qual a entidade adjudicante fica excluída, no âmbito de um procedimento de contratação pública, de formular um juízo autónomo sobre a fiabilidade de um concorrente condenado por violação do direito da concorrência, dizendo essa conformidade respeito tanto à apreciação da gravidade da infração cometida e à sua projeção no procedimento em causa como à apreciação da adequação das medidas adotadas pelo concorrente em questão para remediar, no âmbito deste último procedimento, as consequências desta infração (medidas de selfcleaning). A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, segundo o direito nacional, cabe exclusivamente à Autoridade da Concorrência proceder à apreciação de tais medidas corretivas.

25      Ora, este órgão jurisdicional considera que, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente do Acórdão de 19 de junho de 2019, Meca (C‑41/18, EU:C:2019:507), uma violação do direito da concorrência cometida por um concorrente fora do procedimento de contratação pública deve ser objeto de juízo devidamente fundamentado pela autoridade adjudicante no âmbito da apreciação da fiabilidade deste concorrente.

26      Nestas condições, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A causa de exclusão contemplada na alínea d) do n.° 4 do artigo 57.° da Diretiva [2014/24] constitui uma “reserva de decisão” da autoridade adjudicante?

2)      Pode o legislador nacional substituir completamente a decisão a tomar pela autoridade adjudicante ao abrigo da alínea d) do n.° 4 do artigo 57.° da Diretiva [2014/24] por uma decisão (pelos efeitos de uma decisão) genérica da Autoridade da Concorrência de aplicação de uma sanção acessória de proibição de participação em concursos públicos durante um determinado período de tempo no âmbito da aplicação de uma coima por violação das regras da concorrência?

3)      Deve a decisão da autoridade adjudicante sobre a “fiabilidade” do operador económico à luz do respeito (desrespeito) pelas regras do direito da concorrência fora do concreto procedimento contratual entender‑se como a necessidade de ser proferido um juízo fundamentado sobre a idoneidade relativa desse operador económico, a qual se inscreve numa dimensão concretizadora do direito à boa administração, previsto no artigo 41.°, n.° 2, [alínea c),] da [Carta]?

4)      Pode considerar‑se conforme ao direito europeu e, em especial, ao disposto no artigo 57.°, n.° 4, [alínea d),] da Diretiva [2014/24] a solução adotada pelo direito português no artigo 55.°, n.° 1, [alínea f),] do CCP que faz depender a exclusão de um operador económico do procedimento contratual, com fundamento em violação das regras da concorrência fora do concreto procedimento contratual em questão, do que vier a ser decidido pela Autoridade da Concorrência em sede de aplicação da sanção acessória de proibição de participação em concursos públicos, procedimento no âmbito do qual é a Autoridade da Concorrência quem avalia nessa sede o modo como relevam as medidas de selfcleaning adotadas?

5)      E pode igualmente considerar‑se conforme ao direito europeu e, em especial, ao disposto no artigo 57.°, n.° 4, [alínea d),] da Diretiva [2014/24] a solução adotada pelo direito português no [artigo] 70.°, n.° 2, [alínea g),] do CCP de limitar a possibilidade de exclusão de uma proposta por existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência ao concreto procedimento concursal em que aquelas práticas sejam detetadas?»

 Quanto ao pedido de tramitação acelerada

27      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido a tramitação acelerada nos termos do artigo 105.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, devido ao caráter urgente do processo principal. A este respeito, mencionou o artigo 36.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, bem como o artigo 2.° da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimentos (JO 1989, L 395, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 (JO 2014, L 94, p. 1).

28      O artigo 105.°, n.° 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode decidir, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos.

29      A este respeito, importa recordar que esta tramitação acelerada constitui um instrumento processual que se destina a atender a uma situação de urgência extraordinária cuja existência deve ser demonstrada tendo em conta as circunstâncias excecionais próprias do processo em relação ao qual é apresentado um pedido de tramitação acelerada (Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de fevereiro de 2021, Sea Watch, C‑14/21 e C‑15/21, EU:C:2021:149, n.° 22).

30      No caso em apreço, em 23 de março de 2022, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio referido no n.° 27 do presente acórdão.

31      Com efeito, este órgão jurisdicional limitou‑se a afirmar que o processo principal tinha caráter urgente e a mencionar disposições do direito nacional e do direito da União sem indicar em que medida existiria, no presente processo, uma urgência extraordinária, necessária para justificar que o processo fosse submetido a tramitação acelerada.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

32      A Futrifer considera que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível pelo facto de a resposta do Tribunal de Justiça às questões submetidas não ser necessária para resolver o litígio no processo principal. A este propósito, sustenta que a República Portuguesa optou legitimamente por não transpor para o direito nacional o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, pelo que estas questões são hipotéticas.

33      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.° TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de dezembro de 1981, Foglia, 244/80, EU:C:1981:302, n.° 15, e de 28 de abril de 2022, Caruter, C‑642/20, EU:C:2022:308, n.° 28).

34      O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdãos de 15 de dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, EU:C:1995:463, n.° 61, e de 28 de abril de 2022, Caruter, C‑642/20, EU:C:2022:308, n.° 29).

35      No caso em apreço, as questões têm por objeto, em substância, a interpretação do motivo facultativo de exclusão previsto no artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, que visa o caso em que a autoridade adjudicante tem indícios suficientemente plausíveis para concluir que o operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência.

36      A este respeito, em primeiro lugar, resulta da decisão de reenvio que o litígio no processo principal tem por objeto a legalidade da decisão de adjudicação de um contrato público a um concorrente que foi condenado pela Autoridade da Concorrência nacional no pagamento de uma coima por violação das regras do direito da concorrência no âmbito de procedimentos de adjudicação pública anteriores. Com as suas questões prejudiciais primeira a terceira e quinta, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre o alcance do poder de apreciação que o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 confere à autoridade adjudicante uma vez que, segundo a legislação portuguesa, a autoridade adjudicante está vinculada pela apreciação levada a cabo pela Autoridade da Concorrência respeitante à fiabilidade do concorrente que cometeu tal violação no âmbito de um procedimento de adjudicação de um contrato público anterior, independentemente de essa apreciação ter conduzido, ou não, a uma sanção acessória de proibição temporária de participação em procedimentos de contratação pública.

37      Por conseguinte, não se pode considerar que estas questões não têm nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal ou que são hipotéticas. Quanto ao facto, alegado pela Futrifer, de que a República Portuguesa optou legitimamente por não transpor para o direito nacional o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, este refere‑se a aspetos materiais e não é de modo nenhum suscetível de afetar a admissibilidade das questões submetidas. Daqui resulta que as questões prejudiciais primeira a terceira e quinta são admissíveis.

38      Em segundo lugar, no âmbito da quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 57.°, n.° 4, da Diretiva 2014/24 se opõe a uma legislação nacional segundo a qual a Autoridade da Concorrência tem competência exclusiva para apreciar a pertinência das medidas corretivas adotadas pelo operador económico que, devido a uma violação das regras da concorrência, é objeto de uma sanção aplicada por essa autoridade, que o proíbe de participar em procedimentos de contratação pública durante um determinado período.

39      Ora, não resulta dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a Futrifer tenha, em qualquer momento, invocado a adoção de medidas corretivas como as referidas no artigo 57.°, n.° 6, da Diretiva 2014/24.

40      Daqui resulta que esta quarta questão é de natureza hipotética e, por conseguinte, deve ser julgada inadmissível.

 Quanto ao mérito

 Observações preliminares

41      Em primeiro lugar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.° TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. A este respeito, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração normas de direito da União a que o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão [v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2023, K.B. e F.S. (Conhecimento oficioso no domínio penal), C‑660/21, EU:C:2023:498, n.° 26 e jurisprudência referida].

42      No caso em apreço, consta do pedido de decisão prejudicial que o contrato controvertido no processo principal tem por objeto a aquisição, por uma empresa pública, a saber, a Infraestruturas de Portugal, de cavilhas e travessas de madeira de pinho creosotadas destinadas ao setor das infraestruturas ferroviárias, pelo preço base de 2 979 200 euros.

43      A este respeito, há que salientar que, em conformidade com o artigo 1.°, n.° 2, e o artigo 11.° da Diretiva 2014/25, entende‑se por contratação pública, na aceção desta diretiva, a aquisição, em especial, de fornecimentos por uma entidade adjudicante a operadores económicos selecionados pela mesma, por contrato, para o exercício de atividades que tenham por objetivo a disponibilização ou exploração de redes destinadas à prestação de serviços ao público no domínio dos transportes, designadamente por caminho de ferro. O artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da referida diretiva precisa que, para efeitos desta diretiva, são entidades adjudicantes as autoridades adjudicantes ou empresas públicas e que exerçam uma das atividades referidas nos artigos 8.° a 14.° da mesma diretiva.

44      Além disso, resulta do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2014/25 que esta é aplicável aos procedimentos relativos aos contratos públicos celebrados pelas entidades adjudicantes no respeitante aos contratos e aos concursos de conceção cujo valor estimado não seja inferior aos limiares definidos no artigo 15.° desta diretiva.

45      Nestas condições, e tendo em conta as informações que figuram na decisão de reenvio, parece resultar dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o contrato controvertido no processo principal está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2014/25, o que cabe, contudo, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

46      Nesta hipótese, o artigo 80.°, n.° 1, desta diretiva é aplicável ao litígio no processo principal.

47      Em segundo lugar, uma vez que as questões prejudiciais têm por objeto, em especial, a questão de saber se o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 se opõe à legislação nacional em causa no processo principal, importa, antes de mais, determinar se os Estados‑Membros têm a obrigação de transpor para o seu direito nacional tanto este artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, no caso de o litígio no processo principal estar abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24, como o artigo 80.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25, na hipótese de este litígio estar abrangido pelo âmbito de aplicação desta última diretiva.

48      No que respeita, primeiro, ao artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24, esta disposição prevê que «[a]s autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação» nas situações referidas nas alíneas a) a i) desta disposição.

49      A este respeito, é certo que resulta de determinados acórdãos do Tribunal de Justiça que interpretaram o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24 que os Estados‑Membros podem decidir transpor ou não os motivos facultativos de exclusão mencionados nesta disposição. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que, em conformidade com o disposto no artigo 57.°, n.os 4 e 7, da Diretiva 2014/24, os Estados‑Membros têm a faculdade de não aplicar os motivos facultativos de exclusão nela indicados ou de os integrar na regulamentação nacional com um grau de rigor que pode variar consoante os casos, em função de considerações de ordem jurídica, económica ou social que prevaleçam a nível nacional (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2019, Meca, C‑41/18, EU:C:2019:507, n.° 33; de 30 de janeiro de 2020, Tim, C‑395/18, EU:C:2020:58, n.os 34 e 40; e de 3 de junho de 2021, Rad Service e o., C‑210/20, EU:C:2021:445, n.° 28).

50      No entanto, uma análise da redação do artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24, do contexto em que esta disposição se insere e do objetivo que esta prossegue no âmbito da referida diretiva revela que, contrariamente ao que resulta desses acórdãos, os Estados‑Membros têm a obrigação de transpor a referida disposição para o seu direito nacional.

51      No que se refere, desde logo, à redação deste artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, dela resulta que a opção de decidir excluir ou não um operador económico de um procedimento de contratação pública por um dos motivos enumerados nesta disposição cabe à autoridade adjudicante, a menos que os Estados‑Membros decidam transformar esta faculdade de exclusão numa obrigação. Por conseguinte, os Estados‑Membros têm de transpor a referida disposição quer permitindo às autoridades adjudicantes aplicar os motivos de exclusão enumerados nesta última, quer obrigando estas últimas a fazê‑lo. Em contrapartida, e contrariamente ao que a Futrifer e o Governo Português alegaram, um Estado‑Membro não se pode abster de incorporar estes motivos na sua legislação nacional de transposição da Diretiva 2014/24 e privar assim as autoridades adjudicantes da possibilidade, que tem, pelo menos, de lhes ser reconhecida por força da mesma disposição, de aplicar estes motivos.

52      Em seguida, no que respeita ao contexto em que se insere o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24, importa salientar que o considerando 101 desta diretiva indica que as «autoridades adjudicantes deverão [...] poder excluir os operadores económicos que se tenham revelado pouco fiáveis». Este considerando confirma, assim, que um Estado‑Membro deve transpor esta disposição para não privar as autoridades adjudicantes da possibilidade mencionada no número anterior e no referido considerando.

53      Esta interpretação do artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24 é também confirmada a contrario pela redação das disposições desta diretiva para a transposição das quais é expressamente reconhecida aos Estados‑Membros uma margem de apreciação. É o caso, em especial, do artigo 26.°, n.° 5, segundo o qual «os Estados‑Membros podem [...] prever [...]» e do artigo 32.°, n.° 1, desta diretiva, segundo o qual «os Estados‑Membros podem determinar [...]», ou ainda do artigo 56.°, n.° 2, segundo parágrafo, da referida diretiva, que utiliza a expressão «[o]s Estados‑Membros podem excluir [...]».

54      O artigo 57.°, n.° 7, da Diretiva 2014/24 não é suscetível de pôr em causa a referida interpretação. Com efeito, esta disposição confere, genericamente, aos Estados‑Membros a faculdade de especificar as condições de aplicação do artigo 57.° desta diretiva, podendo fazê-lo por meio de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas. Esta faculdade remete para o modo como aplicam este artigo. Por conseguinte, a escolha que é assim dada aos Estados‑Membros não se alarga à transposição ou não dos motivos facultativos de exclusão mencionados no artigo 57.°, n.° 4, da referida diretiva. Além disso, importa declarar que o artigo 57.°, n.° 7, da Diretiva 2014/24 também é aplicável aos motivos obrigatórios de exclusão previstos no artigo 57.°, n.° 1, desta diretiva. Ora, não é razoável sustentar que a faculdade prevista neste artigo 57.°, n.° 7, possa ser utilizada pelos Estados‑Membros para não transporem estes motivos de exclusão para o seu direito interno.

55      Por último, no que se refere ao objetivo prosseguido pela Diretiva 2014/24 no que respeita aos motivos facultativos de exclusão, o Tribunal de Justiça reconheceu que este objetivo se traduz no destaque dado às prerrogativas das autoridades adjudicantes. Assim, o legislador da União entendeu atribuir à autoridade adjudicante, e apenas a esta, na fase da seleção dos proponentes, a tarefa de apreciar se um candidato ou um proponente deve ser excluído de um procedimento de contratação pública (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2019, Meca, C‑41/18, EU:C:2019:507, n.° 34, e de 3 de outubro de 2019, Delta Antrepriză de Construcţii şi Montaj 93, C‑267/18, EU:C:2019:826, n.° 25).

56      A faculdade, ou inclusivamente a obrigação, de a autoridade adjudicante aplicar os motivos de exclusão enunciados no artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24 destina‑se especialmente a permitir‑lhe apreciar a integridade e a fiabilidade de cada um dos operadores económicos que participam num procedimento de contratação pública.

57      Assim, o legislador da União pretendeu assegurar‑se de que as autoridades adjudicantes dispõem, em todos os Estados‑Membros, da possibilidade de excluir os operadores económicos que considerem ser pouco fiáveis.

58      Decorre das considerações que precedem que o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24 contém uma obrigação, que impende sobre os Estados‑Membros, de transpor para o respetivo direito nacional os motivos facultativos de exclusão enumerados nesta disposição. No âmbito desta obrigação de transposição, estes Estados têm de prever quer a faculdade quer a obrigação de as autoridades adjudicantes aplicarem estes motivos.

59      No que respeita, segundo, ao artigo 80.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25, esta disposição prevê que, se os Estados‑Membros assim o exigirem, as regras e os critérios objetivos de exclusão e de seleção, nomeadamente, dos candidatos e dos proponentes nos concursos abertos, nos concursos limitados ou nos procedimentos por negociação, incluem os critérios de exclusão enumerados no artigo 57.°, n.° 4, da Diretiva 2014/24, nos termos e condições nele definidos.

60      Resulta da redação deste artigo 80.°, n.° 1, terceiro parágrafo, que cabe aos Estados‑Membros decidir se os motivos facultativos de exclusão previstos no referido artigo 57.°, n.° 4, devem ser aplicados, pelas entidades adjudicantes, como critérios de exclusão dos proponentes. No entanto, não existindo uma decisão neste sentido, decorre do artigo 80.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/25 que os Estados‑Membros devem, no âmbito da transposição desta diretiva, prever pelo menos a possibilidade de as entidades adjudicantes incluírem, entre as regras e os critérios de exclusão aplicáveis nos procedimentos de adjudicação pública abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva, os motivos de exclusão enumerados no artigo 57.°, n.° 4, da Diretiva 2014/24.

61      Por conseguinte, no que respeita aos motivos de exclusão enumerados no artigo 57.°, n.° 4, da Diretiva 2014/24, os Estados‑Membros devem, por força da sua obrigação de transpor o artigo 80.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/25, prever a possibilidade de as entidades adjudicantes incluírem estes motivos de exclusão entre os critérios objetivos de exclusão nos procedimentos abrangidos pelo âmbito de aplicação desta última diretiva, sem prejuízo da eventual decisão destes Estados, tomada com base no artigo 80.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da referida diretiva, de impor a estas entidades que incluam os referidos motivos entre estes critérios.

62      No que se refere, em terceiro lugar, ao argumento da Futrifer de que o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 não pode ser invocado por um proponente excluído, como, no caso em apreço, a Toscca, basta salientar, para efeitos da resposta a dar ao presente pedido de decisão prejudicial, que o Tribunal de Justiça já declarou que, sob pena de violar, nomeadamente, o respeito do direito à ação, conforme é garantido pelo artigo 47.° da Carta, a decisão de uma entidade adjudicante que recusa, ainda que implicitamente, excluir um operador económico de um procedimento de contratação pública por um dos motivos facultativos de exclusão previstos no artigo 57.°, n.° 4, da Diretiva 2014/24 tem necessariamente de poder ser impugnada por qualquer pessoa que tenha ou tenha tido um interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido ou possa ser lesada por uma violação dessa disposição (Acórdão de 7 de setembro de 2021, Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras, C‑927/19, EU:C:2021:700, n.° 143).

63      Pelas mesmas razões, deve ser feita uma apreciação idêntica em caso de recusa de exclusão de um operador económico de um procedimento de contratação pública por um dos motivos facultativos de exclusão previstos no artigo 80.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Diretiva 2014/25.

64      Há assim que responder às questões prejudiciais tomando em consideração as observações preliminares precedentes.

 Quanto à quinta questão

65      Com a sua quinta questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que limita a possibilidade de excluir uma proposta de um concorrente devido à existência de fortes indícios de comportamentos deste último suscetíveis de distorcer as regras de concorrência no procedimento de contratação pública em cujo âmbito ocorreu este tipo de comportamentos.

66      Para interpretar disposições do direito da União, há que tomar em consideração não só os termos deste, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 16 de março de 2023, Colt Technology Services e o., C‑339/21, EU:C:2023:214, n.° 39 e jurisprudência referida).

67      Primeiro, há que observar que, na medida em que prevê a hipótese de a autoridade adjudicante «[ter] indícios suficientemente plausíveis para concluir que o operador económico celebrou acordos com outros operadores económicos com o objetivo de distorcer a concorrência», a redação do artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 não limita a aplicação deste motivo de exclusão ao procedimento de contratação pública em cujo âmbito ocorreu este tipo de comportamentos.

68      No que respeita, segundo, ao contexto em que a referida disposição se insere, esta interpretação é corroborada pelo artigo 57.°, n.° 5, segundo parágrafo, desta diretiva, que permite, a qualquer momento do procedimento, às autoridades adjudicantes excluírem, ou serem solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir, um operador económico quando se verificar que o operador económico em causa, tendo em conta atos cometidos ou omitidos antes ou durante o procedimento, se encontra numa das situações referidas no n.° 4 deste artigo 57.°

69      Terceiro, a referida interpretação permite que a autoridade adjudicante, em conformidade com o objetivo prosseguido pela Diretiva 2014/24 no que respeita aos motivos facultativos de exclusão enumerados no artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, desta diretiva, conforme recordado no n.° 56 do presente acórdão, se certifique da integridade e da fiabilidade de cada um dos operadores económicos que participam no procedimento de contratação pública em causa (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2022, J. Sch. Omnibusunternehmen e K. Reisen, C‑416/21, EU:C:2022:689, n.° 42), sendo que a integridade e a fiabilidade podem ser questionadas não apenas em caso de participação de tal operador em comportamentos anticoncorrenciais no âmbito do referido procedimento, mas também em caso de participação desse operador nesses comportamentos anteriores.

70      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o artigo 70.°, n.° 2, alínea g), do CCP limita a possibilidade de a entidade adjudicante excluir uma proposta devido à existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência apenas ao procedimento de contratação pública em cujo âmbito essas práticas restritivas da concorrência ocorreram, pelo que tal exclusão não pode ser declarada pela entidade adjudicante se as práticas anticoncorrenciais em causa forem anteriores a esse procedimento.

71      A este respeito, resulta dos n.os 51, 58, 60 e 61 do presente acórdão que, independentemente da questão de saber se o procedimento de contratação pública em causa no processo principal está abrangido pela Diretiva 2014/24 ou pela Diretiva 2014/25, os Estados‑Membros devem, pelo menos, prever a faculdade de as autoridades adjudicantes incluírem os motivos de exclusão enumerados no artigo 57.°, n.° 4, da Diretiva 2014/24 entre os critérios objetivos de exclusão nos procedimentos de contratação pública, sem prejuízo da eventual decisão destes Estados de transformar esta faculdade numa obrigação. Por conseguinte, os Estados‑Membros não podem, em todo o caso, restringir o âmbito de aplicação destes motivos de exclusão.

72      Decorre dos fundamentos que precedem que há que responder à quinta questão que o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que limita a possibilidade de excluir uma proposta de um concorrente devido à existência de fortes indícios de comportamentos deste último suscetíveis de falsear as regras de concorrência de um procedimento de contratação pública em cujo âmbito ocorreu este tipo de comportamentos.

 Quanto às questões primeira e segunda

73      Com as suas questões primeira e segunda, às quais há que responder em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que atribui exclusivamente à Autoridade da Concorrência nacional o poder de decidir excluir operadores económicos de procedimentos de contratação pública por violação das regras da concorrência.

74      A este respeito, importa recordar que, em conformidade com o artigo 56.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 2014/24, a autoridade adjudicante tem obrigação de verificar, durante o procedimento de contratação pública, se a proposta foi apresentada por um proponente que não foi excluído em conformidade com o artigo 57.° desta diretiva, sendo esta obrigação extensiva a todos os operadores económicos que apresentaram uma proposta (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Tim, C‑395/18, EU:C:2020:58, n.° 46).

75      Como resulta da jurisprudência mencionada nos n.os 55 e 56 do presente acórdão, o legislador da União entendeu atribuir à autoridade adjudicante, e só a esta, a tarefa de apreciar se um candidato ou um proponente deve ser excluído de um procedimento de contratação pública através da verificação da integridade e da fiabilidade de cada um dos operadores económicos que participam neste procedimento.

76      Em especial, o motivo facultativo de exclusão referido no artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, lido em conjugação com o considerando 101 desta diretiva, baseia‑se num elemento essencial da relação entre o adjudicatário do contrato e a autoridade adjudicante, a saber, a fiabilidade do primeiro, na qual assenta a confiança que a segunda deposita naquele (Acórdão de 15 de setembro de 2022, J. Sch. Omnibusunternehmen e K. Reisen, C‑416/21, EU:C:2022:689, n.° 41 e jurisprudência referida).

77      Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando aplicam motivos facultativos de exclusão, as autoridades adjudicantes devem prestar especial atenção ao princípio da proporcionalidade, que lhes impõe que procedam a uma apreciação concreta e individualizada da atitude da entidade em causa, com base em todos os elementos pertinentes (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de junho de 2021, Rad Service e o., C‑210/20, EU:C:2021:445, n.° 40, e de 7 de setembro de 2021, Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras, C‑927/19, EU:C:2021:700, n.os 156 e 157).

78      Daqui resulta que, numa situação como a que está em causa no processo principal, na qual existe um procedimento específico regulado pelo direito da União ou pelo direito nacional para instaurar ações respeitantes a infrações ao direito da concorrência e na qual a Autoridade da Concorrência nacional é responsável por levar a cabo inquéritos para este efeito, a autoridade adjudicante deve, no âmbito da apreciação das provas fornecidas, basear‑se, em princípio, no resultado desse procedimento (v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2018, Vossloh Laeis, C‑124/17, EU:C:2018:855, n.° 25).

79      Neste contexto, uma decisão dessa autoridade que tenha constatado uma infração desse tipo e, por esse motivo, tenha aplicado uma sanção pecuniária a um proponente pode revestir uma importância significativa, sobretudo se essa sanção for acompanhada de uma proibição temporária de participação em procedimentos de contratação pública. Embora tal decisão possa levar a autoridade adjudicante a excluir este operador económico do procedimento de contratação pública em causa, pelo contrário, a inexistência de tal decisão não pode impedir, nem dispensar, a autoridade adjudicante de proceder a essa apreciação.

80      Esta apreciação deve ser efetuada à luz do princípio da proporcionalidade e deve tomar em conta todos os elementos pertinentes para verificar se se justifica a aplicação do motivo de exclusão previsto no artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24.

81      No processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o artigo 55.°, n.° 1, alínea f), do CCP confere exclusivamente à Autoridade da Concorrência nacional a apreciação das consequências que uma violação das regras da concorrência pode ter no âmbito de futuros procedimentos de contratação pública. Assim, esta legislação parece, por um lado, obrigar as entidades adjudicantes a dar cumprimento a uma decisão dessa autoridade que impõe a um operador económico uma sanção que o proíbe de participar nesses procedimentos durante um determinado período e, por outro, impedir essas entidades adjudicantes de excluir desses procedimentos um operador económico a quem não tenha sido aplicada tal sanção. Daqui resulta que um proponente pode ser excluído de um procedimento de contratação pública, na sequência de uma decisão da referida autoridade, sem que a entidade adjudicante possa apreciar o comportamento deste proponente e, por conseguinte, a sua integridade e a fiabilidade para executar o contrato em causa, nem decidir de forma autónoma, tendo em conta o princípio da proporcionalidade, se a exclusão do referido proponente se justifica pelo motivo previsto no artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24.

82      Tal legislação, que vincula a apreciação da integridade e da fiabilidade dos proponentes às conclusões de uma decisão da Autoridade da Concorrência nacional relativa, nomeadamente, à futura participação num procedimento de contratação pública, afeta o poder de apreciação de que a autoridade adjudicante deve gozar no âmbito do artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24.

83      As considerações expostas no número anterior também são válidas no caso de o procedimento de contratação pública em causa no processo principal estar abrangido pela Diretiva 2014/25, uma vez que, como recordado no n.° 71 do presente acórdão, os Estados‑Membros têm, por força da sua obrigação de transpor o artigo 80.°, n.° 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, de prever a faculdade de as entidades adjudicantes incluírem os motivos de exclusão enumerados no artigo 57.°, n.° 4, da Diretiva 2014/24 entre os critérios objetivos de exclusão nos procedimentos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2014/25, sem prejuízo da eventual decisão destes Estados de transformar esta faculdade numa obrigação. Por conseguinte, os Estados‑Membros não podem, em todo o caso, restringir o poder de apreciação de que a autoridade adjudicante tem de gozar neste âmbito.

84      Decorre dos fundamentos que precedem que há que responder às questões primeira e segunda que o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que atribui exclusivamente à Autoridade da Concorrência nacional o poder de decidir da exclusão de operadores económicos de concursos públicos por violação das regras da concorrência.

 Quanto à terceira questão

85      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, lido à luz do artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta, deve ser interpretado no sentido de que a decisão da autoridade adjudicante relativa à fiabilidade de um operador económico, adotada em aplicação do motivo de exclusão previsto nesta disposição da Diretiva 2014/24, tem de ser fundamentada.

86      Antes de mais, há que salientar que o artigo 41.°, n.° 2, alínea c), da Carta diz exclusivamente respeito à obrigação de fundamentar as suas decisões que se impõe às «instituições, órgãos e organismos da União». Por conseguinte, esta disposição não é pertinente no âmbito do litígio no processo principal.

87      No entanto, há que recordar que a autoridade adjudicante tem de respeitar o princípio geral do direito da União relativo a uma boa administração, o qual contém exigências que cabe aos Estados‑Membros respeitarem quando aplicam o direito da União. Entre estas exigências, o dever de fundamentação das decisões adotadas pelas autoridades nacionais reveste uma importância muito especial, na medida em que permite que os destinatários dessas decisões defendam os seus direitos e decidam com pleno conhecimento de causa se delas devem interpor recurso jurisdicional (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de outubro de 1987, Heylens e o., 222/86, EU:C:1987:442, n.° 15, e de 7 de setembro de 2021, Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras, C‑927/19, EU:C:2021:700, n.° 120).

88      Daqui resulta que, no âmbito dos procedimentos de contratação pública, a autoridade adjudicante está sujeita a este dever de fundamentação. A referida obrigação diz respeito, nomeadamente, às decisões através das quais a autoridade adjudicante exclui um proponente em aplicação, nomeadamente, de um motivo facultativo de exclusão, como o previsto no artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24.

89      Com efeito, como resulta do artigo 55.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2014/24, a pedido do proponente em causa, as autoridades adjudicantes comunicam, logo que possível e, em todo o caso, no prazo de quinze dias a contar da data de receção de um pedido escrito, os motivos da exclusão da sua proposta.

90      Além disso, há que salientar que a autoridade adjudicante tem também de fundamentar a sua decisão quando constata que um proponente se encontra num dos casos previstos no artigo 57.°, n.° 4, desta diretiva, mas decide, ainda assim, não o excluir, por exemplo, pelo facto de a exclusão constituir uma medida desproporcionada. Com efeito, uma decisão de não exclusão, quando se afigure que é aplicável um motivo facultativo de exclusão, afeta a situação jurídica de todos os outros operadores económicos que participam no procedimento de contratação pública em causa, os quais devem, por conseguinte, poder defender os seus direitos e, se for caso disso, decidir, com base nos fundamentos que figuram nessa decisão, interpor recurso contra a mesma. A este respeito, a exposição de motivos da decisão de não exclusão pode ser integrada na decisão final de adjudicação do contrato ao adjudicatário.

91      Tendo em conta os fundamentos que precedem, há que responder à terceira questão que o artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, lido à luz do princípio geral da boa administração, deve ser interpretado no sentido de que a decisão da autoridade adjudicante relativa à fiabilidade de um operador económico, adotada em aplicação do motivo de exclusão previsto nesta disposição, tem de ser fundamentada.

 Quanto às despesas

92      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que limita a possibilidade de excluir uma proposta de um concorrente devido à existência de fortes indícios de comportamentos deste último suscetíveis de falsear as regras de concorrência de um procedimento de contratação pública em cujo âmbito ocorreu este tipo de comportamentos.

2)      O artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional que atribui exclusivamente à Autoridade da Concorrência nacional o poder de decidir da exclusão de operadores económicos de concursos públicos por violação das regras da concorrência.

3)      O artigo 57.°, n.° 4, primeiro parágrafo, alínea d), da Diretiva 2014/24, lido à luz do princípio geral da boa administração,

deve ser interpretado no sentido de que:

a decisão da autoridade adjudicante relativa à fiabilidade de um operador económico, adotada em aplicação do motivo de exclusão previsto nesta disposição, tem de ser fundamentada.

Lenaerts

Bay Larsen

Prechal

Jürimäe

Lycourgos

Piçarra

Spineanu‑Matei

Ilešič

Xuereb

Rossi

Jarukaitis

Kumin

Jääskinen

Wahl

Ziemele

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de dezembro de 2023.

O Secretário

 

O Presidente

A. Calot Escobar

 

K. Lenaerts


*      Língua do processo: português.