Language of document : ECLI:EU:C:2023:1018

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de dezembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Procuradoria Europeia — Regulamento (UE) 2017/1939 — Artigo 31.o — Investigações transfronteiriças — Autorização judicial — Alcance da fiscalização — Artigo 32.o — Execução das medidas atribuídas»

No processo C‑281/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria), por Decisão de 8 de abril de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de abril de 2022, no processo penal contra

G. K.,

B. O. D. GmbH,

S. L.

sendo interveniente:

Österreichischer Delegierter Europäischer Staatsanwalt,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen (relator), vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, K. Jürimäe, T. von Danwitz, F. Biltgen e O. Spineanu‑Matei, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, M. Safjan, S. Rodin, D. Gratsias, M. L. Arastey Sahún e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de fevereiro de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de G. K., da B. O. D. GmbH e de S. L., por W. Gappmayer, Rechtsanwalt,

–        em representação da Österreichischer Delegierter Europäischer Staatsanwalt, por L. De Matteis, T. Gut, I. Maschl‑Clausen e F.‑R. Radu, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Austríaco, por J. Schmoll, J. Herrnfeld e C. Leeb, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller, P. Busche e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Francês, por R. Bénard e A. Daniel, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman, A. Hanje e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Romeno, por M. Chicu, E. Gane e A. Wellman, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Baquero Cruz e S. Grünheid, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 22 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, e do artigo 32.o do Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia (JO 2017, L 283, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra G. K., a B. O. D. GmbH e S. L., acusados de terem importado biodiesel na União Europeia, violando, por falsas declarações, a regulamentação aduaneira.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 DecisãoQuadro 2002/584/JAI

3        O artigo 1.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), dispõe:

«Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.»

4        O artigo 6.o, n.os 1 e 2, desta decisão‑quadro prevê:

«1.      A autoridade judiciária de emissão é a autoridade judiciária do Estado‑Membro de emissão competente para emitir um mandado de detenção europeu nos termos do direito desse Estado.

2.      A autoridade judiciária de execução é a autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução competente para executar o mandato de detenção europeu nos termos do direito desse Estado.»

 Diretiva 2014/41/UE

5        O artigo 1.o, n.o 2, Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal (JO 2014, L 130, p. 1), prevê:

«Os Estados‑Membros executam uma [decisão europeia de investigação (DEI)] com base no princípio do reconhecimento mútuo e nos termos da presente diretiva.»

6        O artigo 6.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«1.      A autoridade de emissão só pode emitir uma DEI se estiverem reunidas as seguintes condições:

a)      A emissão da DEI é necessária e proporcionada para efeitos dos processos a que se refere o artigo 4.o, tendo em conta os direitos do suspeito ou do arguido; e

b)      A medida ou medidas de investigação indicadas na DEI poderiam ter sido ordenadas nas mesmas condições em processos nacionais semelhantes.

2.      As condições referidas no n.o 1 são avaliadas pela autoridade de emissão, caso a caso.

3.      Se a autoridade de execução tiver razões para considerar que as condições previstas no n.o 1 não estão preenchidas, pode consultar a autoridade de emissão quanto à importância de executar a DEI. Após essa consulta, a autoridade de emissão pode decidir retirar a DEI.»

7        O artigo 9.o, n.o 1, da referida diretiva dispõe:

«A autoridade de execução deve reconhecer uma DEI transmitida em conformidade com a presente diretiva, sem impor outras formalidades, e garante a sua execução nas condições que seriam aplicáveis se a medida de investigação em causa tivesse sido ordenada por uma autoridade do Estado de execução, salvo se essa autoridade decidir invocar um dos motivos de não reconhecimento ou de não execução ou um dos motivos de adiamento previstos na presente diretiva.»

 Regulamento 2017/1939

8        Os considerandos 12, 14, 20, 30, 32, 60, 72, 73, 80, 83 e 85 do Regulamento 2017/1939 enunciam:

«(12)      Em conformidade com o com o princípio da subsidiariedade, o combate aos crimes lesivos dos interesses financeiros da União pode ser mais bem alcançado ao nível da União devido à sua dimensão e aos seus efeitos. A situação atual, em que a ação penal contra as infrações lesivas dos interesses financeiros da União cabe exclusivamente às autoridades dos Estados‑Membros da [União], nem sempre permite alcançar esse objetivo de forma suficiente. Atendendo a que os objetivos do presente regulamento, a saber, reforçar a luta contra as infrações lesivas dos interesses financeiros da União através da criação da Procuradoria Europeia, não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados‑Membros da [União], em virtude da fragmentação dos procedimentos penais nacionais no domínio das infrações cometidas contra os interesses financeiros da União, mas podem ser mais bem alcançados ao nível da União, uma vez que a Procuradoria Europeia virá a ter competência para atuar penalmente contra tais infrações, a União pode tomar medidas, em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o [TUE]. […]

[…]

(14)      À luz do princípio da cooperação leal, tanto a Procuradoria Europeia como as autoridades nacionais competentes deverão apoiar‑se e partilhar informações com vista a combater eficazmente as infrações que sejam da competência da Procuradoria Europeia.

[…]

(20)      A estrutura organizacional da Procuradoria Europeia deverá permitir uma tomada de decisão rápida e eficiente na condução das investigações e ações penais, independentemente de estas envolverem um ou mais Estados‑Membros. […]

[…]

(30)      As investigações da Procuradoria Europeia deverão ser realizadas, em regra, por Procuradores Europeus Delegados nos Estados‑Membros. Estes deverão realizá‑las nos termos do presente regulamento e, nas matérias por este não abrangidas, nos termos do direito nacional. […]

[…]

(32)      Os Procuradores Europeus Delegados deverão ser parte integrante da Procuradoria Europeia e, como tal, quando investigam e instauram ações penais no âmbito da competência da Procuradoria Europeia, deverão agir exclusivamente em representação e em nome da Procuradoria Europeia no território do respetivo Estado‑Membro. […]

[…]

(60)      Caso não possa exercer a sua competência num caso específico por haver motivos para crer que o prejuízo causado ou suscetível de ser causado aos interesses financeiros da União não excede o prejuízo causado, ou suscetível de ser causado, a outra vítima, a Procuradoria Europeia deverá no entanto poder exercer a sua competência desde que esteja mais bem colocada para investigar ou intentar uma ação penal do que as autoridades do ou dos Estados‑Membros em causa. Poderá afigurar‑se que a Procuradoria Europeia está mais bem colocada sempre que, por exemplo, seja mais eficaz deixar a Procuradoria Europeia ocupar‑se da investigação e ação penal relativas à infração penal em causa devido a esta ter natureza e escala internacional, quando essa infração envolva uma organização criminosa, ou sempre que um tipo específico de infração possa constituir uma ameaça grave para os interesses financeiros da União ou o crédito das instituições da União e a confiança dos seus cidadãos. […]

[…]

(72)      Nos processos transfronteiriços, o Procurador Europeu Delegado competente deverá poder contar com Procuradores Europeus Delegados assistentes quando for necessário tomar medidas noutros Estados‑Membros. Quando tais medidas estejam sujeitas a uma autorização judicial, deverá ser claramente indicado qual o Estado‑Membro em que a autorização deve ser obtida, e, em qualquer caso, só deverá haver uma única autorização. Se uma medida de investigação for definitivamente recusada pelas autoridades judiciais, ou seja, depois de esgotadas todas as vias de recurso, o Procurador Europeu Delegado competente deverá retirar o pedido ou a ordem.

(73)      A possibilidade prevista no presente regulamento de recorrer aos instrumentos jurídicos em matéria de reconhecimento mútuo ou de cooperação transfronteiriça não deverá substituir as regras específicas para as investigações transfronteiriças ao abrigo do presente regulamento. Deverá constituir antes um complemento para assegurar que, quando uma medida seja necessária numa investigação transfronteiriça mas não exista no direito nacional para uma situação puramente interna, poderá ser utilizada em conformidade com o direito nacional que implementa o instrumento pertinente, no âmbito da investigação ou da ação penal.

[…]

(80)      Os meios de prova apresentados no órgão jurisdicional pela Procuradoria Europeia não deverão ser recusados unicamente pelo facto de terem sido recolhidos noutro Estado‑Membro ou em conformidade com o direito de outro Estado‑Membro, desde que o órgão jurisdicional da causa entenda que a sua admissão respeita a equidade do processo e os direitos de defesa do suspeito ou do arguido nos termos da Carta [dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir “Carta”)]. O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.o [TUE] e pela Carta, nomeadamente no título VI, pelo direito internacional e pelos acordos internacionais em que a União ou todos os Estados‑Membros são partes, incluindo a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950], e pelas constituições dos Estados‑Membros nos respetivos âmbitos de aplicação. […]

[…]

(83)      O presente regulamento impõe que a Procuradoria Europeia respeite, em especial, o direito a um tribunal imparcial, os direitos de defesa e a presunção de inocência, conforme consagrados nos artigos 47.o e 48.o da Carta. O artigo 50.o da Carta, que consagra o direito a não ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito (ne bis in idem), garante que não haverá dupla punição resultante de ações penais instauradas pela Procuradoria Europeia. As atividades da Procuradoria Europeia deverão, pois, ser exercidas no pleno respeito desses direitos e o presente regulamento deverá ser aplicado e interpretado em conformidade.

[…]

(85)      Os direitos de defesa previstos no direito da União aplicável, como as Diretivas [2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal (JO 2010, L 280, p. 1), 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal (JO 2012, L 142, p. 1), 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares (JO 2013, L 294, p. 1), (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (JO 2016, L 65, p. 1), e (UE) 2016/1919 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2016, relativa ao apoio judiciário provisório para suspeitos ou arguidos privados de liberdade e ao apoio judiciário em processos de execução de mandados de detenção europeus (JO 2016, L 297, p. 1)], tal como transpostas para o direito nacional, deverão aplicar‑se às atividades da Procuradoria Europeia. Qualquer suspeito ou arguido relativamente ao qual a Procuradoria Europeia encete uma investigação deverá beneficiar desses direitos, bem como dos direitos previstos no direito nacional de solicitar que sejam nomeados peritos ou ouvidas testemunhas, ou que sejam apresentados pela Procuradoria Europeia meios de prova em nome da defesa.»

9        Nos termos do artigo 1.o deste regulamento:

«O presente regulamento institui a Procuradoria Europeia e estabelece normas relativas ao seu funcionamento.»

10      O artigo 2.o, pontos 5 e 6, do referido regulamento tem a seguinte redação:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

5)      “Procurador Europeu Delegado competente”, um Procurador Europeu Delegado responsável pelas investigações e ações penais que iniciou, que lhe foram atribuídas ou que tomou a cargo exercendo o direito de avocação em conformidade com o artigo 27.o;

6)      “Procurador Europeu Delegado assistente”, um Procurador Europeu Delegado situado num Estado‑Membro, que não o do Procurador Europeu Delegado competente, no qual deva ser executada uma ação de investigação ou outra medida cuja execução lhe tenha sido atribuída.»

11      O artigo 4.o do mesmo regulamento dispõe:

«Cabe à Procuradoria Europeia investigar, instaurar a ação penal e deduzir acusação e sustentá‑la na instrução e no julgamento contra os autores e seus cúmplices nas infrações penais lesivas dos interesses financeiros da União […] Para o efeito, a Procuradoria Europeia faz as investigações e pratica os atos próprios da ação penal, exercendo a ação pública perante os órgãos jurisdicionais competentes dos Estados‑Membros até que o processo seja arquivado.»

12      O artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1939 enuncia:

«No exercício das suas atividades, a Procuradoria Europeia assegura o respeito dos direitos consagrados na Carta.»

13      O artigo 8.o, n.os 1 a 4, deste regulamento prevê:

«1.      A Procuradoria Europeia é um órgão indivisível da União e funciona como entidade única com estrutura descentralizada.

2.      A Procuradoria Europeia é organizada a nível central e a nível descentralizado.

3.      O nível central é constituído pela Procuradoria Central, localizada na sede da Procuradoria Europeia. A Procuradoria Central é constituída pelo Colégio, as Câmaras Permanentes, o Procurador‑Geral Europeu, os Procuradores‑Gerais Europeus Adjuntos, os Procuradores Europeus e o Diretor Administrativo.

4.      O nível descentralizado é constituído pelos Procuradores Europeus Delegados, localizados nos Estados‑Membros.»

14      O artigo 13.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe:

«Os Procuradores Europeus Delegados agem em nome da Procuradoria Europeia nos respetivos Estados‑Membros e têm as mesmas competências que os procuradores nacionais no que respeita a investigar, instaurar a ação penal e deduzir acusação e sustentá‑la na instrução e no julgamento, além das competências específicas e do estatuto que o presente regulamento lhes confere, nas condições nele estabelecidas.

Os Procuradores Europeus Delegados são responsáveis pelas investigações e ações penais que lançaram, que lhes foram atribuídas ou que tomaram a cargo exercendo o direito de avocação. Os Procuradores Europeus Delegados também seguem a orientação e as instruções da Câmara Permanente encarregada do processo, bem como as instruções do Procurador Europeu supervisor.

[…]»

15      O artigo 28.o, n.o 1, do mesmo regulamento enuncia:

«O Procurador Europeu Delegado competente para um processo pode, em conformidade com o presente regulamento e com o direito nacional, ou executar por sua própria iniciativa as medidas de investigação e outras medidas ou dar instruções às autoridades competentes no seu Estado‑Membro. […]»

16      O artigo 30.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1939 dispõe:

«Pelo menos nos casos em que a infração objeto de investigação seja punível com uma pena privativa de liberdade máxima não inferior a quatro anos, os Estados‑Membros asseguram que os Procuradores Europeus Delegados têm o direito de ordenar ou pedir uma das seguintes medidas de investigação:

a)      Efetuar buscas em quaisquer instalações, terrenos, meios de transporte, casas particulares, vestuário e quaisquer outros bens pessoais ou sistema informático e tomar as medidas cautelares necessárias para preservar a sua integridade ou evitar a perda ou contaminação de meios de prova;

[…]

d)      Congelar instrumentos ou produtos de crime, incluindo bens, que se preveja venham a ser objeto de declaração de perda pelo órgão jurisdicional da causa, sempre que exista razão para crer que o proprietário, o possuidor ou o controlador desses instrumentos ou produtos procure frustrar a decisão judicial de declaração de perda;

[…]»

17      Nos termos do artigo 31.o deste regulamento, sob a epígrafe «Investigações transfronteiriças»:

«1.      Os Procuradores Europeus Delegados atuam em estreita cooperação e assistem‑se e consultam‑se mutuamente no âmbito dos processos transfronteiriços. Caso uma medida tenha de ser tomada num Estado‑Membro que não o Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente, este último decide adotar a medida necessária e atribui a sua execução a um Procurador Europeu Delegado localizado no Estado‑Membro onde a medida deve ser executada.

2.      O Procurador Europeu Delegado competente pode atribuir a execução de quaisquer medidas ao seu dispor nos termos do artigo 30.o A justificação e a adoção dessas medidas regem‑se pelo direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente. Caso o Procurador Europeu Delegado competente atribua uma medida de investigação a um ou vários Procuradores Europeus Delegados de outro Estado‑Membro, informa ao mesmo tempo o seu Procurador Europeu supervisor.

3.      Se o direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente exigir uma autorização judicial da medida, este último deve obter essa autorização em conformidade com o direito desse Estado‑Membro.

Em caso de recusa de autorização judicial da medida atribuída, o Procurador Europeu Delegado competente retira a atribuição.

Contudo, se o direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente não exigir essa autorização judicial ao passo que a mesma é exigida pelo direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente, a autorização deve ser obtida por este último e apresentada juntamente com a atribuição.

4.      O Procurador Europeu Delegado assistente executa a medida atribuída ou dá à autoridade nacional competente ordem para o fazer.

5.      Se o Procurador Europeu Delegado assistente considerar que:

[…]

c)      Medidas alternativas menos intrusivas produziriam os mesmos resultados que a medida atribuída; […]

[…]

informa o seu Procurador Europeu supervisor e consulta o Procurador Europeu Delegado competente a fim de resolver a questão a nível bilateral.

6.      Se a medida atribuída não existir numa situação exclusivamente nacional, mas sim numa situação transfronteiriça abrangida por instrumentos jurídicos em matéria de reconhecimento mútuo ou de cooperação transfronteiriça, os Procuradores Europeus Delegados em causa podem, com o acordo dos Procuradores Europeus supervisores em causa, recorrer a estes instrumentos.

7.      Se os Procuradores Europeus Delegados não puderem resolver a questão no prazo de sete dias úteis e se a atribuição for mantida, a questão é submetida à Câmara Permanente. O mesmo se aplica se a medida atribuída não for executada no prazo fixado na atribuição ou dentro de um prazo razoável.

[…]»

18      O artigo 32.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Execução das medidas atribuídas», prevê:

«As medidas atribuídas são executadas nos termos do presente regulamento e do direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente. As formalidades e os procedimentos expressamente indicados pelo Procurador Europeu Delegado competente devem ser seguidos, a não ser que tais formalidades e procedimentos sejam contrários aos princípios fundamentais do direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente.»

19      O artigo 41.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento dispõe:

«1.      As atividades da Procuradoria Europeia são exercidas no pleno respeito pelos direitos dos suspeitos e dos arguidos consagrados na Carta, incluindo o direito a um tribunal imparcial e os direitos de defesa.

2.      Todos os suspeitos e arguidos envolvidos nos procedimentos penais da Procuradoria Europeia têm, no mínimo, os direitos processuais previstos no direito da União, designadamente nas diretivas relativas aos direitos dos suspeitos e dos arguidos em processo penal, tal como transpostas para o direito nacional, como por exemplo:

a)      Direito a interpretação e tradução, nos termos da Diretiva [2010/64];

b)      Direito à informação e acesso aos elementos do processo, nos termos da Diretiva [2012/13];

c)      Direito de acesso a um advogado e direito de comunicar com terceiros e de os informar em caso de detenção, nos termos da Diretiva [2013/48];

d)      Direito de guardar silêncio e direito de presunção de inocência, nos termos da Diretiva [2016/343];

e)      Direito a apoio judiciário, nos termos da Diretiva [2016/1919].»

 Direito austríaco

20      O § 11, n.o 2, da Bundesgesetz zur Durchführung der Europäischen Staatsanwaltschaft (Lei Federal de Implementação da Procuradoria Europeia) prevê que, nas investigações transfronteiriças da Procuradoria Europeia, em caso de execução de uma medida de investigação no território austríaco, a autorização judicial referida no artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento 2017/1939 incumbe ao Landesgericht (Tribunal Regional, Áustria) em cuja circunscrição se situe a procuradoria competente.

21      O § 119, n.o 1, do Strafprozessordnung (Código de Processo Penal) fixa as condições para a realização de buscas.

22      O § 120, n.o 1, do Código de Processo Penal prevê que as buscas são ordenadas pelo Ministério Público com base numa autorização judicial e que a Polícia Judiciária só está habilitada a proceder provisoriamente a buscas, sem despacho nem autorização, em caso de perigo iminente.

 Direito alemão

23      O § 102 do Strafprozessordnung (Código de Processo Penal, a seguir «StPO») tem a seguinte redação:

«Quem for suspeito da prática de uma infração ou da participação na sua prática ou de recetação de dados, de cumplicidade, de entrave à ação penal ou de recetação pode ser sujeito a buscas na sua habitação e noutras instalações, bem como de busca sobre a sua pessoa e objetos que lhe pertençam, tanto para efeitos da sua detenção como quando seja de presumir que a busca conduzirá à descoberta de elementos de prova.»

24      Nos termos do § 105, n.o 1, da StPO:

«As buscas só podem ser ordenadas pelo juiz e, em caso de perigo iminente, também pelo Ministério Público e pelos seus auxiliares [§ 152 da Gerichtsverfassungsgesetz (Lei da Organização Judiciária)]. […]»

25      O § 3, n.o 2, da Gesetz zur Ausführung der EU‑Verordnung zur Errichtung der Europäischen Staatsanwaltschaft (Lei de Execução do Regulamento da União Europeia que institui a Procuradoria Europeia) dispõe:

«Quando as disposições do Código de Processo Penal prevejam o despacho ou a confirmação por um juiz para um dever de investigação, esse despacho ou confirmação só deverá ser obtido de um juiz alemão para medidas transfronteiriças que devam ser executadas noutro Estado‑Membro que participe na implementação da Procuradoria Europeia, em conformidade com o artigo 31.o, n.o 3, do [Regulamento 2017/1939], se o direito do outro Estado‑Membro não exigir tal despacho ou confirmação por um juiz.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

26      Um Procurador Europeu Delegado alemão abriu, em nome da Procuradoria Europeia, um inquérito por fraude fiscal em grande escala e pertença a uma organização criminosa constituída com o objetivo de cometer infrações fiscais.

27      No âmbito desse inquérito, a B. O. D., bem como os seus gerentes, G. K. e S. L., são acusados de terem importado biodiesel de origem americana na União, violando, por falsas declarações, a regulamentação aduaneira e, assim, de terem causado um prejuízo no montante de 1 295 000 euros.

28      Em 9 de novembro de 2021, no âmbito da assistência prestada nesse inquérito por força do artigo 31.o do Regulamento 2017/1939, um Procurador Europeu Delegado assistente austríaco ordenou, por um lado, a realização de buscas e apreensões, tanto nas instalações comerciais da B. O. D. e da respetiva sociedade‑mãe como no domicílio de G. K. e de S. L., todos situados na Áustria, e solicitou, por outro, aos órgãos jurisdicionais austríacos competentes que autorizassem essas medidas.

29      Após ter obtido as autorizações solicitadas, esse Procurador Europeu Delegado assistente austríaco ordenou à autoridade financeira competente a execução efetiva das referidas medidas, que esta autoridade executou.

30      Em 1 de dezembro de 2021, G. K., a B. O. D. e S. L. intentaram ações contra as decisões dos órgãos jurisdicionais austríacos de autorização das medidas em causa no Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria), o órgão jurisdicional de reenvio.

31      Neste órgão jurisdicional, G. K., a B. O. D. e S. L. alegam, nomeadamente, que não foi cometida nenhuma infração na Áustria, que as suspeitas a seu respeito são insuficientes, que essas decisões dos órgãos jurisdicionais austríacos não estão suficientemente fundamentadas, que as buscas ordenadas não eram necessárias nem proporcionadas e que foi violado o direito a uma relação de confiança com o advogado.

32      No referido órgão jurisdicional, o Procurador Europeu Delegado assistente austríaco em causa alega que, em conformidade com o quadro jurídico instituído pelo Regulamento 2017/1939 para as investigações transfronteiriças da Procuradoria Europeia, a justificação das medidas de investigação atribuídas são regidas pelo direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente para o processo e, por analogia com o regime instituído pela Diretiva 2014/41, só podem ser examinadas pelas autoridades desse Estado‑Membro. Ora, as infrações em causa já foram examinadas pelo juiz de instrução competente junto do Amtsgericht München (Tribunal de Primeira Instância de Munique, Alemanha). Por sua vez, as autoridades competentes do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente só podem examinar as formalidades relativas à execução dessas medidas de investigação atribuídas.

33      O órgão jurisdicional de reenvio salienta, por um lado, que, com base na redação do artigo 31.o, n.o 3, e do artigo 32.o do Regulamento 2017/1939, é possível interpretar estas disposições no sentido de que, quando uma medida de investigação atribuída exige a obtenção de uma autorização judicial no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente, essa medida deve ser examinada por um órgão jurisdicional desse Estado‑Membro à luz de todas as regras formais e substantivas previstas pelo referido Estado‑Membro.

34      Todavia, sublinha que tal interpretação determinaria, sendo caso disso, a sujeição de tal medida a um exame completo em dois Estados‑Membros e segundo os respetivos direitos nacionais, o que implicaria que todos os documentos necessários para efetuar tais exames deveriam ser disponibilizados ao órgão jurisdicional competente no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente e, eventualmente, traduzidos. Ora, tal sistema constituiria um retrocesso relativamente ao sistema instituído pela Diretiva 2014/41, no âmbito do qual o Estado‑Membro de execução só pode verificar alguns aspetos formais.

35      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que uma interpretação do Regulamento 2017/1939 à luz do objetivo de eficácia da ação penal pode implicar, em todo o caso na situação em que já tenha havido fiscalização jurisdicional no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente para o processo, que a fiscalização efetuada no âmbito da autorização judicial exigida no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente incida unicamente sobre alguns aspetos formais.

36      Nestas condições, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o direito da União, em especial o artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, e o artigo 32.o do [Regulamento 2017/1939], ser interpretado no sentido de que, no âmbito das investigações transfronteiriças, caso seja necessária uma autorização judicial de uma medida a executar no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente, devem ser examinados todos os elementos materiais, como o caráter penalmente condenável, a suspeita, a necessidade e a proporcionalidade?

2)      No âmbito da análise, deve ser tido em conta se a admissibilidade da medida já foi examinada no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente por um órgão jurisdicional, à luz do direito desse Estado‑Membro?

3)      Em caso de resposta negativa à primeira questão ou de resposta afirmativa à segunda questão, qual o alcance do exame jurisdicional a efetuar no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado?»

37      Por carta de 10 de janeiro de 2023, a Secretaria do Tribunal de Justiça remeteu ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de esclarecimentos. Em resposta a este pedido, o órgão jurisdicional de reenvio informou que G. K., a B. O. D. e S. L. são referidos no Despacho do Amtsgericht München (Tribunal de Primeira Instância de Munique) de 2 de setembro de 2021, que autoriza buscas na Alemanha, sem que tenha sido examinada a justificação de eventuais buscas nas instalações comerciais da B. O. D. e no domicílio de G. K. e de S. L. na Áustria.

 Quanto às questões prejudiciais

38      Com as suas três questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 31.o e 32.o do Regulamento 2017/1939 devem ser interpretados no sentido de que a fiscalização efetuada no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente, quando uma medida de investigação atribuída exija uma autorização judicial que seja conforme com o direito desse Estado‑Membro, pode incidir quer sobre os elementos relativos à justificação e à adoção dessa medida quer sobre os relativos à sua execução. Neste contexto, interroga‑se sobre a incidência da fiscalização judicial da referida medida previamente efetuada no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente para o processo no alcance da fiscalização da mesma medida, ao abrigo dessa autorização judicial, no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente.

39      A título preliminar, importa salientar que, em conformidade com o seu artigo 1.o, o Regulamento 2017/1939 tem por objeto instituir a Procuradoria Europeia e estabelecer normas relativas ao seu funcionamento.

40      O artigo 4.o deste regulamento especifica que cabe à Procuradoria Europeia investigar, instaurar a ação penal e deduzir acusação e sustentá‑la na instrução e no julgamento contra os autores e seus cúmplices nas infrações penais lesivas dos interesses financeiros da União. Para o efeito, a Procuradoria Europeia faz as investigações e pratica os atos próprios da ação penal, exercendo a ação pública perante os órgãos jurisdicionais competentes dos Estados‑Membros até que o processo seja arquivado.

41      O artigo 8.o, n.o 1, do referido regulamento prevê que a Procuradoria Europeia é um órgão indivisível da União e funciona como entidade única com estrutura descentralizada. Os n.os 2 a 4 deste artigo enunciam que a Procuradoria Europeia é organizada a dois níveis, a saber, por um lado, um nível central, constituído pela Procuradoria Central, localizada na sede da Procuradoria Europeia, e, por outro, um nível descentralizado, constituído pelos Procuradores Europeus Delegados, localizados nos Estados‑Membros.

42      Segundo o artigo 13.o, n.o 1, do mesmo regulamento, lido à luz dos seus considerandos 30 e 32, as investigações da Procuradoria Europeia devem, em princípio, ser conduzidas pelos Procuradores Europeus Delegados, que atuam em nome da Procuradoria Europeia nos respetivos Estados‑Membros.

43      Resulta da leitura conjugada deste artigo 13.o, n.o 1, e do artigo 28.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1939 que o Procurador Europeu Delegado competente para um processo, a saber, o Procurador Europeu Delegado responsável pelas investigações e ações penais que iniciou, que lhe foram atribuídas ou que tomou a cargo exercendo o seu direito de avocação, pode, em conformidade com este regulamento e com o direito do respetivo Estado‑Membro, executar por sua própria iniciativa as medidas de investigação e outras medidas ou dar instruções às autoridades competentes no seu Estado‑Membro.

44      No âmbito das investigações conduzidas pelo Procurador Europeu Delegado competente para o processo no seu Estado‑Membro, quando este decide tomar uma medida de investigação que requer uma autorização judicial em conformidade com o direito desse Estado‑Membro, a fiscalização do cumprimento de todas as condições previstas para esse efeito incumbe aos órgãos jurisdicionais do referido Estado‑Membro. Em contrapartida, nos processos transfronteiriços, quando uma medida de investigação deva ser executada num Estado‑Membro diferente do do Procurador Europeu Delegado competente para um processo, este último deve poder contar com o apoio, como resulta do artigo 2.o, ponto 6, do referido regulamento, lido à luz do seu considerando 72, de um Procurador Europeu Delegado assistente situado no Estado‑Membro em que essa medida deve ser executada.

45      O regime aplicável à adoção e à execução de tal medida no âmbito de uma investigação transfronteiriça é definido pelos artigos 31.o e 32.o do mesmo regulamento, cuja interpretação é solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Por conseguinte, há que fazer referência a estes artigos na determinação do alcance da fiscalização jurisdicional que pode ser efetuada no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente, quando tal medida exige uma autorização judicial em conformidade com o direito desse Estado‑Membro.

46      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [Acórdão de 28 de outubro de 2022, Generalstaatsanwaltschaft München (Extradição e ne bis in idem), C‑435/22 PPU, EU:C:2022:852, n.o 67 e jurisprudência referida].

47      No que respeita, em primeiro lugar, à redação dos artigos 31.o e 32.o do Regulamento 2017/1939, resulta do artigo 31.o, n.o 1, deste regulamento que a condução das investigações transfronteiriças da Procuradoria Europeia assenta numa cooperação estreita entre os Procuradores Europeus Delegados. No âmbito dessa cooperação, caso uma medida tenha de ser executada num Estado‑Membro que não o Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente, este último decide adotar a medida necessária e atribui a sua execução a um Procurador Europeu Delegado localizado no Estado‑Membro onde a medida deve ser executada.

48      O artigo 31.o, n.o 2, do referido regulamento especifica, a este respeito, que a justificação e a adoção de tal medida se regem pelo direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente.

49      Nos termos do artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, se o direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente exigir uma autorização judicial da medida, este último deve obter essa autorização em conformidade com o direito desse Estado‑Membro.

50      Contudo, nos termos do artigo 31.o, n.o 3, terceiro parágrafo, do Regulamento 2017/1939, se o direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente não exigir essa autorização judicial, ao passo que a mesma é exigida pelo direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente, a autorização deve ser obtida por este último e apresentada juntamente com a atribuição.

51      O artigo 31.o, n.o 4, deste regulamento dispõe que o Procurador Europeu Delegado assistente executa a medida atribuída ou dá à autoridade nacional competente ordem para o fazer.

52      O artigo 32.o do referido regulamento especifica que essa medida é executada nos termos do mesmo regulamento e do direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente.

53      Atentos estes elementos, há que salientar que, embora o artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento 2017/1939 preveja a obtenção de uma autorização judicial em conformidade com o direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente quando uma medida de investigação atribuída exija essa autorização nos termos do direito desse Estado‑Membro, os artigos 31.o e 32.o deste regulamento não especificam, porém, o alcance da fiscalização que pode ser efetuada para efeitos dessa autorização judicial pelas autoridades competentes do referido Estado‑Membro.

54      No entanto, resulta da redação do artigo 31.o, n.os 1 e 2, e do artigo 32.o do referido regulamento que o Procurador Europeu Delegado competente para o processo se pronuncia sobre a adoção de uma medida de investigação atribuída e que essa adoção, bem como a justificação dessa medida, se regem pelo direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente para o processo, ao passo que a execução de tal medida é regida pelo direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente.

55      No que respeita, em segundo lugar, ao contexto em que se inscrevem os artigos 31.o e 32.o do mesmo regulamento, importa salientar que a distinção estabelecida por estes artigos entre a justificação e a adoção de uma medida de investigação atribuída, por um lado, e a sua execução, por outro, reflete a lógica subjacente ao sistema de cooperação judiciária em matéria penal entre os Estados‑Membros, que se baseia nos princípios da confiança e do reconhecimento mútuos.

56      A este respeito, há que recordar que tanto o princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros como o princípio do reconhecimento mútuo, ele próprio assente na confiança recíproca entre estes últimos, têm, no direito da União, uma importância fundamental, dado que permitem a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas [Acórdão de 28 de outubro de 2022, Generalstaatsanwaltschaft München (Extradição e ne bis in idem), C‑435/22 PPU, EU:C:2022:852, n.o 92 e jurisprudência referida].

57      O princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais implica a existência de confiança recíproca quanto ao facto de cada um dos Estados‑Membros aceitar a aplicação do direito penal em vigor nos outros Estados‑Membros, mesmo que a aplicação do seu próprio direito nacional conduza a uma solução diferente (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de janeiro de 2018, Piotrowski, C‑367/16, EU:C:2018:27, n.o 52, e de 10 de janeiro de 2019, ET, C‑97/18, EU:C:2019:7, n.o 33).

58      Este princípio é expresso em vários instrumentos de cooperação judiciária em matéria penal entre os Estados‑Membros.

59      Assim, o referido princípio tem nomeadamente expressão no artigo 1.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, que consagra a regra segundo a qual os Estados‑Membros são obrigados a executar todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no mesmo princípio e em conformidade com as disposições desta decisão‑quadro [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 43 e jurisprudência referida].

60      No âmbito do sistema de entrega instituído pela dita decisão‑quadro, as autoridades judiciárias referidas, respetivamente, no n.o 1 e no n.o 2 do artigo 6.o da mesma decisão‑quadro exercem funções distintas ligadas, por um lado, à emissão de um mandado de detenção europeu e, por outro, à execução desse mandado [v., neste sentido, Acórdão de 24 de novembro de 2020, Openbaar Ministerie (Falsificação de documento), C‑510/19, EU:C:2020:953, n.o 47].

61      Cabe, portanto, à autoridade judiciária de emissão verificar o cumprimento das condições necessárias à emissão de um mandado de detenção europeu, sem que essa apreciação possa, em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo, ser posteriormente fiscalizada pela autoridade judiciária de execução (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de janeiro de 2018, Piotrowski, C‑367/16, EU:C:2018:27, n.o 52, e de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.os 87 e 88).

62      O princípio do reconhecimento mútuo também tem expressão no artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2014/41, que prevê que os Estados‑Membros executam uma decisão europeia de investigação com base nesse princípio e nos termos desta diretiva.

63      Resulta da leitura conjugada dos artigos 6.o e 9.o da referida diretiva que o sistema de cooperação judiciária nela previsto assenta, à semelhança do instituído pela Decisão‑Quadro 2002/584, na repartição de competências entre a autoridade judiciária de emissão e a autoridade judiciária de execução, no âmbito da qual cabe à autoridade judiciária de emissão verificar o cumprimento das condições materiais necessárias à emissão da decisão europeia de investigação, sem que essa apreciação possa, em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo, ser posteriormente fiscalizada pela autoridade judiciária de execução [v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2021, Spetsializirana prokuratura (Dados de tráfego e de localização), C‑724/19, EU:C:2021:1020, n.o 53].

64      Resulta destas considerações que, no âmbito da cooperação judiciária em matéria penal entre os Estados‑Membros baseada nos princípios da confiança e do reconhecimento mútuos, não é suposto a autoridade de execução verificar o cumprimento, por parte da autoridade de emissão, das condições de emissão da decisão judicial que deve executar.

65      Em terceiro lugar, resulta dos considerandos 12, 14, 20 e 60 do Regulamento 2017/1939 que, com a instituição de uma Procuradoria Europeia, este regulamento tem por objetivo lutar mais eficazmente contra as infrações lesivas dos interesses financeiros da União.

66      A este respeito, resulta do artigo 31.o, n.o 6, do Regulamento 2017/1939, lido à luz do seu considerando 73, que as regras específicas previstas neste regulamento para efeitos das investigações transfronteiriças devem poder ser completadas pela possibilidade de recorrer a instrumentos jurídicos em matéria, nomeadamente, de reconhecimento mútuo, como o instituído pela Diretiva 2014/41, para garantir que, quando uma medida seja necessária numa investigação dessa natureza, mas não exista no direito nacional para situações puramente internas, essa possibilidade possa ser utilizada em conformidade com o direito nacional que aplica o instrumento em causa.

67      Daqui resulta que, quando definiu os procedimentos previstos no Regulamento 2017/1939, o legislador da União quis instituir um mecanismo garantístico de um grau de eficácia das investigações transfronteiriças conduzidas pela Procuradoria Europeia pelo menos tão elevado como o resultante da aplicação dos procedimentos previstos no âmbito do sistema de cooperação judiciária em matéria penal entre os Estados‑Membros, baseado nos princípios da confiança e do reconhecimento mútuos.

68      Ora, a interpretação dos artigos 31.o e 32.o deste regulamento segundo a qual a concessão da autorização judicial referida no artigo 31.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do referido regulamento pode ficar sujeita a um exame, pela autoridade competente do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente, dos elementos relativos à justificação e à adoção da medida de investigação atribuída em causa conduziria, na prática, a um sistema menos eficaz do que o instituído por esses instrumentos jurídicos e prejudicaria, assim, o objetivo prosseguido pelo mesmo regulamento.

69      Com efeito, por um lado, para poder efetuar esse exame, a autoridade competente do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente deve, nomeadamente, examinar, de forma aprofundada, todo o processo, que lhe deve ser transmitido pelas autoridades do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente para o processo e, se for caso disso, traduzido.

70      Por outro lado, uma vez que a justificação e a adoção de uma medida de investigação atribuída estão abrangidas, por força de opção feita pelo legislador da União, pelo direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente para o processo, a autoridade competente do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente deve, para efeitos do exame da verificação destes dois elementos, aplicar o direito do primeiro Estado‑Membro. Ora, não se pode considerar que essa autoridade está mais bem colocada do que a autoridade competente do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente para o processo para proceder a esse exame à luz do direito deste último Estado‑Membro.

71      Resulta de todas as considerações anteriores que, para efeitos da cooperação entre os Procuradores Europeus Delegados no âmbito das investigações transfronteiriças da Procuradoria Europeia, o Regulamento 2017/1939 estabelece uma distinção entre as responsabilidades ligadas à justificação e à adoção da medida atribuída, que incumbem ao Procurador Europeu Delegado competente para o processo, e as relativas à execução dessa medida, que incumbem ao Procurador Europeu Delegado assistente.

72      Em conformidade com esta partilha de responsabilidades, a fiscalização ligada à autorização judicial que seria exigida por força do direito do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente só pode incidir sobre os elementos relativos a essa execução.

73      A este respeito, importa, porém, sublinhar que, em conformidade com o artigo 31.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1939, cabe ao Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente para o processo prever a fiscalização jurisdicional prévia das condições de justificação e de adoção das medidas de investigação atribuídas, tendo em conta as exigências resultantes da Carta, cujo respeito se impõe aos Estados‑Membros na aplicação deste regulamento por força do artigo 51.o, n.o 1, da Carta.

74      A partilha de responsabilidades descrita nos n.os 71 e 72 do presente acórdão não prejudica assim as exigências relativas ao respeito pelos direitos fundamentais quando da adoção de medidas de investigação atribuídas que, à semelhança das que estão em causa no processo principal, constituem ingerências no direito da pessoa ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações, garantido no artigo 7.o da Carta, bem como no direito de propriedade consagrado no artigo 17.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, Gavanozov II, C‑852/19, EU:C:2021:902, n.o 31).

75      No que respeita a medidas de investigação que comportem ingerências graves a esses direitos fundamentais, como as buscas em casas particulares, as medidas cautelares relativas a bens pessoais e os congelamento de bens, previstas no artigo 30.o, n.o 1, alíneas a) e d), do Regulamento 2017/1939, incumbe ao Estado‑Membro a que pertence o Procurador Europeu Delegado competente para o processo prever, no direito nacional, garantias adequadas e suficientes, como a fiscalização jurisdicional prévia, com vista a assegurar a legalidade e a necessidade de tais medidas.

76      Além disso, para lá das garantias de proteção dos direitos fundamentais associadas aos instrumentos jurídicos da União a que os Procuradores Europeus Delegados podem recorrer nos termos do artigo 31.o, n.o 6, do Regulamento 2017/1939 no âmbito de investigações transfronteiriças, importa, por um lado, salientar que, nos termos tanto dos considerandos 80 e 83 como do artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento, a Procuradoria Europeia garante que as suas atividades respeitam os direitos fundamentais. Esta exigência geral está concretizada no artigo 41.o, n.os 1 e 2, do referido regulamento, do qual resulta que a Procuradoria Europeia deve, nomeadamente, respeitar o direito a um tribunal imparcial e os direitos de defesa dos suspeitos e arguidos, que têm, no mínimo, os direitos processuais previstos no direito da União, designadamente nos instrumentos deste direito identificados nesta última disposição e no considerando 85 do mesmo regulamento.

77      Por outro lado, embora as autoridades, nomeadamente judiciais, do Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente não estejam habilitadas a examinar a justificação e a adoção de uma medida de investigação atribuída, importa, no entanto, sublinhar que, nos termos do artigo 31.o, n.o 5, alínea c), do Regulamento 2017/1939, se o Procurador Europeu Delegado assistente considerar que medidas alternativas menos intrusivas produziriam os mesmos resultados que a medida atribuída, o mesmo informa o Procurador Europeu supervisor e consulta o Procurador Europeu Delegado competente para o processo com vista a resolver a questão a nível bilateral. Por força do artigo 31.o, n.o 7, deste regulamento, se os Procuradores Europeus Delegados em causa não puderem resolver a questão no prazo de sete dias úteis e se a atribuição for mantida, a questão é submetida à Câmara Permanente competente.

78      Consequentemente, há que responder às três questões que os artigos 31.o e 32.o do Regulamento 2017/1939 devem ser interpretados no sentido de que a fiscalização efetuada no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado assistente, quando uma medida de investigação atribuída exija uma autorização judicial que seja conforme com o direito desse Estado‑Membro, só pode incidir sobre os elementos relativos à execução dessa medida, com exclusão dos elementos relativos à justificação e à adoção da referida medida, devendo estes últimos ser objeto de fiscalização jurisdicional prévia no Estado‑Membro do Procurador Europeu Delegado competente para o processo em caso de ingerência grave nos direitos da pessoa em causa garantidos pela Carta.

 Quanto às despesas

79      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

Os artigos 31.o e 32.o do Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia,

devem ser interpretados no sentido de que:

a fiscalização efetuada no EstadoMembro do Procurador Europeu Delegado assistente, quando uma medida de investigação atribuída exija uma autorização judicial que seja conforme com o direito desse EstadoMembro, só pode incidir sobre os elementos relativos à execução dessa medida, com exclusão dos elementos relativos à justificação e à adoção da referida medida, devendo estes últimos ser objeto de fiscalização jurisdicional prévia no EstadoMembro do Procurador Europeu Delegado competente para o processo em caso de ingerência grave nos direitos da pessoa em causa garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.