Language of document : ECLI:EU:C:2017:960

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

13 de dezembro de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Regulamento (CE) n.o 810/2009 — Artigo 32.o, n.o 3 — Código Comunitário de Vistos — Decisão de recusa de visto — Direito do requerente de interpor recurso desta decisão — Obrigação de um Estado‑Membro de garantir o direito ao recurso judicial»

No processo C‑403/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), por decisão de 28 de junho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de julho de 2016, no processo

Soufiane El Hassani

contra

Minister Spraw Zagranicznych,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relatora), presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Arabadjiev, S. Rodin e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: V. Giacobbo‑Peyronnel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 de maio de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de S. El Hassani, por J. Białas, radca prawny,

–        em representação do Minister Spraw Zagranicznych, por K. Pawłowska‑Nojszewska e M. Arciszewski, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, M. Kamejsza‑Kozłowska e K. Straś, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo estónio, por N. Grünberg, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Stobiecka‑Kuik e C. Cattabriga, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de setembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos (JO 2009, L 243, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 610/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 182, p. 1) (a seguir «Código de Vistos»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Soufiane El Hassani ao Minister Spraw Zagranicznych (Ministro dos Negócios Estrangeiros, Polónia) a respeito de uma decisão do Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo Regional de Varsóvia, Polónia) na qual o mesmo negou provimento ao seu recurso interposto contra a decisão do Konsul Rzeczypospolitej Polskiej w Rabacie [Cônsul da República da Polónia em Rabat (Marrocos)] de 27 de janeiro de 2015, que recusou a emissão de um visto a S. El Hassani.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O considerando 29 do Código de Vistos enuncia:

«O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, designadamente, na [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950], do Conselho da Europa [a seguir “CEDH”] e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.»

4        O artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento tem a seguinte redação:

«O presente regulamento estabelece os procedimentos e as condições para a emissão de vistos de trânsito ou de estada prevista no território dos Estados‑Membros não superior a 90 dias num período de 180 dias.»

5        O artigo 32.o, n.os 1 e 3, do referido regulamento dispõe:

«1.      Sem prejuízo do n.o 1 do artigo 25.o, o visto é recusado:

[…]

b)      Se existirem dúvidas razoáveis quanto à autenticidade dos documentos comprovativos apresentados pelo requerente ou à veracidade do seu conteúdo, à fiabilidade das declarações do requerente ou à sua intenção de sair do território dos Estados‑Membros antes de o visto requerido caducar.

[…]

3.      Os requerentes a quem seja recusado um visto têm direito de recurso. Os recursos são interpostos contra o Estado‑Membro que tomou a decisão final sobre o pedido e nos termos do direito interno desse Estado‑Membro. Os Estados‑Membros informam os requerentes sobre o procedimento a seguir em caso de recurso, tal como especificado no Anexo VI.»

 Direito polaco

6        O artigo 76.o, n.o 1, da ustawa o cudzoziemcach (Lei relativa aos cidadãos estrangeiros), de 12 de dezembro de 2013 (a seguir «Lei relativa aos cidadãos estrangeiros»), dispõe:

«A recusa de um visto Schengen […] por:

1)      um cônsul — pode ser impugnada através de um pedido de revisão judicial do processo por essa autoridade;

2)      um comandante de um posto de fronteira — pode ser impugnada através de um recurso para o Komendant placówki Straży Granicznej [comandante‑chefe do posto de fronteira].»

7        O artigo 5.o da ustawa‑Prawo o postępowaniu przed sądami administracyjnymi (Lei relativa ao procedimento perante os tribunais administrativos), de 30 de agosto de 2002 (a seguir «Código do Procedimento Administrativo»), enuncia:

«Os tribunais administrativos não têm competência em processos relativos a:

[…]

4)      vistos emitidos por cônsules, salvo vistos emitidos a um cidadão estrangeiro que seja membro da família de um cidadão de um Estado‑Membro da União, de um Estado‑Membro da Associação Europeia de Comércio Livre que seja parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu [(EEE)] ou da Confederação Suíça, na aceção do artigo 2.o, ponto 4, da ustawa […] o wjeździe na terytorium Rzeczypospolitej Polskiej, pobycie oraz wyjeździe z tego terytorium obywateli państw członkowskich Unii Europejskiej i członków ich rodzin [Lei relativa à entrada, residência e saída da República da Polónia de cidadãos de Estados‑Membros da União Europeia e dos membros das suas famílias], de 14 de julho de 2006 [a seguir “Lei relativa à entrada na República da Polónia”].»

8        O artigo 58.o, § 1, do Código do Procedimento Administrativo prevê:

«O tribunal nega provimento ao recurso:

1) quando o tribunal administrativo não for competente; […]»

9        O artigo 2.o da Lei relativa à entrada na República da Polónia tem a seguinte redação:

«Para efeitos desta lei, entende‑se por:

[…]

3)      Cidadão da UE — um estrangeiro que seja:

a)      cidadão de um Estado‑Membro da União Europeia;

b)      cidadão de um Estado‑Membro da Associação Europeia de Comércio Livre que seja parte no [EEE],

c)      cidadão da Confederação Suíça;

4)      Membro da família — um estrangeiro, que — independentemente de ser cidadão da UE é:

a)      cônjuge de um cidadão da UE;

b)      descendente direto de um cidadão da UE ou do seu cônjuge, com idade inferior a 21 anos ou esteja a cargo do referido cidadão da União Europeia ou do seu cônjuge,

c)      ascendente direto a cargo de um cidadão da UE ou do seu cônjuge.»

 Matéria de facto do litígio no processo principal e questão prejudicial

10      S. El Hassani requereu a emissão de um visto Schengen junto do cônsul da República da Polónia em Rabat, para visitar a sua mulher e o seu filho, ambos cidadãos polacos. Este pedido foi recusado pelo mesmo cônsul por decisão de 5 de janeiro de 2015.

11      Conforme previsto pelas regras processuais polacas, S. El Hassani apresentou um pedido de reapreciação do processo ao mesmo Cônsul que, em 27 de janeiro de 2015, recusou novamente o seu pedido, com o fundamento de que não havia nenhuma certeza de que S. El Hassani tinha a intenção de sair do território polaco antes do termo do prazo de validade do seu visto.

12      O recorrente no processo principal interpôs então um recurso desta decisão no Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Admnistrativo Regional de Varsóvia). Alega, em substância, que a recusa de emissão de um visto nestas circunstâncias viola o artigo 60.o da Lei relativa aos cidadãos estrangeiros, lido em conjugação com o artigo 8.o da CEDH. Além disso, considera que o artigo 76.o da Lei relativa aos cidadãos estrangeiros não prevê um modelo de proteção em conformidade com o que é exigido no artigo 13.o da CEDH.

13      S. El Hassani alega também que, embora a sua mulher e o seu filho sejam cidadãos polacos, esta legislação nacional não lhe permite interpor um recurso num tribunal administrativo em caso de recusa de emissão de um visto, ao contrário dos cônjuges estrangeiros de cidadãos de outros Estados‑Membros da União.

14      Na sua contestação de 30 de março de 2015, o Ministro dos Negócios Estrangeiros concluiu pedindo que o recurso fosse declarado inadmissível nos termos do artigo 5.o, ponto 4, do Código do Procedimento Administrativo e, a título subsidiário, que fosse negado provimento ao recurso por falta de fundamento e que o processo fosse encerrado.

15      Por conseguinte, S. El Hassani pediu ao Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo Regional de Varsóvia) que submetesse ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial relativo à interpretação do artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, para determinar se esta disposição também abrange, no seu âmbito de aplicação, o direito de interpor um recurso judicial da decisão que recusa a emissão do visto.

16      Por decisão de 24 de novembro de 2015, o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo Regional de Varsóvia) negou provimento ao recurso com base no artigo 5.o, ponto 4, do Código do Procedimento Administrativo, tendo considerado que os recursos interpostos de uma decisão de recusa de emissão de um visto Schengen pelo cônsul não estão abrangidos pela competência do tribunal administrativo. Por outro lado, esse tribunal recusou submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

17      Em 28 de abril de 2016, S. El Hassani interpôs recurso de cassação no Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), alegando, em substância, que, enquanto cidadão de um Estado terceiro, por não ser membro da família de um cidadão de um Estado‑Membro da União na aceção da Lei relativa à entrada na República da Polónia, foi privado do direito a um recurso judicial efetivo perante uma instância nacional, o que constitui uma violação do artigo 13.o da CEDH e do artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), que garantem o direito a uma ação judicial efetiva perante um tribunal.

18      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, no direito polaco, a possibilidade de interpor recurso num tribunal administrativo contra uma decisão relativa a um pedido de visto depende tanto da autoridade que emitiu a decisão impugnada como do estatuto da pessoa que interpõe o recurso.

19      Com efeito, embora as decisões das autoridades nacionais que recusem emitir um visto tomadas pelo comandante de um posto de fronteira ou pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, ou a recusa de prorrogação de um visto pela Direção Regional (Polónia) possam ser objeto de um recurso no tribunal administrativo, nem sempre é o caso da decisão de recusa de emissão de um visto, incluindo de um visto Schengen, tomada por um cônsul. Só pode ser interposto recurso dessa decisão num tribunal administrativo por um cidadão de um Estado terceiro se este for membro da família de um cidadão de um Estado‑Membro da União, de um Estado‑Membro da Associação Europeia de Comércio Livre que seja parte no Acordo sobre o EEE ou da Confederação Suíça, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, da Lei relativa à entrada na República da Polónia. Um cidadão de um Estado terceiro beneficia apenas de uma via de recurso administrativo, a saber, um pedido de revisão pela mesma autoridade, em conformidade com o artigo 76.o, n.o 1, ponto 1, da Lei relativa aos cidadãos estrangeiros.

20      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a falta de competência dos tribunais administrativos para os processos relativos aos vistos emitidos pelos cônsules, conforme previsto no artigo 5.o, ponto 4, do Código do Procedimento Administrativo, pode infringir o artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, lido em conjugação com o artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, que garante o direito a uma ação efetiva perante um tribunal.

21      Nestas condições, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 32.o, n.o 3, do [Código de Vistos], à luz do disposto no considerando 29 [do mesmo código] e no artigo 47.o, primeiro parágrafo, da [Carta,] ser interpretado no sentido de que impõe ao Estado‑Membro a obrigação de garantir o direito a uma ação (recurso) perante um tribunal?»

 Quanto à questão prejudicial

22      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que impõe aos Estados‑Membros a obrigação de prever um recurso judicial.

23      Há que recordar que, segundo a redação do artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, os requerentes a quem seja recusado um visto têm direito de «recurso» contra essa decisão, o qual deve ser interposto contra o Estado‑Membro que tomou a decisão final sobre o pedido, «nos termos do direito interno desse Estado‑Membro».

24      Daqui decorre que, no caso de decisão definitiva de recusa de visto, esta disposição confere expressamente aos requerentes de vistos a possibilidade de interpor um recurso nos termos do direito interno do Estado‑Membro que tomou essa decisão.

25      O legislador da União deixou assim para os Estados‑Membros a liberdade de decidir sobre a natureza e as modalidades concretas das vias de recurso à disposição dos requerentes de vistos.

26      A este respeito, há que recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro estabelecer as modalidades processuais de recurso à justiça para salvaguarda dos direitos dos particulares, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (acórdão de 15 de março de 2017, Aquino, C‑3/16, EU:C:2017:209, n.o 48 e jurisprudência referida).

27      Daqui decorre que devem estar reunidas duas condições cumulativas, a saber, o respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade, para que um Estado‑Membro possa invocar o princípio da autonomia processual em situações regidas pelo direito da União (acórdão de 15 de março de 2017, Aquino, C‑3/16, EU:C:2017:209, n.o 49).

28      Essas exigências de equivalência e de efetividade exprimem a obrigação geral de os Estados‑Membros assegurarem a proteção jurisdicional dos direitos conferidos aos cidadãos pelo direito da União. Aplicam‑se tanto no plano da designação dos órgãos jurisdicionais competentes para conhecer de ações baseadas nesse direito como no plano da definição das regras processuais (acórdão de 18 de março de 2010, Alassini e o., C‑317/08 a C‑320/08, EU:C:2010:146, n.o 49).

29      Por um lado, no que diz respeito ao princípio da equivalência, importa recordar que este princípio exige que a totalidade das regras aplicáveis às ações ou recursos se aplique indiferentemente às ações ou recursos baseados na violação do direito da União e às ações ou recursos semelhantes, baseados na violação do direito interno (acórdão de 15 de março de 2017, Aquino, C‑3/16, EU:C:2017:209, n.o 50 e jurisprudência referida).

30      Por outro lado, quanto ao princípio da efetividade, uma regra processual nacional como a que está em causa no processo principal não deve tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (acórdão de 15 de março de 2017, Aquino, C‑3/16, EU:C:2017:209, n.o 52 e jurisprudência referida).

31      Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, único competente para interpretar o direito nacional, determinar se e em que medida o regime de revisão em causa no processo principal cumpre estas exigências.

32      A este respeito, o órgão jurisdicional nacional deve ter em conta o facto de que a interpretação das disposições do Código de Vistos deve ser efetuada, como decorre do considerando 29 deste código, no respeito dos direitos fundamentais e dos princípios reconhecidos pela Carta.

33      Com efeito, segundo jurisprudência constante, os direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica da União são aplicáveis em todas as situações reguladas pelo direito da União, mas não fora dessas situações. Foi nesta medida que o Tribunal de Justiça já recordou que não pode apreciar, à luz da Carta, uma regulamentação nacional que não se enquadra no âmbito do direito da União. Em contrapartida, quando essa regulamentação se enquadra no âmbito de aplicação desse direito, o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial, deve fornecer todos os elementos de interpretação necessários à apreciação, pelo órgão jurisdicional nacional, da conformidade desta regulamentação com os direitos fundamentais cujo respeito assegura (v., designadamente, acórdão de 26 de setembro de 2013, Texdata Software, C‑418/11, EU:C:2013:588, n.o 72 e jurisprudência referida).

34      Ora, no caso em apreço, é facto assente que a recusa do visto requerido pelo recorrente no processo principal, a qual lhe foi comunicada através do formulário‑tipo que figura no Anexo VI do Código de Vistos, foi baseada num dos motivos enumerados no artigo 32.o, n.o 1, deste código.

35      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que o Código de Vistos regula as condições de emissão, anulação ou revogação dos vistos uniformes e que, por conseguinte, as autoridades competentes dos Estados‑Membros não podem recusar emitir um visto uniforme com base num motivo diferente dos previstos pelo Código de Vistos (acórdão de 19 de dezembro de 2013, Koushkaki, C‑84/12, EU:C:2013:862, n.os 47 e 51).

36      Embora seja verdade que as autoridades nacionais beneficiam, aquando da análise dos pedidos de vistos, de uma grande margem de apreciação no que diz respeito às condições de aplicação dos motivos de recusa previstos pelo Código de Vistos e à avaliação dos factos pertinentes, não é menos certo que tal margem de apreciação não tem nenhuma influência quanto ao facto destas autoridades aplicarem diretamente uma disposição do direito da União.

37      Daqui resulta que a Carta é aplicável quando um Estado‑Membro adota uma decisão de recusa de conceder um visto ao abrigo do artigo 32.o, n.o 1, do Código de Vistos.

38      Ora, o artigo 47.o da Carta, que constitui uma reafirmação do princípio da proteção jurisdicional efetiva, enuncia, no seu primeiro parágrafo, que qualquer pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a um recurso efetivo perante um tribunal no respeito das condições previstas no referido artigo (v., neste sentido, acórdão de 17 de dezembro de 2015, Tall, C‑239/14, EU:C:2015:824, n.o 51 e jurisprudência referida).

39      Além disso, o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta prevê que toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada por um tribunal independente e imparcial. O respeito deste direito pressupõe que a decisão de uma autoridade administrativa que não preencha as condições de independência e de imparcialidade fique sujeita à fiscalização posterior de um órgão jurisdicional que deve, nomeadamente, ser competente para apreciar todas as questões pertinentes (acórdão de 16 de maio de 2017, Berlioz Investment Fund, C‑682/15, EU:C:2017:373, n.o 55).

40      O conceito de independência, que é inerente à missão de julgar, implica, acima de tudo, que a instância em questão tenha a qualidade de terceiro em relação à autoridade que adotou a decisão objeto de recurso (acórdão de 19 de setembro de 2006, Wilson, C‑506/04, EU:C:2006:587, n.o 49).

41      Daqui resulta, como salientou o advogado‑geral no n.o 119 das suas conclusões, que o artigo 47.o da Carta impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantir, numa qualquer fase do processo, a possibilidade de submeter a um órgão jurisdicional um processo relativo a uma decisão definitiva de recusa de emissão de vistos.

42      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 32.o, n.o 3, do Código de Vistos, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que impõe aos Estados‑Membros a obrigação de prever um processo de recurso contra as decisões de recusa de vistos, cujas modalidades são definidas pela ordem jurídica de cada Estado‑Membro no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade. Este processo deve garantir, numa determinada fase do processo, um recurso judicial.

 Quanto às despesas

43      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 32.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 610/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, lido à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que impõe aos EstadosMembros a obrigação de prever um processo de recurso contra as decisões de recusa de vistos, cujas modalidades são definidas pela ordem jurídica de cada EstadoMembro no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade. Este processo deve garantir, numa determinada fase do processo, um recurso judicial.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.