Language of document : ECLI:EU:C:2023:1028

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

21 de dezembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Transportes — Serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros — Regulamento (CE) n.o 1370/2007 — Artigo 1.o, n.o 1 — Artigo 2.o‑A, n.o 2 — Artigo 3.o, n.o 1 — Artigo 4.o, n.o 1 — Artigo 6.o, n.o 1 — Contrato de serviço público de transporte de passageiros por autocarro — Processo de adjudicação de um contrato público de serviços — Concurso público, transparente e não discriminatório — Caderno de encargos — Montante da compensação concedida pelas autoridades nacionais competentes — Indexação limitada no tempo e a categorias de custo específicas — Repartição dos riscos»

No processo C‑421/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia), por Decisão de 21 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de junho de 2022, no processo

«DOBELES AUTOBUSU PARKS» SIA,

«CATA» AS,

«VTU VALMIERA» SIA,

«JELGAVAS AUTOBUSU PARKS» SIA,

«Jēkabpils autobusu parks» SIA

contra

Iepirkumu uzraudzības birojs

«Autotransporta direkcija» VSIA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan (relator), presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, Z. Csehi, M. Ilešič e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de junho de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da «DOBELES AUTOBUSU PARKS» SIA, da «CATA» AS, da «VTU VALMIERA» SIA, da «JELGAVAS AUTOBUSU PARKS» SIA e da «Jēkabpils autobusu parks» SIA, por S. Novicka, advokāte,

–        em representação da «Autotransporta direkcija» VSIA, por S. Bērtaitis, advokāts,

–        em representação do Governo Letão, por J. Davidoviča e K. Pommere, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Cipriota, por I. Neophytou, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por P. Messina, I. Rubene e F. Tomat, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, do artigo 2.o‑A, n.o 2, bem como do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho (JO 2007, L 315, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2016/2338 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016 (JO 2016, L 354, p. 22) (a seguir «Regulamento n.o 1370/2007»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «DOBELES AUTOBUSU PARKS» SIA, a «CATA» AS, a «VTU VALMIERA» SIA, a «JELGAVAS AUTOBUSU PARKS» SIA e a «Jēkabpils autobusu parks» SIA, sociedades de direito letão ativas no setor dos transportes (a seguir, em conjunto, «Dobeles e o.»), ao Iepirkumu uzraudzības birojs (Organismo de Supervisão da Contratação Pública, Letónia) e à «Autotransporta direkcija» VSIA (a seguir «entidade adjudicante») a respeito das modalidades de cálculo do montante da compensação devida a título da prestação de um serviço público de transporte de passageiros por autocarro na rede de linhas de interesse regional.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.o 1370/2007

3        Nos termos dos considerandos 4, 7, 27 e 34 do Regulamento n.o1370/2007:

«(4)      Os principais objetivos do Livro Branco da Comissão [Europeia] intitulado “A política europeia de transportes no horizonte 2010: a hora das opções”, de 12 de setembro de 2001, são garantir serviços de transporte de passageiros seguros, eficazes e de elevada qualidade, graças a uma concorrência regulada que garanta também a transparência e o desempenho dos serviços públicos de transporte de passageiros, tendo em conta os fatores sociais, ambientais e de desenvolvimento regional, ou oferecer condições tarifárias específicas para certas categorias de passageiros, como os pensionistas, e eliminar as disparidades entre empresas de transporte de diferentes Estados‑Membros suscetíveis de falsear substancialmente as condições de concorrência.

[…]

(7)      Os estudos realizados e a experiência dos Estados‑Membros onde a concorrência no setor dos transportes públicos vigora há já vários anos demonstram que, com cláusulas de salvaguarda adequadas, a introdução de uma concorrência regulada entre operadores permite a prestação de serviços mais atrativos, mais inovadores, com custos mais baixos, e não é suscetível de comprometer a execução das missões específicas confiadas aos operadores de serviços públicos. Esta iniciativa foi apoiada pelo Conselho Europeu no âmbito do chamado processo de Lisboa, de 28 de março de 2000, em que foi solicitado à Comissão, ao Conselho [da União Europeia] e aos Estados‑Membros que, em conformidade com as respetivas competências, “acelerem a liberalização em áreas tais como […] os transportes”.

[…]

(27)      A compensação concedida pelas autoridades competentes para cobrir os custos decorrentes da execução das obrigações de serviço público deverá ser calculada de modo a evitar a sobrecompensação. Quando tencionar adjudicar um contrato de serviço público sem concurso, a autoridade competente deverá também respeitar regras pormenorizadas que assegurem a adequação do montante das compensações e que correspondam a uma preocupação de eficácia e qualidade dos serviços.

[…]

(34)      Podem ser necessárias compensações pelo serviço público no setor dos transportes terrestres de passageiros, a fim de que as empresas encarregadas dos serviços públicos funcionem com base em princípios e em condições que lhes permitam cumprir as suas missões. Essas compensações podem, em determinadas condições, ser compatíveis com o Tratado [CE], em aplicação do artigo 73.o Por um lado, devem ser atribuídas para assegurar a prestação de serviços que constituam serviços de interesse geral na aceção do Tratado. Por outro lado, a fim de evitar distorções injustificadas da concorrência, essas compensações não podem ultrapassar o necessário para cobrir os custos líquidos decorrentes da execução das obrigações de serviço público, tendo em conta as respetivas receitas e um lucro razoável.»

4        O artigo 1.o do Regulamento n.o 1370/2007, sob a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.o 1:

«O presente regulamento tem por objetivo definir o modo como, no respeito das regras do direito comunitário, as autoridades competentes podem intervir no domínio do transporte público de passageiros para assegurar a prestação de serviços de interesse geral que sejam, designadamente, mais numerosos, mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos do que aqueles que seria possível prestar apenas com base nas leis do mercado.

Para este fim, o presente regulamento define as condições em que as autoridades competentes, ao imporem obrigações de serviço público ou ao celebrarem contratos relativos a obrigações de serviço público, compensam os operadores de serviços públicos pelos custos incorridos e/ou concedem direitos exclusivos em contrapartida da execução de obrigações de serviço público.»

5        O artigo 2.o‑A desse regulamento, sob a epígrafe «Especificação das obrigações de serviço público», prevê:

«1.      A autoridade competente estabelece as especificações das obrigações de serviço público para a prestação de serviços públicos de transporte de passageiros e o âmbito da sua aplicação, em conformidade com o artigo 2.o, alínea e). Essas especificações podem incluir a possibilidade de agrupar os serviços prestados a preços que permitem cobrir os custos e os serviços prestados a preços que não permitem cobrir os custos.

Ao estabelecer essas especificações e o âmbito da sua aplicação, a autoridade competente deve respeitar devidamente o princípio da proporcionalidade, em conformidade com o direito da União.

[…]

2.      As especificações das obrigações de serviço público e a correspondente compensação do efeito financeiro líquido dessas obrigações devem:

a)      Realizar os objetivos da política de transportes públicos com uma boa relação custo‑eficácia; e

b)      Sustentar financeiramente a prestação do transporte público de passageiros em conformidade com os requisitos previstos na política de transportes públicos a longo prazo.»

6        O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Contratos de serviço público e regras gerais», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Quando uma autoridade competente decida conceder ao operador da sua escolha um direito exclusivo e/ou uma compensação, qualquer que seja a sua natureza, em contrapartida da execução de obrigações de serviço público, deve fazê‑lo no âmbito de um contrato de serviço público.

2.      Em derrogação do n.o 1, as obrigações de serviço público destinadas a estabelecer tarifas máximas para o conjunto dos passageiros ou para determinadas categorias de passageiros podem também ser objeto de regras gerais. A autoridade competente compensa os operadores de serviços públicos, de acordo com os princípios definidos nos artigos 4.o e 6.o e no anexo, do efeito financeiro líquido, positivo ou negativo, sobre os custos e as receitas decorrentes do cumprimento das obrigações tarifárias estabelecidas mediante regras gerais por forma a evitar sobrecompensações. Esta disposição não prejudica o direito de as autoridades competentes incluírem obrigações de serviço público que estabeleçam tarifas máximas em contratos de serviço público.»

7        O artigo 4.o do Regulamento n.o 1370/2007, sob a epígrafe «Conteúdo obrigatório dos contratos de serviço público e das regras gerais», prevê no seu n.o 1:

«Os contratos de serviço público e as regras gerais devem:

a)      Estabelecer claramente as obrigações de serviço público, definidas no presente regulamento e especificadas nos termos do artigo 2.o‑A, que os operadores de serviço público devem cumprir, e as zonas geográficas abrangidas;

b)      Estabelecer antecipadamente, e de modo objetivo e transparente:

i)      os parâmetros com base nos quais a compensação deve ser calculada, se for caso disso, e

ii)      a natureza e a extensão dos direitos exclusivos concedidos, por forma a evitar sobrecompensações.

No caso de contratos de serviço público não adjudicados nos termos do artigo 5.o, n.o 1, n.o 3 ou n.o 3‑B, esses parâmetros são determinados de modo a que nenhuma compensação possa exceder o montante necessário para a cobertura do efeito financeiro líquido sobre os custos e as receitas decorrentes da execução das obrigações de serviço público, tendo em conta as receitas com elas relacionadas conservadas pelo operador de serviço público, e um lucro razoável;

c)      Estabelecer as modalidades de repartição dos custos ligados à prestação dos serviços. Esses custos podem incluir, designadamente, os custos de pessoal, de energia, os encargos com as infraestruturas, os custos de manutenção e reparação dos veículos de transporte público, do material circulante e das instalações necessárias à exploração dos serviços de transporte, os custos fixos e uma remuneração adequada dos capitais próprios.»

8        O artigo 6.o deste regulamento, sob a epígrafe «Compensações pelo serviço público», dispõe, no seu n.o 1:

«Qualquer compensação ligada a uma regra geral ou a um contrato de serviço público deve cumprir o disposto no artigo 4.o, independentemente das formas de adjudicação do contrato. Qualquer compensação, seja qual for a sua natureza, ligada a um contrato de serviço público não adjudicado nos termos do artigo 5.o, n.o 1, n.o 3 ou n.o 3‑B, ou ligada a uma regra geral, deve cumprir, além disso, o disposto no anexo.»

9        Nos termos do ponto 7 do anexo ao referido regulamento, intitulado «Regras aplicáveis à compensação nos casos referidos no n.o 1 do artigo 6.o»:

«O método de compensação deve incentivar a manutenção ou o desenvolvimento de:

–        uma gestão eficaz por parte do operador de serviço público, que possa ser apreciada objetivamente, e

–        uma prestação de serviços de transporte de passageiros com um nível de qualidade suficientemente elevado.»

 Orientações

10      A secção 1 da Comunicação da Comissão, Orientações para a interpretação do Regulamento n.o 1370/2007 (JO 2014, C 92, p. 1) (a seguir «orientações»), sob a epígrafe «Introdução», dispõe no seu quinto parágrafo:

«Na presente comunicação, a Comissão, inspirando‑se nas melhores práticas, esclarece o entendimento que tem de determinadas disposições do regulamento, a fim de ajudar os Estados‑Membros a tirarem o máximo partido do mercado interno. Não se pretende, com esta comunicação, abordar exaustivamente todas as disposições, nem estabelecer normas legislativas novas. Importa observar, aliás, que é ao Tribunal de Justiça da União Europeia que em última instância compete interpretar o direito da União.»

11      A secção 2.4 das orientações diz respeito, segundo o seu próprio título, às compensações pelo serviço público.

12      O ponto 2.4.3 destas orientações tem a seguinte redação:

«[…]

De acordo com o anexo, deve entender‑se por “lucro razoável” uma taxa de remuneração do capital que seja habitual no setor num determinado Estado‑Membro e que deve ter em conta o risco, ou a inexistência de risco, incorrido pelo operador do serviço público em resultado da intervenção da autoridade pública. Não são dadas, todavia, outras indicações sobre o nível correto de “remuneração do capital” ou de “lucro razoável”.

[…]

Em qualquer caso, dependendo das circunstâncias específicas de cada contrato de serviço público, impõe‑se uma avaliação casuística pela autoridade competente, para determinar o nível adequado de lucro razoável. Entre outros fatores, há que ter em conta as características específicas da empresa, a remuneração normal de mercado para serviços semelhantes e o nível de risco associado a cada contrato de serviço público. Por exemplo, um contrato de serviço público com disposições específicas que garantam o nível de compensação na eventualidade de custos imprevistos apresenta um risco inferior a um contrato sem esta garantia. Em iguais circunstâncias, o lucro razoável seria, portanto, menor no primeiro do que no segundo contrato.

É de encorajar, em geral, a utilização de incentivos à eficiência no mecanismo de compensação […]. Sublinhe‑se que os regimes de compensação que se limitam a cobrir os custos realmente incorridos não dão grande incentivo à empresa de transportes para que siga uma política de contenção de custos ou se esforce por ganhar eficiência. A sua utilização deveria, portanto, confinar‑se aos casos em que é grande a incerteza quanto aos custos e o prestador dos serviços de transporte necessita de um alto grau de proteção contra a incerteza.»

13      Nos termos do ponto 2.4.5 das referidas orientações:

«O considerando 27 do regulamento precisa que os parâmetros de compensação, em caso de adjudicação sem concurso e de aplicação de regras gerais, deverão assegurar a adequação da compensação e corresponder a uma “preocupação de eficácia e qualidade dos serviços”. Quer isto dizer que as autoridades competentes deverão incentivar os prestadores, através do mecanismo de compensação, a tornarem‑se mais eficientes, isto é, a prestarem o serviço com o nível de desempenho e qualidade exigido e o menor consumo de recursos possível.

As regras de compensação estabelecidas no Regulamento (CE) n.o 1370/2007 deixam alguma margem de manobra às autoridades competentes quanto à conceção dos regimes de incentivo para os prestadores de serviços públicos. Em qualquer caso, as autoridades são obrigadas a”incentivar a manutenção ou o desenvolvimento de uma gestão eficaz por parte do operador de serviço público, que possa ser apreciada objetivamente” (ponto 7 do anexo). Implica isto que o regime de compensação deve ser concebido de modo a garantir, pelo menos, alguma melhoria na eficiência ao longo do tempo.

Os incentivos à eficiência deverão, todavia, ser proporcionados e não exceder um nível razoável à luz da dificuldade em realizar os objetivos de eficiência. Uma forma de o assegurar seria, por exemplo, repartir equilibradamente os proveitos decorrentes dos ganhos de eficiência pelo operador, os poderes públicos e/ou os utentes. Em qualquer caso, deve haver um mecanismo que assegure que a empresa não poderá conservar proveitos de eficiência desproporcionados. Os parâmetros destes regimes de incentivo devem, aliás, estar inteira e precisamente definidos nos contratos de serviço público.

Os incentivos a uma maior eficiência da prestação do serviço público não devem, todavia, obstar a que o serviço prestado seja de alta qualidade. No contexto do regulamento, a eficiência é a relação entre a qualidade ou o nível do serviço público e os recursos utilizados na sua prestação. Os incentivos à eficiência deverão, por conseguinte, incidir na redução de custos e/ou no aumento da qualidade e nível do serviço.»

14      O ponto 2.4.8 das mesmas orientações especifica, nos seus segundo e terceiro parágrafos:

«[…] [A]s regras deste Regulamento (CE) n.o 1370/2007 visam não só prevenir a eventualidade de sobrecompensação pelas obrigações de serviço público, mas também assegurar que a oferta dos serviços públicos definidos no contrato de serviço público é financeiramente sustentável para efeitos de se obter e manter um nível elevado de qualidade do serviço. A obrigação de serviço público deverá, por conseguinte, ser devidamente compensada, de forma a evitar a erosão a longo prazo dos fundos próprios do operador titular de um contrato de serviço público, que o impediria de cumprir eficazmente as obrigações estabelecidas no contrato e de assegurar a prestação dos serviços de transporte de passageiros com um nível de qualidade elevado, tal como previsto no ponto 7 do anexo do regulamento.

Em todo o caso, se a autoridade competente não pagar uma compensação adequada, haverá o risco de diminuição do número de propostas apresentadas a um concurso para adjudicação de um contrato de serviço público, ou de graves dificuldades financeiras para o operador se o contrato de serviço público for adjudicado por ajuste direto e/ou de redução do nível e qualidade gerais dos serviços públicos prestados a título do contrato.»

 Direito letão

15      O artigo 10.o da Sabiedriskā transporta pakalpojumu likums (Lei dos Serviços de Transporte Público), de 14 de junho de 2007 (Latvijas Vēstnesis, 2007, n.o 106), dispõe:

«1.      A transportadora será compensada pelas perdas e pelas despesas relacionados com a prestação de serviços de transporte público, em conformidade com o disposto nos artigos 11.o e 12.o da presente lei.

[…]

3.      O pagamento pelos serviços será também incluído no conceito de perdas, na aceção da presente lei, se a entidade adjudicante tiver organizado a adjudicação do serviço de transporte público de acordo com a Publisko iepirkumu likums (Lei dos Contratos Públicos)».

16      O artigo 11.o, n.o 1, da Lei dos Serviços de Transporte Público dispõe:

«A transportadora será compensada pelas perdas associadas à prestação de serviços de transporte público, de acordo com o montante e as modalidades determinadas pelo Conselho de Ministros. […]»

17      O Ministru kabineta noteikumi n.o 435 — Kārtība, kādā nosaka un kompensē ar sabiedriskā transporta pakalpojumu sniegšanu saistītos zaudējumus un izdevumus un nosaka sabiedriskā transporta pakalpojuma tarifu (Decreto do Conselho de Ministros n.o 435, relativo ao procedimento de determinação e compensação de perdas e despesas relacionadas com a prestação de serviços de transporte público e à tarifação desses serviços), de 28 de julho de 2015 (Latvijas Vēstnesis, 2015, n.o 155), contém as seguintes disposições:

«[…]

2.      A transportadora é compensada pelas perdas e despesas relacionadas com a execução do contrato de prestação de serviços de transporte público:

2.1.      Se a entidade adjudicante tiver fixado uma tarifa para o serviço público de transporte, as perdas sofridas serão compensadas se os custos necessários para a execução do contrato de serviços de transporte público excederem as receitas geradas.

[…]

56.      O contrato de serviços de transporte público pode determinar o montante da compensação (preço do contrato) ou o procedimento de cálculo dessa compensação (do preço do contrato). Quando for determinado no contrato de serviços de transporte público o montante da compensação (preço do contrato) ou o procedimento para o cálculo dessa compensação (do preço do contrato), a entidade adjudicante terá em conta o âmbito dos direitos concedidos, a intensidade da prestação do serviço público de transportes, a rentabilidade do serviço público de transportes, os requisitos de qualidade previstos para o serviço público de transportes, os requisitos de equipamento técnico dos veículos e outros critérios objetivos cujo cumprimento esteja diretamente relacionado com o montante da compensação a pagar.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

18      A entidade adjudicante lançou um concurso público para a concessão do direito de prestação do serviço público de transporte de passageiros em autocarros, na rede letã de linhas de interesse regional, com uma duração de dez anos.

19      A Dobeles e o. impugnaram na Iepirkumu uzraudzības biroja iesniegumu izskatīšanas komisija (Comissão de Análise das Reclamações do Organismo de Supervisão da Contratação Pública, Letónia) as disposições do caderno de encargos. Em apoio da sua reclamação, alegaram que este último e o projeto de contrato correspondente, em conjunto, preveem um mecanismo ilegal de compensação dos serviços de transporte público em causa, uma vez que, na sua proposta, os proponentes devem prever o preço do serviço oferecido para os dez anos seguintes, preço esse que serve para determinar, durante a vigência do contrato, a compensação a pagar aos operadores, sem que o referido contrato preveja um procedimento de revisão do preço do serviço efetivo, em caso de alteração dos custos incluídos nesse preço.

20      Por Decisão de 11 de novembro de 2019, aquela Comissão indeferiu a reclamação apresentada.

21      A Dobeles e o. interpuseram no Administratīvā rajona tiesa (Tribunal Administrativo de Primeira Instância, Letónia) recursos de anulação da decisão. Em apoio destes recursos, a Dobeles e o. opõem‑se ao procedimento de revisão do preço contratual da prestação de serviços de transporte inscrito no anexo do projeto de contrato de contrato público, por este excluir da indexação do preço contratual prevista apenas para os custos de combustíveis e de salários, bem como para as contribuições para a segurança social, por um lado, as variações de custos de combustível e de salários que não excedam, respetivamente, 5 % e 8 %, e, por outro, os quatro primeiros e os três últimos anos da prestação de serviços. A Dobeles e o. contestam também as disposições do caderno de encargos relativas às regras de revisão do preço contratual por quilómetro, segundo as quais esse preço só pode ser revisto se o volume de serviços a prestar for reduzido pela entidade adjudicante em mais de 30 %, na medida em que tais disposições não preveem critérios objetivos e transparentes pertinentes para a revisão do preço contratual.

22      Por Sentença de 29 de maio de 2019, o órgão jurisdicional negou provimento aos recursos, com o fundamento, em substância, de que o Estado não é obrigado a cobrir todos os custos dos operadores de um serviço público de transporte, independentemente da sua eficiência operacional, e de que o procedimento de indexação do preço do contrato previsto no projeto de contrato público não é contrário às exigências impostas pelo Regulamento n.o 1370/2007.

23      A Dobeles e o. interpuseram no Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia), a saber, o órgão jurisdicional de reenvio, um recurso de cassação, pedindo a anulação dessa sentença. Em apoio do seu recurso, a Dobeles e o. alegam que o modelo financeiro constante do caderno de encargos não garante aos transportadores em causa uma «compensação adequada», na aceção do Regulamento n.o 1370/2007, uma vez que a compensação concedida não cobre todos os custos objetivamente justificados para assegurar o serviço requerido pela entidade adjudicante. Em especial, a indexação prevista no projeto de contrato público é excessivamente restritiva, não sendo objetivamente possível prever o aumento dos custos que pode ocorrer durante o período de dez anos abrangido por esse contrato. O modelo financeiro escolhido não se destina, portanto, a assegurar a eficácia operacional do transportador, mas a transferir o risco de aumento dos custos do Estado para este último.

24      Pelo seu lado, a entidade adjudicante sublinha que o Regulamento n.o 1370/2007 visa evitar qualquer risco de compensação excessiva, deixando aos Estados‑Membros a possibilidade de decidirem conceder ou não uma compensação aos transportadores de passageiros, que o regime de compensação deve ser utilizado para incentivar os prestadores de serviços a serem mais eficientes na prestação do nível e da qualidade exigidos com o mínimo possível de recursos, sendo que as regras relativas à compensação que figuram nesse regulamento deixam alguma margem de manobra às autoridades competentes e não permitem concluir que o Estado é obrigado a cobrir todos os custos dos prestadores de serviços de um serviço público de transporte, independentemente da sua eficiência operacional.

25      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que decorre do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007, bem como das orientações, em especial do seu ponto 2.4.8, que o Estado tem a obrigação de assegurar um sistema de serviço público de transporte destinado deã alcançar um serviço da mais alta qualidade, proporcionando o apoio financeiro adequado àqueles que prestem esse serviço, a fim de alcançar esse objetivo.

26      Segundo este órgão jurisdicional, vários argumentos parecem desvirtuar a tese da Dobeles e o., segundo a qual o Regulamento n.o 1370/2007 impõe a compensação de todas as perdas que um prestador de um serviço público de transporte possa sofrer.

27      Em especial, resulta do considerando 27 e do ponto 7 do anexo deste regulamento, bem como dos pontos 2.4.3 e 2.4.5 das orientações, que o Estado não tem a obrigação de cobrir a totalidade dos custos dos operadores de um serviço público de transporte, independentemente da eficiência operacional destes últimos. A este respeito, o lançamento do concurso público que estabelece as disposições controvertidas e um modelo de financiamento específico para o serviço de transporte público insere‑se na implementação do conceito de desenvolvimento dos serviços nacionais de transporte público. Com efeito, a fim de assegurar uma utilização mais eficiente dos fundos públicos, a compensação concedida pela prestação de tais serviços já não assenta, desde 2021, no sistema em que o Estado assume, em substância, todos os riscos, cobrindo todos os custos do prestador de serviços de transporte ligados à oferta e à procura, mas num modelo contratual que se baseará na diferença entre o preço contratual proposto por esse prestador no concurso público e as receitas degradas pelo serviço público de transporte.

28      Não obstante, a referida jurisdição considera que convém verificar se, tal como alegado pela Dobeles e o., esse novo modelo e os instrumentos para a sua aplicação obrigam os proponentes a assumir um risco demasiado elevado ao fixarem o preço do serviço, e se esse risco atinge um limiar tal que permita considerar que Estado se subtrai à obrigação que lhe incumbe de compensar adequadamente os custos associados à prestação do serviço público de transporte. Com efeito, de um modo geral, não é possível prever com precisão quais serão os preços das fontes de energia numa perspetiva de dez anos, nem quais serão os salários médios do setor em questão ou as contribuições a pagar à segurança social. Num esquema de compensação em que existe apenas a possibilidade de recalcular corretamente os preços com intervalos de vários anos, e isto apenas para uma parte dos custos, corre‑se o risco de o aumento dos custos devido a previsões insuficientemente precisas resultar em perdas para o operador, mesmo no caso de uma atividade económica eficiente.

29      É certo que os proponentes não estão proibidos de incluir no cálculo do preço da proposta o custo do risco por si assumido ao fixarem um preço específico para um determinado período que tenha em conta o caráter variável das condições económicas e comerciais pertinentes.

30      No entanto, tal não exclui por completo a possibilidade de o regime de compensação proposto não cobrir todas as perdas sofridas pelo operador na execução do contrato. Com efeito, no contexto de um concurso, é possível que, na esperança de lhes ser adjudicado o contrato, os proponentes estejam relutantes em propor um preço contratual que possa prevenir esse risco, embora seja possível que, no decurso da execução, as dificuldades encontradas tenham de ser resolvidas através da redução da disponibilidade ou da qualidade do serviço. Por conseguinte, coloca‑se a questão de saber se, no caso em apreço, o mecanismo de revisão de preços previsto pela entidade adjudicante constitui uma compensação adequada e que esteja em conformidade com o objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 1370/2007.

31      Nestas condições, o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, 2.o‑A, n.o 2, e 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007 […] permitem um regime de compensação que não impõe à autoridade competente a obrigação de compensar integralmente o prestador do serviço de transporte público, através da indexação periódica do preço contratual (montante da compensação), por qualquer aumento dos custos associados à prestação do serviço que estejam fora do controlo desse prestador de serviços e que, por conseguinte, não elimina completamente o risco de o prestador de serviços incorrer em perdas que não possam ser objeto de compensação?»

 Quanto à questão prejudicial

32      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 1370/2007 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime de compensação que, no âmbito de um contrato público de serviços e no termo de um concurso público, transparente e não discriminatório, não impõe às autoridades nacionais competentes que concedam a um prestador de serviços de transporte de passageiros sujeito a obrigações de serviço público uma compensação integral que cubra, através de uma indexação regular, qualquer aumento dos custos ligados à gestão e à exploração desse serviço que escapem ao seu controlo.

33      Há que recordar que, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1370/2007, este regulamento tem por objetivo definir o modo como, no respeito das regras do direito da União, as autoridades nacionais competentes podem intervir no domínio do transporte público de passageiros para assegurar a prestação de serviços de interesse geral que sejam, designadamente, mais numerosos, mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos do que aqueles que seria possível prestar apenas com base nas leis do mercado.

34      Para este efeito, o referido regulamento define, em conformidade com o segundo parágrafo desse artigo 1.o, n.o 1, as condições em que as autoridades nacionais competentes, ao imporem obrigações de serviço público ou ao celebrarem contratos relativos a obrigações de serviço público, compensam os operadores de serviços públicos pelos custos incorridos e/ou concedem direitos exclusivos em contrapartida da execução de obrigações de serviço público.

35      Assim, o Regulamento n.o 1370/2007 contém regras especiais que preveem modalidades de intervenção em regimes gerais de contratos públicos (v., neste sentido, Acórdão de 27 de outubro de 2016, Hörmann Reisen, C‑292/15, EU:C:2016:817, n.o 45), que têm por objetivo estabelecer um quadro jurídico para a compensação e/ou os direitos exclusivos pelos custos ocasionados pela execução das obrigações de serviço público [v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2019, Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (Adjudicação direta de um contrato de serviço público de transporte), C‑515/18, EU:C:2019:893, n.o 31].

36      Entre as disposições que formam esse quadro legal, o artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento prevê que, quando uma autoridade competente de um Estado‑Membro decida conceder ao operador da sua escolha um direito exclusivo e/ou uma compensação de serviço público, qualquer que seja a sua natureza, em contrapartida da execução de obrigações de serviço público, deve fazê‑lo no âmbito de um contrato de serviço público, sendo que esta disposição estabelece assim o princípio segundo o qual as obrigações de serviço público e as respetivas compensações devem ser estabelecidas no âmbito desse contrato (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2022, Lux Express Estonia, C‑614/20, EU:C:2022:641, n.o 52).

37      Em derrogação deste artigo 3.o, n.o 1, o n.o 2 do referido artigo 3.o autoriza o estabelecimento, mediante regras gerais, de obrigações de serviço público destinadas a estabelecer tarifas máximas para o conjunto dos passageiros ou para determinadas categorias de passageiros, caso em que a autoridade competente é obrigada a conceder ao operador de serviço público em causa uma compensação (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2022, Lux Express Estonia, C‑614/20, EU:C:2022:641, n.os 53 a 55 e 92).

38      Todavia, no caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o litígio no processo principal tem por objeto a celebração de um contrato de serviço público para a prestação de serviços de transporte de passageiros por autocarro, no termo de um concurso público, transparente e não discriminatório, pelo que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1370/2007, mencionado pelo órgão jurisdicional de reenvio na redação da sua questão, não é pertinente para responder à mesma.

39      Decorre dos termos explícitos do artigo 6.o, n.o 1, primeira frase, do Regulamento n.o 1370/2007, que a compensação ligada a um tal contrato de serviço público adjudicado no termo de um concurso público, transparente e não discriminatório, deve cumprir os requisitos previstos no artigo 4.o desse regulamento, sendo que o n.o 1 desse artigo especifica as modalidades de uma tal compensação. Por conseguinte, há que ter em conta esta disposição para responder à questão submetida.

40      Segundo jurisprudência constante, para a interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte o seu contexto [v., neste sentido, Acórdão de 24 de outubro de 2019, Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (Adjudicação direta de um contrato de serviço público de transporte), C‑515/18, EU:C:2019:893, n.o 23].

41      No que respeita, em primeiro lugar, à redação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007, importa salientar que esta disposição especifica que os contratos de serviço público devem, por um lado, em conformidade com a alínea b), subalínea i), desta disposição, estabelecer antecipadamente, e de modo objetivo e transparente, os parâmetros com base nos quais a compensação deve ser calculada, se for caso disso, e, por outro, nos termos da alínea c) da referida disposição, estabelecer as modalidades de repartição dos custos ligados à prestação dos serviços, que podem incluir, designadamente, os custos de pessoal, de energia, os encargos com as infraestruturas, os custos de manutenção e reparação dos veículos de transporte público, do material circulante e das instalações necessárias à exploração dos serviços de transporte, os custos fixos e uma remuneração adequada dos capitais próprios.

42      Decorre claramente dessa redação que as autoridades nacionais competentes, na medida em que lhes incumbe estabelecer os parâmetros de cálculo da compensação devida a um prestador de serviço público de transporte e definir as modalidades de repartição dos custos ligados ao seu fornecimento, gozam, no âmbito de um contrato de serviço público, de uma margem de apreciação para conceber o mecanismo dessa compensação.

43      Em especial, importa salientar, à semelhança do que faz o advogado‑geral no n.o 35 das suas conclusões, que a possibilidade de repartir os custos implica necessariamente que as autoridades nacionais competentes não são obrigadas a compensar todos os custos e podem transferir para o prestador desse serviço público os riscos associados à evolução de alguns deles, qualquer que seja a sua natureza e, por conseguinte, sem que para tal seja relevante saber se, tal como sucede com o custo da energia ou com certos custos sociais, esse prestador pode ou não controlar plenamente a sua evolução, uma vez que esta é influenciada por circunstâncias externas ao referido prestador.

44      Resulta assim da própria redação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 que as autoridades nacionais competentes podem prever, no exercício da sua margem de apreciação, um regime de compensação que, em razão dos seus parâmetros de cálculo e das modalidades de repartição dos custos definidas por essas autoridades, não garanta, de forma automática, ao prestador dos serviços públicos de transporte a cobertura integral dos mesmos.

45      Em segundo lugar, no que respeita ao objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 1370/2007, importa recordar que, como resulta do n.o 34 do presente acórdão, este regulamento visa, como decorre, nomeadamente, do artigo 1.o, n.o 1, do artigo 2.o‑A, n.o 2, e do ponto 7 do anexo do referido regulamento, lidos à luz dos seus considerandos 4, 7, 27 e 34, definir as condições de concessão de uma compensação a fim de garantir, em condições de concorrência equitativas, a prestação de um serviço público de transporte de passageiros simultaneamente eficiente e financeiramente rentável, com vista a alcançar um elevado nível de qualidade desse serviço (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2022, Lux Express Estonia, C‑614/20, EU:C:2022:641, n.os 69 e 70).

46      Daqui resulta que qualquer regime de compensação deve visar não apenas evitar uma compensação excessiva dos custos mas também favorecer uma maior eficácia do prestador de um serviço público de transporte. Ora, um regime de compensação que garante, em qualquer circunstância, a cobertura automática de todos os custos ligados à execução de um contrato de serviço público não comporta tal incentivo a uma maior eficiência, uma vez que o prestador em causa não é levado a limitar os seus custos.

47      Em contrapartida, um regime de compensação que, na falta de indexação regular, não cobre, de forma automática, a totalidade desses custos, mas conduz à transferência de determinados riscos para o prestador do serviço público, é suscetível de contribuir para a realização desse objetivo. Com efeito, mesmo em relação aos custos que escapam ao controlo do prestador do serviço público em causa, os ganhos de eficiência que adquiriu vão permitir‑lhe reforçar a sua viabilidade financeira a fim de fazer face a esses custos, o que contribuirá para assegurar a boa execução das obrigações previstas pelo contrato de serviço público.

48      Em terceiro lugar, no que respeita ao contexto em que se inscreve o artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007, importa recordar, à semelhança do que faz o advogado‑geral no n.o 65 das suas conclusões, que o Regulamento n.o 1370/2007 não contém regras específicas aplicáveis ao método de cálculo da compensação quando a adjudicação de um contrato de serviço público é efetuada no termo de um concurso. Com efeito, em tal caso, a compensação, ao contrário da que está ligada a um contrato de serviço público adjudicado por ajuste direto ou ao abrigo de uma regra geral e, logo, sem concurso, não deve estar em conformidade, por força do artigo 6.o, n.o 1, segundo período, desse regulamento, com as regras mais pormenorizadas contidas no seu anexo que visam assegurar, como resulta do seu considerando 27, o caráter adequado do montante da compensação.

49      Esta diferença de regime instituída pelo legislador da União baseia‑se na premissa de que, perante um concurso, a adoção de regras mais precisas relativas ao cálculo da compensação a fim de assegurar o caráter adequado do seu montante não é necessária, uma vez que o próprio procedimento tem o efeito de reduzir ao mínimo, devido a esse concurso, o montante da compensação devida ao prestador do serviço público de transporte, evitando assim, através de um ajustamento automático, não só uma compensação excessiva mas também uma compensação insuficiente.

50      Com efeito, como salientou o advogado‑geral nos n.os 72 e 82 a 84 das suas conclusões, qualquer prestador de serviços que decida participar num concurso para execução de um contrato de serviço público determina ele próprio os termos da sua proposta, em função de todos os parâmetros pertinentes e, nomeadamente, da evolução provável dos custos suscetíveis de afetar a prestação do serviço, quer estes estejam ou não sob o seu controlo, definindo assim o nível de risco que está disposto a assumir relativamente a essa evolução. Por conseguinte, pode presumir‑se, sem prejuízo de disposições do direito da União que permitem às autoridades nacionais excluir propostas anormalmente baixas, que a sua proposta é suscetível de lhe garantir, caso o contrato lhe seja adjudicado, uma taxa de remuneração do capital investido correspondente ao nível de risco assumido.

51      Daqui resulta que um regime de compensação ligado a um contrato de serviço público adjudicado na sequência de um processo de concurso público, transparente e não discriminatório, é, em si mesmo, suscetível de garantir ao prestador desse serviço público uma cobertura dos seus custos que lhe assegura igualmente uma compensação adequada, cujo montante variará em função do nível de risco que este último está disposto a assumir.

52      Por conseguinte, conclui‑se de tudo o que precede que as autoridades nacionais competentes não são obrigadas, no âmbito de um concurso, a compensar automaticamente, através de uma indexação regular, todos os custos suportados pelo prestador de um serviço de transporte ligados à execução de um contrato de serviço público, independentemente de estarem ou não sob o seu controlo, para que esse contrato lhe proporcione uma compensação adequada.

53      É certo que na audiência, a Dobeles e o. alegaram, dando conta a este respeito das dúvidas expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio, conforme recordadas nos n.os 28 a 30 do presente acórdão, que a falta de indexação regular dos custos ligados à execução de uma obrigação de serviço público que escapam ao seu controlo poderia levar a que o prestador desse serviço público não beneficiasse de uma compensação adequada, no sentido de que o montante desta se poderia tornar insuficiente, prejudicando, como refere o ponto 2.4.8 das orientações, a sua viabilidade financeira ou a qualidade do serviço prestado, ou mesmo, logo na fase do concurso, reduzindo artificialmente o número de proponentes.

54      A este respeito, importa na verdade salientar que, por força do princípio da proporcionalidade, que é um princípio geral do direito da União, consagrado, no que respeita às especificações das obrigações de serviço público, no artigo 2.o‑A, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1370/2007, ao qual se refere o órgão jurisdicional de reenvio na sua questão, as autoridades nacionais competentes não podem impor aos prestadores de serviços de transporte encarregados da execução dessas obrigações condições que sejam excessivas ou não razoáveis, como as relativas às modalidades da compensação.

55      Assim, em conformidade com este princípio, o montante da compensação, como resulta do n.o 51 do presente acórdão, deve variar em função do risco que o prestador do serviço público está disposto a assumir.

56      Todavia, a inexistência de um mecanismo de indexação regular dos custos não pode, por si só, ser considerada constitutiva de uma violação do princípio da proporcionalidade. Com efeito, como já foi salientado no n.o 50 do presente acórdão, quando um prestador de serviços de transporte decide participar nesse procedimento, ele próprio determina os termos da sua proposta. Em especial, cabe‑lhe examinar o nível de risco que está disposto a assumir, tendo em conta as modalidades de compensação que figuram no contrato de serviço público, nomeadamente a inexistência de tal mecanismo. Por conseguinte, se uma autoridade nacional competente devesse também considerar, no âmbito de um concurso, condições não razoáveis ou excessivas, tendo em conta os riscos que deverão ser assumidos pelo prestador do serviço público em causa, seria pouco provável que lhe fossem apresentadas propostas, de modo que essa autoridade deveria alterar essas condições a fim de as tornar compatíveis com o princípio da proporcionalidade.

57      No entanto, no caso em apreço, como salientou o advogado‑geral no n.o 86 das suas conclusões, não se afigura que o caderno de encargos controvertido contenha tais condições não razoáveis ou excessivas, tendo, aliás, a audiência revelado que as autoridades nacionais competentes receberam uma centena de propostas apresentadas por empresas de transporte estabelecidas em vários Estados‑Membros, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

58      Quanto aos riscos referidos no n.o 53 do presente acórdão, conforme confirmam as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que figuram no n.o 30 deste acórdão, têm a sua origem na eventualidade de um prestador de serviços de transporte de passageiros propor um preço contratual que não tenha suficientemente em conta um aumento futuro dos custos, na esperança de ganhar o concurso. Ora, a eventualidade de um prestador desses serviços propor um preço que implique o risco de se ver na impossibilidade de executar o contrato de forma adequada é inerente a cada concurso e pode, em função das circunstâncias do caso concreto, implicar, se for caso disso, a aplicação de disposições do direito da União que permitam às autoridades nacionais excluir propostas anormalmente baixas. Em contrapartida, esta eventualidade não justifica que se exija que os contratos de serviço público celebrados pelas autoridades nacionais competentes, no âmbito de um contrato público de serviços e no termo de um concurso público, transparente e não discriminatório, incluam sempre um mecanismo de indexação regular que permita, de forma automática, garantir uma compensação integral de qualquer aumento dos custos associados à sua execução, estejam estes ou não sob o controlo do prestador.

59      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o Regulamento n.o 1370/2007 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a um regime de compensação que, no âmbito de um contrato público de serviços e no termo de um concurso público, transparente e não discriminatório, não impõe às autoridades nacionais competentes que concedam a um prestador de serviços de transporte de passageiros sujeito a obrigações de serviço público uma compensação integral que cubra, através de uma indexação regular, qualquer aumento dos custos ligados à gestão e à exploração desse serviço que escapem ao seu controlo.

 Quanto às despesas

60      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho, conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2016/2338 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de dezembro de 2016,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a um regime de compensação que, no âmbito de um contrato público de serviços e no termo de um concurso público, transparente e não discriminatório, não impõe às autoridades nacionais competentes que concedam a um prestador de serviços de transporte de passageiros sujeito a obrigações de serviço público uma compensação integral que cubra, através de uma indexação regular, qualquer aumento dos custos ligados à gestão e à exploração desse serviço que escapem ao seu controlo.

Assinaturas


*      Língua do processo: letão.