Language of document : ECLI:EU:C:2024:146

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

22 de fevereiro de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Artigo 107.o TFUE — Conceito de “auxílio” — Vantagem — Critério do investidor privado — Sentença arbitral que fixa tarifas reduzidas de eletricidade — Imputabilidade de uma sentença arbitral ao Estado — Regulamento (UE) 2015/1589 — Artigo 4.o, n.o 2 — Decisão que declara que a medida não constitui um auxílio»

Nos processos apensos C‑701/21 P e C‑739/21 P,

que têm por objeto dois recursos de um acórdão ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interpostos respetivamente em 19 de novembro de 2021 e em 1 de dezembro de 2021,

Mytilinaios AE — Omilos Epicheiriseon, com sede em Marousi (Grécia), representada por V. Christianos, D. Diakopoulos, G. Karydis, A. Politis, P. Selekos e M. Ch. Vlachou, dikigoroi,

recorrente no processo C‑701/21 P,

sendo as outras partes no processo:

Dimosia Epicheirisi Ilektrismou AE (DEI), com sede em Atenas (Grécia), representada inicialmente por E. Bourtzalas, A. Oikonomou, E. Salaka, C. Synodinos e H. Tagaras, dikigoroi, e D. Waelbroeck, avocat, e, em seguida, por E. Bourtzalas, E. Salaka, C. Synodinos e H. Tagaras, dikigoroi,

demandante em primeira instância,

Comissão Europeia, representada por A. Bouchagiar, I. Georgiopoulos e P.‑J. Loewenthal, na qualidade de agentes,

demandada em primeira instância,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada inicialmente por J. Möller e D. Klebs, e, em seguida, por J. Möller, na qualidade de agentes,

interveniente no presente recurso,

e

Comissão Europeia, representada por A. Bouchagiar e P.‑J. Loewenthal, na qualidade de agentes,

recorrente no processo C‑739/21 P,

apoiada por:

República Federal da Alemanha, representada inicialmente por J. Möller e D. Klebs, e, em seguida, por J. Möller, na qualidade de agentes,

interveniente no presente recurso,

sendo as outras partes no processo:

Dimosia Epicheirisi Ilektrismou AE (DEI), com sede em Atenas, representada inicialmente por E. Bourtzalas, A. Oikonomou, E. Salaka, C. Synodinos, H. Tagaras, dikigoroi, e D. Waelbroeck, avocat, e, em seguida, por E. Bourtzalas, E. Salaka, C. Synodinos, H. Tagaras, dikigoroi,

demandante em primeira instância,

Mytilinaios AE — Omilos Epicheiriseon, com sede em Marousi, representada por D. Diakopoulos, N. Keramidas e N. Korogiannakis, dikigoroi,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de abril de 2023,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com os presentes recursos, a Mytilinaios AE — Omilos Epicheiriseon (a seguir «Mytilinaios») e a Comissão Europeia pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 22 de setembro de 2021, DEI/Comissão (T‑639/14 RENV, T‑352/15 e T‑740/17, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2021:604), pelo qual este anulou a carta COMP/E3/ΟΝ/AB/ark * 2014/61460 da Comissão, de 12 de junho de 2014, que informou a Dimosia Epicheirisi Ilektrismou AE (DEI) do arquivamento das suas denúncias (a seguir «carta controvertida»), a Decisão C(2015) 1942 final da Comissão, de 25 de março de 2015, no processo SA.38101 (2015/NN) (ex 2013/CP), relativa a um alegado auxílio estatal concedido à Alouminion SA sob a forma de tarifas de eletricidade inferiores ao custo na sequência de uma sentença arbitral (JO 2015, C 219, p. 2; a seguir «primeira decisão controvertida»), e a Decisão C(2017) 5622 final da Comissão, de 14 de agosto de 2017, no processo SA.38101 (2015/NN) (ex 2013/CP), relativa a um alegado auxílio estatal concedido à Alouminion SA sob a forma de tarifas de eletricidade inferiores ao custo na sequência de uma sentença arbitral (JO 2017, C 291, p. 2; a seguir «segunda decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

2        O artigo 1.o do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), epigrafado «Definições», prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

h)      “Parte interessada”: qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações setoriais.»

3        O artigo 4.o deste regulamento, epigrafado «Análise preliminar da notificação e decisões da Comissão», dispõe:

«1.      A Comissão procederá à análise da notificação imediatamente após a sua receção. Sem prejuízo do disposto no artigo 10.o, a Comissão tomará uma decisão nos termos dos n.os 2, 3 ou 4, do presente artigo.

2.      Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

3.      Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado interno, na medida em que está abrangida pelo artigo 107.o, n.o 1, do TFUE, decidirá que essa medida é compatível com o mercado interno (“decisão de não levantar objeções”). A decisão referirá expressamente a derrogação do TFUE que foi aplicada.

4.      Quando, após uma análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.o, n.o 2, do TFUE (“decisão de início de um procedimento formal de investigação”).

[…]»

4        As disposições precedentes foram retomadas do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), que o Regulamento 2015/1589 revogou.

 Antecedentes do litígio e acórdão recorrido

5        Os factos na origem do litígio estão descritos nos n.os 1 a 53 do acórdão recorrido e podem ser resumidos da seguinte forma para efeitos do presente processo.

6        Os processos no Tribunal Geral são relativos a três litígios conexos que se sucederam e dizem essencialmente respeito à questão de saber se a tarifa de fornecimento de eletricidade (a seguir «tarifa em causa») que a DEI, um produtor e fornecedor de eletricidade controlado pelo Estado grego, é obrigada a faturar, por força de uma sentença arbitral, ao seu cliente principal, a saber, a Mytilinaios, um produtor de alumínio, comporta a concessão de um auxílio de Estado.

7        Em 4 de agosto de 2010, a DEI e a Mytilinaios assinaram um acordo‑quadro respeitante à tarifa de fornecimento de eletricidade a aplicar durante o período compreendido entre 1 de julho de 2010 e 31 de dezembro de 2013, bem como às modalidades da resolução amigável de uma alegada dívida da Mytilinaios para com a DEI, que se acumulou durante o período compreendido entre 1 de julho de 2008 e 30 de junho de 2010.

8        Com fundamento nos critérios previstos nesse acordo‑quadro, a Mytilinaios e a DEI negociaram em vão o conteúdo de um projeto de contrato de fornecimento de eletricidade, não chegando estas partes a acordo sobre a tarifa a aplicar ao fornecimento de eletricidade que a DEI devia garantir à Mytilinaios.

9        No âmbito de um compromisso arbitral assinado em 16 de novembro de 2011, a Mytilinaios e a DEI acordaram em confiar a resolução do seu diferendo à arbitragem permanente da Rythmistiki Archi Energeias (Autoridade Reguladora da Energia helénica, Grécia) (a seguir «RAE»), em conformidade com o artigo 37.o do nomos 4001/2011, gia ti leitourgia Energeiakon Agoron Ilektrismou kai fysikou Aeriou, gia Erevna, Paragogi kai diktya metaforas Ydrogonanthrakon kai alles ritmiseis (Lei 4001/2011, relativa à Operação dos Mercados Energéticos da Eletricidade e do Gás, à Investigação, à Produção e às Redes de Transporte de Hidrocarbonetos e a Outras Regulamentações) (FEK A’ 179/22.8.2011, a seguir «Lei 4001/2011»).

10      Segundo esse compromisso arbitral, a missão confiada ao tribunal arbitral consistia em determinar, com base nas negociações que tiveram lugar entre a DEI e a Mytilinaios, uma tarifa de fornecimento de eletricidade correspondente às características específicas da Mytilinaios e que cobria, pelo menos, os custos suportados pela DEI.

11      Por Decisão de 31 de outubro de 2013 (a seguir «sentença arbitral»), o Tribunal Arbitral da RAE resolveu esse diferendo.

12      Por Acórdão de 18 de fevereiro de 2016, o Efeteio Athinon (Tribunal de Recurso de Atenas, Grécia) negou provimento ao recurso de anulação da sentença arbitral interposto pela DEI.

13      Em 23 de dezembro de 2013, a DEI apresentou uma denúncia (a seguir «denúncia de 2013») à Comissão, sustentando que a sentença arbitral constituía um auxílio de Estado.

14      Através da carta controvertida, a Comissão informou a DEI do encerramento da instrução da sua denúncia de 2013.

15      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de agosto de 2014, a DEI interpôs o recurso, registado com o número T‑639/14, e destinado a obter a anulação da carta controvertida.

16      Em 25 de março de 2015, a Comissão adotou a primeira decisão controvertida, na qual se limitou a apreciar a questão de saber se a fixação e a aplicação da tarifa em causa correspondiam à concessão de uma vantagem à Mytilinaios na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Para esse fim, analisou se, ao aceitar resolver o diferendo com a Mytilinaios recorrendo ao processo de arbitragem e ao sujeitar‑se à sentença arbitral, a DEI, na sua qualidade de empresa pública, se tinha comportado em conformidade com as exigências decorrentes do critério do investidor privado. A Comissão concluiu, por um lado, que as condições de aplicação desse critério estavam reunidas no caso em apreço e que, portanto, não fora concedida nenhuma vantagem à Mytilinaios e, por outro, que, uma vez que a primeira decisão recorrida refletia a sua posição definitiva a este respeito, devia considerar‑se que a carta controvertida fora substituída por esta decisão.

17      Por conseguinte, a Comissão declarou que a sentença arbitral não constituía um auxílio de Estado.

18      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de junho de 2015, a DEI interpôs recurso, registado com o número T‑352/15, destinado a obter a anulação da primeira decisão controvertida.

19      Por Despacho de 9 de fevereiro de 2016, DEI/Comissão (T‑639/14, EU:T:2016:77), o Tribunal Geral decidiu que já não havia que conhecer do mérito do recurso no processo T‑639/14, com o fundamento, designadamente, de que a primeira decisão controvertida tinha formalmente substituído a carta controvertida.

20      Em 22 de abril de 2016, a DEI interpôs recurso desse despacho.

21      Por Acórdão de 31 de maio de 2017, DEI/Comissão (C‑228/16 P, EU:C:2017:409), o Tribunal de Justiça anulou o Despacho de 9 de fevereiro de 2016, DEI/Comissão (T‑639/14, EU:T:2016:77), remeteu o processo ao Tribunal Geral e reservou para final a decisão quanto às despesas.

22      Na sequência da prolação desse acórdão, o processo T‑639/14 tem a partir de agora o número T‑639/14 RENV.

23      Em 14 de agosto de 2017, a Comissão adotou a segunda decisão controvertida, pela qual decidiu novamente, revogando e substituindo expressamente tanto a carta controvertida como a primeira decisão controvertida, que a sentença arbitral não implicava a concessão de um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Os fundamentos expostos em apoio desta conclusão, baseados no respeito do critério do investidor privado e na inexistência de qualquer vantagem, são idênticos aos expostos na primeira decisão controvertida.

24      Por cartas de 24 de agosto de 2017, ou seja, na sequência da adoção da segunda decisão controvertida, a Comissão pediu ao Tribunal Geral que declarasse que os recursos nos processos T‑639/14 RENV e T‑352/15 tinham ficado sem objeto e que não havia que conhecer do mérito.

25      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de novembro de 2017, a DEI interpôs um recurso, registado com o número T‑740/17, de anulação da segunda decisão controvertida.

26      Por decisão do presidente da Terceira Secção Alargada do Tribunal Geral de 26 de fevereiro de 2020, os processos T‑639/14 RENV, T‑352/15 e T‑740/17 foram apensados para efeitos da fase oral do processo e da decisão que põe termo à instância.

27      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral anulou a carta controvertida e a primeira e segunda decisões controvertidas, condenou a Comissão a suportar as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela DEI e condenou a Mytilinaios a suportar as suas próprias despesas.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

 Processo C701/21 P

28      Com o seu recurso, a Mytilinaios, apoiada pela Comissão, pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        remeter, se necessário, o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie, e

–        condenar a DEI nas despesas.

29      A DEI pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        decidir definitivamente do presente litígio, e

–        condenar a Mytilinaios nas despesas de primeira instância e do presente recurso.

 Processo C739/21 P

30      Com o seu recurso, a Comissão, apoiada pela Mytilinaios, pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        negar provimento ao recurso no processo T‑740/17 ou, a título subsidiário, julgar improcedentes o terceiro e quarto fundamentos, bem como a primeira e segunda partes do quinto fundamento desse recurso, e remeter esse processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre os outros fundamentos de anulação;

–        declarar que os recursos nos processos T‑639/14 RENV e T‑352/15 ficaram sem objeto e que não há que conhecer do mérito, e

–        condenar a DEI nas despesas.

31      A DEI pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        julgar o recurso inadmissível na íntegra e, a título subsidiário, negar‑lhe provimento e condenar a Comissão na totalidade das despesas de primeira instância e do presente recurso, ou

–        a título subsidiário, na hipótese de o Tribunal de Justiça dar provimento ao recurso, decidir definitivamente do recurso nos processos T‑639/14 RENV, T‑352/15 e T‑740/17 e julgar improcedente o pedido da Comissão de não conhecimento do mérito nos processos T‑639/14 RENV e T‑352/15.

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

32      Por decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 7 de abril de 2022, foi admitida a intervenção da República Federal da Alemanha em apoio dos pedidos da Comissão nos processos C‑701/21 P e C‑739/21 P.

33      Após ter ouvido as partes, o Tribunal de Justiça, por decisão de 28 de fevereiro de 2023, apensou os processos C‑701/21 P e C‑739/21 P para efeitos da fase oral e do acórdão.

 Quanto aos presentes recursos

34      Em apoio do seu recurso no processo C‑701/21 P, a Mytilinaios, apoiada pela Comissão, invoca três fundamentos.

35      O primeiro fundamento é relativo a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na apreciação da admissibilidade do recurso de anulação e diz respeito aos princípios nemo auditur propriam turpitudinem allegans e nemo potest venire contra factum proprium.

36      O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE à luz da aplicação do critério do investidor privado e da qualificação de um tribunal arbitral como órgão estatal.

37      O terceiro fundamento é relativo à violação do artigo 4.o do Regulamento 2015/1589 no que respeita, por um lado, à existência de dúvidas ou de dificuldades sérias quanto à existência de um auxílio de Estado na fase da análise preliminar das denúncias e, por outro, ao ónus da prova.

38      Em apoio do seu recurso no processo C‑739/21 P, a Comissão, apoiada pela Mytilinaios e pela República Federal da Alemanha, invoca um fundamento único, relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, uma vez que o Tribunal Geral interpretou e aplicou erradamente a condição da «vantagem» que uma medida estatal deve preencher para poder constituir um auxílio de Estado.

 Quanto ao primeiro fundamento no processo C701/21 P, relativo à violação dos princípios nemo auditur propriam turpitudinem allegans e nemo potest venire contra factum proprium

39      O primeiro fundamento invocado pela Mytilinaios é composto por duas partes e visa a parte do acórdão recorrido na qual o Tribunal Geral julgou o recurso admissível.

 Argumentos das partes

40      Com a primeira parte do primeiro fundamento, a Mytilinaios acusa o Tribunal Geral de não ter respondido aos seus argumentos destinados a demonstrar que a interposição do recurso de anulação pela DEI colidia com os princípios nemo auditur propriam turpitudinem allegans e nemo potest venire contra factum proprium, uma vez que estes princípios proíbem o comportamento pelo qual um recorrente contesta como sendo ilegal o que anteriormente fez voluntariamente.

41      A Mytilinaios alega que o facto de a DEI ter a qualidade de parte interessada na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 não implicava necessariamente que dispunha, no caso em apreço, de interesse em agir. Ora, a Mytilinaios e a Comissão sustentaram, a este respeito, que o exercício pela DEI dos seus direitos processuais era abusivo, na medida em que violava os referidos princípios. Ao não responder aos seus argumentos, o Tribunal Geral considerou erradamente, no n.o 92 do acórdão recorrido, que a DEI tinha, no caso em apreço, interesse em agir.

42      A Mytilinaios precisa que esses argumentos, conforme resumidos no n.o 68 do acórdão recorrido, diziam respeito à estratégia processual específica da DEI e ao seu interesse em agir e não procediam, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 91 do acórdão recorrido, de uma confusão entre a situação da DEI, enquanto empresa controlada pelo Estado grego, e a situação desse Estado.

43      A Mytilinaios recorda, a este respeito, que a aplicação dos regulamentos da União Europeia não pode ser alargada a ponto de abranger práticas abusivas das empresas (v., neste sentido, Acórdão de 11 de janeiro de 2007, Vonk Dairy Products, C‑279/05, EU:C:2007:18, n.o 31).

44      Com a segunda parte do primeiro fundamento, a Mytilinaios alega que, no n.o 91 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou o argumento relativo à violação do princípio nemo potest venire contra factum proprium por fundamentação errada.

45      Com efeito, o Tribunal Geral desviou a questão relativa a esse princípio, que está ligada ao interesse em agir da DEI, para examinar a questão, sem relação com este argumento, da confusão entre a DEI e o Estado grego. Desvirtuou, assim, o conteúdo do referido argumento.

46      A DEI responde, a título principal, que o primeiro fundamento da Mytilinaios é manifestamente inadmissível e manifestamente improcedente.

47      A argumentação em apoio deste primeiro fundamento está formulada de maneira obscura e ambígua. A Mytilinaios não precisa nem o recurso de anulação da DEI a que faz referência, nem o alegado erro de direito de que enferma o acórdão recorrido, nem em que medida o comportamento da DEI é abusivo e contraditório.

48      A título subsidiário, a DEI sustenta que as duas partes do primeiro fundamento são improcedentes.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

49      Para se pronunciar sobre o primeiro fundamento de recurso invocado pela Mytilinaios no processo C‑701/21, importa, em primeiro lugar, verificar a admissibilidade deste fundamento, contestada pela DEI.

50      A este respeito, basta referir, por um lado, que este fundamento é dirigido contra o n.o 91 do acórdão recorrido, que faz parte da fundamentação, que figura nos n.os 64 a 195 deste acórdão, consagrada ao recurso no processo T‑740/17. Daqui decorre que, contrariamente às alegações da DEI, resulta claramente do recurso que o referido fundamento diz respeito a este recurso de anulação.

51      Por outro lado, a formulação do primeiro fundamento é suficientemente clara para permitir compreender que, com as suas duas partes, este fundamento visa contestar, por um lado, a falta de fundamentação do acórdão recorrido no que respeita à rejeição do argumento relativo à violação dos princípios nemo auditur propriam turpitudinem allegans e nemo potest venire contra factum proprium e, por outro, um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral ao rejeitar este argumento com fundamento em considerações alheias à questão do comportamento alegadamente abusivo da DEI. A recorrente precisa, no seu recurso, que, com a interposição do seu recurso, a DEI tentou, de forma abusiva, retirar proveito da alegada ilegalidade de um auxílio de Estado que ela própria, enquanto empresa controlada pelo Estado grego, contribuiu para criar.

52      Por conseguinte, o primeiro fundamento de recurso no processo C‑701/21 P é admissível.

53      No que respeita, em segundo lugar, ao mérito deste fundamento, há que observar que, como salienta, em substância, o advogado‑geral no n.o 54 das suas conclusões, o Tribunal Geral, contrariamente às alegações invocadas em apoio da primeira parte do referido fundamento, no n.o 91 do acórdão recorrido, fundamentou a rejeição do argumento relativo ao princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans. Com efeito, nesse n.o 91, o Tribunal Geral considerou que «[a] Comissão […] não tem fundamento para alegar uma violação do princípio de direito de acordo com o qual ninguém pode invocar o seu próprio comportamento ilícito. Este argumento não é senão outra variante do argumento destinado a confundir a situação da recorrente com a do Estado grego e a imputar‑lhe a eventual satisfação das autoridades helénicas com o resultado do processo de arbitragem, pelo que também não pode ser acolhido». Esta fundamentação, ainda que sucinta, é suficiente para permitir à Mytilinaios conhecer as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu o seu argumento e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional a este respeito.

54      A primeira parte do primeiro fundamento, relativa à falta de fundamentação, deve, portanto, ser julgada improcedente.

55      Com a segunda parte do primeiro fundamento do seu recurso, a Mytilinaios invoca um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral no mesmo n.o 91 do acórdão recorrido.

56      É verdade que, em resposta ao argumento de uma violação, pela DEI, do princípio segundo o qual ninguém pode invocar o seu próprio comportamento faltoso, o Tribunal Geral limitou‑se, no essencial, nesse n.o 91, a considerar que a situação da DEI e a da República Helénica não podiam ser confundidas. Ora, como salientou a Mytilinaios, ao sustentar no Tribunal Geral que a DEI tinha violado esse princípio, a Mytilinaios tinha alegado não que a situação da DEI e da República Helénica se confundiam, mas que a DEI não podia validamente contestar o resultado de um processo de arbitragem ao qual essa empresa tinha dado consentimento.

57      Dito isto, há que salientar que o Tribunal Geral examinou, nos n.os 86 a 92 do acórdão recorrido, a questão de saber se, contrariamente às alegações da Comissão e da Mytilinaios, a DEI tinha interesse em agir contra a segunda decisão controvertida, pelo que o n.o 91 desse acórdão deve ser lido no contexto em que se insere.

58      Ora, no n.o 89 do acórdão recorrido, que a recorrente não contesta no âmbito do seu recurso, o Tribunal Geral rejeitou a argumentação da Comissão e da Mytilinaios, relativa à confusão entre o Estado grego e a DEI, a fim de lhe imputar a alegada satisfação das autoridades helénicas com o resultado do processo de arbitragem, e à comparação da situação da DEI com a de uma autoridade local. A este respeito, o Tribunal Geral, no mesmo número, concluiu que a DEI tinha exposto, de maneira circunstanciada as razões pelas quais considerava que, por um lado, a sua situação económica era afetada pela sentença arbitral na medida em que esta lhe impunha que faturasse o fornecimento de eletricidade à Mytilinaios a um preço inferior aos seus custos de produção e que, por outro, a carta controvertida e a primeira e segunda decisões controvertidas que arquivaram as suas denúncias a impediam de apresentar as suas observações no decurso de um procedimento formal de investigação ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Tendo em conta esta argumentação, segundo o Tribunal Geral, uma eventual anulação, nomeadamente, da segunda decisão controvertida, com o fundamento de que a Comissão se defrontava com dúvidas ou dificuldades sérias quanto à existência de um auxílio de Estado, era suscetível de conferir um benefício à DEI, precisamente porque era suscetível de obrigar a Comissão a dar início ao procedimento formal de investigação, no âmbito do qual a DEI podia ter invocado as garantias processuais que lhe são conferidas ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

59      No n.o 90 do acórdão recorrido, que também não foi contestado pela recorrente, o Tribunal Geral rejeitou igualmente o argumento da Comissão e da Mytilinaios segundo o qual os efeitos jurídicos vinculativos que lesam a DEI, que se prendem com a tarifa em causa, não eram imputáveis à segunda decisão controvertida, mas à decisão arbitral. Rejeitou este argumento com o fundamento, por um lado, de que, através dessa decisão, a Comissão recusou qualificar o resultado do procedimento de arbitragem como medida de auxílio como a DEI tinha pedido e, por outro, de que a DEI tinha acusado precisamente a Comissão de não ter, ilegalmente, instruído, na referida decisão, a questão de saber se essa tarifa comportava a concessão de uma vantagem. Segundo o Tribunal Geral, esta apreciação não era infirmada pelo facto de a DEI ter voluntariamente submetido o seu diferendo com a Mytilinaios à arbitragem, não implicando esta diligência necessariamente que aceitasse a priori a sentença arbitral, que aliás contestou, sem sucesso, no Efeteio Athinon (Tribunal de Recurso de Atenas).

60      Resulta, portanto, destes dois números do acórdão recorrido que o Tribunal Geral rejeitou os argumentos da Comissão e da Mytilinaios destinados a demonstrar que, devido ao controlo do Estado grego sobre a DEI, a posição desta se confundia com a desse Estado, o qual não tinha nenhum interesse em pôr em causa uma decisão da Comissão de não dar início a um procedimento formal de investigação a respeito de uma medida que ele próprio tinha adotado, tal como o argumento segundo o qual a DEI não podia pôr em causa o resultado de um processo arbitral ao qual essa empresa tinha dado consentimento.

61      Daqui resulta que o Tribunal Geral, sem cometer um erro de direito, justificou, no n.o 90 do acórdão recorrido, a razão pela qual havia que rejeitar os argumentos da Comissão e da Mytilinaios, os quais, conforme reproduzidos no n.o 68 desse acórdão, não contestado no recurso, visavam simplesmente apoiar a sua posição segundo a qual a DEI não podia ter denunciado, a título dos auxílios de Estado, um contrato que já não considerava rentável para se liberar do seu compromisso.

62      De resto, a Mytilinaios não contestou a conclusão, formulada no n.o 85 do acórdão recorrido, de que a segunda decisão controvertida afeta a situação jurídica e os interesses da DEI, enquanto parte interessada, na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589.

63      Ora, na sua denúncia de 2013, a DEI alegou que a Comissão devia considerar que a medida suscetível de constituir um auxílio de Estado, a saber, não a decisão de recorrer à arbitragem, mas a sentença arbitral, lhe impunha que aplicasse tarifas abaixo dos seus custos e que, portanto, a decisão de aplicar essas tarifas não lhe era imputável, enquanto empresa controlada pelo Estado grego, mas era diretamente imputável a esse Estado, por intermédio do tribunal arbitral.

64      Embora caiba à Comissão verificar se era esse o caso no presente processo, isso não pode pôr em causa a existência de um interesse desta empresa em agir contra a decisão da Comissão que rejeitou essa denúncia sem dar início ao procedimento formal de investigação. Raciocinar de outra forma levaria a comprometer a eficácia do controlo das medidas estatais em matéria de auxílios de Estado.

65      Tendo em conta estas considerações, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento e, portanto, julgar integralmente improcedente o primeiro fundamento de recurso.

 Quanto ao segundo fundamento no processo C701/21 P e ao fundamento único no processo C739/21 P, relativos à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE

66      O segundo fundamento suscitado pela Mytilinaios no processo C‑701/21 P é composto por duas partes, a segunda das quais corresponde, em substância, ao fundamento único invocado pela Comissão no processo C‑739/21 P.

67      Com a primeira parte do seu segundo fundamento, a Mytilinaios sustenta, em substância, que, nos n.os 160 a 163 e 185 a 191 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral violou o artigo 107.o TFUE e o critério do investidor privado.

68      A este respeito, há que salientar que os números do acórdão recorrido criticados por esta primeira parte assentam na premissa, enunciada nos n.os 150 a 159 do acórdão recorrido, de que a medida estatal suscetível de constituir um auxílio de Estado era a sentença arbitral.

69      Uma vez que estes números são contestados pela segunda parte do segundo fundamento da Mytilinaios e pelo fundamento único da Comissão, há que tratar esta segunda parte e este fundamento em primeiro lugar.

 Argumentos das partes

70      Com a segunda parte do seu segundo fundamento, a Mytilinaios sustenta que foi erradamente que o Tribunal Geral, nos n.os 150 a 159 do acórdão recorrido, considerou que o tribunal arbitral em causa devia ser qualificado de «órgão que exerce um poder abrangido pelas prerrogativas do poder público».

71      A este respeito, recorda que a arbitragem prevista no artigo 37.o, n.o 1, da Lei n.o 4001/2011 é uma arbitragem convencional. Com efeito, este artigo dispõe que é organizada uma arbitragem permanente pela RAE, junto da qual é possível resolver os diferendos que surjam no domínio da energia, na sequência de um acordo escrito especial, ou seja, um compromisso arbitral celebrado entre as partes envolvidas, por força do artigo 37.o, n.o 2, desta lei.

72      Segundo a Mytilinaios, antes de mais, a circunstância de a intervenção eventual de um tribunal arbitral na resolução de um diferendo estar prevista pela lei não implica que esse tribunal tenha sido estabelecido nos termos desta lei, como o Tribunal Geral erradamente declarou no n.o 153 do acórdão recorrido.

73      Em seguida, a apreciação do Tribunal Geral, no n.o 156 desse acórdão, relativa à natureza das sentenças dos tribunais arbitrais visados pela Lei 4001/2011, não é determinante no caso em apreço para apreciar se esses tribunais podem ser qualificados de órgãos jurisdicionais de Estado, uma vez que diz respeito ao caráter vinculativo dessas sentenças, que, em sua opinião, o Tribunal Geral confunde com o caráter vinculativo da competência dos tribunais arbitrais, a saber, a obrigação de submeter um diferendo à sua arbitragem.

74      Além disso, o n.o 157 do referido acórdão, relativo à possibilidade de impugnar num órgão jurisdicional comum as sentenças dos tribunais arbitrais visados pela Lei 4001/2011, também não basta para os qualificar de órgãos jurisdicionais de Estado. Com efeito, uma sentença arbitral está sujeita não às vias de recurso ordinárias, a saber, o recurso de apelação e o recurso de cassação, a que estão sujeitas as decisões dos órgãos jurisdicionais comuns, mas ao recurso de anulação especificamente instituído ao abrigo do artigo 897.o do Kodikas politikis dikonomias (Código de Processo Civil helénico). Este recurso de anulação só pode ser interposto por motivos limitados. Por conseguinte, o processo civil helénico prevê uma fiscalização judicial das sentenças arbitrais limitada em relação à fiscalização das decisões dos órgãos jurisdicionais comuns, o que tem como consequência que o processo civil diferencia os dois mecanismos de resolução dos diferendos. Com base nestas considerações, a apreciação feita no n.o 157 do acórdão recorrido faz ressaltar as diferenças significativas que apresentam os tribunais arbitrais, em razão da sua natureza e do seu funcionamento, em relação aos órgãos jurisdicionais comuns.

75      Por último, a Mytilinaios acusa o Tribunal Geral de não ter verificado se o tribunal arbitral em causa tinha competência vinculativa. Ora, segundo a jurisprudência, este caráter é omisso no caso de órgãos de arbitragem que foram instituídos por contrato, uma vez que não há nenhuma obrigação, nem de direito nem de facto, de as partes contratantes confiarem os seus diferendos à arbitragem, ao passo que as autoridades públicas do Estado‑Membro em causa não estão envolvidas na escolha da via da arbitragem nem são chamadas a intervir oficiosamente no desenrolar do processo perante o árbitro. Em contrapartida, só uma disposição legislativa que preveja a possibilidade de submeter unilateralmente um diferendo à competência de um tribunal arbitral é suscetível de conferir o caráter de órgão jurisdicional de Estado à formação arbitral. No caso em apreço, por um lado, a Lei 4001/2011 não contém nenhuma disposição nesse sentido e, por outro, o recurso à arbitragem baseou‑se exclusivamente no acordo das partes, sem o qual a DEI ou a Mytilinaios poderiam ter recorrido aos órgãos jurisdicionais comuns com vista à resolução do seu diferendo.

76      Em apoio do seu fundamento único, a Comissão alega, por seu lado, que, antes de mais, os critérios mencionados nos n.os 153, 155 e 156 do acórdão recorrido, a saber, o exercício pelos tribunais arbitrais estabelecidos ao abrigo da Lei 4001/2011 das funções jurisdicionais idênticas às dos órgãos jurisdicionais comuns, a aplicação por esses tribunais das disposições do Código de Processo Civil helénico, bem como o caráter juridicamente vinculativo das suas decisões, que valem como títulos executivos e são revestidos da autoridade do caso julgado, se aplicam a qualquer arbitragem que tenha lugar na Grécia e esteja sujeita ao direito grego.

77      Em seguida, o critério mencionado no n.o 157 desse acórdão, a saber, a possibilidade de impugnar uma sentença de um tribunal arbitral estabelecido ao abrigo do artigo 37.o da Lei 4001/2011 perante um órgão jurisdicional comum, também não põe em evidência qualquer particularidade desses tribunais arbitrais relativamente a qualquer outra arbitragem que tenha lugar na Grécia. A este respeito, a Comissão alega que, embora a sentença desse tribunal arbitral possa ser impugnada, por motivos específicos, perante um tribunal comum através de um pedido de anulação ou de reconhecimento da inexistência da sentença arbitral, o mesmo acontece com qualquer outra sentença arbitral proferida na Grécia. Assim, não só este elemento não põe em evidência uma particularidade dos tribunais arbitrais estabelecidos ao abrigo do artigo 37.o da Lei 4001/2011, mas, pelo contrário, a possibilidade limitada de impugnar as sentenças arbitrais desses tribunais diferenciaria estas decisões dos órgãos jurisdicionais comuns, que são geralmente passíveis de recurso com vista à impugnação das apreciações factuais ou jurídicas do juiz de primeira instância.

78      Por último, a Comissão reconhece que o elemento mencionado no n.o 154 desse acórdão, a saber, a obrigação de as partes que aceitam submeter‑se à arbitragem por força do artigo 37.o da Lei 4001/2011 de escolherem os árbitros com base numa lista elaborada por decisão do presidente da RAE, distingue efetivamente essa arbitragem de qualquer outra arbitragem, uma vez que não existe uma obrigação geral que imponha às partes que recorrem à arbitragem na Grécia que designem árbitros com base numa lista específica. Todavia, tal elemento constitui apenas um detalhe processual e não apresenta nenhuma particularidade que justifique a equiparação dos tribunais arbitrais previstos neste artigo 37.o a um órgão jurisdicional helénico comum.

79      A Comissão acrescenta que a equiparação do tribunal arbitral em causa a um órgão jurisdicional helénico comum é contrária à jurisprudência relativa ao artigo 267.o TFUE.

80      Com efeito, esta jurisprudência distingue duas categorias de tribunais arbitrais.

81      A primeira destas categorias inclui os tribunais arbitrais convencionais cuja competência assenta num acordo entre as partes, que não são considerados órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro. Estes tribunais arbitrais são a norma, pois o recurso à arbitragem exige geralmente o acordo das partes. Neste contexto, o Tribunal de Justiça recusou reconhecer como órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro os órgãos encarregados de arbitragens comerciais, outros tipos de arbitragens baseadas no consentimento das partes ou de arbitragens baseadas num tratado bilateral de investimento.

82      A segunda das referidas categorias inclui os tribunais arbitrais cuja competência é vinculativa por força da lei e independentemente da vontade das partes, que podem ser considerados órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro se os restantes requisitos previstos no artigo 267.o TFUE estiverem preenchidos. A este respeito, o Tribunal de Justiça admitiu, em casos excecionais, que um tribunal arbitral que tenha origem legal, cujas decisões são vinculativas para as partes e cuja competência não depende do acordo destas, pode ser considerado um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro.

83      Ora, segundo a Comissão, os tribunais arbitrais referidos no artigo 37.o da Lei 4001/2011 pertencem à primeira categoria de tribunais, dado que, para poderem submeter um litígio a estes, as partes devem dar o seu acordo por escrito, como, aliás, o Tribunal Geral precisou, nomeadamente, nos n.os 9, 90 e 232 do acórdão recorrido. De resto, as autoridades públicas helénicas não intervieram na escolha da via da arbitragem pela DEI e pela Mytilinaios nem oficiosamente no desenrolar da arbitragem. Daqui resulta que os referidos tribunais arbitrais não têm competência obrigatória, isto é, independente da vontade das partes.

84      Baseando‑se na equiparação errada do tribunal arbitral em causa aos órgãos jurisdicionais gregos comuns, o Tribunal Geral também considerou erradamente que a sentença arbitral, enquanto decisão judicial, constituía uma medida estatal e que a Comissão deveria, portanto, ter apreciado se essa sentença conferia uma vantagem à Mytilinaios ao examinar o montante da tarifa em causa em relação ao preço de mercado. Na realidade, o Tribunal Geral devia ter considerado o recurso ao tribunal arbitral um modo privado de resolução de diferendos e concluído, uma vez que o critério do investidor privado era aplicável à decisão da DEI de permitir regular o seu diferendo com a Mytilinaios por via de arbitragem, porque essa decisão da DEI enquanto empresa pública era a única medida estatal no caso em apreço.

85      A DEI responde que a segunda parte do segundo fundamento assenta numa leitura errada do acórdão recorrido.

86      Com efeito, primeiro, o Tribunal Geral não «equiparou» o tribunal arbitral em causa e a sentença arbitral, respetivamente, a um órgão jurisdicional comum e a uma decisão jurisdicional ordinária. Na realidade, o Tribunal Geral, no n.o 150 do acórdão recorrido, distinguiu expressamente a sentença arbitral das decisões dos órgãos jurisdicionais gregos comuns e limitou‑se, no n.o 159 desse acórdão, a qualificar o tribunal arbitral «como órgão que exerce um poder abrangido pelas prerrogativas do poder público». Além disso, podem ser exercidas prerrogativas de poder público por numerosos outros órgãos do Estado, sem que estes sejam «equiparados», por essa razão, aos tribunais arbitrais ou comuns. Acresce que, como resulta do n.o 149 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou em que medida o tribunal arbitral «é equiparável a um órgão jurisdicional helénico comum», ao passo que, no n.o 231 do acórdão recorrido, indicou que «a sentença arbitral é comparável com sentenças de um órgão jurisdicional comum helénico».

87      De qualquer modo, mesmo admitindo que o Tribunal Geral tenha efetivamente equiparado o tribunal arbitral em causa a um órgão jurisdicional helénico comum, mais não fez do que estabelecer um paralelismo entre os tribunais comuns e os tribunais arbitrais no que respeita à questão específica e precisa da fiscalização das sentenças dos tribunais arbitrais à luz das regras relativas aos auxílios de Estado e à questão de saber se um auxílio de Estado pode ser concedido por sentenças arbitrais.

88      Segundo, no que respeita às características do tribunal arbitral em causa examinadas pelo Tribunal Geral nos n.os 153 a 157 do acórdão recorrido, a DEI precisa que a Mytilinaios contesta apenas as referidas nos n.os 153 e 157 desse acórdão e o facto de o Tribunal Geral não ter tomado em consideração o caráter não vinculativo da competência do tribunal arbitral.

89      A este respeito, a DEI observa, antes de mais, que a Mytilinaios contesta que o tribunal arbitral tenha sido estabelecido ao abrigo do artigo 37.o da Lei 4001/2011. Ora, na realidade, no n.o 153 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que a característica por força da qual o tribunal arbitral se assemelha a um órgão jurisdicional comum é o facto de exercer «uma função jurisdicional idêntica à dos órgãos jurisdicionais comuns» e que «a competência destes lhes é retirada a partir do início do processo arbitral». A referência, nesse n.o 153, numa proposta subordinada, aos «tribunais arbitrais estabelecidos nos termos do artigo 37.o da Lei n.o 4001/2011» tem apenas por objeto limitar a apreciação do Tribunal Geral ao tribunal arbitral em causa no caso em apreço.

90      Em seguida, quanto à característica do tribunal arbitral relativa à fiscalização jurisdicional limitada das sentenças arbitrais, examinada no n.o 157 do acórdão recorrido, a DEI considera que o argumento da Mytilinaios é inadmissível, na medida em que não explica por que razão a «fiscalização jurisdicional limitada» diferencia a fiscalização exercida sobre as sentenças arbitrais com base nas regras relativas aos auxílios de Estado da fiscalização exercida sobre as decisões dos órgãos jurisdicionais comuns.

91      De qualquer modo, este argumento é infundado. Primeiro, o facto de a fiscalização exercida pelo Efeteio Athinon (Tribunal de Recurso de Atenas) sobre a sentença arbitral ser mais limitada do que a fiscalização exercida num recurso «habitual» não é pertinente para apreciar se um auxílio de Estado pode ser concedido por essa sentença. Com efeito, o Tribunal de Justiça, no Acórdão de 11 de dezembro de 2019, Mytilinaios Anonymos Etairia — Omilos Epicheiriseon (C‑332/18 P, EU:C:2019:1065, n.o 68), declarou que um auxílio de Estado pode ser concedido por um despacho de medidas provisórias proferido por um órgão jurisdicional helénico comum, não obstante o caráter limitado da fiscalização jurisdicional exercida no âmbito de um processo de medidas provisórias. Segundo, a DEI observa que o facto de uma sentença arbitral ser contrária à ordem pública faz parte dos fundamentos, limitados, pelos quais a anulação dessa sentença pode ser pedida. Uma vez que a proibição de auxílios de Estado é precisamente de ordem pública, o argumento da Mytilinaios é inoperante. Terceiro, a circunstância de o direito grego prever uma fiscalização jurisdicional das sentenças arbitrais por um órgão jurisdicional comum, na sequência de um recurso interposto por uma parte vencida num tribunal arbitral, prova que essas sentenças não podem ser executadas sem serem «validadas» por um órgão jurisdicional comum estatal. Assim, uma decisão arbitral seria executada não simplesmente enquanto tal, mas antes enquanto decisão validada por um órgão jurisdicional comum. Por outro lado, a condição de imputabilidade de uma medida de auxílio está preenchida em caso de «envolvimento» de «autoridades públicas» na adoção dessa medida. Ora, o Efeteio Athinon (Tribunal de Recurso de Atenas), que, no caso em apreço, decidiu e negou provimento ao recurso de anulação interposto da sentença arbitral, constitui incontestavelmente tal autoridade pública.

92      Por último, no que respeita ao facto de o Tribunal Geral não ter tomado em consideração o critério relativo à competência vinculativa do tribunal arbitral, a DEI sustenta que a Mytilinaios não explica as razões pelas quais este critério, legítimo para efeitos da aplicação do artigo 267.o TFUE, deveria estar igualmente preenchido para que as sentenças arbitrais sejam tratadas de maneira análoga às decisões dos tribunais comuns para efeitos da aplicação das regras relativas aos auxílios de Estado.

93      De qualquer modo, este argumento é infundado.

94      Com efeito, por um lado, o artigo 267.o TFUE faz referência a uma «jurisdição de um dos Estados‑Membros», ao passo que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE menciona os auxílios concedidos «pelos Estados ou provenientes de recursos estatais». Ora, o Tribunal de Justiça declarou que um amplo leque de entidades que exercem prerrogativas de poder público são abrangidas pelo conceito de «Estado», na aceção desta última disposição, sem, no entanto, poderem submeter uma questão prejudicial. No caso em apreço, a questão que se colocaria seria a de saber não se o tribunal arbitral em causa agiu como «órgão jurisdicional de um Estado‑Membro», mas se podia ser considerado um «órgão que exerce um poder abrangido pelas prerrogativas do poder público». Para proceder a esse exame, o Tribunal Geral estabeleceu um paralelo com o caso da concessão de um auxílio de Estado por uma decisão de um órgão jurisdicional comum. Por outro lado, a característica dos órgãos que exercem um «poder abrangido pelas prerrogativas do poder público» é que a sua vontade se impõe unilateralmente, à semelhança da vontade expressa na sentença arbitral, validada pelo Efeteio Athinon (Tribunal de Recurso de Atenas).

95      Por outro lado, as sentenças dos tribunais arbitrais, quer tenham sido criadas ao abrigo de uma legislação nacional ou por força de um tratado bilateral de investimento, constituem medidas através das quais pode ser concedido um auxílio de Estado. A DEI salienta, a este respeito, que, no processo que deu origem ao Acórdão de 25 de janeiro de 2022, Comissão/European Food e o. (C‑638/19 P, EU:C:2022:50), relativo a uma sentença de um tribunal arbitral imputável ao Estado, como no presente processo, a competência do tribunal arbitral não era vinculativa.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

96      Importa recordar que, no n.o 151 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, por um lado, que «com a sentença arbitral, o tribunal arbitral adotou uma decisão juridicamente vinculativa relativa à fixação da tarifa em causa que era passível de conferir uma vantagem à [Mytilinaios] caso não correspondesse às condições normais de mercado e, portanto, de constituir um auxílio estatal não comunicado pela República Helénica nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE» e, por outro lado, que «o tribunal arbitral, instituído na RAE nos termos do artigo 37.o da [Lei 4001/2011], o procedimento de arbitragem que nele decorre, bem como as suas decisões, apresentam características análogas às dos tribunais comuns helénicos, do processo contencioso que neles se desenrola e das suas decisões».

97      Para sustentar esta conclusão, o Tribunal Geral, nos n.os 153 a 157 desse acórdão, analisou cinco critérios a fim de concluir, no n.o 158 do referido acórdão, que «os tribunais arbitrais estabelecidos e a funcionar em conformidade com o artigo 37.o da [Lei 4001/2011] eram parte integrante do sistema jurisdicional estatal grego», e, no n.o 159 do mesmo acórdão, que o tribunal arbitral em causa «deve ser qualificado, à semelhança de um órgão jurisdicional helénico comum, como órgão que exerce um poder abrangido pelas prerrogativas do poder público».

98      Por conseguinte, foi à luz da apreciação contida nos n.os 151 a 159 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral pôde considerar, no n.o 160 desse acórdão, que a tarifa em causa, conforme fixada pela decisão arbitral, constituía uma medida estatal não notificada.

99      Daqui resulta que o Tribunal Geral declarou que o Tribunal Arbitral da RAE devia ser qualificado de órgão que exerce um poder abrangido pelas prerrogativas do poder público e que, por conseguinte, as suas decisões podiam ser imputadas à República Helénica, na aceção do artigo 107.o TFUE, pelo simples facto de esse tribunal fazer parte integrante do sistema jurisdicional estatal grego, na medida em que podia ser equiparado a um órgão jurisdicional helénico comum. Ora, tal raciocínio padece de erros de direito.

100    No que respeita, em primeiro lugar, aos critérios adotados pelo Tribunal Geral nos n.o os 153 a 157 do acórdão recorrido para equiparar o tribunal arbitral em causa a um órgão jurisdicional estatal comum, estes são, primeiro, que os tribunais arbitrais estabelecidos nos termos do artigo 37.o da Lei 4001/2011 exercem uma função jurisdicional idêntica à dos órgãos jurisdicionais comuns, ou mesmo substituem estes últimos, na medida em que a abertura da instância arbitral os priva da sua competência, segundo, que os juízes árbitros, selecionados a partir de uma lista elaborada por decisão do presidente da RAE, devem justificar a sua independência e imparcialidade antes da sua designação, terceiro, que os processos nos tribunais arbitrais se regem, nomeadamente, pelas disposições do Código de Processo Civil helénico e, a título complementar, pelo Regulamento de Arbitragem da RAE, quarto, que as sentenças dos tribunais arbitrais são juridicamente vinculativas, revestidos da autoridade do caso julgado e valem como títulos executivos em conformidade com as disposições pertinentes desse código e, quinto, que as decisões dos tribunais arbitrais são suscetíveis de recurso para um órgão jurisdicional comum.

101    Todavia, como alega a Comissão e como salientou o advogado‑geral no n.o 95 das suas conclusões, nenhum destes critérios permite distinguir os tribunais arbitrais previstos no artigo 37.o da Lei 4001/2011 de qualquer outro tribunal arbitral convencional.

102    Com efeito, primeiro, qualquer tribunal arbitral convencional substitui os órgãos jurisdicionais comuns, segundo, o processo perante esse tribunal é normalmente regulado pela lei, que, terceiro, pode conferir às decisões destes um caráter vinculativo, a autoridade do caso julgado e o valor de títulos executivos e, quarto, essas decisões podem, em certas condições, ser suscetíveis de recurso para um órgão jurisdicional comum.

103    Neste contexto, é verdade, como reconhece a Comissão, que a circunstância de, no caso em apreço, os árbitros serem selecionados a partir de uma lista estabelecida por decisão do presidente da RAE e deverem justificar a sua independência e a sua imparcialidade antes da sua designação caracteriza o tribunal arbitral da RAE relativamente a outros tribunais arbitrais convencionais cujos árbitros não são necessariamente selecionados a partir de uma lista como a elaborada por esse presidente. No entanto, esta circunstância não pode, por si só, permitir considerar que esse tribunal arbitral se distingue de qualquer outro tribunal arbitral convencional, uma vez que constitui apenas um elemento puramente processual que não afeta a função ou a natureza do referido tribunal.

104    Em segundo lugar, como alegam a Mytilinaios e a Comissão, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não verificar se o tribunal arbitral da RAE dispunha, como é, em princípio, o caso dos órgãos jurisdicionais que fazem parte de um sistema jurisdicional estatal, de uma competência vinculativa que não dependia, portanto, apenas da vontade das partes.

105    Tal elemento poderia efetivamente ter levado o Tribunal Geral a considerar que o tribunal arbitral da RAE se distinguia de um tribunal arbitral convencional cuja competência se baseia num compromisso arbitral, ou seja, um acordo específico que reflita a autonomia da vontade das partes em causa [v., neste sentido, Acórdãos de 12 de junho de 2014, Ascendi Beiras Litoral e Alta, Auto Estradas das Beiras Litoral e Alta, C‑377/13, EU:C:2014:1754, n.o 27, e de 25 de janeiro de 2022, Comissão/European Food e o., C‑638/19 P, EU:C:2022:50, n.o 144 e jurisprudência referida].

106    Tendo em conta o que precede, e independentemente de qualquer outra consideração, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que o Tribunal Arbitral da RAE podia ser equiparado a um órgão jurisdicional comum e que a sentença arbitral era uma medida estatal suscetível de constituir um auxílio de Estado.

107    Esta apreciação não pode ser posta em causa pelos argumentos invocados pela DEI.

108    Antes de mais, o presente processo deve ser distinguido do que deu origem ao Acórdão de 25 de janeiro de 2022, Comissão/European Food e o. (C‑638/19 P, EU:C:2022:50).

109    Com efeito, por um lado, o tribunal arbitral que proferiu a sentença arbitral em causa no processo que deu origem a esse acórdão não era um tribunal arbitral convencional, mas tinha sido criado com fundamento num tratado bilateral de investimento. Ora, como resulta de jurisprudência constante recordada, em substância, nos n.os 143 e 144 do referido acórdão, o consentimento de um Estado‑Membro para a possibilidade de lhe ser submetido um litígio no âmbito do processo de arbitragem previsto por um tratado bilateral de investimento, ao contrário do que teria sido dado no âmbito de um processo de arbitragem convencional, não tem origem num acordo específico que reflita a autonomia da vontade das partes em causa, mas resulta de um tratado celebrado entre dois Estados‑Membros, no âmbito do qual estes consentiram, de forma geral e antecipada, em subtrair à competência dos seus próprios órgãos jurisdicionais litígios que possam ter por objeto a interpretação ou a aplicação do direito da União em proveito do processo de arbitragem.

110    Por outro lado, no Acórdão de 25 de janeiro de 2022, Comissão/European Food e o. (C‑638/19 P, EU:C:2022:50), o Tribunal de Justiça limitou‑se a verificar se a Comissão era, no caso em apreço, competente ratione temporis para exercer as suas competências ao abrigo do artigo 108.o TFUE. Para esse fim, considerou, no n.o 123 desse acórdão, que o elemento determinante para estabelecer a data em que o direito de receber um auxílio de Estado foi conferido aos seus beneficiários por uma determinada medida prende‑se com a aquisição, por esses beneficiários, de um direito certo de receber esse auxílio e com o compromisso correlativo, a cargo do Estado‑Membro, de conceder o referido auxílio. Embora, no n.o 124 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça tenha, em substância, declarado que esse direito só tinha sido concedido pela sentença arbitral em causa, não deduziu daí de modo nenhum que essa sentença arbitral, enquanto tal, constituía um auxílio de Estado. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça, como resulta dos seus n.os 80 e 131, precisou que não era competente, no âmbito do processo que deu origem ao mesmo acórdão, para se pronunciar sobre a questão de saber se a medida em causa nesse processo, a saber, a sentença arbitral, constituía, no plano material, um «auxílio de Estado», na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

111    Em seguida, a circunstância de, no caso em apreço, um recurso de anulação da sentença arbitral ter sido julgado improcedente por um órgão jurisdicional grego como o Efeteio Athinon (Tribunal de Recurso de Atenas) não pode implicar que essa sentença possa ser imputada, por esse simples motivo, ao Estado grego. Com efeito, a fiscalização jurisdicional exercida por esse órgão jurisdicional incide apenas sobre a legalidade da sentença arbitral, a qual continua a ser um ato imputável unicamente ao colégio arbitral que a adotou. Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a instauração, enquanto tal, de um auxílio de Estado não pode decorrer de uma decisão judicial, uma vez que essa instauração depende de uma apreciação de oportunidade que é alheia à função do juiz (Acórdão de 12 de janeiro de 2023, DOBELES HES, C‑702/20 e C‑17/21, EU:C:2023:1, n.o 76). Por conseguinte, a existência de uma tal decisão judicial não pode, de qualquer modo, bastar para qualificar a sentença arbitral, conforme ratificada por essa decisão, como uma medida suscetível de constituir um auxílio de Estado.

112    Por último, a alegação da DEI segundo a qual o Tribunal Geral, na realidade, não equiparou o tribunal arbitral da RAE a um órgão jurisdicional é manifestamente contradita pelo n.o 160 do acórdão recorrido, no qual se afirma claramente que «o tribunal arbitral deve ser equiparado a um órgão jurisdicional estatal comum».

113    Daqui resulta, no caso em apreço, que, tendo em conta, nomeadamente, as particularidades do diferendo que opõe a DEI e a Mytilinaios e as especificidades da missão confiada voluntariamente por essas partes ao tribunal arbitral da RAE, foi com razão que a Comissão considerou, por um lado, que a única medida estatal suscetível de constituir um auxílio de Estado era a decisão da DEI de celebrar o compromisso arbitral com a Mytilinaios, dado que a DEI é controlada pelo Estado grego, e, por outro, que, para saber se essa decisão tinha conferido uma vantagem à Mytilinaios, havia que verificar se um operador privado teria, em condições normais de mercado, tomado a referida decisão nas mesmas condições.

114    A este respeito, há que salientar que poderia ter sido diferente se o processo arbitral em todo o seu desenrolar, desde a celebração do compromisso arbitral até à sentença arbitral, tivesse sido o resultado de um esquema imposto pelo Estado grego às empresas em questão a fim de utilizarem esse processo para contornar as regras em matéria de auxílios de Estado. Com efeito, um operador privado não teria consentido, em condições normais de mercado, em inscrever‑se em tal esquema. Todavia, a DEI não sustentou que a celebração do compromisso arbitral com a Mytilinaios lhe tinha sido imposta, contra a sua vontade, pelo Estado grego para lhe conceder um auxílio de Estado.

115    Tendo em conta as considerações precedentes, a segunda parte do segundo fundamento da Mytilinaios e o fundamento único da Comissão são fundados e devem ser julgados procedentes.

116    Nestas condições, há que anular o acórdão recorrido, sem que seja necessário examinar a primeira parte do segundo fundamento nem o terceiro fundamento da Mytilinaios.

 Quanto aos recursos para o Tribunal Geral

117    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

118    É o que sucede, no caso em apreço, quanto ao terceiro e quarto fundamentos, bem como à primeira e segunda partes do quinto fundamento no processo T‑740/17, nos quais, em substância, a DEI acusou a Comissão de ter violado o artigo 107.o TFUE, uma vez que não examinou, na segunda decisão controvertida, a tarifa em causa, conforme esta resulta da sentença arbitral, antes de excluir a existência de uma vantagem e de se ter limitado a verificar se, em condições normais de mercado, um operador privado teria, nas mesmas circunstâncias, celebrado o compromisso arbitral nas mesmas condições.

119    Com efeito, basta salientar que, nos n.os 9, 90 e 232 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou, em substância, que a DEI e a Mytilinaios tinham recorrido voluntariamente ao tribunal arbitral da RAE, não tendo tal conclusão sido contestada no âmbito do presente recurso. Por conseguinte, pelos motivos enunciados nos n.os 96 a 105 do presente acórdão, a Comissão não era, de qualquer modo, obrigada, nas circunstâncias do caso em apreço, a analisar o conteúdo da sentença arbitral a fim de verificar se a decisão da DEI de celebrar a convenção de arbitragem tinha conferido uma vantagem à Mytilinaios na aceção do artigo 107.o TFUE.

120    Por conseguinte, há que julgar improcedentes o terceiro e quarto fundamentos, bem como a primeira e segunda partes do quinto fundamento no processo T‑740/17.

121    Em contrapartida, o Tribunal Geral não examinou as outras partes deste quinto fundamento nem os outros fundamentos de recurso no processo T‑740/17, relativos, o primeiro, a uma má interpretação do Acórdão de 31 de maio de 2017, DEI/Comissão (C‑228/16 P, EU:C:2017:409), o segundo, a uma violação, pela Comissão, das obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 24.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589 e, em especial, do direito da DEI a ser ouvida, tal como garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o sexto, à violação do artigo 107.o, n.o 1, e do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, cometida pela Comissão em razão de erros manifestos de apreciação dos factos relativos à aplicabilidade do critério do investidor privado informado em economia de mercado e à aplicação desse critério, e o sétimo, a um erro manifesto na interpretação e na aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a uma violação do dever de fundamentação e a um erro manifesto de apreciação dos factos, uma vez que a Comissão não deu seguimento à primeira denúncia que a DEI tina apresentado em 2012 por força do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, com o fundamento de que esta tinha ficado sem objeto na sequência da sentença arbitral.

122    Uma vez que o exame destas partes e fundamentos implica que se proceda a apreciações factuais complexas, para as quais o Tribunal de Justiça não dispõe de todos os elementos de facto necessários, o litígio, no que respeita às referidas partes e fundamentos, não está em condições de ser julgado e, por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre estes.

123    Por último, cabe ao Tribunal Geral extrair as consequências da anulação do acórdão recorrido para os recursos que são objeto dos processos T‑639/14 RENV e T‑740/17, incluindo para os pedidos da Comissão de não conhecimento do mérito nesses processos.

 Quanto às despesas

124    Dado que o processo é remetido ao Tribunal Geral, reserva‑se para final a decisão quanto às despesas relativas ao presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

1)      O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 22 de setembro de 2021, DEI/Comissão (T639/14 RENV, T352/15 e T740/17, EU:T:2021:604), é anulado.

2)      Os processos T639/14 RENV, T352/15 e T740/17 são remetidos ao Tribunal Geral da União Europeia para que este decida sobre os fundamentos e argumentos perante ele suscitados e sobre os quais o Tribunal de Justiça da União Europeia não se pronunciou.

3)      Reservase para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: grego.