Language of document : ECLI:EU:C:2024:185

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

29 de fevereiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Mercado interno — Identificação eletrónica e serviços de confiança para as transações eletrónicas — Regulamento (UE) n.o 910/2014 — Artigo 25.o — Assinaturas eletrónicas — Efeito jurídico e força probatória no âmbito de um processo judicial — Conceito de “assinatura eletrónica qualificada”»

No processo C‑466/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado ao abrigo do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo, Bulgária), por Decisão de 22 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de julho de 2022, no processo

V.B. Trade OOD

contra

Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachnoosiguritelna praktika» — Veliko Tarnovo,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: Z. Csehi (relator), presidente de secção, M. Ilešič e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» — Veliko Tarnovo, por B. Nikolov,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Braun, D. Drambozova e P.‑J. Loewenthal, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno e que revoga a Diretiva 1999/93/CE (JO 2014, L 257, p. 73).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a V.B. Trade OOD, com sede na Bulgária, ao Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno‑osiguritelna praktika» — Veliko Tarnovo (Diretor da Direção «Recursos e Prática em Matéria Fiscal e de Segurança Social» de Veliko Tarnovo, Bulgária) (a seguir «Diretor») a respeito de um aviso de liquidação fiscal a título do imposto sobre as sociedades.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 21, 22 e 49 do Regulamento n.o 910/2014 têm a seguinte redação:

«(21) […] O presente regulamento também não deverá abranger os aspetos relacionados com a celebração e a validade de contratos ou outras obrigações legais quando estes estabeleçam requisitos de caráter formal previstos na legislação nacional ou da União. Além disso, ele não deverá afetar os requisitos nacionais de forma aplicáveis aos registos públicos, em particular, registos comerciais e prediais.

(22)      A fim de contribuir para a sua utilização transfronteiriça generalizada, deverá ser possível utilizar os serviços de confiança como prova em justiça em todos os Estados‑Membros. Os efeitos legais dos serviços de confiança deverão ser definidos pelo direito nacional, salvo disposição em contrário do presente regulamento.

[…]

(49)      O presente regulamento deverá estabelecer o princípio segundo o qual não podem ser negados efeitos legais à assinatura eletrónica pelo facto de se apresentar sob forma eletrónica ou de não cumprir os requisitos da assinatura eletrónica qualificada. Contudo, o efeito legal das assinaturas eletrónicas nos Estados‑Membros deverá ser definido pelo direito nacional, exceto no caso do requisito previsto no presente regulamento nos termos do qual a assinatura eletrónica qualificada deverá ter um efeito legal equivalente ao de uma assinatura manuscrita.»

4        O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.o 3:

«O presente regulamento não prejudica as disposições legislativas nacionais ou da União em matéria de celebração e validade de contratos nem outras obrigações legais ou de natureza processual relativas à forma.»

5        Nos termos do artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

10)      “Assinatura eletrónica”: os dados em formato eletrónico que se ligam ou estão logicamente associados a outros dados em formato eletrónico e que sejam utilizados pelo signatário para assinar;

11)      “Assinatura eletrónica avançada”: uma assinatura eletrónica que obedeça aos requisitos estabelecidos no artigo 26.o;

12)      “Assinatura eletrónica qualificada”: uma assinatura eletrónica avançada criada por um dispositivo qualificado de criação de assinaturas eletrónicas e que se baseie num certificado qualificado de assinatura eletrónica;

[…]

15)      “Certificado qualificado de assinatura eletrónica”: um certificado de assinatura eletrónica, que seja emitido por um prestador de serviços de confiança e satisfaça os requisitos estabelecidos no anexo I;

[…]

23)      “Dispositivo qualificado de criação de assinaturas eletrónicas”: o dispositivo para a criação de assinaturas eletrónicas que cumpra os requisitos estabelecidos no anexo II;

[…]»

6        O artigo 21.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Lançamento de um serviço de confiança qualificado», dispõe, no seu n.o 1:

«Quando os prestadores de serviços de confiança, sem estatuto de qualificado, pretendam começar a prestar serviços de confiança qualificados, apresentam à entidade supervisora uma notificação da sua intenção acompanhada de um relatório de avaliação da conformidade emitido por um organismo de avaliação da conformidade.»

7        O artigo 25.o do Regulamento n.o 910/2014, sob a epígrafe «Efeitos jurídicos das assinaturas eletrónicas», tem a seguinte redação:

«1.      Não podem ser negados efeitos legais nem admissibilidade enquanto prova em processo judicial a uma assinatura eletrónica pelo simples facto de se apresentar em formato eletrónico ou de não cumprir os requisitos exigidos para as assinaturas eletrónicas qualificadas.

2)      A assinatura eletrónica qualificada tem um efeito legal equivalente ao de uma assinatura manuscrita.

[…]»

8        O artigo 26.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Requisitos para as assinaturas eletrónicas avançadas», enuncia:

«A assinatura eletrónica avançada obedece aos seguintes requisitos:

a)      Estar associada de modo único ao signatário;

b)      Permitir identificar o signatário;

c)      Ser criada utilizando dados para a criação de uma assinatura eletrónica que o signatário pode, com um elevado nível de confiança, utilizar sob o seu controlo exclusivo; e

d)      Estar ligada aos dados por ela assinados de tal modo que seja detetável qualquer alteração posterior dos dados.»

9        Sob o título «Requisitos aplicáveis aos certificados qualificados de assinatura eletrónica», o anexo I do mesmo regulamento enumera as diferentes informações que os certificados qualificados de assinatura eletrónica devem conter. Assim, segundo as alíneas b) a d) deste anexo, os referidos certificados devem conter um conjunto de dados que representem inequivocamente o prestador qualificado de serviços de confiança que tiver emitido os certificados qualificados, pelo menos, o nome do signatário ou um pseudónimo, devendo a utilização de um pseudónimo ser claramente indicada, e os dados necessários para a validação da assinatura eletrónica que devem corresponder aos dados necessários para a criação da assinatura eletrónica.

10      O anexo II do Regulamento n.o 910/2014, sob a epígrafe «Requisitos aplicáveis aos dispositivos qualificados de criação de assinaturas eletrónicas», prevê, no seu ponto 1, que os dispositivos qualificados de criação de assinaturas eletrónicas devem assegurar pelos meios técnicos e procedimentos adequados, nomeadamente, que a confidencialidade dos dados para a criação de assinaturas eletrónicas utilizados para criar as assinaturas eletrónicas esteja razoavelmente assegurada, que esses dados só possam, na prática, ocorrer uma vez, que as assinaturas eletrónicas estejam protegidas eficazmente contra falsificações e que os referidos dados estejam eficazmente protegidos pelo signatário legítimo contra a utilização por terceiros. Além disso, o ponto 3 deste anexo prevê que a geração ou a gestão, em nome do signatário, dos dados para a criação de assinaturas eletrónicas só podem ser efetuadas por um prestador qualificado de serviços de confiança.

 Direito búlgaro

11      Em conformidade com o artigo 4.o da zakon za elektronnia dokument i elektronnite udostoveritelni uslugi (Lei relativa ao Documento Eletrónico e aos Serviços de Confiança Eletrónicos, DV n.o 34, de 6 de abril de 2001), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei relativa ao Documento Eletrónico»), o autor da declaração eletrónica é a pessoa singular indicada na declaração como tendo sido quem a efetuou. Esta disposição prevê igualmente que o titular da declaração eletrónica é a pessoa em nome da qual a declaração eletrónica foi efetuada.

12      Segundo o artigo 13.o da Lei relativa ao Documento Eletrónico:

«(1)      Uma assinatura eletrónica é uma assinatura eletrónica na aceção do artigo 3.o, ponto 10, do Regulamento [n.o 910/2014].

[…]

(3)      Uma assinatura eletrónica qualificada é uma assinatura eletrónica na aceção do artigo 3.o, ponto 12, do Regulamento [n.o 910/2014].

[…]»

13      O artigo 184.o, n.o 2, do Grazhdanski protsesualen kodeks (Código de Processo Civil), aplicável igualmente ao processo em matéria fiscal e de segurança social, prevê a possibilidade de se opor a um documento eletrónico.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      A recorrente no processo principal, a V. B. Trade, recebeu um aviso de liquidação fiscal, datado de 13 de janeiro de 2021, a título de imposto sobre as sociedades, no montante de 682 863,40 levs búlgaros (BGN) (cerca de 349 000 euros), bem como dos respetivos juros no montante de 192 770,62 BGN (cerca de 98 500 euros).

15      Este aviso de liquidação fiscal foi emitido pela Administração Fiscal competente na sequência de um procedimento de verificação fiscal ordenado por esta Administração por força de uma Decisão de 24 de junho de 2020, alterada por decisões de 30 de setembro e de 29 de outubro de 2020, e que deu origem a um relatório de controlo com data de 15 de dezembro de 2020.

16      Todos os documentos da Administração Fiscal emitidos no âmbito deste procedimento de verificação fiscal apresentam‑se sob a forma de documentos eletrónicos assinados através de assinaturas eletrónicas qualificadas.

17      Por Decisão de 17 de maio de 2021, o Diretor confirmou o aviso de liquidação fiscal de 13 de janeiro de 2021.

18      A recorrente no processo principal interpôs recurso dessa decisão para o Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo, Bulgária), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

19      No âmbito desse recurso, a recorrente contesta a validade dos documentos eletrónicos emitidos, alegando que não foram devidamente assinados através de uma assinatura eletrónica qualificada. Em apoio deste argumento, pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que designasse e ouvisse um perito judicial no domínio da informática sobre um certo número de questões relativas à validade dessas assinaturas.

20      Com efeito, a recorrente no processo principal considera que a autenticidade dos referidos documentos depende de diferentes aspetos técnicos que determinam a qualidade de uma assinatura eletrónica como «assinatura eletrónica qualificada». A este respeito, alega, nomeadamente, que o artigo 25.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 910/2014 não constitui um obstáculo à aplicação da legislação nacional que permite que elementos de prova sejam contestados devido à sua falta de credibilidade ou de autenticidade, ou por qualquer outro motivo.

21      O Diretor opôs‑se à referida impugnação alegando que, pelo contrário, resulta do Regulamento n.o 910/2014 que qualquer contestação das assinaturas eletrónicas qualificadas é inadmissível.

22      O órgão jurisdicional de reenvio considera necessário que a expressão «efeito jurídico […] de uma assinatura eletrónica como prova judicial», que figura no artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 910/2014, seja objeto de precisão. Em especial, decorre desta expressão a proibição de contestar esse efeito jurídico e a admissibilidade da assinatura eletrónica como prova. Esse órgão jurisdicional pergunta‑se então se esta proibição prevalece sobre o princípio da autonomia processual, que permite aos Estados‑Membros negar a força probatória de uma assinatura por intermédio de um procedimento específico regulado pela sua legislação nacional.

23      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, por um lado, que resulta do artigo 21.o, n.o 1, do Regulamento n.o 910/2014, lido à luz do seu considerando 22, que um documento assinado através de uma assinatura eletrónica qualificada ou não qualificada constitui um ato admissível para todos os tipos de processo judicial que os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros devem respeitar, uma vez que o artigo 25.o, n.o 1, deste regulamento prevalece sobre o princípio geral da autonomia processual e sobre as regras processuais estabelecidas pelos Estados‑Membros em matéria de admissibilidade das provas.

24      Por outro lado, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta do segundo período do considerando 49 do Regulamento n.o 910/2014 que a expressão «efeitos legais […] [de] uma assinatura eletrónica» que figura no artigo 25.o, n.o 1, deste regulamento pode ser entendida no sentido de que se refere à força probatória da assinatura tal como é reconhecida pelo sistema jurídico nacional de cada Estado‑Membro. Esse órgão jurisdicional salienta, além disso, que o artigo 25.o, n.o 2, do referido regulamento equipara o efeito jurídico da assinatura eletrónica ao da assinatura manuscrita unicamente quando se trata de uma assinatura eletrónica qualificada.

25      Nestas condições, o Administrativen sad Veliko Tarnovo (Tribunal Administrativo de Veliko Tarnovo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a expressão “efeitos legais [de uma assinatura eletrónica] enquanto prova” constante do artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 910/2014] ser interpretada no sentido de que esta disposição obriga os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros a aceitar que, quando estão reunidos ou não são contestados os pressupostos previstos no […] artigo 3.o, pontos 10, 11 e 12, [do Regulamento n.o 910/2014], a existência e a alegada autoria de tal assinatura devem ser, desde logo, assumidas sem quaisquer dúvidas e consideradas incontestavelmente comprovadas, e no sentido de que, quando estão reunidos os pressupostos destas disposições, os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros são obrigados a reconhecer que a assinatura eletrónica qualificada tem um valor/uma força probatória equivalente ao valor/à força probatória de uma assinatura manuscrita apenas nos limites que a regulamentação nacional pertinente prevê para esta assinatura manuscrita?

2.      Deve a expressão “[n]ão podem ser negados efeitos legais […] enquanto prova em processo judicial” [que figura no] artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento [n.o 910/2014] ser interpretada no sentido de que impõe aos órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados‑Membros a proibição absoluta de utilizarem as possibilidades processuais previstas na sua ordem jurídica para negarem à assinatura eletrónica o efeito legal previsto pelo regulamento em matéria de direito da prova, ou deve ser interpretada no sentido de que esta disposição não impede que os pressupostos constantes do artigo 3.o, pontos 10, 11 e 12, do regulamento sejam refutados, na medida em que os órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados‑Membros utilizem os instrumentos aplicáveis nos termos do seu direito processual, possibilitando desta forma às partes num litígio pendente num órgão jurisdicional contestar a força probatória prevista e o valor probatório previsto de uma assinatura eletrónica?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

26      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de setembro de 2022, o presente processo foi suspenso até à decisão que pusesse termo à instância no processo C‑362/21.

27      Na sequência da prolação do Acórdão de 20 de outubro de 2022, Ekofrukt, C‑362/21, EU:C:2022:815, o órgão jurisdicional de reenvio informou o Tribunal de Justiça, por comunicação de 18 de novembro de 2022, de que pretendia retirar a segunda questão prejudicial, mas que mantinha a primeira das questões.

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

28      O Diretor considera, em substância, que a questão prejudicial é inadmissível por não ser necessária uma interpretação do direito da União, uma vez que o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 910/2014 indica expressamente que o referido regulamento não afeta o direito nacional ou o direito da União relativo à celebração e à validade dos contratos ou de outras obrigações jurídicas ou processuais de ordem formal. Com efeito, é com base no direito nacional que há que determinar se, e em que condições, é possível impugnar documentos portadores de uma assinatura manuscrita e, portanto, documentos portadores de uma assinatura eletrónica qualificada, incluindo no que respeita à qualidade do seu autor, e determinar quais são as consequências processuais da existência ou da falta de tal impugnação por uma parte no litígio.

29      A este respeito, há que constatar que, como resulta dos n.os 22 a 24 do presente acórdão, no âmbito do presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se e em que medida o artigo 25.o do Regulamento n.o 910/2014 prevalece sobre o princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros ao impor aos órgãos jurisdicionais nacionais uma proibição absoluta de recorrer aos meios processuais previstos nos seus sistemas jurídicos para impugnar a força probatória da assinatura eletrónica resultante do referido regulamento. Ora, esta questão faz parte do exame do mérito da questão prejudicial submetida, e não do exame da sua admissibilidade.

30      De resto, resulta da referida questão que, através desta, o órgão jurisdicional de reenvio solicita a interpretação do direito da União, em especial do artigo 25.o do Regulamento n.o 910/2014, e não a do direito búlgaro.

31      Por conseguinte, o pedido de decisão prejudicial é admissível

 Quanto ao mérito

32      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 25.o do Regulamento n.o 910/2014 deve ser interpretado no sentido de que impõe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros que reconheçam que se deve considerar que a existência e a qualidade de autor invocada de uma assinatura eletrónica qualificada estão provadas de forma incontestável quando estejam reunidas as condições do artigo 3.o, ponto 12, deste regulamento, ou se os referidos órgãos jurisdicionais estão obrigados a reconhecer a existência de força probatória dessa assinatura unicamente no âmbito do que está previsto no regime jurídico nacional pertinente para uma assinatura manuscrita.

33      Importa começar por recordar que o artigo 3.o, ponto 12, do Regulamento n.o 910/2014 prevê três requisitos cumulativos para que uma assinatura eletrónica possa ser considerada uma «assinatura eletrónica qualificada». Em primeiro lugar, a assinatura tem de ser uma «assinatura eletrónica avançada», que deve, em conformidade com o artigo 3.o, ponto 11, desse regulamento, obedecer aos requisitos estabelecidos no artigo 26.o deste. Em segundo lugar, a assinatura tem de ser criada por um «dispositivo qualificado de criação de assinaturas eletrónicas», o qual, em conformidade com o artigo 3.o, ponto 23, do referido regulamento, deve cumprir os requisitos estabelecidos no anexo II do mesmo regulamento. Em terceiro lugar, a assinatura tem de se basear num «certificado qualificado de assinatura eletrónica», na aceção do artigo 3.o, ponto 15, do Regulamento n.o 910/2014, a saber, um certificado emitido por um «prestador de serviços de confiança qualificado» e que cumpre os requisitos estabelecidos no anexo I desse regulamento (Acórdão de 20 de outubro de 2022, Ekofrukt, C‑362/21, EU:C:2022:815, n.o 43).

34      Em seguida, como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 35 do Acórdão de 20 de outubro de 2022, Ekofrukt, C‑362/21, EU:C:2022:815, o artigo 25.o, n.o 1, do Regulamento n.o 910/2014 não proíbe os órgãos jurisdicionais nacionais de invalidarem as assinaturas eletrónicas, mas estabelece um princípio geral que proíbe os referidos órgãos jurisdicionais de recusarem os efeitos legais e a força probatória das assinaturas eletrónicas em processos judiciais pelo simples facto de essas assinaturas se apresentarem em formato eletrónico.

35      Por último, como resulta dos n.os 36 e 37 do Acórdão de 20 de outubro de 2022, Ekofrukt, C‑362/21, EU:C:2022:815, a interpretação mencionada no número anterior do presente acórdão é corroborada pelo artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 910/2014, lido à luz dos seus considerandos 21 e 49, dos quais resulta que cabe ao direito nacional definir os efeitos legais produzidos pelas assinaturas eletrónicas. A única exceção a este respeito reside na exigência, prevista no artigo 25.o, n.o 2, deste regulamento, segundo a qual o efeito legal de uma assinatura eletrónica qualificada deve ser equivalente ao de uma assinatura manuscrita, criando assim esta disposição uma presunção de «equiparação» à assinatura manuscrita apenas em benefício da assinatura eletrónica qualificada.

36      Resulta da jurisprudência mencionada nos n.os 32 a 35 do presente acórdão que cabe ao direito nacional definir os efeitos legais produzidos pelas assinaturas eletrónicas, incluindo pelas assinaturas eletrónicas qualificadas, desde que a equiparação da assinatura eletrónica qualificada à assinatura manuscrita, prevista no artigo 25.o, n.o 2, do Regulamento n.o 910/2014, seja respeitada.

37      Com efeito, embora decorra do artigo 25.o do Regulamento n.o 910/2014 que a existência e a qualidade de autor invocada de uma assinatura eletrónica qualificada estão demonstradas quando estiver provado que a assinatura em questão preenche os requisitos previstos no artigo 3.o, ponto 12, deste regulamento, não existe, porém, nenhuma razão para conceder, em proveito da assinatura eletrónica qualificada, um tratamento mais favorável do que o reservado à assinatura manuscrita no sentido de que o artigo 25.o do referido regulamento impõe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros uma proibição absoluta de recorrer aos meios processuais previstos nos seus sistemas jurídicos para recusar a força probatória à assinatura eletrónica qualificada, na aceção do referido regulamento.

38      Por conseguinte, se e na medida em que o direito nacional prevê a possibilidade de pôr em causa a força probatória de uma assinatura manuscrita, tal possibilidade também deve existir no que respeita à assinatura eletrónica qualificada.

39      Concretamente, como o Diretor expôs nas suas observações escritas, a força probatória da assinatura eletrónica qualificada pode ser recusada no âmbito do processo de declaração de falsidade de um documento previsto na legislação nacional, desde que, todavia, essa legislação preveja um procedimento idêntico para impugnar a assinatura manuscrita e a assinatura eletrónica qualificada.

40      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão prejudicial que o artigo 25.o do Regulamento n.o 910/2014 deve ser interpretado no sentido de que os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros são obrigados, quando os requisitos do artigo 3.o, ponto 12, deste regulamento estejam preenchidos, a reconhecer à assinatura eletrónica qualificada uma força probatória equivalente à da assinatura manuscrita no âmbito do previsto no regime jurídico nacional pertinente para esta assinatura manuscrita.

 Quanto às despesas

41      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 25.o do Regulamento (UE) n.o 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno e que revoga a Diretiva 1999/93/CE,

deve ser interpretado no sentido de que:

os órgãos jurisdicionais dos EstadosMembros são obrigados, quando os requisitos do artigo 3.o, ponto 12, deste regulamento estejam preenchidos, a reconhecer à assinatura eletrónica qualificada uma força probatória equivalente à da assinatura manuscrita no âmbito do previsto no regime jurídico nacional pertinente para esta assinatura manuscrita.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.