Language of document : ECLI:EU:C:2024:184

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

29 de fevereiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Acordo de Associação CE‑Argélia — Segurança social dos trabalhadores migrantes argelinos e dos membros sobrevivos da sua família — Transferência de prestações para a Argélia às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro devedor — Prestação de sobrevivência — Legislação nacional que aplica o princípio do país de residência — Cláusula de residência que reduz o montante da prestação de sobrevivência para os beneficiários residentes na Argélia»

No processo C‑549/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Centrale Raad van Beroep (Tribunal de Recurso da Segurança Social e da Função Pública, Países Baixos), por Decisão de 15 de agosto de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de agosto de 2022, no processo

X

contra

Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal, presidente de secção, F. Biltgen, N. Wahl, J. Passer e M. L. Arastey Sahún (relatora), juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 28 de junho de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank, por C. Speear, W. van den Berg e M. Van der Ent‑Eltink, na qualidade de consultores,

–        em representação do Governo Neerlandês, por K. Bulterman e H. S. Gijzen, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por B.‑R. Killmann, D. Martin e F. van Schaik, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de outubro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 68.o, n.o 4, do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República Argelina Democrática e Popular, por outro (JO 2005, L 265, p. 2; a seguir «Acordo de Associação CE‑Argélia»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X ao Raad van bestuur van de Sociale verzekeringsbank (Conselho de Administração do Instituto da Segurança Social, Países Baixos) (a seguir «SVB») a respeito da redução do montante da prestação de sobrevivência paga a X por motivo da sua residência na Argélia.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Acordo de Associação CEArgélia

3        O Acordo de Associação CE‑Argélia foi assinado em Valência (Espanha), em 22 de abril de 2002, e aprovado em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/690/CE do Conselho, de 18 de julho de 2005 (JO 2005, L 265, p. 1). De acordo com o seu artigo 110.o, n.o 1, o acordo entrou em vigor em 1 de setembro de 2005, conforme informação publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2005, L 292, p. 10). Além disso, nos termos do artigo 110.o, n.o 2, a partir da sua entrada em vigor, o acordo substituiu o Acordo de Cooperação entre a Comunidade Europeia e a República Argelina Democrática e Popular, assinado em Argel (Argélia) em 26 de abril de 1976 e aprovado em nome da Comunidade pelo Regulamento (CEE) n.o 2210/78 do Conselho, de 26 de setembro de 1978 (JO 1978, L 263, p. 1; a seguir «Acordo de Cooperação CEE‑Argélia»).

4        O artigo 1.o do Acordo de Associação CE‑Argélia prevê:

«1.      É criada uma associação entre a Comunidade e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Argélia, por outro.

2.      O presente acordo tem por objetivos:

–        proporcionar um enquadramento adequado para o diálogo político entre as partes, a fim de permitir o reforço das suas relações e da cooperação em todos os domínios que considerem pertinentes,

–        desenvolver as trocas comerciais e assegurar o desenvolvimento de relações económicas e sociais equilibradas entre as partes e definir as condições para uma liberalização progressiva do comércio de bens, serviços e capitais,

–        favorecer os contactos humanos, nomeadamente no âmbito dos procedimentos administrativos,

–        incentivar a integração magrebina, promovendo os intercâmbios e a cooperação na região e entre esta última e a Comunidade e os seus Estados‑Membros,

–        promover a cooperação nos domínios económico, social, cultural e financeiro.»

5        O artigo 68.o deste acordo tem a seguinte redação:

«1.      Sem prejuízo das disposições dos números seguintes, os trabalhadores de nacionalidade argelina, e os membros das suas famílias que com eles residam, beneficiarão, no domínio da segurança social, de um regime caracterizado pela ausência de qualquer forma de discriminação baseada na nacionalidade em relação aos nacionais dos Estados‑Membros em cujo território trabalham.

O conceito de segurança social abrange os ramos de segurança social relativos às prestações por doença e maternidade, às prestações de invalidez, velhice, de sobrevivência, de acidente de trabalho e de doença profissional, aos subsídios por morte, aos subsídios de desemprego e aos abonos de família.

Contudo, esta disposição não pode ter como efeito tornar aplicáveis as outras regras de coordenação previstas pela regulamentação comunitária baseada no artigo [48.o] do Tratado [FUE], exceto nas condições previstas no artigo 70.o do presente acordo.

[…]

4.      Esses trabalhadores beneficiarão da transferência sem restrições para a Argélia, às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro ou dos Estados‑Membros devedores, das pensões e rendas de velhice, de sobrevivência, de acidente de trabalho ou de doença profissional, ou de invalidez com exceção das prestações especiais não contributivas.

[…]»

6        O artigo 70.o do referido acordo dispõe:

«1.      Antes do final do primeiro ano seguinte à entrada em vigor do presente acordo, o Conselho de Associação adotará as disposições adequadas a fim de assegurar a aplicação dos princípios enunciados no artigo 68.o

2.      O Conselho de Associação adotará as modalidades de cooperação administrativa que ofereçam as garantias de gestão e de controlo necessárias à aplicação das disposições do n.o 1.»

 Projeto de decisão do Conselho de Associação

7        A Decisão 2010/699/UE do Conselho, de 21 de outubro de 2010, relativa à posição a adotar pela União Europeia no âmbito do Conselho de Associação instituído pelo Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República Argelina Democrática e Popular, por outro, no que diz respeito à adoção de disposições para a coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2010, L 306, p. 14), contém, em anexo, um projeto de decisão do Conselho de Associação (a seguir «projeto de decisão do Conselho de Associação»), que visa aplicar o artigo 70.o do referido acordo.

8        Este projeto foi adotado pelo Conselho da União Europeia com base no projeto de decisão do Conselho de Associação anexo à proposta de decisão do Conselho apresentada pela Comissão Europeia em 12 de dezembro de 2007 [COM (2007) 790 final].

9        O artigo 1.o, n.o 1, do projeto de decisão do Conselho de Associação dispõe:

«Para efeitos da presente decisão, entende‑se por:

[…]

i) “Prestações exportáveis”:

i)      relativamente aos Estados‑Membros:

[…]

–        pensões de sobrevivência,

[…]

na aceção do [Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1; retificação no JO 2004, L 200, p. 1)], com exceção das prestações especiais pecuniárias de caráter não contributivo, em conformidade com a lista constante do anexo X do regulamento;

[…]»

10      O artigo 2.o deste projeto, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação pessoal», tem a seguinte redação:

«A presente decisão é aplicável:

a)      Aos trabalhadores nacionais argelinos que exercem ou exerceram legalmente uma atividade assalariada no território de um Estado‑Membro e que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados‑Membros, bem como aos membros sobrevivos da sua família;

[…]»

11      O artigo 4.o do referido projeto, sob a epígrafe «Supressão das cláusulas de residência», prevê, no seu n.o 1:

«As prestações exportáveis na aceção da alínea i) do n.o 1 do artigo 1.o, às quais as pessoas referidas alíneas a) e c) do artigo 2.o têm direito, não podem ser reduzidas, alteradas, suspensas, suprimidas ou confiscadas pelo facto de o beneficiário residir:

i)      para efeitos das prestações nos termos da legislação de um Estado‑Membro, no território da Argélia; ou

ii)      para efeitos das prestações nos termos da legislação da Argélia, no território de um Estado‑Membro.»

 Direito neerlandês

 ANW

12      O artigo 14.o, n.o 1, da Algemene nabestaandenwet (Lei Geral relativa aos Familiares Sobrevivos, a seguir «ANW») tem a seguinte redação:

«O direito à prestação de sobrevivência assiste ao familiar sobrevivo que

a.      tenha um filho não casado que seja menor de 18 anos e que não faça parte do agregado familiar de outra pessoa; ou

b.      esteja incapacitado de trabalhar.

[…]»

13      O artigo 17.o, n.os 1 e 3, da ANW, conforme alterada pela Wet woonlandbeginsel in de sociale zekerheid (Lei relativa ao Princípio do País de Residência em Matéria de Segurança Social), que entrou em vigor em 1 de julho de 2012, dispõe:

«1.      A prestação de sobrevivência bruta é fixada num montante que, após a dedução do imposto sobre os rendimentos do trabalho e das contribuições para a segurança social a reter sobre este montante em relação à pessoa que ainda não atingiu a idade da reforma, tendo apenas em conta a redução geral de tributação prevista no artigo 22.o da Wet op de loonbelasting 1964 (Lei de 1964 relativa ao Imposto Sobre os Rendimentos do Trabalho), a prestação de sobrevivência líquida seja equivalente a 70 % do salário mínimo líquido.

[…]

3.      No caso de um familiar sobrevivo que resida fora dos Países Baixos, dos outros Estados‑Membros da União Europeia, dos outros Estado signatários do Acordo sobre o [Espaço Económico Europeu] e da Suíça, a prestação de sobrevivência bruta corresponde a uma percentagem, fixada por regulamento ministerial, do montante determinado nos termos dos n.os 1, 2 ou 5. Esta percentagem é determinada de modo que reflita a relação entre o custo de vida no país de residência do familiar sobrevivo e o custo de vida nos Países Baixos. Essa percentagem não pode ser superior a 100 %.»

 Regulamento relativo ao princípio do país de residência

14      O artigo 1.o do Regeling woonlandbeginsel in de sociale zekerheid 2012 (Regulamento de 2012 relativo ao Princípio do País de Residência em Matéria de Segurança Social; a seguir «regulamento relativo ao princípio do país de residência») prevê:

«A percentagem referida […] no artigo 17.o, n.o 3, […] da ANW […] para um país de residência distinto:

a.      dos Países Baixos,

b.      de um dos outros Estados‑Membros da União Europeia,

c.      de um dos outros Estados signatários do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, e

d.      da Suíça

corresponde à percentagem constante do anexo do presente regulamento.»

15      Nos termos do anexo I deste regulamento, no que respeita à Argélia, o fator do país de residência referido no artigo 1.o do regulamento relativo ao princípio do país de residência é de 60 % a partir de 1 de janeiro de 2013 e de 40 % a partir de 1 de janeiro de 2016.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      X reside na Argélia. O seu cônjuge trabalhou nos Países Baixos e estava segurado ao abrigo da ANW no momento da sua morte. Na qualidade de cônjuge sobrevivo, tem direito a uma prestação de sobrevivência ao abrigo da ANW desde 1 de janeiro de 1999.

17      Mediante Decisões de 19 de setembro de 2018, por um lado, o SVB, na sequência de uma Sentença do rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão, Países Baixos), de 10 de novembro de 2016, restabeleceu, com efeitos retroativos, a prestação de sobrevivência de X, à qual tinha posto termo em 1 de novembro de 2012. Por outro lado, o SVB informou X de que esta prestação seria reduzida a partir de 1 de janeiro de 2013 com o fundamento de que, a partir dessa data, o pagamento deveria ser efetuado em conformidade com o princípio do país de residência, ou seja, em função de uma percentagem que reflita o custo de vida nesse país em relação ao custo de vida nos Países Baixos. De acordo com as disposições do anexo do regulamento relativo ao princípio do país de residência, essa percentagem foi fixada, para a Argélia, em 60 % do montante máximo da prestação de sobrevivência a partir de 1 de janeiro de 2013, e em 40 % do referido montante máximo a partir de 1 de janeiro de 2016.

18      X apresentou uma reclamação contra aquela decisão, que foi indeferida por Decisão do SVB de 4 de dezembro de 2018.

19      Tendo o rechtbank Amsterdam (Tribunal de Primeira Instância de Amesterdão) julgado improcedente a ação intentada contra esta última decisão, X interpôs recurso no Centrale Raad van Beroep (Tribunal de Recurso da Segurança Social e da Função Pública, Países Baixos), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

20      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que as partes estão em desacordo quanto à questão de saber se o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia se opõe à redução do montante da prestação de sobrevivência de X, baseada no princípio do país de residência.

21      A este respeito, primeiro, este órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à questão de saber se uma pessoa como X está abrangida pelo âmbito de aplicação pessoal da referida disposição. Sublinha que esta, contrariamente ao artigo 68.o, n.os 1 e 3, do Acordo de Associação CE‑Argélia, se refere unicamente aos trabalhadores e não aos membros da sua família.

22      Além disso, na hipótese de os familiares sobrevivos, enquanto beneficiários de prestações, estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 68.o, n.o 4, daquele acordo, o referido tribunal interroga‑se sobre se apenas os familiares sobrevivos residentes nos Países Baixos beneficiam da transferência sem restrições dos montantes das suas prestações para a Argélia ou se, como tende a considerar, os que residem na Argélia também podem invocar esta disposição.

23      Segundo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia tem efeito direto. Em seu entender, o artigo 68.o deste acordo estabelece um certo número de princípios gerais, mas, nos termos do artigo 70.o do mesmo acordo, o conteúdo material preciso destes princípios e as modalidades de cooperação entre os Estados signatários do mesmo acordo são regidos por uma decisão do Conselho de Associação. Todavia, este órgão jurisdicional considera que, por analogia, nomeadamente, com os Acórdãos de 31 de janeiro de 1991, Kziber (C‑18/90, EU:C:1991:36), e de 5 de abril de 1995, Krid (C‑103/94, EU:C:1995:97), bem como com os Despachos de 13 de junho de 2006, Echouikh (C‑336/05, EU:C:2006:394), e de 17 de abril de 2007, El Youssfi (C‑276/06, EU:C:2007:215), a necessidade de adotar tal decisão não impede que certos elementos deste artigo 68.o, como a proibição da discriminação em matéria de segurança social, que consta do n.o 1 do referido artigo, possam ter efeito direto.

24      No que respeita, mais especificamente, ao artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia, o órgão jurisdicional de reenvio considera que nem o teor nem finalidade e a natureza deste, conforme resultam do seu artigo 1.o, se opõem a que esta disposição tenha efeito direto. No entanto, reconhece que a obrigação de exportação das prestações em benefício de pessoas residentes na Argélia pode estar subordinada, na sua execução, à intervenção de um ato posterior, a saber, um ato que adote as modalidades de uma cooperação administrativa que ofereçam as garantias de gestão e de controlo necessárias referidas no artigo 70.o, n.o 2, deste acordo.

25      Por último, terceiro, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia se opõe a uma redução das prestações ao abrigo do princípio do país de residência. Considera que, embora o projeto de decisão do Conselho de Associação anexo à proposta referida no n.o 8 do presente acórdão ainda não tenha sido adotado, o artigo 4.o do mesmo pode fornecer indicações sobre o alcance do artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia, sugerindo que esta disposição estabelece o princípio da proibição das cláusulas de residência.

26      Nestas circunstâncias, o Centrale Raad van Beroep (Tribunal de Recurso da Segurança Social e da Função Pública) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação [CE‑Argélia] ser interpretado no sentido de que é aplicável ao familiar sobrevivo residente na Argélia de um trabalhador falecido que deseja exportar a sua [prestação] de sobrevivência para a Argélia?

Em caso de resposta afirmativa,

2.      Deve o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação [CE‑Argélia], atendendo ao seu teor, bem como à sua natureza e finalidade, ser interpretado no sentido de que tem efeito direto, podendo, por conseguinte, ser diretamente invocado nos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros pelas pessoas a quem esta disposição se aplica, a fim de impedir que sejam sujeitas a regras de direito nacional contrárias à referida disposição?

Em caso de resposta afirmativa,

3.      Deve o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação [CE‑Argélia] ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação do princípio do país de residência, previsto no artigo 17.o, n.o 3, da [ANW], que cria uma restrição à exportação da [prestação] de sobrevivência para a Argélia?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à segunda questão

27      Com a sua segunda questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia deve ser interpretado no sentido de que tem efeito direto, de modo que as pessoas às quais esta disposição se aplica têm o direito de a invocar diretamente nos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros para excluir a aplicação das regras de direito nacional que lhe sejam contrárias.

28      Resulta do artigo 68.o, n.o 4, que os trabalhadores de nacionalidade argelina beneficiarão da transferência sem restrições para a Argélia, às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro ou dos Estados‑Membros devedores, das pensões e rendas de velhice, de sobrevivência, de acidente de trabalho ou de doença profissional, ou de invalidez, com exceção das prestações especiais não contributivas.

29      Além disso, resulta do artigo 70.o do Acordo de Associação CE‑Argélia que, antes do final do primeiro ano seguinte à entrada em vigor deste acordo, o Conselho de Associação adotará, por um lado, as disposições adequadas a fim de assegurar a aplicação dos princípios enunciados no referido artigo 68.o e, por outro, as modalidades de cooperação administrativa que ofereçam as garantias de gestão e de controlo necessárias à aplicação dessas disposições. Contudo, embora o Conselho tenha adotado a Decisão 2010/699, referida no n.o 7 do presente acórdão, que contém anexo um projeto de decisão do Conselho de Associação destinado a dar execução ao artigo 70.o do referido acordo, as referidas disposições, que deveriam ter sido adotadas pelo Conselho de Associação antes do final do primeiro ano seguinte a 1 de setembro de 2005, data da entrada em vigor do Acordo de Associação CE‑Argélia, ainda não o foram.

30      Quanto ao eventual efeito direto do artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma disposição de um acordo celebrado pela União com Estados terceiros deve ser considerada diretamente aplicável sempre que, atendendo aos seus termos bem como ao objeto e à natureza do acordo, contenham uma obrigação clara e precisa que não está dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de qualquer ato posterior (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de setembro de 1987, Demirel, 12/86, EU:C:1987:400, n.o 14, e de 26 de maio de 2011, Akdas e o., C‑485/07, EU:C:2011:346, n.o 67 e jurisprudência referida).

31      No caso em apreço, há que observar, em primeiro lugar, que o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia institui, em termos claros, precisos e incondicionais, o direito à transferência sem restrições para a Argélia das pensões e rendas referidas nesta disposição, às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro devedor. Assim, de acordo com a sua própria redação, a referida disposição comporta, para os Estados‑Membros, uma obrigação de resultado clara e precisa que consiste em permitir que os interessados beneficiem da referida transferência sem restrições, obrigação que, enquanto tal, não está subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de nenhum ato posterior.

32      É certo que, por um lado, este direito à transferência sem restrições não é absoluto, uma vez que os seus efeitos concretos em cada caso dependerão, como indica o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia, das «taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro ou dos Estados‑Membros devedores». Todavia, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que permite aos Estados‑Membros restringir de maneira discricionária o referido direito de transferência sem restrições e esvaziá‑lo, assim, de conteúdo (v., por analogia, Acórdão de 8 de maio de 2003, Deutscher Handballbund, C‑438/00, EU:C:2003:255, n.o 29 e jurisprudência referida).

33      Por outro lado, a execução ou os efeitos do direito previsto nesta disposição não estão subordinados à intervenção de outro ato, em especial à adoção, pelo Conselho de Associação, das disposições referidas no artigo 70.o, n.o 1, do Acordo de Associação CE‑Argélia (v., neste sentido, Despacho de 13 de junho de 2006, Echouikh, C‑336/05, EU:C:2006:394, n.o 41 e jurisprudência referida). Com efeito, o papel que esta última disposição atribui ao referido Conselho de Associação consiste em facilitar o respeito pelo direito à transferência sem restrições para a Argélia das pensões e rendas referidas no artigo 68.o, n.o 4, do referido acordo, mas não pode ser considerado como condicionando a aplicação imediata deste direito (v., por analogia, Acórdão de 31 de janeiro de 1991, Kziber, C‑18/90, EU:C:1991:36, n.o 19).

34      No que respeita, em segundo lugar, à finalidade e à natureza do Acordo de Associação CE‑Argélia, o Tribunal de Justiça já declarou, por um lado, que os objetivos deste acordo, conforme previstos no seu artigo 1.o, n.o 2, constituem um prolongamento direto daqueles em que se baseava o Acordo de Cooperação CEE‑Argélia (v., por analogia, Despacho de 13 de junho de 2006, Echouikh, C‑336/05, EU:C:2006:394, n.o 40), e, por outro, que o objetivo deste último acordo, que consiste em promover uma cooperação global entre as partes contratantes, nomeadamente no domínio da mão‑de‑obra, confirmava que o princípio da não discriminação inscrito no artigo 39.o, n.o 1, deste acordo de cooperação era suscetível de regular diretamente a situação jurídica dos particulares, pelo que esta disposição tinha um efeito direto (v., neste sentido, Acórdão de 15 de janeiro de 1998, Babahenini, C‑113/97, EU:C:1998:13, n.os 17 e 18 e jurisprudência referida).

35      Assim, os objetivos do Acordo de Associação CE‑Argélia, que são testemunho de uma vontade de reforçar e aprofundar os objetivos do Acordo de Cooperação CEE‑Argélia, devem a fortiori ser entendidos no sentido de que confirmam o efeito direto do direito à transferência sem restrições para a Argélia das pensões e rendas referidas no artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia (v., por analogia, Acórdão de 14 de dezembro de 2006, Gattoussi, C‑97/05, EU:C:2006:780, n.o 27).

36      Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia deve ser interpretado no sentido de que tem efeito direto, de modo que as pessoas às quais esta disposição se aplica têm o direito de a invocar diretamente nos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros para excluir a aplicação das regras de direito nacional que lhe sejam contrárias.

 Quanto à primeira questão

37      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia deve ser interpretado no sentido de que é aplicável aos familiares sobrevivos de um trabalhador que, desejando transferir a sua prestação de sobrevivência para a Argélia, não sejam eles próprios trabalhadores e residam na Argélia.

38      A este respeito, importa salientar, em primeiro lugar, que este artigo 68.o, n.o 4, se refere expressamente apenas a «[e]sses trabalhadores», o que remete para os «trabalhadores de nacionalidade argelina» mencionados no n.o 1 do mesmo artigo. No entanto, há que constatar que, em conformidade com a redação deste n.o 4, constam das prestações que podem ser livremente transferidas para a Argélia as pensões de velhice e de sobrevivência. Ora, por definição, não são os trabalhadores, mas os seus familiares sobrevivos, que podem beneficiar dessas prestações. Por conseguinte, como o advogado‑geral observou no n.o 44 das suas conclusões, o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia ficaria privado do seu efeito útil se os referidos familiares sobrevivos fossem excluídos do seu âmbito de aplicação pessoal.

39      Nas suas observações escritas, o SVB invoca, para se opor a essa conclusão, a jurisprudência do Tribunal de Justiça respeitante ao artigo 2.o do Regulamento (CEE) n.o 1408/71 do Conselho, de 14 de junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO 1971, L 149, p. 2), e segundo a qual os membros da família de um trabalhador só têm direitos derivados, e não direitos próprios, no que respeita às disposições deste regulamento que se aplicam exclusivamente aos trabalhadores (Acórdãos de 30 de abril de 1996, Cabanis‑Issarte, C‑308/93, EU:C:1996:169, e de 21 de fevereiro de 2006, Hosse, C‑286/03, EU:C:2006:125).

40      Ora, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou, por diversas vezes, que aquela jurisprudência não é aplicável no âmbito do um acordo como o Acordo de Associação CE‑Argélia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de janeiro de 1998, Babahenini, C‑113/97, EU:C:1998:13, n.o 24 e jurisprudência referida, e Despacho de 17 de abril de 2007, El Youssfi, C‑276/06, EU:C:2007:215, n.o 62 e jurisprudência referida).

41      Em segundo lugar, embora não haja nenhuma dúvida de que o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia se aplica quando o familiar sobrevivo reside no Estado‑Membro devedor, há que salientar que exigir que o beneficiário seja obrigado a residir no Estado‑Membro devedor, como salientou o advogado‑geral, em substância, nos n.os 46 e 47 das suas conclusões, seria contrário à lógica subjacente ao próprio princípio da transferência sem restrições de prestações para a Argélia.

42      Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia deve ser interpretado no sentido de que é aplicável aos familiares sobrevivos de um trabalhador que, desejando transferir a sua prestação de sobrevivência para a Argélia, não sejam eles próprios trabalhadores e residam na Argélia.

 Quanto à terceira questão

43      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia deve ser interpretado no sentido de que se opõe à redução do montante de uma prestação de sobrevivência pelo facto de o beneficiário desta prestação residir na Argélia.

44      Resulta da decisão de reenvio, por um lado, que a redução em causa no processo principal decorre da Lei relativa ao Princípio do País de Residência em Matéria de Segurança Social, que introduziu este princípio, nomeadamente, no que respeita às prestações de sobrevivência pagas ao abrigo da ANW. Por outro lado, o referido princípio tem por objetivo garantir que as prestações associadas ao salário mínimo neerlandês e que são pagas fora dos Países Baixos reflitam a relação entre o custo de vida no país de residência do beneficiário e o custo de vida nos Países Baixos. A prestação de sobrevivência em causa no processo principal é precisamente uma das prestações associadas ao salário mínimo neerlandês, uma vez que, em conformidade com o artigo 17.o, n.o 1, da ANW, o seu montante líquido equivale a 70 % desse salário mínimo líquido.

45      A este respeito, na audiência, o SVB indicou que se trata de uma percentagem máxima, visto que o montante da prestação recebida por cada familiar sobrevivo é calculado em função dos respetivos rendimentos. Além disso, nesta audiência, o Governo Neerlandês especificou que a prestação de sobrevivência constitui um seguro de risco e que o montante das contribuições pagas a título desta prestação é o mesmo para todos os segurados. Também assinalou que o salário mínimo nos Países Baixos é adaptado em função do custo de vida neste Estado‑Membro.

46      Importa recordar que o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia estabelece o direito à transferência sem restrições das prestações nele referidas para a Argélia «às taxas aplicadas em conformidade com a legislação do Estado‑Membro ou dos Estados‑Membros devedores».

47      Resulta desta precisão que, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 57 das suas conclusões, o Estado‑Membro devedor dispõe de uma margem de apreciação para estabelecer regras relativas ao cálculo do montante das prestações referidas no artigo 68.o, n.o 4. Mais especificamente, uma vez que a referida precisão consta da disposição daquele acordo relativa à transferência dessas prestações para a Argélia, deve ser interpretada no sentido de que permite, em princípio, a este Estado‑Membro prever regras de adaptação do montante das referidas prestações no momento dessa transferência, como a regra baseada no princípio do país de residência em causa no processo principal.

48      Todavia, estas regras devem respeitar a essência do direito à transferência sem restrições das prestações, sem privar este direito do seu efeito útil (v., por analogia, Acórdão de 8 de maio de 2003, Deutscher Handballbund, C‑438/00, EU:C:2003:255, n.o 29 e jurisprudência referida).

49      Ora, resulta dos elementos que caracterizam a prestação de sobrevivência em causa no processo principal, expostos nos n.os 44 e 45 do presente acórdão, que o montante desta é fixado em função do custo de vida nos Países Baixos e que, por conseguinte, a mesma visa garantir que os familiares sobrevivos disponham de um rendimento de base calculado em função do custo de vida neste Estado‑Membro. Por conseguinte, no que respeita à transferência da referida prestação para a Argélia, conforme prevista no artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia, não se afigura que o facto de adaptar o seu montante ao custo de vida neste país terceiro seja suscetível de privar da sua substância o direito à transferência sem restrições, desde que a determinação da taxa utilizada para efeitos dessa adaptação seja baseada em elementos objetivos, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

50      Por último, quanto ao facto de o artigo 4.o do projeto de decisão do Conselho de Associação prever a proibição, nomeadamente, de qualquer redução do montante dessa prestação devido ao abrigo da legislação de um Estado‑Membro por o seu beneficiário residir na Argélia, há que salientar que este projeto, por não ter sido ainda adotado pelo Conselho de Associação, não pode produzir efeitos semelhantes aos que fora reconhecidos a uma disposição análoga, a saber, o artigo 6.o, n.o 1, da Decisão n.o 3/80 do Conselho de Associação, de 19 de setembro de 1980, relativa à aplicação dos regimes de segurança social dos Estados‑Membros das Comunidades Europeias aos trabalhadores turcos e aos membros da sua família (JO 1983, C 110, p. 60), pelo Acórdão de 26 de maio de 2011, Akdas e o. (C‑485/07, EU:C:2011:346).

51      Tendo em conta o que se precede, há que responder à terceira questão que o artigo 68.o, n.o 4, do Acordo de Associação CE‑Argélia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à redução do montante de uma prestação de sobrevivência pelo facto de o beneficiário dessa prestação residir na Argélia, quando a mesma vise garantir um rendimento de base calculado em função do custo de vida no Estado‑Membro devedor e a redução efetuada respeite a substância do direito à transferência sem restrições de tal prestação.

 Quanto às despesas

52      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 68.o, n.o 4, do Acordo EuroMediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus EstadosMembros, por um lado, e a República Argelina Democrática e Popular, por outro,

deve ser interpretado no sentido de que:

tem efeito direto, de modo que as pessoas às quais esta disposição se aplica têm o direito de a invocar diretamente nos órgãos jurisdicionais dos EstadosMembros para excluir a aplicação das regras de direito nacional que lhe sejam contrárias.

2)      O artigo 68.o, n.o 4, do Acordo EuroMediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus EstadosMembros, por um lado, e a República Argelina Democrática e Popular, por outro,

deve ser interpretado no sentido de que:

é aplicável aos familiares sobrevivos de um trabalhador que, desejando transferir a sua prestação de sobrevivência para a Argélia, não sejam eles próprios trabalhadores e residam na Argélia.

3)      O artigo 68.o, n.o 4, do Acordo EuroMediterrânico que cria uma associação entre a Comunidade Europeia e os seus EstadosMembros, por um lado, e a República Argelina Democrática e Popular, por outro,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe à redução do montante de uma prestação de sobrevivência pelo facto de o beneficiário dessa prestação residir na Argélia, quando a mesma vise garantir um rendimento de base calculado em função do custo de vida no EstadoMembro devedor e a redução efetuada respeite a substância do direito à transferência sem restrições de tal prestação.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.