Language of document : ECLI:EU:T:2008:148

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

14 de Maio de 2008 (*)

«Recurso de anulação – Acção de indemnização – Contratos públicos de serviços – Procedimento de concurso comunitário – Rejeição de uma proposta – Decisão de anulação do procedimento de concurso – Recurso manifestamente desprovido de fundamento jurídico – Não conhecimento do mérito»

Nos processos T‑383/06 e T‑71/07,

Icuna.Com SCRL, com sede em Braine‑le‑Château (Bélgica), representada por J. Windey e P. De Bandt, advogados,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por O. Caisou‑Rousseau e M. Ecker, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto, no processo T‑383/06, por um lado, um pedido de anulação da Decisão do Parlamento Europeu, de 1 de Dezembro de 2006, que rejeitou a proposta da recorrente no âmbito do lote n.° 2 (conteúdo dos programas) do procedimento de concurso EP/DGINFO/WEBTV/2006/0003, relativo à criação e ao desenvolvimento do canal de televisão em linha do Parlamento Europeu (JO 2006/S 87 091412), e, por outro, um pedido de indemnização destinado a obter a reparação do dano pretensamente sofrido pela recorrente na sequência da adopção da Decisão de 1 de Dezembro de 2006, e, no processo T‑71/07, por um lado, um pedido de anulação da Decisão do Parlamento Europeu, de 31 de Janeiro de 2007, que a anula o procedimento de concurso EP/DGINFO/WEBTV/2006/0003, relativo à criação e ao desenvolvimento do canal de televisão em linha do Parlamento Europeu, no que diz respeito ao lote n.° 2 (conteúdo dos programas) e, por outro, um pedido de indemnização destinado a obter a reparação do dano pretensamente sofrido pela recorrente na sequência da adopção da Decisão de 31 de Janeiro de 2007,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por I. Pelikánová (relator), presidente, K. Jürimäe e S. Soldevila Fragoso, juízes,

secretário: E. Coulon,

adopta o presente

Despacho

 Quadro jurídico

1        Nos termos do artigo 100.° do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades (JO L 248, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro»):

«1. O gestor orçamental competente designará o adjudicatário do contrato, no respeito dos critérios de selecção e de atribuição previamente definidos nos documentos do contrato e das regras de adjudicação de contratos.

2. A entidade adjudicante comunicará a qualquer candidato ou proponente que seja afastado os motivos da rejeição da sua candidatura ou da sua proposta e a qualquer proponente que tenha apresentado uma proposta admissível e o solicite por escrito, as características e as vantagens relativas da proposta seleccionada, bem como o nome do adjudicatário.

[…]»

2        O artigo 101.° do Regulamento Financeiro prevê:

«A entidade adjudicante pode, até à assinatura do contrato, renunciar à celebração do contrato ou anular o processo da sua adjudicação, sem que os candidatos ou proponentes possam exigir qualquer indemnização.

A referida decisão deve ser fundamentada e levada ao conhecimento dos candidatos ou proponentes.»

3        Segundo o artigo 149.°, n.os 1 e 3, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2342/2002 da Comissão, de 23 de Dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento Financeiro (JO L 357, p. 1, a seguir «regulamento de execução»), conforme alterado pelo Regulamento (CE, Euratom) n.° 1261/2005 da Comissão, de 20 de Julho de 2005 (JO L 201, p. 3) :

1. As entidades adjudicantes informarão o mais rapidamente possível os candidatos e proponentes das decisões tomadas relativamente à adjudicação do contrato […], incluindo os motivos pelos quais tenham decidido renunciar à adjudicação de um contrato […] para o qual fora lançado um convite a concorrer, ou os motivos pelos quais tenham decidido recomeçar o procedimento.

[…]

3. Relativamente aos contratos adjudicados pelas instituições comunitárias por sua própria conta, a título do artigo 105.° do Regulamento Financeiro, as entidades adjudicantes notificarão […] cada proponente ou candidato excluído […], que a respectiva proposta ou candidatura não foi escolhida, especificando os motivos de rejeição da proposta ou da candidatura.

As entidades adjudicantes notificarão, ao mesmo tempo das notificações das rejeições enviadas aos candidatos ou proponentes rejeitados, a decisão de adjudicação ao adjudicatário especificando que a decisão notificada não constitui um compromisso da parte da entidade adjudicante em questão.

[...] »

 Factos na origem do litígio

4        Em 6 de Maio de 2006, o Parlamento Europeu publicou um anúncio de concurso no suplemento ao Jornal Oficial da União Europeia (JO S 87), que tinha por objecto o canal de televisão em linha do Parlamento Europeu. Este concurso, com a referência EP/DGINFO/WEBTV/2006/0003, compreendia dois lotes relativos, respectivamente, à arquitectura e à concepção gráfica (lote n.° 1) e ao conteúdo dos programas (lote n.° 2).

5        Por carta de 14 de Julho de 2006, a recorrente, Icuna.Com SCRL, respondeu ao concurso para o lote n.° 2, «conteúdo dos programas», juntamente com a sociedade Parallèles productions, com a qual projectava formar um consórcio.

6        Por carta de 7 de Agosto de 2006, o Parlamento informou a recorrente de que o contrato lhe tinha sido adjudicado (a seguir «Decisão de 7 de Agosto de 2006»). Perto do final do mês de Agosto de 2006, tiveram lugar contactos entre a pessoa encarregada deste processo no Parlamento e a recorrente, para efeitos de prever uma data de reunião para a assinatura do contrato. Essa reunião, inicialmente marcada para 1 de Setembro de 2006, foi contudo adiada várias vezes.

7        Em 14 e 18 de Agosto de 2006, dois proponentes preteridos enviaram cartas de reclamação ao Parlamento. Por correio electrónico de 8 de Setembro de 2006, a pessoa encarregada do processo no Parlamento informou a recorrente destas reclamações e de que o processo devia, por conseguinte, ser submetido a um exame suplementar.

8        Em 14 de Setembro de 2006, o director dos media do Parlamento e gestor orçamental do procedimento de concurso em causa, informou a recorrente de que, na sequência de um exame complementar do processo, tinha detectado indícios de um erro manifesto de apreciação cometido pelo comité de avaliação e que, em consequência, tinha decidido anular a Decisão de 7 de Agosto de 2006, «à luz do artigo 149.°, n.° 3» do regulamento de execução. O gestor orçamental decidiu igualmente convidar um novo comité de avaliação a reexaminar todas as propostas recebidas. A recorrente respondeu por carta de 19 de Setembro de 2006.

9        Por correio electrónico de 28 de Setembro de 2006, o Parlamento pediu à recorrente que fornecesse, por um lado, um certificado de registo criminal e, por outro, uma lista de referências de projectos por ela recentemente executados, acompanhados dos respectivos certificados, bem como uma descrição do equipamento técnico que seria utilizado para assegurar a execução dos serviços objecto do contrato. A recorrente respondeu a este pedido por carta de 2 de Outubro de 2006, na qual transmitiu os documentos solicitados.

10      Em 26 de Outubro de 2006, o novo comité de avaliação concluiu que a proposta da sociedade Mostra era a mais vantajosa do ponto de vista económico e propôs que o contrato fosse adjudicado a esta sociedade.

11      Em 21 de Novembro de 2006, a recorrente enviou uma carta ao gestor orçamental, na qual, no essencial, tendo em consideração a nova decisão a adoptar pelo comité de avaliação, se propunha, caso isso fosse considerado necessário, clarificar a sua proposta, uma reunião com o mesmo.

12      Por decisão de 1 de Dezembro de 2006, o Parlamento rejeitou a proposta submetida pela recorrente (a seguir «Decisão de 1 de Dezembro de 2006»). Por outro lado, resulta dos autos que o contrato controvertido foi adjudicado à sociedade Mostra.

 Tramitação do processo no Tribunal de Primeira Instância

13      Por petição registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Dezembro de 2006 (processo T‑383/06), a recorrente interpôs um primeiro recurso destinado a obter a anulação da Decisão de 1 de Dezembro de 2006 e uma indemnização pelo prejuízo sofrido devido à adopção dessa decisão.

14      Por requerimento separado, registado na Secretaria no mesmo dia (processo T‑383/06 R), a recorrente apresentou um pedido de medidas provisórias, destinado a obter a suspensão da execução da Decisão de 1 de Dezembro de 2006 e do contrato eventualmente celebrado pelo Parlamento com a sociedade Mostra, e a apresentação de certos documentos.

15      Em 21 de Dezembro de 2006, de manhã, o Parlamento e a sociedade Mostra assinaram o contrato relativo ao lote número 2.

16      Em 21 de Dezembro de 2006, à tarde, o presidente do Tribunal de Primeira Instância proferiu um despacho ordenando a suspensão da execução da Decisão de 1 de Dezembro de 2006, nos termos do artigo 105.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Ordenou também ao Parlamento, na medida em que já tivesse celebrado o contrato com a sociedade Mostra, a suspender a sua execução até à adopção de um despacho definitivo (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Dezembro de 2006, Icuna.Com/Parlamento, T‑383/06 R, ainda não publicado na Colectânea, a seguir «Despacho de 21 de Dezembro de 2006»).

17      A audiência de medidas provisórias no processo T‑383/06 R teve lugar em 22 de Janeiro de 2007. Da acta desta audiência resulta que o presidente do Tribunal convidou o Parlamento a «considerar a possibilidade de anular o procedimento de concurso objecto do […] pedido de medidas provisórias, em conformidade com o artigo 101.° do Regulamento [Financeiro], e a lançar um novo procedimento de celebração do contrato».

18      Na sequência de uma carta de 26 de Janeiro de 2007, enviada à Secretaria pela recorrente, o Parlamento comunicou, por carta de 31 de Janeiro de 2007, a cópia de um aditamento, assinado em 30 de Janeiro de 2007 com a sociedade Mostra, nos termos do qual o contrato assinado em 21 de Dezembro de 2006 relativo ao lote n.° 2 do concurso controvertido era anulado com efeitos a contar da data e da hora nas quais a sociedade Mostra tinha tomado conhecimento do despacho que ordenou a suspensão da execução da Decisão de 1 de Dezembro de 2006, ou seja, 21 de Dezembro de 2006, às 17 horas e 14 minutos. O Parlamento mencionou igualmente, na referida carta, a sua intenção de «retirar subsequentemente a decisão de adjudicação do contrato».

19      Mediante decisão de 31 de Janeiro de 2007, o gestor orçamental decidiu anular o procedimento por força do qual o contrato relativo ao lote n.° 2 foi adjudicado à sociedade Mostra (a seguir «Decisão de 31 de Janeiro de 2007»). Recomendou também que fosse lançado o mais rapidamente possível um novo concurso.

20      Por carta de 7 de Fevereiro de 2007, a recorrente indicou que pretendia manter o seu pedido de medidas provisórias no processo T‑383/06 R, relativo à Decisão de 1 de Dezembro de 2006, tendo em consideração a falta de competência do Parlamento para anular o procedimento de concurso.

21      Mediante despacho de 26 de Fevereiro de 2007, Icuna.Com/Parlamento (T‑383/06 R, ainda não publicado na Colectânea), o presidente do Tribunal de Primeira Instância considerou que já não havia que decidir sobre o pedido de medidas provisórias no processo T‑383/06 R, uma vez que o contrato assinado entre o Parlamento e a sociedade Mostra tinha sido anulado por comum acordo entre as partes contratantes e que o Parlamento tinha indicado claramente que já não pretendia dar execução à Decisão de 1 de Dezembro de 2006.

22      Por petição registada na Secretaria em 9 de Março de 2007 (processo T‑71/07), a recorrente interpôs um recurso destinado a obter a anulação da Decisão de 31 de Janeiro de 2007 e uma indemnização pelo prejuízo sofrido devido à adopção dessa decisão.

23      Por requerimento separado, registado na Secretaria no mesmo dia, a recorrente pediu igualmente ao Tribunal de Primeira Instância que decidisse este recurso seguindo a tramitação acelerada, em aplicação do disposto no artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo.

24      Por requerimento separado, registado na Secretaria no mesmo dia (processo T‑71/07 R), a recorrente apresentou, além disso, um pedido de medidas provisórias, no qual requeria, por um lado, que o presidente do Tribunal de Primeira Instância decidisse com fundamento no artigo 105.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, antes de o Parlamento apresentar as suas observações, e, por outro, que a execução da Decisão de 31 de Janeiro de 2007 fosse suspensa.

25      Em 16 de Março de 2007, foi publicado no suplemento ao Jornal Oficial da União Europeia (JO S 53) um novo anúncio de concurso tendo por objecto a prestação de serviços em causa.

26      Em 22 de Março de 2007, o Parlamento apresentou, por requerimento separado, uma questão prévia de inadmissibilidade no processo T‑71/07, em conformidade com o artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

27      Em 2 de Abril de 2007, a Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância decidiu indeferir o pedido de tramitação acelerada apresentado pela recorrente no processo T‑71/07.

28      Por despacho de 4 de Maio de 2007, Icuna.Com/Parlamento (T‑71/07 R, não publicado na Colectânea), o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido de medidas provisórias no processo T‑71/07 R e reservou as despesas para final.

29      A pedido do Tribunal de Primeira Instância, o Parlamento e a recorrente apresentaram observações quanto a uma eventual apensação dos processos T‑383/06 e T‑71/07, respectivamente, em 20 de Dezembro de 2007 e em 7 de Janeiro de 2008.

30      O presidente da Segunda Secção remeteu a esta formação a decisão quanto à apensação em conformidade com o artigo 50.°, n.° 1, do Regulamento de Processo. Sendo os recursos nos processos T‑383/06 e T‑71/07 conexos, o Tribunal de Primeira Instância decide apensá‑los para efeitos do presente despacho.

 Pedidos das partes

31      No processo T‑383/06, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a Decisão de 1 de Dezembro de 2006;

–        declarar a responsabilidade extracontratual da Comunidade, condenar o Parlamento a pagar‑lhe, em primeiro lugar, o montante de 58 700 euros a título de indemnização pelas despesas efectuadas no âmbito do concurso e, em segundo lugar, o montante do dano moral sofrido pelo facto de a sua reputação ter sido prejudicada, e designar um perito para avaliar esse dano;

–        condenar o Parlamento nas despesas.

32      No processo T‑383/01, o Parlamento conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        rejeitar o pedido de anulação;

–        rejeitar o pedido de indemnização bem como o pedido de nomeação de um perito;

–        condenar a recorrente nas despesas.

33      No processo T‑71/07, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar a questão prévia de inadmissibilidade manifestamente improcedente;

–        a título subsidiário, reservar para a decisão final a apreciação da questão prévia de inadmissibilidade;

–        em qualquer caso, condenar o Parlamento nas despesas suplementares suscitadas pela questão prévia de inadmissibilidade.

–        anular a Decisão de 31 de Janeiro de 2007;

–        declarar a responsabilidade extracontratual da Comunidade, condenar o Parlamento a indemnizá‑la pela totalidade do prejuízo sofrido devido à Decisão de 31 de Janeiro de 2007, e designar um perito para avaliar esse prejuízo;

–        condenar o Parlamento nas despesas.

34      Na questão prévia de inadmissibilidade, suscitada no processo T‑71/07, o Parlamento conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

35      Por força do artigo 111.° do Regulamento de Processo, se um recurso for manifestamente desprovido de fundamento jurídico, o Tribunal de Primeira Instância pode decidir imediatamente, mediante despacho fundamentado, pondo assim termo à instância.

36      Por outro lado, por força do artigo 113.° do Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância pode, a todo o tempo e oficiosamente, ouvidas as partes, declarar que o recurso ficou sem objecto e que não conhecerá do mérito da causa.

1.     Quanto ao recurso no processo T‑71/07

37      No processo T‑71/07, reserva‑se para a decisão final a apreciação da questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Parlamento, em conformidade com o artigo 114.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo.

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

38      Na sua questão prévia de inadmissibilidade, o Parlamento sustenta, por um lado, que a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 não diz respeito directa nem individualmente à recorrente, e, por outro, que esta última não tem interesse na anulação da referida decisão, que não lhe causou prejuízo.

39      O Parlamento acrescenta que o procedimento de concurso forma um todo indissociável e que a adjudicação do contrato à sociedade Mostra constitui o seu desfecho lógico. Considera que não era possível outra decisão que não a de rejeitar a proposta da recorrente e adjudicar o contrato à sociedade Mostra. Segundo o Parlamento não era, em qualquer caso, possível adjudicar o contrato a uma empresa que não satisfizesse os critérios de selecção. O Parlamento não se podia limitar a revogar a Decisão de 1 de Dezembro de 2006 que tinha rejeitado a proposta da recorrente, embora mantendo a parte do procedimento de avaliação que lhe era favorável.

40      A recorrente contesta os argumentos do Parlamento. Por um lado, alega que a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 a afecta directamente, uma vez que tem por efeito anular a Decisão de 7 de Agosto de 2006 que a designava adjudicatária do contrato, dado também que a obriga a efectuar despesas para participar no novo procedimento de concurso e para assegurar a protecção judicial dos seus interesses e que a impede de obter, no âmbito do recurso no processo T‑383/06, a indemnização do prejuízo sofrido devido à adopção da Decisão de 1 de Dezembro de 2006.

41      Por outro lado, a recorrente considera ser individualmente afectada pela Decisão de 31 de Janeiro de 2007, uma vez que está na origem desta decisão, adoptada na sequência do processo de medidas provisórias, no processo T‑383/06 R, por ela iniciado. Além disso, a sua situação diferencia‑se da dos outros proponentes, na medida em que foi a única à qual o contrato em causa foi inicialmente adjudicado. Por último, a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 afecta de forma negativa o resultado do seu pedido de indemnização no processo T‑383/06.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

42      Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

43      No caso em apreço, há que salientar que a recorrente não é destinatária da Decisão de 31 de Janeiro de 2007.

44      Segundo jurisprudência constante, para que um acto diga directamente respeito a um particular, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, deve produzir efeitos directos na situação jurídica do interessado e a sua aplicação deve revestir um carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermédias (v. acórdão do Tribunal de Justiça, de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, Colect., p. I‑2309, n.° 43 e jurisprudência aí referida).

45      Além disso, resulta de jurisprudência constante que os sujeitos que não sejam os destinatários de uma decisão só podem alegar que ela lhes diz individualmente respeito se esta os prejudicar devido a determinadas qualidades que lhes são específicas ou a uma situação de facto que os caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de forma idêntica à do destinatário de tal decisão (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962‑1964, pp. 279, 284; de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.° 11; acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 27 de Abril de 1995, ASPEC e o./Comissão, T‑435/93, Colect., p. II‑1281, n.° 62).

46      Por último, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva apenas é admissível na medida em que o recorrente tenha interesse em que o acto impugnado seja anulado. Este interesse deve ser efectivo e actual e aprecia‑se no dia em que o recurso é interposto (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Abril de 2005, Sniace/Comissão, T‑141/03, Colect., p. II‑1197, n.° 25, e jurisprudência referida, e de 20 de Setembro de 2007, Salvat pire & fils e o./Comissão, T‑136/05, Colect., p. II‑4063, n.° 34).

47      No caso vertente, a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 produz directamente efeitos na situação jurídica da recorrente. Dado tratar‑se da anulação da totalidade do procedimento de concurso, a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 tem por efeito a anulação da Decisão de 1 de Dezembro de 2006, que rejeitou a sua proposta, mas também da Decisão de 14 de Setembro de 2006, que anulava a decisão de adjudicação do contrato à recorrente, e da Decisão de 7 de Agosto de 2006, que lhe adjudicava o contrato. A recorrente, por conseguinte, é directamente afectada pela Decisão de 31 de Janeiro de 2007. Pela mesma razão, a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 é prejudicial à recorrente, que, por conseguinte, tem interesse em que ela seja anulada.

48      A recorrente é também individualmente afectada pela Decisão de 31 de Janeiro de 2007, na medida em que foi a única proponente a quem o contrato foi adjudicado no âmbito do procedimento de concurso anulado. Este elemento é susceptível de a individualizar relativamente a todos os outros proponentes preteridos.

49      Assim, há que rejeitar a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Parlamento quanto ao recurso interposto pela recorrente no processo T‑71/07.

 Quanto ao pedido de anulação

 Argumentos da recorrente

50      A recorrente invoca dois fundamentos de anulação no processo T‑71/07. O primeiro fundamento é relativo à incompetência do autor do acto e à violação do artigo 101.° do Regulamento Financeiro. O segundo fundamento é relativo à falta de fundamentação. O Parlamento não apresentou contestação no processo T‑71/07 e, por conseguinte, não se pronunciou quanto aos fundamentos de anulação invocados.

–       Quanto ao primeiro fundamento, relativo à incompetência do autor do acto e à violação do artigo 101.° do Regulamento Financeiro.

51      A recorrente salienta que nenhuma disposição de direito comunitário autorizava a entidade adjudicante a anular a adjudicação de um contrato após a assinatura do mesmo com o adjudicatário. Em especial, nem o despacho de 21 Dezembro de 2006 nem o convite feito pelo presidente do Tribunal de Primeira Instância no decurso da audiência de medidas provisórias de 22 de Janeiro de 2007 podem constituir uma base legal para a Decisão de 31 de Janeiro de 2007.

52      Supondo que a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 se baseia no artigo 101.° do Regulamento Financeiro, os requisitos de aplicação desta disposição não estão satisfeitos no caso concreto. Com efeito, o artigo 101.° do Regulamento Financeiro limita a competência da entidade adjudicante para anular o procedimento de concurso, pelo que esta apenas tem competência para adoptar tal decisão até à assinatura do contrato com o adjudicatário. Ora, o Parlamento assinou o contrato com a sociedade Mostra em 21 de Dezembro de 2006, ou seja, mais de um mês antes da adopção da Decisão de 31 de Janeiro de 2007.

53      Além disso, para a recorrente, a anulação do procedimento de concurso já não podia ser equacionada, dado que o contrato já tinha sido regularmente adjudicado à recorrente por Decisão de 7 de Agosto de 2006.

54      Por outro lado, a rescisão do contrato com a sociedade Mostra não significa que o contrato não tenha sido assinado. Acresce que a rescisão em causa não se refere à totalidade dos efeitos do contrato, uma vez que este foi anulado com efeitos a contar da data e da hora em que a sociedade Mostra tomou conhecimento da suspensão da execução do contrato. Por conseguinte, segundo a recorrente, qualquer efeito que se tenha produzido previamente a este conhecimento é mantido.

55      A recorrente, por outro lado, defende que a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 viola o artigo 101.° do Regulamento Financeiro, já que a anulação do procedimento de concurso é relativa apenas ao lote n.° 2. Esta disposição não permite proceder a uma anulação parcial do procedimento de concurso. É evidente, segundo a recorrente, que, na medida em que os lotes n.os 1 e 2 fazem parte do mesmo concurso, uma eventual anulação deveria ter abrangido a totalidade do procedimento, ou seja, também o procedimento relativo ao lote n.° 1.

–       Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

56      A recorrente defende que a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 viola o dever de fundamentação que se impõe como um princípio geral e que está previsto no artigo 101.° do Regulamento Financeiro e no artigo 149.°, n.° 1, do regulamento de execução.

57      A Decisão de 31 de Janeiro de 2007 não permite compreender os motivos que levaram o Parlamento a adoptar a medida em causa. A referência ao «convite» do presidente do Tribunal de Primeira Instância não basta para fundamentar a Decisão de 31 de Janeiro de 2007. Aliás, tal referência está em contradição com o resto da Decisão de 31 de Janeiro de 2007, uma vez que o Parlamento considerou que a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 «de forma alguma signific[ava] um reconhecimento de que a Decisão de [14] de Setembro de 2006, que anulou a decisão de adjudicação inicial e designou um novo comité de avaliação, não fosse a forma correcta de agir».

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

–       Quanto ao primeiro fundamento, relativo à incompetência do autor do acto e à violação do artigo 101.° do Regulamento Financeiro.

58      Deve considerar‑se que o Parlamento era competente para adoptar a Decisão de 31 de Janeiro de 2007. O parecer contrário da recorrente baseia‑se numa interpretação errada do artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro, que tem por objecto regular, na hipótese de uma renúncia ao contrato ou de uma anulação do procedimento de concurso pela entidade adjudicante, o conflito entre os interesses privados dos proponentes e do adjudicatário, por um lado, e o interesse geral que a entidade adjudicante deve prosseguir, por outro. Com efeito, há que distinguir duas fases no âmbito da aplicação desta disposição.

59      Em primeiro lugar, antes da assinatura do contrato com o proponente seleccionado, a entidade adjudicante não está vinculada e pode assim, no âmbito da sua missão resultante do interesse geral, renunciar livremente ao contrato ou anular o procedimento de concurso. O artigo 101.° do Regulamento Financeiro exclui, neste caso, qualquer direito a indemnização dos candidatos ou proponentes em razão de tal renúncia ou anulação.

60      Em segundo lugar, após a assinatura do contrato, a entidade adjudicante está contratualmente vinculada com o proponente escolhido. Por conseguinte, não pode, em princípio, renunciar ao concurso ou anular o procedimento de forma unilateral. Só assim não será perante circunstâncias excepcionais, como as do caso em apreço, em que as partes contratantes decidiram, de comum acordo, renunciar ao contrato.

61      A interpretação contrária do artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro proposta pela recorrente, segundo a qual a entidade adjudicante, uma vez assinado o contrato com o adjudicatário, já não tem competência para anular o procedimento de celebração do contrato, mesmo que o adjudicatário tenha renunciado à sua posição contratual, seria susceptível, num caso como o presente, no qual a entidade adjudicante detectou, após a assinatura do contrato, a eventual presença de irregularidades no procedimento de adjudicação, de colocar as partes no procedimento num impasse. Por um lado, a execução do contrato expô‑las‑ia, em tal situação, ao risco de ser ordenada a suspensão da execução, a qual, de resto, foi decretada a título cautelar no caso em apreço, ou à anulação da decisão de adjudicação, na sequência de um recurso para o Tribunal de Primeira Instância interposto por um proponente preterido. Por outro lado, a entidade adjudicante não poderia anular o procedimento ou renunciar ao concurso, mesmo que o adjudicatário, como acontece no caso vertente, estivesse disposto a renunciar ao contrato. Ora, o artigo 101.° do Regulamento Financeiro não pode ser interpretado no sentido de que se opõe à vontade comum das partes no contrato de anular o mesmo sem que lhe tenha sido dado um princípio de execução. Em tal situação, a entidade adjudicante deve, por conseguinte, ter o direito de anular o procedimento de concurso.

62      Por conseguinte, a ratio legis do artigo 101.° do Regulamento Financeiro e a segurança jurídica impõem que se considere que, nas circunstâncias do caso em apreço, o Parlamento tinha competência para anular o procedimento de concurso.

63      Há que considerar igualmente que o Parlamento não violou o artigo 101.° do Regulamento Financeiro ao distinguir dois lotes. Embora estes dois lotes apresentem um certo grau de interdependência, no sentido de que fazem parte do mesmo concurso, são, no entanto, autónomos. Com efeito, por um lado, os dois lotes são relativos a objectos distintos, a saber, respectivamente, a arquitectura e a concepção gráfica (lote n.° 1) e o conteúdo dos programas (lote n.° 2). Por outro lado, o desenrolar do procedimento relativo ao lote n.° 1 foi totalmente autónomo em relação ao do procedimento relativo ao do lote n.° 2, uma vez que cada um destes lotes podia ser adjudicado a proponentes diferentes e não relacionados entre si.

–       Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

64      Há que recordar que o artigo 101.°, segundo parágrafo, do Regulamento Financeiro prevê que a decisão de anular o procedimento de celebração do contrato deve ser fundamentada e levada ao conhecimento dos candidatos ou dos proponentes.

65      O artigo 149.°, n.° 1, do regulamento de execução dispõe que as entidades adjudicantes informarão o mais rapidamente possível os candidatos e os proponentes das decisões tomadas relativamente à adjudicação do contrato, indicando os motivos pelos quais tenham decidido renunciar à celebração de um contrato.

66      Por força destas disposições e, mais genericamente, do dever geral de fundamentação que decorre do artigo 253.° CE, o Parlamento tinha o dever de comunicar ao mesmo tempo que a decisão de anular o concurso, os fundamentos dessa decisão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Maio de 2007, Citymo/Comissão, T‑271/04, Colect., p. II‑1375, n.° 100).

67      Segundo jurisprudência constante, o alcance do dever de fundamentação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado. A fundamentação deve revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, por forma, por um lado, a permitir que os interessados conheçam as razões da medida adoptada, a fim de poderem defender os seus direitos e verificarem se a decisão é ou não correcta e, por outro, a permitir ao juiz comunitário exercer a fiscalização da legalidade que lhe incumbe (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Janeiro de 2004, Fleuren Compost/Comissão, T‑109/01, Colect., p. II‑127, n.° 119, e despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Setembro de 2005, Deloitte Business Advisory/Comissão, T‑195/05 R, Colect., p. II‑3485, n.° 108).

68      Por último, no que diz respeito, mais particularmente, à menção da base jurídica de um acto legal, resulta da jurisprudência que a omissão da referência a uma disposição precisa pode não constituir um vício substancial quando o fundamento jurídico de um acto puder ser determinado com base noutros elementos deste. Tal referência explícita apenas é indispensável quando, na falta dela, os interessados e o juiz comunitário são deixados na incerteza quanto ao fundamento jurídico preciso (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86, Colect., p. 1493, n.° 9).

69      No caso concreto, há que salientar, a título preliminar, que a recorrente recebeu, no âmbito do processo de medidas provisórias no processo T‑71/07 R, uma cópia das observações de 31 de Janeiro de 2007 do Parlamento, sobre a acta da audiência de medidas provisórias de 22 de Janeiro de 2007, incluindo, designadamente, uma cópia de um projecto de decisão de anulação do procedimento, bem como uma cópia da Decisão de 31 de Janeiro de 2007 que anulou o procedimento de concurso.

70      Ora, como a recorrente reconhece na petição que apresentou no processo T‑71/07, o Parlamento indicou, nas suas observações de 31 de Janeiro de 2007, que tencionava basear a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 no artigo 101.° do Regulamento Financeiro. Além disso, os considerandos desta decisão indicavam, designadamente, que o despacho de 21 de Dezembro de 2006 proibia o Parlamento de dar execução ao contrato até que uma decisão definitiva fosse proferida, que o Parlamento tinha sido convidado pelo presidente do Tribunal, na audiência de medidas provisórias, a examinar a possibilidade de anular o procedimento de celebração do contrato e a iniciar um novo procedimento e que o Parlamento e a sociedade Mostra concordavam que o despacho de 21 de Dezembro de 2006 impossibilitava a execução do contrato num prazo razoável e que, por esse motivo, tinham concordado em renunciar a esse contrato.

71      Das circunstâncias que envolveram a adopção da Decisão de 31 de Janeiro de 2007 e dos seus fundamentos resulta que o Parlamento considerava não ter outra alternativa senão anular o procedimento de concurso, com fundamento no artigo 101.° do Regulamento Financeiro, a fim de evitar que a realização do seu projecto de televisão em linha sofresse um atraso importante. Por conseguinte, há que reconhecer que a fundamentação dada pelo Parlamento na sua Decisão de 31 de Janeiro de 2007 revela claramente o raciocínio seguido.

72      Tal fundamentação permite à recorrente fazer valer os seus direitos e ao Tribunal de Primeira Instância exercer a fiscalização que lhe incumbe.

73      Atendendo ao que precede, há que rejeitar os dois fundamentos suscitados pela recorrente e julgar o pedido de anulação no processo T‑71/07 manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

 Quanto ao pedido de indemnização

 Argumentos da recorrente

74      A recorrente invoca a responsabilidade extracontratual da Comunidade, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE. Considera que, pelo conjunto dos motivos de anulação que invoca, é manifesto que o Parlamento cometeu diversas ilegalidades no âmbito do procedimento que culminou na adopção da Decisão de 31 de Janeiro de 2007. Entende que estas ilegalidades, consideradas individualmente ou em conjunto, são susceptíveis de constituir uma violação caracterizada do direito comunitário.

75      Em primeiro lugar, a recorrente afirma ter sofrido um prejuízo resultante da privação dos benefícios da Decisão de 7 de Agosto de 2006, devido à abertura de um procedimento irregular pelo Parlamento, que culminou na adjudicação do contrato a outro proponente, e à adopção da Decisão de 31 de Janeiro de 2007. Este prejuízo é dificilmente quantificável, mas é constituído pelas despesas, iminentes e previsíveis, efectuadas para participar num novo procedimento de concurso. Em segundo lugar, a recorrente alega ter sofrido um dano moral. Com efeito, considera que a apreciação negativa invocada para fundamentar a rejeição da sua proposta na Decisão de 1 de Dezembro de 2006 foi reiterada na Decisão de 31 de Janeiro de 2007, o que prejudica a sua reputação. Este dano moral eleva‑se a cerca de 10% do valor total do contrato, montante que pode ser calculado de forma precisa por um perito designado pelo Tribunal.

76      O Parlamento não apresentou contestação no processo T‑71/07 e não se pronunciou, por conseguinte, quanto aos fundamentos invocados em apoio do seu pedido de indemnização.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

77       Segundo jurisprudência constante, a responsabilidade extracontratual da Comunidade, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, está sujeita à reunião de um conjunto de condições, ou seja, a ilegalidade do comportamento censurado às instituições, a realidade do prejuízo e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo invocado (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1974, Holtz & Willemsen/Conselho e Comissão, 153/73, Rec. p. 675, n.° 7, Colect., 1973, p. 353, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 3 de Fevereiro de 2005, Chiquita Brands e o./Comissão, T‑19/01, Colect., p. II‑315, n.° 76).

78      Na medida em que estas três condições de responsabilidade são cumulativas, a falta de uma delas basta para que a acção de indemnização seja julgada improcedente (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, Colect., p. I‑5251, n.° 14, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 2001, Emesa Sugar/Conselho, T‑43/98, Colect., p. II‑3519, n.° 59).

79      Quanto à primeira destas condições, a actuação ilegal censurada a uma instituição comunitária deve consistir numa violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 42).

80      No caso concreto, a recorrente invoca, no essencial, os fundamentos do seu pedido de anulação, nos quais chama a atenção para ilegalidades susceptíveis de constituir uma violação suficientemente caracterizada do direito comunitário.

81      Ora, o pedido de anulação formulado pela recorrente foi julgado manifestamente desprovido de fundamento jurídico, por não se verificar um comportamento ilegal do Parlamento. Uma vez que o pedido de indemnização neste processo se baseia nos mesmos argumentos que os invocados em apoio do pedido de anulação, há que considerar, por este motivo, que tal pedido é também desprovido de fundamento jurídico, uma vez que não se verificou uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares.

82      Consequentemente, há que julgar o pedido de indemnização no processo T‑71/07 manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

2.     Quanto ao recurso no processo T‑383/06

 Quanto ao pedido de anulação

83      Na sequência de um convite do Tribunal de Primeira Instância, as partes pronunciaram‑se, nos seus segundos articulados no processo T‑383/06, sobre as consequências a tirar, neste processo, da Decisão de 31 de Janeiro de 2007 que anula o procedimento de celebração do contrato controvertido.

 Argumentos das partes

84      A recorrente considera que a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 foi adoptada por um órgão incompetente e que, nessa medida, não pode ter por consequência privar de efeitos a Decisão de 1 de Dezembro de 2006. Em sua opinião, o concurso e as decisões a ele respeitantes ainda produzem todos os seus efeitos. Por este motivo, considera que o recurso de anulação no processo T‑383/06 mantém o seu objecto.

85      Em apoio da sua tese, a recorrente invoca argumentos idênticos, no essencial, aos que desenvolveu no primeiro fundamento dos seus pedidos de anulação no processo T‑71/07 (v. n.os 51 a 55 supra).

86      O Parlamento contesta os argumentos da recorrente, considerando, em primeiro lugar, que a anulação da totalidade do procedimento de concurso através da Decisão de 31 de Janeiro de 2007 tinha por efeito, ipso facto, a revogação da Decisão de 1 de Dezembro de 2006 e, em segundo lugar, que era competente para adoptar a referida decisão.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

87      Há que recordar que os pedidos de anulação da recorrente têm por objecto a Decisão de 1 de Dezembro de 2006, que foi anulada por Decisão de 31 de Janeiro de 2007. Ora, a legalidade da Decisão de 31 de Janeiro de 2007, que anula o procedimento de concurso, é objecto do recurso de anulação no processo T‑71/07, julgado manifestamente improcedente no número 73 supra.

88      Consequentemente, a Decisão de 31 de Janeiro de 2007 continua a produzir todos os seus efeitos. Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a anulação da Decisão de 1 de Dezembro de 1996 através da Decisão de 31 de Janeiro de 2007 conduziu ao resultado que a recorrente pretendia obter com o pedido de anulação que apresentou no processo T‑383/06, isto é, o desaparecimento da Decisão de 1 de Dezembro de 2006 (ver, neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Setembro de 1997, Antillean Rice Mills/Comissão, T‑26/97, Colect., p. II‑1347, n.° 15).

89      Daqui resulta que o pedido de anulação no processo T‑383/06 ficou sem objecto e que, em consequência, em conformidade com o artigo 113.° do Regulamento de Processo, já não há que conhecer do mérito de tal pedido.

 Quanto ao pedido de indemnização

 Argumentos das partes

90      A recorrente invoca a responsabilidade extracontratual da Comunidade, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE. Considera que, por todos os fundamentos invocados em apoio do seu pedido de anulação, é manifesto que o Parlamento cometeu diversas ilegalidades no âmbito do procedimento que levou à adopção da Decisão de 1 de Dezembro de 2006.

91      No âmbito do seu pedido de anulação no processo T‑383/06, por um lado, a recorrente invocou a irregularidade manifesta do procedimento que levou à adopção da Decisão de 1 de Dezembro de 2006, devido à incompetência do Parlamento, à violação do artigo 101.° do Regulamento Financeiro e à violação do artigo 149.° do Regulamento de execução. Por outro, invocou a inobservância dos critérios definidos no procedimento de concurso, dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência e do dever de fundamentação.

92      Segundo a recorrente, estas ilegalidades, quer sejam consideradas individualmente ou, em qualquer caso, em conjunto, são susceptíveis de constituir uma violação caracterizada do direito comunitário.

93      O prejuízo sofrido pela recorrente é dificilmente quantificável. Em primeiro lugar, é constituído pelas despesas efectuadas com a participação no procedimento de concurso, no montante de 58 700 euros, e, em segundo lugar, pelo dano moral, iminente e previsível, resultante do facto de a sua reputação poder vir a ser prejudicada. Este dano moral eleva‑se a cerca de 10% do valor total do contrato, montante que pode ser estimado de forma precisa por um perito a designar pelo Tribunal.

94      O Parlamento considera que a recorrente não tem fundamento para pedir uma indemnização que cubra as suas despesas de participação no concurso público, uma vez que, por um lado, o artigo 4.° do caderno das condições gerais aplicáveis aos contratos do Parlamento exclui expressamente esta possibilidade e, por outro, a recorrente não forneceu o menor elemento que permita derrogar o princípio jurisprudencial segundo o qual as despesas efectuadas por um proponente com a sua participação no concurso não podem constituir um prejuízo susceptível de ser reparado através da concessão de uma indemnização.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

95      Em primeiro lugar há que reconhecer, no que diz respeito ao pretenso prejuízo constituído pelas despesas de participação no procedimento de celebração do contrato anulado, que a recorrente não demonstrou a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento censurado ao Parlamento, a saber, as pretensas ilegalidades cometidas no âmbito do procedimento de celebração do contrato controvertido, por um lado, e o prejuízo constituído pelas suas despesas de participação neste procedimento, por outro. Com efeito, mesmo supondo que o procedimento que conduziu às Decisões de 14 de Setembro e de 1 de Dezembro de 2006 e as próprias decisões enfermem de ilegalidade, de forma que a recorrente ainda poderia beneficiar dos efeitos da Decisão de 7 de Agosto de 2006 que lhe adjudicou inicialmente o contrato, esta última não lhe concede nenhum direito à celebração do contrato. Pelo contrário, a Decisão de 7 de Agosto de 2006 especificava expressamente, em conformidade com o artigo 149.°, n.° 3, segundo parágrafo do regulamento de execução, que não comportava nenhum compromisso por parte do Parlamento e que este último, enquanto autoridade contratante, tinha a possibilidade, até à assinatura do contrato, de anular o procedimento de concurso, sem que a recorrente tivesse direito a qualquer indemnização. Ora, esta possibilidade verificou‑se no caso em apreço, sob a forma da Decisão de 31 de Janeiro de 2007. Nestas condições, é forçoso reconhecer que não existe nenhum nexo de causalidade entre o comportamento censurado ao Parlamento e o prejuízo invocado pela recorrente.

96      Em segundo lugar, o dano moral sofrido pela recorrente também não está demonstrado. A recorrente indica que a rejeição da sua proposta se baseou, na Decisão de 1 de Dezembro de 2006, numa apreciação muito negativa, susceptível de ser difundida rapidamente nos meios interessados e de, assim, prejudicar gravemente a sua reputação.

97      No entanto, há que salientar que a recorrente não precisa quais as apreciações negativas que prejudicam a sua reputação. Na Decisão de 1 de Dezembro de 2006, que rejeita a proposta da recorrente, o Parlamento explica que esta última não respondia aos critérios de selecção tendo em conta as suas capacidades técnicas e financeiras. É evidente que tais explicações suscitam necessariamente apreciações negativas, tanto no que respeita às qualidades da proposta como às qualidades do proponente. Todavia, de tais apreciações negativas não se pode, em princípio, deduzir que as mesmas prejudicam a reputação do proponente em questão, desde que sejam formuladas de forma não polémica e em conformidade com os factos.

98      Com efeito, incumbia ao Parlamento, para efeitos da decisão de adjudicação a tomar, designadamente para efeitos da sua fundamentação, verificar o respeito dos critérios de selecção pelas propostas submetidas. A este respeito, não se pode criticar a Decisão de 1 de Dezembro de 2006, na qual se explica, em termos apropriados, que o pessoal de enquadramento, a experiência, o volume de negócios e os resultados de exploração dos exercícios recentes da recorrente eram considerados demasiado frágeis para que o Parlamento lhe pudesse confiar um projecto da envergadura do contrato em causa. Por este motivo, não se pode considerar que tais afirmações possam, em si mesmas, no âmbito da rejeição de uma proposta, prejudicar a reputação da recorrente.

99      Atendendo às considerações precedentes, há que julgar o pedido de indemnização da recorrente no processo T‑383/06 manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

 Quanto às despesas

100    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

101    Segundo o artigo 87.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente quanto às despesas. Por outro lado, por força do disposto no artigo 87.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou perante circunstâncias excepcionais, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

102    A Decisão de 1 de Dezembro de 2006, objecto do recurso no processo T‑383/06, foi anulada posteriormente à interposição do recurso, por uma decisão adoptada pelo Parlamento em conformidade com o procedimento previsto em matéria de concurso. Contudo, não se pode excluir, à luz dos autos tanto dos presentes processos como dos processos de medidas provisórias correspondentes, que o Parlamento, através do comportamento que adoptou no âmbito do procedimento de adjudicação do contrato, tenha provocado a interposição do recurso no processo T‑383/06 e o pedido de medidas provisórias no processo T‑383/06 R. Nestas circunstâncias, há que decidir que a recorrente suportará metade das suas próprias despesas nos processos T‑383/06 e T‑383/06 R, enquanto o Parlamento suportará, além das suas próprias despesas, metade das despesas da recorrente.

103    No processo T‑71/07, tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias no processo T‑71/07 R e à questão prévia de inadmissibilidade, em conformidade com os pedidos do Parlamento.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

ordena:

1)      Os processos T‑383/06 e T‑71/07 são apensos para efeitos do despacho.

2)      No processo T‑71/07, reserva‑se para final uma decisão quanto à questão prévia de inadmissibilidade.

3)      O recurso no processo T‑71/07 é julgado manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

4)      Não há lugar a decisão sobre o pedido de anulação no processo T‑383/06.

5)      O pedido de indemnização no processo T‑383/06 é julgado manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

6)      No processo T‑383/06, o Parlamento suportará as suas próprias despesas e metade das despesas da Icuna.Com SCRL, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias. A Icuna.Com suportará metade das suas próprias despesas.

7)      No processo T‑71/07, a Icuna.Com suportará as suas próprias despesas e as efectuadas pelo Parlamento, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias e à questão prévia de inadmissibilidade.

Feito no Luxemburgo, em 14 de Maio de 2008.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      I. Pelikánová


* Língua do processo: francês.