Language of document : ECLI:EU:C:2014:23

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 23 de janeiro de 2014 (1)

Processo C‑15/13

Technische Universität Hamburg‑Harburg

Hochschul‑Informations‑System GmbH

contra

Datenlotsen Informationssysteme GmbH

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hanseatisches
Oberlandesgericht Hamburg (Alemanha)]

«Contratos públicos — Diretiva 2004/18/CE — Pressupostos da aplicabilidade da adjudicação ‘in house’ — Adjudicações ‘'in house' horizontais’ — Entidade adjudicante e adjudicatário juridicamente distintos e sem relação de controlo entre si — Controlo exercido sobre a entidade adjudicante e sobre o adjudicatário por um terceiro que, por sua vez, constitui uma entidade pública — Alcance da condição do ‘controlo análogo’ — Cooperação entre entidades públicas»





1.        O presente pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg, submete à apreciação do Tribunal de Justiça um caso inédito em matéria de contratos públicos, que lhe permitirá precisar o alcance da jurisprudência que prevê a possibilidade de, em determinadas condições, subtrair alguns desses contratos à aplicação da regulamentação europeia relativa aos processos públicos de adjudicação.

2.        Mais especialmente, no presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a determinar se, e, eventualmente, em que condições, as denominadas operações «'in house' horizontais» podem escapar ao âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18/CE (2) e ser objeto de adjudicação direta, sem organização dos processos públicos de adjudicação previstos nessa diretiva. Pelo termo operação «'in house' horizontal» entende‑se a celebração de um contrato entre uma entidade adjudicante e um adjudicatário que não estão ligados entre si por qualquer relação de controlo, mas que estão, ambos, sujeitos ao controlo análogo da mesma instituição, por sua vez entidade adjudicante na aceção da Diretiva 2004/18, e realizam o essencial da sua atividade a favor da sua instituição comum.

3.        A questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio ao Tribunal de Justiça visa, no essencial, determinar se também relativamente a este tipo de operação pode existir uma exceção à aplicação dos processos de concurso público, como os identificados na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a que o órgão jurisdicional de reenvio faz expressa referência.

4.        A primeira destas exceções, que se reconduz ao acórdão Teckal (3), diz respeito às denominadas adjudicações «in house», relativamente às quais a jurisprudência admitiu que uma entidade adjudicante está dispensada de lançar um processo de adjudicação de um contrato público, desde que exerça sobre o adjudicatário um «controlo análogo» ao que exerce sobre os seus próprios serviços e que o referido adjudicatário realize o essencial da sua atividade com a ou as entidades adjudicantes que o detêm (4). A questão da aplicabilidade desta exceção às adjudicações «‘in house’ horizontais», embora amplamente debatida na doutrina, não pôde ainda ser objeto da atenção do Tribunal de Justiça, na medida em que este, na sua anterior, e já abundante, jurisprudência só teve oportunidade de se ocupar de adjudicações «in house» nas quais a relação entre a entidade adjudicante e o adjudicatário era de tipo vertical (5).

5.        A segunda exceção, desenvolvida na jurisprudência do Tribunal de Justiça (6) e invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, diz respeito, em contrapartida, à possibilidade de excluir do âmbito de aplicação das normas da União em matéria de contratos públicos, os contratos abrangidos pelo âmbito da denominada cooperação entre entidades públicas.

I —    Contexto normativo

A —    Direito da União

6.        Nos termos do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/18, «‘[c]ontratos públicos’ são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais entidades adjudicantes, que têm por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços na aceção da presente diretiva».

7.        O artigo 7.° da Diretiva 2004/18 estabelece os limiares de valor a partir dos quais os contratos públicos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da referida diretiva. À época dos factos relevantes no processo principal, esse limiar era de 193 000 euros (7). Nos termos do artigo 20.° da Diretiva 2004/18 «[o]s contratos que tenham por objeto os serviços referidos no anexo II A são adjudicados de acordo com os artigos 23.° a 55.°». O artigo 28.° desta diretiva dispõe que os contratos são celebrados, salvo exceções, recorrendo a concursos públicos ou limitados. O anexo II A da mesma diretiva inclui uma categoria 7, que visa os «Serviços informáticos e afins».

B —    Direito nacional

8.        O § 5, n.° 3, da Constituição alemã dispõe que «a arte e a ciência, a investigação e o ensino são livres».

9.        Nos termos do § 91c, n.° 1, da Constituição alemã, «[a] Federação e os Länder podem cooperar na planificação, criação e gestão dos sistemas informáticos necessários para o cumprimento das suas atribuições».

10.      A regulamentação nacional em matéria de contratos públicos encontra‑se na Gesetz gegen Wettbewerbsbeschränkungen (lei contra as restrições da concorrência), que, no seu § 99, contém a definição de contrato público (8).

11.      A Hamburgisches Hochschulgesetz (lei do Land de Hamburgo relativa ao ensino superior, a seguir «HmbHSchG») estabelece o regime aplicável aos estabelecimentos públicos de ensino superior da Freie und Hansestadt Hamburg (Cidade Livre e Hanseática de Hamburgo, a seguir «cidade de Hamburgo»).

12.      Nos termos do § 2, da HmbHSchG «[o]s estabelecimentos de ensino superior, organismos da cidade de Hamburgo, são pessoas coletivas de direito público autónomas» que «regulam o exercício das suas competências autónomas através de um regulamento de base e das disposições estatutárias».

13.      Nos termos do § 5 da HmbHSchG, intitulado «Autonomia», os estabelecimentos de ensino superior exercem as suas competências autónomas de forma independente, sob a fiscalização da legalidade pelas autoridades competentes. As competências autónomas são as competências que não são delegadas.

14.      O § 6 da HmbHSchG regula os recursos orçamentais a favor dos estabelecimentos de ensino superior e, no seu n.° 2, enumera as competências delegadas que esses estabelecimentos exercem, entre as quais são indicadas, entre outras: a gestão dos créditos postos à sua disposição, incluindo a faturação, a tesouraria e a contabilidade, a administração dos imóveis e dos equipamentos postos à sua disposição, as questões relativas ao pessoal e ao seu recrutamento, bem como a determinação da capacidade formativa e as propostas respeitantes à determinação do número de admissões. Nos termos do n.° 3 do mesmo artigo, pode ser delegado nos referidos estabelecimentos o exercício de outras competências. Por último, nos termos do n.° 4 deste artigo, as autoridades competentes exercem sobre estes estabelecimentos, através de orientações e instruções gerais, um «controlo da oportunidade» (9) relativamente ao exercício das competências delegadas.

II — Matéria de facto, processo nacional e questões prejudiciais

15.      A Technische Universität Hamburg‑Harburg (Universidade Técnica de Hamburgo, a seguir «TUHH»), recorrente no processo atualmente pendente no órgão jurisdicional de reenvio, é um estabelecimento público de ensino superior da cidade de Hamburgo. A mesma é uma entidade adjudicante na aceção da Diretiva 2004/18 (10).

16.      A Hochschul‑Informations‑System GmbH (a seguir «HIS»), também ela, conjuntamente com a TUHH, recorrente no processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio, é uma sociedade de responsabilidade limitada de capital inteiramente público, detida num terço pelo Estado federal alemão e em dois terços pelos 16 Länder alemães, entre os quais a cidade de Hamburgo, que detém 4,16% do capital social da HIS. Em conformidade com o artigo 2.° dos seus estatutos, o objeto social da HIS consiste em prestar assessoria aos estabelecimentos públicos de ensino superior e às autoridades competentes, com vista a garantir uma execução racional e economicamente eficaz da sua missão de ensino superior através, nomeadamente, do desenvolvimento de procedimentos para a racionalização da administração do ensino superior, bem como da participação na introdução e aplicação desses procedimentos, do fornecimento de informações e da organização dos intercâmbios de informação. Nos termos do artigo 3.° dos seus estatutos, a HIS desenvolve exclusivamente atividades de interesse público sem fins lucrativos.

17.      Com a intenção de adquirir um sistema informático de gestão para o ensino superior, a TUHH efetuou uma avaliação de dois desses sistemas, um desenvolvido pela HIS, e outro desenvolvido pela sociedade Datenlotsen Informationssysteme GmbH (a seguir «Datenlotsen Informationssysteme»). Na sequência da comparação entre esses dois sistemas informáticos, a TUHH decidiu celebrar, em 7 de abril de 2011, um contrato com a HIS, que tem por objeto a instalação do sistema desenvolvido por esta, mediante uma adjudicação direta sem aplicar os processos de adjudicação previstos na Diretiva 2004/18 para os contratos públicos.

18.      Por considerar que a adjudicação direta desse contrato à HIS era ilegal, a Datenlotsen Informationssysteme impugnou a decisão de adjudicação perante a Vergabekammer bei der Finanzbehöerde da cidade de Hamburgo, órgão jurisdicional de primeira instância competente em matéria de contratos públicos, que deu provimento ao recurso. Em especial, este órgão jurisdicional considerou que, não existindo uma relação de controlo entre a TUHH e a HIS, não estavam reunidos os requisitos previstos na jurisprudência do Tribunal de Justiça para uma adjudicação «in house».

19.      A HIS e a TUHH recorreram da decisão de primeira instância para o órgão jurisdicional de reenvio.

20.      Esse órgão jurisdicional observa que o Tribunal de Justiça ainda não teve oportunidade de esclarecer se a jurisprudência que prevê uma exceção à aplicação das normas relativas aos processos de adjudicação dos contratos públicos, em caso de adjudicação «in house»», pode ser aplicada a uma «adjudicação 'in house' horizontal» como a que está em causa no processo principal. No entanto, considera que o espírito e a finalidade da exceção relativa às adjudicações «in house», conforme desenvolvida na jurisprudência do Tribunal de Justiça, poderia permitir considerar aquelas operações abrangidas pela referida exceção, dispensando, portanto, as entidades adjudicantes da obrigação de organizar processos públicos de adjudicação para esse tipo de contratos. Contudo, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta o facto de que, segundo a jurisprudência, o regime das exceções à aplicação desses processos deve ser interpretado de forma restritiva, cabe ao Tribunal de Justiça determinar se as adjudicações «in house» horizontais podem, ou não, estar abrangidas pelo âmbito de aplicação dessa exceção.

21.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que se verificam os pressupostos para a aplicação da outra exceção desenvolvida na jurisprudência do Tribunal de Justiça, relativa à cooperação entre entidades públicas, na medida em que, por um lado, a HIS está constituída sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada de direito privado e, por outro, não está diretamente encarregada de exercer uma missão de serviço público.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta também que, nos termos da legislação pertinente, os estabelecimentos de ensino superior como a TUHH, dispõem de uma ampla autonomia nos domínios da investigação e do ensino e que o exercício destas competências autónomas está sujeito unicamente à fiscalização da legalidade. No entanto, o contrato objeto do litígio pendente perante si insere‑se no domínio das aquisições e dos fornecimentos, no âmbito do qual as autoridades competentes dispõem de um poder de fiscalização que se estende até à possibilidade de anular ou alterar as decisões tomadas pelas universidades. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto à questão de saber se o requisito do «controlo análogo» previsto na jurisprudência Teckal, que estaria satisfeito relativamente ao domínio das aquisições e fornecimentos, não deve, contudo, ser estendido a todos os âmbitos de atividade do adjudicatário.

23.      À luz destas considerações, por despacho de 6 de novembro de 2012, o órgão jurisdicional de reenvio considerou necessário suspender a instância pendente perante si para submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Um ‘contrato público’, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/18 [...], pode também abranger um contrato em que a entidade adjudicante não exerce sobre o adjudicatário um controlo análogo ao que exerce sobre os próprios serviços, mas em que tanto a entidade adjudicante como também o adjudicatário são controlados pela mesma instituição, a qual, por sua vez, é uma entidade adjudicante na aceção da Diretiva 2004/18, atuando a entidade adjudicante e o adjudicatário no essencial para a sua instituição comum (operação ‘in house’ horizontal)?

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)      É necessário que o controlo análogo ao que é exercido sobre os próprios serviços se estenda a todas as atividades do adjudicatário ou é suficiente que se restrinja ao domínio das aquisições?»

III —  Tramitação processual no Tribunal de Justiça

24.      O despacho de reenvio deu entrada na Secretaria em 10 de janeiro de 2013. Apresentaram observações escritas a TUHH, a HIS, a Datenlotsen Informationssysteme GmbH, os Governos checo, italiano, espanhol e húngaro, bem como a Comissão Europeia. Intervieram na audiência, que teve lugar em 21 de novembro de 2013, a TUHH, a HIS, a Datenlotsen Informationssysteme GmbH, o Governo espanhol e a Comissão.

IV — Análise jurídica

A —    Quanto à primeira questão prejudicial

25.      Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se uma operação «in house» horizontal — ou seja, a celebração de um contrato entre uma entidade adjudicante e uma entidade adjudicatária que não têm qualquer relação de controlo entre si, mas que estão ambas sujeitas ao controlo da mesma instituição que, por sua vez, é uma entidade adjudicante na aceção da Diretiva 2004/18, e a favor da qual ambas realizam o essencial da sua atividade − constitui um contrato público na aceção da Diretiva 2004/18 e, por conseguinte, deve ser objeto dos processos de adjudicação dos contratos públicos previstos nessa diretiva.

26.      A título preliminar, cumpre observar que a aplicação da Diretiva 2004/18 a um contrato público está sujeita ao requisito de o seu valor estimado atingir o limiar fixado no seu artigo 7.°, alínea b), tendo em consideração o valor normal no mercado das empreitadas de obras, dos fornecimentos de produtos ou das prestações de serviços objeto desse contrato público. No caso contrário, há que aplicar as regras fundamentais e os princípios gerais do Tratado FUE (11). Ora, resulta do despacho de reenvio que o valor do contrato controvertido foi estimado em, pelo menos, 840,000 euros, valor este que ultrapassa claramente o referido limiar (12), de modo que o contrato em causa está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/18.

27.      Em conformidade com o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2004/18, um contrato a título oneroso, celebrado por escrito entre um operador económico e uma entidade adjudicante, e que tenha por objeto a prestação de serviços visados no anexo II A desta diretiva constitui um contrato público (13).

28.      Ora, resulta das informações que figuram dos autos no Tribunal de Justiça, por um lado, que o contrato em causa no processo principal, objeto de adjudicação direta, foi celebrado entre uma entidade adjudicante, a TUHH, e um operador económico, a HIS e, por outro, que os serviços objeto do contrato em causa no processo principal estão incluídos no conceito de «serviços informáticos e afins», como previsto na categoria 7 do anexo II A da Diretiva 2004/18.

29.      A este respeito, cabe salientar que, segundo a jurisprudência, para efeitos do conceito de contrato público é indiferente que o adjudicatário não prossiga a título principal uma finalidade lucrativa (14), como é o caso da HIS, nos termos do artigo 3.° dos seus estatutos (15). Além disso, no que diz respeito ao caráter oneroso do contrato em causa, cumpre observar que, segundo a jurisprudência, um contrato não pode escapar ao conceito de contrato público, pelo mero facto de a sua remuneração ficar limitada ao reembolso dos custos suportados para fornecer o serviço acordado (16). Por conseguinte, mesmo que o contrato em causa no processo principal não previsse o pagamento de um preço de mercado pelos serviços informáticos prestados pela HIS à TUHH, o que compete eventualmente ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, isso não constituiria um elemento determinante para o qualificar como contrato público (17).

30.      Portanto, à luz das considerações precedentes e sem prejuízo das necessárias verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, considero que o contrato em causa no processo principal apresenta as características de um contrato público que, enquanto tal, é, em princípio, objeto dos processos de adjudicação previstos na Diretiva 2004/18.

31.      Como referido nos n.os 4 e 5 anteriores, resulta, contudo, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que existem dois tipos de contratos públicos que escapam ao âmbito de aplicação do direito da União em matéria de contratos públicos (18) e relativamente aos quais a entidade adjudicante está, portanto, dispensada de lançar um processo de adjudicação, como previsto na Diretiva 2004/18.

32.      Trata‑se, em especial, por um lado, dos contratos abrangidos pela exceção relativa às denominadas adjudicações «in house» e, por outro, dos abrangidos pela exceção prevista para os contratos que estabelecem uma cooperação entre entidades públicas. Na medida em que no seu despacho, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência a ambas as exceções desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal de Justiça, que, além disso, foram objeto de debate na audiência, considero que ambas devem ser analisadas.

1.      Quanto à aplicabilidade da exceção «in house» às adjudicações internas horizontais

33.      Como indicado anteriormente, segundo jurisprudência assente iniciada pelo acórdão Teckal (19), uma entidade adjudicante está dispensada de lançar um processo de adjudicação de um contrato público, quando se verifiquem duas condições cumulativas: em primeiro lugar deve exercer sobre o adjudicatário um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e, em segundo, o adjudicatário deve realizar o essencial da sua atividade com a ou as entidades adjudicantes que o controlam (20).

34.      No que diz respeito à primeira destas condições, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, existe um «controlo análogo» quando o adjudicatário em causa está sujeito a um controlo que permita à entidade adjudicante influenciar as suas decisões. Deve tratar‑se de uma possibilidade de influência determinante, tanto nos objetivos estratégicos como nas decisões importantes desta entidade. Por outras palavras, a entidade adjudicante deve poder exercer sobre esta entidade um controlo estrutural e funcional. O Tribunal de Justiça exige igualmente que este controlo seja efetivo (21).

35.      Em conformidade com a jurisprudência, caso se recorra a uma entidade detida em conjunto por várias autoridades públicas, o «controlo análogo» também pode ser exercido conjuntamente por essas autoridades, sem ser indispensável que esse controlo seja individualmente exercido por cada uma delas (22).

36.      Ora, na medida em que uma das condições cumulativas para a aplicação da exceção desenvolvida na jurisprudência relativamente às adjudicações «in house» é a existência de uma relação de controlo entre a entidade adjudicante e o adjudicatário, há que concluir que esta exceção, enquanto tal, não pode ser aplicada no caso de adjudicações «in house» horizontais, que, por definição, pressupõem que não exista uma relação de controlo direto entre essas entidades (23). Por conseguinte, daí decorre que, no estado atual do direito, essas operações devem, em princípio, estar sujeitas aos processos de adjudicação previstos na Diretiva 2004/18.

37.      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que o espírito e a finalidade da «exceção ‘in house’», como desenvolvida na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativamente às adjudicações internas verticais, poderiam permitir considerar também abrangidas pelo âmbito de aplicação desta exceção as operações internas horizontais. Porém, isto só seria possível se o alcance desta exceção fosse estendido também a operações em que, embora tanto a entidade adjudicante como o adjudicatário estivessem sujeitos ao controlo análogo de outra autoridade pública, não estivesse, contudo, satisfeita a primeira condição prevista na jurisprudência, na medida em que não existe uma relação de controlo direto entre as duas partes no contrato. A este respeito, considero que se torna necessário desenvolver algumas considerações.

38.      Em primeiro lugar, deve‑se recordar que o Tribunal de Justiça repetiu, diversas vezes que o objetivo principal da regulamentação da União em matéria de contratos públicos é a livre circulação de serviços e a maior abertura possível à concorrência em todos os Estados‑Membros (24). Este objetivo implica a obrigação de qualquer entidade adjudicante aplicar as normas da União em matéria de contratos públicos, quando se verifiquem as condições aí previstas, com a consequência de qualquer exceção à aplicação desta obrigação ser de interpretação estrita (25). Daí decorre que qualquer extensão do âmbito de aplicação de uma exceção à aplicabilidade da legislação da União em matéria de contratos públicos deve ser apreciada com extrema prudência.

39.      No entanto, em segundo lugar, há que recordar também que o Tribunal de Justiça reconheceu que uma autoridade pública que seja uma entidade adjudicante tem a possibilidade de desempenhar as tarefas de interesse público que lhe incumbem pelos seus próprios meios, administrativos, técnicos e outros, sem ser obrigada a recorrer a entidades externas que não pertençam aos seus serviços (26).

40.      Foi precisamente baseado nesta premissa que o Tribunal de Justiça reconheceu, relativamente às adjudicações «in house», a exceção à sujeição aos processos públicos de adjudicação. Com efeito, nos casos em que uma entidade desempenha as tarefas de interesse público que lhe incumbem através de uma entidade que constitui um meio próprio, não se trata de um contrato a título oneroso celebrado com uma entidade juridicamente distinta da entidade adjudicante e não há que aplicar as disposições da União em matéria de contratos públicos (27).

41.      Além disso, resulta de uma leitura atenta da jurisprudência (28), que o fundamento da exceção relativa às adjudicações «in house» reside precisamente no facto de que, enquanto o adjudicatário não gozar de uma margem de autonomia tal que exclua que a entidade adjudicante exerça sobre ele um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, não poder existir entre as duas entidades uma relação contratual em sentido estrito, dada a ausência de um «concurso de duas vontades autónomas que representam interesses legítimos distintos» (29).

42.      Ora, considero que, nos casos em que uma operação «in house» horizontal se inscreva no quadro do desempenho de tarefas de interesse público que incumbam a uma entidade adjudicante, que as executa através de duas entidades sobre as quais exerce um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, a ratio da «exceção ‘in house’», como desenvolvida na jurisprudência, pode, em princípio, ser aplicável. Com efeito, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 39, acima, se a entidade utilizar os seus próprios meios para desempenhar as suas tarefas de interesse público, não deve ser obrigada a recorrer a entidades externas que não pertençam aos seus serviços. Em meu entender, isto também é válido nos casos em que esses meios próprios são constituídos por duas entidades controladas por essa entidade e que para o cumprimento dessas tarefas se torne necessária a celebração de um contrato entre as mesmas. Por conseguinte, também num caso deste tipo, em determinadas condições, poderiam não estar verificados os pressupostos de aplicação das normas da União em matéria de contratos públicos.

43.      No entanto, deve recordar‑se que, como foi referido nos n.os 40 e 41, acima, o fundamento que justifica a aplicação da exceção «in house» reside no facto de a celebração do contrato em causa não ser o resultado da expressão das vontades autónomas das entidades que são partes no mesmo, mas a expressão de uma única vontade. Ora, a este respeito, há que declarar que, numa adjudicação interna horizontal, a relação que existe entre a entidade adjudicante e o adjudicatário é muito mais ténue do que aquela que existe numa adjudicação «in house» vertical. Com efeito, esta não consiste numa relação de controlo direto, mas apenas num vínculo indireto, cujo alcance depende das relações que existam, respetivamente, entre as duas entidades e a entidade comum que as controla.

44.      Ora, nesta perspetiva, a condição de o contrato ser a expressão de uma vontade única parece‑me poder ser satisfeita apenas nos casos em que as duas entidades que o celebram sejam controladas exclusivamente pela mesma entidade. Com efeito, em meu entender, só em tal caso é possível considerar que a celebração do contrato é expressão de um único ato de vontade de uma autoridade pública, que pretenda, com esse ato, desempenhar as tarefas de interesse público que lhe incumbem através dos seus próprios meios. Com efeito, no caso da celebração de um contrato entre uma entidade sobre a qual várias entidades exercem um controlo conjunto e outra entidade controlada (de forma exclusiva ou conjuntamente com outras entidades) por uma das entidades que exercem o controlo sobre a primeira entidade, considero que dificilmente se pode considerar que o ato seja expressão de uma única vontade.

45.      Assim, nesta perspetiva, considero que, a exceção à aplicação das normas da União às adjudicações internas horizontais, só pode ser admissível quando o organismo que exerce o controlo análogo sobre as duas entidades, ou seja, a entidade adjudicante e o adjudicatário, não só for o mesmo, mas também exerça de forma exclusiva o controlo análogo sobre as duas entidades. Considero, portanto, que deve ser excluída a possibilidade de uma extensão da exceção «in house» ao caso das operações de natureza horizontal celebradas entre sujeitos jurídicos sobre os quais uma entidade exerce, um controlo análogo, tal como definido na jurisprudência, de forma conjunta com outras entidades adjudicantes.

46.      Esta abordagem restritiva no que diz respeito ao tipo de controlo análogo que, necessariamente, a entidade adjudicante que o detém deve exercer sobre as duas entidades que celebram o contrato para que as operações internas horizontais possam estar abrangidas pela exceção às normas da União em matéria de contratos públicos, parece‑me ser não só coerente com a ratio da exceção «in house» e com a necessidade, expressa pelo Tribunal de Justiça e referida no n.° 38, acima, de interpretar esta exceção de forma estrita, como, também, responder à exigência, invocada por várias das partes que apresentaram observações, de não estender para além dos limites do razoável as derrogações à regulamentação dos contratos públicos, com o risco de subtrair à mesma regulamentação e aos objetivos de abertura à concorrência partes importantes de setores económicos (30) que, como referido no mesmo n.° 38, esta prossegue (31).

47.      No que diz respeito ao processo principal, resulta das informações constantes dos autos no Tribunal de Justiça que a cidade de Hamburgo é, eventualmente, suscetível de exercer sobre a HIS apenas um controlo análogo em conjunto com os outros Länder e a Federação, facto que, entre outros, é contestado por algumas das partes intervenientes (32). Portanto, mesmo admitindo que a cidade de Hamburgo exerce de forma exclusiva um controlo análogo sobre a TUHH, o que, em qualquer caso, competiria ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, nomeadamente com base na resposta à segunda questão prejudicial que submeteu ao Tribunal de Justiça, a exceção, como foi apresentada nos números anteriores relativamente às adjudicações internas horizontais, não seria, de qualquer modo, aplicável.

48.      Em conclusão, resulta das considerações precedentes que, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, um contrato como o que está em causa no processo principal constitui um contrato público na aceção da Diretiva 2004/18, na medida em que é um contrato celebrado por escrito entre uma entidade adjudicante e um operador económico, que tem por objeto a prestação de serviços nos termos da referida diretiva. Como tal, o mesmo está, em princípio, sujeito aos processos de adjudicação previstos nessa diretiva. Independentemente da questão da existência de relações de «controlo análogo» entre a cidade de Hamburgo, por um lado, e a TUHH e a HIS, por outro, o referido contrato não pode beneficiar da exceção à aplicação desses processos ao abrigo da jurisprudência Teckal, na medida em que não existe nenhuma relação de controlo entre a entidade adjudicante, ou seja, a TUHH, e o operador económico adjudicatário, ou seja, a HIS. Em meu entender, um contrato deste tipo também não consubstancia um caso de adjudicação interna horizontal que possa beneficiar da exceção à aplicação dos processos públicos de adjudicação, enquanto operação que tem como objetivo o desempenho de tarefas de interesse público por parte da entidade que controla os dois contraentes, dado que, como referi nos n.os 44 a 46, acima, em meu entender, esta possibilidade deve ser limitada aos casos em que a entidade que detém o controlo exerce de forma exclusiva um controlo análogo sobre as duas partes no contrato, o que não é, certamente, o caso no processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio.

2.      Quanto à cooperação entre entidades públicas

49.      O órgão jurisdicional de reenvio considera, também, a possibilidade de o contrato em causa no processo principal poder beneficiar da segunda exceção à aplicação dos processos públicos de adjudicação desenvolvida na jurisprudência, ou seja, a exceção prevista relativamente à cooperação entre entidades públicas, referida no n.° 5, acima.

50.      A jurisprudência sujeita a aplicação desta exceção à existência de cinco requisitos cumulativos que, para que o contrato em causa possa ser excluído do âmbito de aplicação do direito da União em matéria de contratos públicos, devem estar todos preenchidos (33). Assim, o Tribunal de Justiça estabeleceu que podem sair do âmbito de aplicação dos processos públicos de adjudicação os contratos que, em primeiro lugar, instituem uma cooperação entre entidades públicas, que, em segundo lugar, tenha o objetivo de assegurar a realização de uma missão de serviço público que seja comum a essas entidades. Em terceiro lugar, esses contratos devem ser celebrados exclusivamente por entidades públicas, sem a participação de privados. Em quarto lugar, nenhum prestador privado deve ser colocado numa posição privilegiada em relação aos seus concorrentes e, por último, em quinto lugar, a cooperação instituída entre as entidades públicas deve ser regida unicamente por considerações e exigências próprias à prossecução de objetivos de interesse público (34).

51.      Ora, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às averiguações necessárias para determinar a existência, no caso concreto, de todos esses critérios. No entanto, o Tribunal de Justiça pode fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação que decorrem do direito da União que lhe possam ser úteis para a sua decisão (35).

52.      Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta uma dupla dúvida quanto à aplicabilidade, no caso em apreço, da exceção prevista relativamente à cooperação entre entidades públicas.

53.      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio exclui a aplicabilidade desta exceção devido à natureza de sociedade de responsabilidade limitada de direito privado da HIS. Esta apreciação do órgão jurisdicional de reenvio coloca a questão do âmbito de aplicação subjetivo da exceção em causa.

54.      A este respeito, deve‑se observar que, no acórdão Comissão/Alemanha, já referido, primeiro caso em que foi reconhecida a existência desta exceção, o Tribunal de Justiça utilizou o conceito de «autoridades públicas» (36) para indicar as entidades que podiam tomar parte na cooperação, embora o acordo de cooperação em causa tivesse sido celebrado entre a cidade de Hamburgo e quatro Landkreise limítrofes (37). A utilização deste conceito pelo Tribunal de Justiça indicava que a exceção não estava limitada exclusivamente à cooperação entre coletividades territoriais (38). Posteriormente, no acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido, o Tribunal de Justiça utilizou o conceito de cooperação entre «entidades públicas» (39).

55.      Contudo, independentemente da questão terminológica, considero que, a este respeito, deve ser adotada uma abordagem funcional, e não formal (40). Nesta perspetiva, considero que a natureza de direito privado de uma das entidades que participa na cooperação não constitui, por si só, um obstáculo à aplicação da exceção em causa, na medida em que, ainda assim, se conclua que, apesar dessa natureza, a mesma é, na realidade, uma entidade pública (41), que me parece claramente ser o caso de uma sociedade de capital inteiramente público como a HIS.

56.      Com efeito, em meu entender, a terceira das condições jurisprudenciais, referidas no n.° 50, acima, não impõe que as entidades que instituem a cooperação tenham natureza formal de direito público, mas impõe, antes, a ausência total de interesses privados dessas entidades. A este respeito, pode acrescentar‑se que a participação de interesses privados deve ser excluída durante o período de vigência do contrato em causa no processo principal. Com efeito, se o capital do adjudicatário que tem natureza de direito privado for aberto a acionistas privados, o efeito de uma tal situação será o de adjudicar um contrato público a uma empresa de economia mista sem abertura de concurso, o que colide com os objetivos prosseguidos pelo direito da União (42).

57.      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a segunda condição prevista na jurisprudência, ou seja, que a cooperação tenha o objetivo de assegurar a realização de uma missão de serviço público que é comum às duas entidades públicas, não está preenchida no caso em apreço, na medida em que, embora os artigos 2.° e 3.° dos estatutos da HIS prevejam que o seu objeto social consiste em prestar assessoria aos estabelecimentos de ensino superior e, portanto, esta entidade prossiga objetivos de interesse geral, a sua função não poderia, porém, ser equiparada a uma verdadeira missão de serviço público de que a mesma estivesse investida.

58.      Não partilho da abordagem que parece ser definida pelo órgão jurisdicional de reenvio, segundo a qual, para que a função de serviço público possa ser reconhecida como sendo comum às entidades públicas que participam na cooperação, é absolutamente necessário que o desempenho dessa função deva caber a cada uma delas.

59.      Com efeito, embora seja necessário que a cooperação se destine a prestar um serviço público comum e, portanto, não seja suficiente que o dever legal de prestação do serviço público controvertido só incumba a uma das entidades públicas intervenientes ao passo que a outra se limita ao papel de uma mera auxiliar da realização dessa prestação, assumindo a prestação deste serviço de outrem por força de um contrato (43), considero, porém, que pode haver uma cooperação com o objetivo de assegurar a realização de uma missão de serviço público que é comum mesmo quando exista uma complementaridade específica entre as funções de serviço público desempenhadas pelas entidades públicas em causa e a cooperação diga respeito exatamente a tais funções especificamente complementares. Contudo, o conceito de complementaridade não pode constituir a porta de entrada no regime das exceções para cooperações respeitantes a qualquer tipo de conexão. Com efeito, na minha opinião, não é suficiente uma pura e simples complementaridade entre as funções de serviço público. É necessário que essa complementaridade seja específica, no sentido de que diga respeito, relativamente a todas as entidades públicas em causa, especificamente à função objeto da cooperação, como, por exemplo, me parece ser o caso da função de ensino e de investigação no processo principal.

60.      Ora, nesta perspetiva, resulta das informações constantes dos autos que a função específica desempenhada pela HIS, sociedade de capital inteiramente público, é a de dar assessoria aos estabelecimentos públicos de ensino superior para assegurar uma execução racional e economicamente eficaz da sua missão de ensino superior. Ora, esta função parece‑me ter uma relação de complementaridade específica com a de ensino e investigação realizada pelas universidades suscetível de poder configurar, desde que todas as outras condições estejam preenchidas, uma cooperação abrangida pela exceção relativa à cooperação entre entidades públicas prevista na jurisprudência. A este respeito, acrescento que, em meu entender, não é de todo secundário para esta análise, o facto de o desempenho da referida função ser expressão da vontade do legislador constitucional alemão, que previu, no § 91c, n.° 1, da Constituição formas de cooperação entre a Federação e os Länder para a criação e a gestão dos sistemas informáticos necessários para o cumprimento das suas atribuições.

61.      Uma vez analisadas as dúvidas manifestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, há ainda que analisar uma questão suscitada pela Comissão. Com efeito, na audiência, esta instituição afirmou que a aplicação da exceção em causa ao caso em apreço estaria excluída, na medida em que uma cooperação entre entidades públicas relativa a atividades abrangidas por uma missão de serviço público não poderia ser desenvolvida no quadro de um contrato que prevê a prestação de serviços em contrapartida de uma remuneração.

62.      A este respeito, saliento, antes de mais, que, no acórdão Comissão/Alemanha, já referido, o Tribunal de Justiça já declarou que o direito da União de maneira nenhuma impõe às autoridades públicas, para assegurar conjuntamente as suas missões de serviço público, que recorram a uma forma jurídica especial (44). Naquele caso, aliás, a cooperação entre a cidade de Hamburgo e os Landkreise tinha assumido, precisamente, a forma contratual.

63.      No entanto, deve notar‑se, além disso, que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça salientou que o fornecimento dos serviços em causa, ou seja, a eliminação de resíduos, dava lugar ao pagamento de um preço, unicamente, ao explorador da instalação de eliminação, cocontratante da cidade de Hamburgo, ao passo que a verdadeira cooperação estabelecida no contrato entre as entidades envolvidas, ou seja, os Serviços de Limpeza da cidade de Hamburgo e o Landkreise, não dava lugar a movimentos financeiros entre as mesmas (45).

64.      Pergunto‑me, por conseguinte, se para que a exceção em causa seja aplicável ao acordo que institui a cooperação, é necessário que esse acordo não implique movimentos financeiros entre as entidades públicas envolvidas.

65.      A este respeito, saliento, contudo, que, no acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido, no qual o Tribunal de Justiça, com base no seu acórdão anterior Comissão/Alemanha, já referido, retomou, de forma mais específica e sistemática, os cinco requisitos cumulativos que devem estar presentes para que o acordo em causa possa beneficiar da exceção à aplicação das normas da União em matéria de contratos públicos, o Tribunal de Justiça não fez qualquer referência a nenhum critério deste tipo. Do seu silêncio, deduzo que o mesmo não pretendeu estabelecer como critério necessário para a aplicação da exceção em causa, a ausência total de movimentos financeiros entre as entidades que instituem a cooperação.

66.      Considero, contudo, intrínseco à existência de uma exceção deste tipo, que os pagamentos a uma entidade previstos pela prestação de determinado serviço a outra entidade no âmbito da sua cooperação, não podem ser iguais ao preço de mercado, mas devem ser norteados pelos custos e pelos desembolsos financeiros efetivamente suportados pela prestação do serviço, o que me leva a ter algumas dúvidas quanto à compatibilidade, com esta exigência, de uma eventual disposição contratual de um pagamento a título fixo das despesas efetuadas com a prestação do serviço.

67.      Em qualquer caso, incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio proceder às verificações necessárias a este respeito, bem como quanto à existência de todos os outros requisitos estabelecidos na jurisprudência para a aplicação da exceção prevista relativamente à cooperação entre entidades públicas.

B —    Quanto à segunda questão prejudicial

68.      Com a sua segunda questão prejudicial, submetida ao Tribunal de Justiça em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o controlo análogo exigido pela jurisprudência Teckal deve ser exercido sobre todas as atividades do adjudicatário ou se é suficiente que esse controlo se limite ao setor das aquisições.

69.      A título preliminar, saliento que, à luz das considerações desenvolvidas no âmbito da análise da primeira questão prejudicial, no caso de o Tribunal de Justiça seguir a abordagem que propus, não seria necessário responder a esta questão, na medida em que, em qualquer caso, estaria excluída a aplicação da exceção «in house», no processo pendente no órgão jurisdicional de reenvio. Assim, é apenas por uma questão de exaustividade que desenvolvo as seguintes considerações quanto à segunda questão prejudicial.

70.      No n.° 34, acima, já recordei as características essenciais do controlo análogo, como definidas na jurisprudência. Nos n.os 39 a 41, acima, recordei, em contrapartida, a ratio subjacente ao reconhecimento da exceção «in house», que explica também o sentido do próprio requisito do controlo análogo.

71.      Em meu entender, decorre dessas considerações, em especial, da necessidade de o controlo ser estrutural e funcional, que, em princípio, tal controlo deve estender‑se a todas as atividades do adjudicatário e não pode ser limitado apenas ao segmento dos contratos públicos. Com efeito, a entidade «in house» deve, em substância, agir como um órgão da entidade e esta deve exercer uma influência determinante sobre os objetivos estratégicos e sobre as decisões importantes da entidade por si controlada (46).

72.      No entanto, cumpre recordar que o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer que, embora a jurisprudência exija que o controlo exercido sobre o adjudicatário por uma autoridade adjudicante seja análogo ao que a mesma entidade exerce sobre os seus próprios serviços, o mesmo não exige, porém, que o controlo exercido sobre o adjudicatário deva ser idêntico em todos os pontos ao que é exercido sobre os seus serviços (47).

73.      A este respeito, cabe referir que a autonomia de que as universidades gozam em matéria de ensino e investigação é uma expressão da liberdade de ensino e de investigação, princípio expressamente consagrado, não só a nível constitucional, no § 5, n.° 3, da Constituição alemã, mas também na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que, no seu artigo 13.° dispõe que a investigação científica é livre e que deve ser respeitada a liberdade académica. Por conseguinte, nesta perspetiva, considero que, para que entidades como as universidades possam beneficiar da exceção «in house», não pode ser exigido que seja exercido um controlo sobre as mesmas que se estenda também à atividade pedagógica e de investigação, na medida em que a autonomia das universidades em relação a essas atividades é uma expressão de valores de natureza constitucional comuns aos ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros e consagrados na Carta.

74.      Além disso, a este respeito, pode salientar‑se, também, que o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência, já teve oportunidade de tratar das peculiaridades dos estabelecimentos de ensino universitário em relação à legislação em matéria de contratos públicos (48).

75.      Resulta do que antecede que, caso o Tribunal de Justiça considere necessário responder também à segunda questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, em meu entender, a resposta deveria ser no sentido de que o controlo análogo deve estender‑se a todas as atividades do adjudicatário, sem prejuízo das prerrogativas próprias das universidades em matéria de ensino e de investigação.

V —    Conclusões

76.      Com base nas considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão prejudicial formulada pelo Hanseatisches Oberlandesgericht Hamburg, nos seguintes termos:

Um contrato que tem por objeto a prestação de serviços, relativamente aos quais, o beneficiário desses serviços, que constitui uma entidade adjudicante na aceção da Diretiva 2004/18, não exerce sobre quem os presta um controlo análogo ao que é exercido sobre os seus próprios serviços, mas estão ambos sujeitos ao controlo de uma mesma instituição, que pode ser qualificada de entidade adjudicante na aceção da referida diretiva, e tanto o beneficiário dos serviços como o prestador dos mesmos realizam o essencial da sua atividade a favor da instituição que os controla, constitui um contrato público, na medida em que o mesmo é um contrato celebrado por escrito entre a entidade adjudicante beneficiária dos serviços e o operador económico que os presta, quando o referido contrato tiver por objeto uma prestação que seja qualificável de prestação de serviços na aceção da referida diretiva.

Um contrato deste tipo só pode beneficiar de uma exceção à aplicação dos processos públicos de adjudicação previstos nas normas da União em matéria de contratos públicos nos casos em que a entidade que detém o controlo exerce, de forma exclusiva, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços, tanto sobre o beneficiário dos serviços como sobre quem os presta, e realizem, ambos, o essencial da sua atividade a favor da entidade que os controla ou nos casos em que esse contrato preenche todos os requisitos previstos para a aplicação da exceção da cooperação entre entidades públicas.


1 —      Língua original: italiano.


2 —      Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO L 134, p. 114).


3 —      Acórdão de 18 de novembro de 1999 (C‑107/98, Colet., p. I‑8121).


4 —      V., por exemplo, acórdãos Teckal, já referido, n.° 50; de 11 de janeiro de 2005, Stadt Halle e RPL Lochau (C‑26/03, Colet., p. I‑1, n.° 49); de 13 de outubro de 2005, Parking Brixen (C‑458/03, Colet., p. I‑8585, n.° 62); de 11 de maio de 2006, Carbotermo e Consorzio Alisei (C‑340/04, Colet., p. I‑4137, n.° 33); de 19 de abril de 2007, Asemfo (C‑295/05, Colet., p. I‑2999, n.° 55); de 13 de novembro de 2008, Coditel Brabant (C‑324/07, Colet., p. I‑8457, n.° 27); de 10 de setembro de 2009, Sea (C‑573/07, Colet., p. I‑8127, n.° 40); e de 29 de novembro de 2012, Econord (C‑182/11 e C‑183/11, n.° 25).


5 —      V. os processos referidos na nota anterior.


6 —      Acórdãos de 9 de junho de 2009, Comissão/Alemanha (C‑480/06, Colet., p. I‑4747, n.os 37, 44 e 47); de 19 de dezembro de 2012, Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o. (C‑159/11, n.os 34 e 35); e despacho de 20 de junho de 2013, Consiglio Nazionale degli Ingegneri (C‑352/12, n.os 43 e segs.).


7 —      V. artigo 7.°, alínea b), da Diretiva 2004/18, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1177/2009 da Comissão, de 30 de novembro de 2009 (JO L 314, p. 64).


8 —      Nos termos do § 99 da GWB, «[o]s contratos públicos são contratos celebrados, a título oneroso, por entidades adjudicantes com empresas, sobre a aquisição de prestações que têm por objeto um fornecimento de bens, uma empreitada de obras públicas ou uma prestação de serviços, sobre concessões de obras públicas e sobre concursos de conceção destinados à celebração de contratos públicos de aquisição de prestações de serviços».


9 —      Das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça resulta que, no direito administrativo alemão, o «controlo da oportunidade» é um controlo mais aprofundado do que o da legalidade, que se estende, também, à oportunidade do ato ou da ação administrativa.


10 —      V. artigo 1.°, n.° 9, desta diretiva.


11 —      Porém, a circunstância de o contrato em causa no processo principal poder, conforme o caso, cair sob a alçada da Diretiva 2004/18 ou das regras fundamentais e dos princípios gerais do Tratado FUE não tem influência na resposta a dar à questão submetida. Com efeito, os critérios enunciados na jurisprudência do Tribunal de Justiça para apreciar se a abertura à concorrência é ou não obrigatória são pertinentes tanto para a interpretação desta diretiva como para a interpretação destas regras e princípios do Tratado FUE. V., neste sentido, acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido, n.os 23 e 24.


12 —      V. n.° 7, supra.


13 —      V., a este respeito, acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido, n.° 25.


14 —      V., neste sentido, acórdãos de 23 de dezembro de 2009, CoNISMa (C‑305/08, Colet., p. I‑12129, n.os 30 e 45) e Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido, n.° 26.


15 —      V. n.° 16, supra.


16 —      V., neste sentido, acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido, n.° 29.


17 —      V., a este respeito, as observações desenvolvidas pela advogada‑geral V. Trstenjak, nos n.os 30 a 34 das suas conclusões apresentadas em 23 de maio de 2012, no processo Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido.


18 —      V. acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido, n.° 31, e despacho Consiglio Nazionale degli Ingegneri, já referido, n.° 40.


19 —      Acórdão Teckal, já referido.


20 —      V. jurisprudência referida na nota 4, supra.


21 —      V. acórdão Econord, já referido, n.° 27 e jurisprudência aí citada.


22 —      V. acórdão Econord, já referido, n.° 28 e jurisprudência aí citada.


23 —      V. n.os 2 e 25, supra.


24 —      V., neste sentido, acórdão CoNISMa, já referido, n.° 37 e jurisprudência aí citada.


25 —      V., entre outros, acórdãos Stadt Halle e RPL Lochau, já referido, n.os 44 e 46, e Parking Brixen, já referido, n.° 63, e acórdão de 6 de abril de 2006, ANAV (C‑410/04, Colet., p. I‑3303, n.° 26).


26 —      V., nomeadamente, acórdãos Stadt Halle e RPL Lochau, já referido, n.° 48, Coditel Brabant, já referido, n.° 48, e Comissão/Alemanha, já referido, n.° 45 e Sea, já referido, n.° 57.


27 —      V., neste sentido, acórdão Stadt Halle e RPL Lochau, já referido, n.° 48.


28 —      V., a este respeito, a análise da jurisprudência efetuada pelo advogado‑geral P. Cruz Villalón, nos n.os 38 e segs. das suas conclusões, apresentadas em 19 de julho de 2012, no processo Econord, já referido.


29 —      V. conclusões, apresentadas em 1 de julho de 1999, pelo advogado‑geral G. Cosmas no processo Teckal, já referido, n.° 64 e as, já referidas, conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Econord, já referido, n.° 43. V., também, uma leitura conjugada dos n.os 49 e 50, do acórdão Teckal, já referido.


30 —      V. também, a este respeito, acórdão Carbotermo e Consorzio Alisei, já referido, n.os 58 e 59.


31 —      Deve salientar‑se, de passagem, que uma solução análoga parece ser a adotada na última versão da Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos contratos públicos, atualmente em discussão no Conselho (documento do Conselho n.° 11745/13; v., em especial, artigo 11.°, n.° 2, desta proposta).


32 —      Em especial, a Comissão contesta a existência de uma relação de controlo entre a cidade de Hamburgo e a HIS, devido à ausência da sua representação permanente no conselho geral e de supervisão da HIS. À luz da resposta dada à questão prejudicial, não é necessário, contudo, tomar posição a este respeito.


33 —      Acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido, n.° 36 e jurisprudência aí citada, e despacho Consiglio Nazionale degli Ingegneri, já referido, n.° 45.


34 —      Acórdão Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido, n.os 34 e 35 e jurisprudência aí citada, e despacho Consiglio Nazionale degli Ingegneri, já referido, n.os 43 e 44.


35 —      V. acórdão de 26 de setembro de 2013, Texdata Software (C‑418/11, n.° 55 e jurisprudência aí referida).


36 —      V. n.os 34, 44, 45 e 47 desse acórdão.


37 —      Os Landkreise, ou distritos rurais, constituem unidades administrativas da Alemanha que agrupam vários municípios situados na mesma região geográfica.


38 —      V. n.° 69 das conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak apresentadas no processo Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido.


39 —      V. n.os 34 e 35 desse acórdão.


40 —      Como, de resto, a abordagem adotada pelo Tribunal de Justiça para a definição dos conceitos de entidade adjudicante e de organismo de direito público na aceção do artigo 1.°, n.° 9, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18. V., a este respeito, acórdãos de 13 de dezembro de 2007, Bayerischer Rundfunk e o. (C‑337/06, Colet., p. I‑11173, n.° 37), e de 10 de abril de 2008, Ing. Aigner (C‑393/06, Colet., p. I‑2339, n.° 37).


41 —      A este respeito, observo, de passagem, que, segundo a jurisprudência, o estatuto de direito privado de uma entidade não constitui um critério apto para excluir a sua qualificação como organismo de direito público e, portanto, como entidade adjudicante [v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de maio de 2003, Comissão/Espanha (C‑214/00, Colet., p. I‑4667, n.° 55), e de 16 de outubro de 2003, Comissão/Espanha (C‑283/00, Colet., p. I‑11697, n.° 74), respeitantes à Diretiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), que, no seu artigo 1.°, alínea b), continha uma definição do conceito de «organismo de direito público» idêntica à que figura na Diretiva 2004/18]. Há, em contrapartida, que verificar, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, se, à luz da jurisprudência pertinente, esta entidade reúne, ou não, as três condições cumulativas previstas no artigo 1.°, n.° 9, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/18, em contrapartida sendo para o efeito indiferente o modo de constituição da entidade em causa. V. acórdão Comissão/Espanha, já referido (C‑214/00, n.° 54).


42 —      V., por analogia, acórdão ANAV, já referido, n.° 30.


43 —      V., neste sentido, n.° 75 das conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido.


44 —      V. n.° 47 deste acórdão, já referido.


45 —      V. n.° 43 do acórdão Comissão/Alemanha, já referido.


46 —      V. jurisprudência referida na nota 21, e acórdão Sea, já referido, n.° 65.


47 —      V., neste sentido, acórdão Coditel Brabant, já referido, n.° 46.


48 —      V., acórdãos CoNISMa, já referido, n.os 48, 49 e 51, e Ordine degli Ingegneri della Provincia di Lecce e o., já referido, n.° 27.