ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)
17 de Fevereiro de 2000 (1)
«Concorrência Procedimento administrativo Apreciação das denúncias
Infracção do artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81° CE) Carta da
administração comunicando o arquivamento Reabertura do processo
Fundamentação Obrigação Alcance Acordo de cooperação Cláusula de
exclusividade de aprovisionamento mútuo Cláusula de não-concorrência»
No processo T-241/97,
Stork Amsterdam BV, sociedade de direito neerlandês, com sede em Amsterdam,
representada por A. J. Braakman, advogado no foro de Roterdão (Países Baixos),
com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch e
Wolter, 11, rue Goethe,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Wouter Wils, membro
do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Hans Gilliams, advogado
no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de
Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
apoiada por
Serac Group, sociedade anónima de direito francês, com sede em Paris,
representada por Mary-Claude Mitchell, advogada no foro de Paris, com domicílio
escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Guy Harles, 8-10, rue Mathias
Hardt,
que tem por objecto um pedido de anulação da decisão contida na carta da
Comissão de 20 de Junho de 1997, que rejeita a denúncia apresentada pela
recorrente, destinada a obter a declaração de incompatibilidade com o artigo 85.°
do Tratado CE (actual artigo 81.° CE) de um acordo de cooperação entre a
recorrente e o Serac Group no domínio da comercialização de linhas completas de
máquinas para a fabricação de garrafas de plástico e seu enchimento asséptico com
produtos alimentares líquidos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),
composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,
secretário: A. Mair, administrador
vistos os autos e após a audiência de 22 de Abril de 1999,
profere o presente
Acórdão
Factos na origem do litígio
- 1.
- A Stork Amsterdam BV (a seguir «Stork») é uma sociedade de direito neerlandês
que produz máquinas destinadas ao fabrico de garrafas de plástico através do
método de moldação por «sopragem».
- 2.
- Em 14 de Agosto de 1987, a Stork celebrou com a Serac SA, que se transformou
depois na Serac Group (a seguir «Serac»), uma sociedade anónima de direito
francês que produz máquinas que permitem o enchimento asséptico de garrafas de
plástico, um acordo de cooperação para comercialização de linhas completas de
máquinas destinadas ao fabrico das referidas garrafas e ao seu enchimento
asséptico com produtos alimentares líquidos (a seguir «acordo de cooperação» ou
«acordo»). As duas empresas comprometiam-se a comprar-se mutuamente as
máquinas que produziam e a vendê-las em linhas completas sob o nome de
«Stork-Serac» ou de «Serac-Stork». O acordo previa também a obrigação de cada
uma das empresas pôr à disposição da outra os conhecimentos técnicos
(Knowledge) necessários à comercialização, à instalação e à manutenção em
serviço das referidas máquinas (artigo 5.° do acordo).
- 3.
- O artigo 6.° desse acordo continha uma cláusula de «não-concorrência» que
estipulava, nomeadamente:
«6.1 As partes acordam em se abster, uma e outra, de desenvolver, produzir e
vender, directa ou indirectamente por intermédio de agentes ou auxiliares
de qualquer natureza, aparelhos ou parte de aparelhos que estejam em
concorrência com os produzidos pela outra parte, que sejam visados pela
presente cooperação ou que sejam análogos a eles.
6.2 Se um potencial cliente pedir à Stork ou à Serac aparelhos de enchimento
ou de moldação por sopragem fabricados por terceiros, o vendedor é
obrigado a pedir o acordo da outra parte. Esta não poderá recusar o
consentimento sem fundamento. Se uma das partes vender a máquina
concorrente de um terceiro sem o acordo da outra, esta fica no direito de
exigir o pagamento de uma multa, a título de indemnização, equivalente a
30% (trinta por cento) da máquina substituída.
6.3 Em caso de rescisão do acordo nos termos do artigo 14.° (a saber, quando
o acordo tiver vigorado durante cinco anos e na sequência de denúncia
escrita com prazo de pré-aviso de doze meses) e apenas neste caso, a
obrigação de não-concorrência estipulada no artigo 6.1 permanecerá em
vigor relativamente à parte que rescinde durante os quatro anos seguintes
à referida rescisão.»
- 4.
- Em 1989, a Stork tentou obter o consentimento da Serac para pôr fim ao seu
acordo de cooperação, fazendo-o, nomeadamente, por carta de 13 de Julho de
1989, na qual ameaçava também apresentar queixa à Comissão pela violação do
artigo 85.° do Tratado CE (actual artigo 81.° CE), se a Serac se recusasse a aceitar
a rescisão do acordo.
- 5.
- Não tendo obtido resposta positiva da Serac, a recorrente submeteu em 20 de
Setembro de 1989 uma denúncia à Comissão, pedindo que fosse declarada a
incompatibilidade do seu acordo de cooperação com o artigo 85.° do Tratado. A
Stork argumentava que a Serac tinha violado esta disposição ao recusar-se a pôr
termo a esse acordo.
- 6.
- Em 24 de Janeiro de 1990, a Serac notificou o acordo de cooperação à Comissão
a fim de obter uma declaração negativa ou uma isenção, declarando
simultaneamente que podia satisfazer-se com uma carta administrativa de
arquivamento («carta de conforto»).
- 7.
- A Comissão respondeu à denúncia da Stork e à notificação da Serac através de
uma carta de 20 de Março de 1991, assinada por J. Dubois, director em exercício
na Direcção-Geral da concorrência (DG IV), e que continha uma proposta de
solução amigável do litígio, que era apresentada na sequência da denúncia e da
notificação, «bem como na sequência das informações complementares fornecidas
pelas duas sociedades». Analisando o acordo de cooperação, J. Dubois afirmava
que este, embora não reunindo as condições para a isenção, estava muito próximo
dos referidos pelo Regulamento (CEE) n.° 417/85 da Comissão, de 19 de
Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas
categorias de acordos de especialização (JO 1985, L 53, p. 1; EE 08 F2 p. 162, a
seguir «Regulamento n.° 417/85»), distinguindo-se o acordo essencialmente pelos
n.os 2 e 3 do seu artigo 6.° O autor da carta precisava que, com base em todas as
informações de que dispunha, considerava que estas cláusulas limitavam a
concorrência e não eram indispensáveis à realização dos objectivos do acordo.
Propunha, por conseguinte, uma modificação das referidas cláusulas par adaptar
o acordo ao espírito do Regulamento n.° 417/85.
- 8.
- A proposta adaptação do n.° 2 do artigo 6.° (relativo à exclusividade mútua de
aprovisionamento) destinava-se a torná-lo conforme com o artigo 2.°, alínea b), do
referido regulamento, ao prever a possibilidade de cada uma das partes se
abastecer sem qualquer penalidade junto de terceiros quando estes oferecessem
condições de aprovisionamento mais favoráveis. Na mesma perspectiva da
adaptação do acordo ao Regulamento n.° 417/85, J. Dubois precisava ainda que o
n.° 3 do artigo 6.° (relativo à obrigação de não-concorrência durante quatro anos
após o termo do acordo) «deveria ser suprimido».
- 9.
- Acrescentava ainda que, dada a importância económica limitada do negócio no
plano comunitário, não lhe parecia «oportuno, nesta fase, propor à Comissão a
abertura de um processo». No caso de as partes não chegarem a acordo para
modificar as cláusulas no sentido proposto, convidava-as a levarem a questão às
instâncias judiciais ou às autoridades administrativas nacionais competentes, dando
conhecimento da carta da Comissão.
- 10.
- A carta destinada à Stork continha um parágrafo suplementar redigido desta
forma:
«Na ausência de resposta da vossa parte nas quatro semanas seguintes à recepção
desta carta, encerrarei o processo; o mesmo poderá, todavia, ser reaberto em
qualquer momento, se qualquer alteração nas circunstâncias de facto ou de direito
exigirem nova apreciação da situação.»
- 11.
- Por carta de 19 de Julho de 1991, a Serac informou a Comissão de que as partes
encaravam a possibilidade de compor o seu litígio de forma amigável. Todavia, as
discussões entre as duas partes não deram resultado e o acordo expirou em 14 de
Agosto de 1992 sem ter sido modificado.
- 12.
- Em 21 de Dezembro de 1992, a Serac enviou uma outra carta a J. Dubois,
convidando a Comissão a reconsiderar a sua apreciação do processo. A Serac
argumentava, nomeadamente, que a proposta feita pela Comissão na sua carta de
20 de Março de 1991, que visava a modificação ou a supressão de um certo
número de cláusulas do acordo, reflectia um desconhecimento do mercado em
questão e uma apreciação errada das repercussões do acordo de cooperação sobre
a concorrência. Nesta carta, a Serac acrescentava que confirmava o seu acordo em
não invocar o n.° 3 do artigo 6.° do acordo de cooperação, apenas com a reserva
de que não fossem utilizados «os conhecimentos secretos comunicados durante a
sua vigência».
- 13.
- Por carta de 25 de Fevereiro de 1993, F. Giuffrida, chefe de unidade na DG IV,
respondeu que os argumentos apresentados pela Serac não eram de molde a pôr
de novo em questão a posição da Comissão expressa na sua carta de 20 de Março
de 1991, segundo a qual os n.os 2 e 3 do artigo 6.° do acordo eram demasiado
restritivos da concorrência e não indispensáveis para atingir os objectivos do
acordo. Concluiu a sua carta da forma seguinte: «Parece-me, por conseguinte, que
este processo deve ser considerado encerrado.» A Comissão enviou uma cópia
desta carta à Stork.
- 14.
- Em 15 de Maio de 1993, a Serac interpôs recurso de anulação da decisão contida
na carta da Comissão de 25 de Fevereiro de 1993 para o Tribunal de Primeira
Instância (processo T-31/93).
- 15.
- Em 16 de Julho de 1993, a Comissão suscitou uma questão prévia de
inadmissibilidade, argumentando que a carta de F. Giuffrida não era um acto
impugnável, mas uma simples tomada de posição provisória na medida em que não
se destinava a produzir efeitos jurídicos e não continha a decisão definitiva quanto
à denúncia ou à notificação. No articulado em que suscitava a questão prévia de
inadmissibilidade, a Comissão informava também que iria prosseguir a análise do
processo. Neste contexto, a Serac desistiu do recurso e o processo foi cancelado no
registo por despacho do Presidente do Tribunal de Primeira Instância de 20 de
Dezembro de 1993.
- 16.
- Em 5 de Outubro de 1994, a Comissão, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento
n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro Regulamento de execução
dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 8 F1 p. 22, a seguir
«Regulamento n.° 17»), dirigiu a cada uma das partes pedidos de informação
idênticos relativos «aos dados mais recentes sobre a repartição do mercado
segundo os tipos de apresentação (embalagem rectangular, garrafa de plástico ou
de vidro, cartão...) para cada um dos segmentos do mercado do leite», tendo estes
pedidos por objecto «permitir à Comissão apreciar a compatibilidade do (acordo)
à luz das regras da concorrência da CEE e nomeadamente do artigo 85.° do
Tratado (...), em pleno conhecimento dos factos e no seu verdadeiro contextoeconómico».
- 17.
- As duas partes transmitiram as informações pedidas e o processo foi em seguida
apreciado pela Comissão em conexão com o advogado da Stork em 14 de
Novembro de 1994, e depois com o advogado da Serac em 13 de Dezembro de
1994.
- 18.
- Nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de
Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do
Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62, a seguir
«Regulamento n.° 99/63»), G. Rocca, em nome de Alexander Schaub,
Director-Geral da DG IV, por carta de 23 de Janeiro de 1996, esclareceu a
recorrente das razões que justificavam a rejeição da sua denúncia. Após ter exposto
a sua análise do processo à luz do artigo 85.° do Tratado, G. Rocca concluiu que
não era realista sustentar que «o acordo permitia às empresas em questão eliminar
a concorrência numa parte substancial dos produtos em questão, tanto mais que,
pela sua carta de 21 de Dezembro de 1992, a Serac havia renunciado aos direitos
conferidos pelo artigo 6.°, n.° 3, do acordo» (direitos de exclusividade após o termo
do acordo). A carta da Comissão terminava por um aviso, que informava que a
instituição não adoptaria qualquer decisão definitiva antes de ter tomado
conhecimento dos comentários ou de informações novas da recorrente, ficando a
cargo desta fazê-las chegar por escrito e num prazo de quatro semanas.
- 19.
- Em 22 de Março de 1996, a Stork respondeu à Comissão, refutando os argumentos
desta e pondo de novo em questão a possibilidade de a recorrida proceder a uma
nova análise do processo após as suas cartas de 20 de Março de 1991 e de 25 de
Fevereiro de 1993.
- 20.
- Por carta de 20 de Junho de 1997, a Comissão informou a Stork da decisão de
rejeição da sua denúncia de 20 de Setembro de 1989 (Decisão IV/F 1/33.302
Stork, a seguir «decisão impugnada»). Retomando, no essencial, a análise do
acordo contida na sua carta de 23 de Janeiro de 1996, a Comissão concluiu que,
mesmo que as cláusulas restritivas da concorrência constantes no acordo estivessem
abrangidas pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, estavam reunidas as condições de
aplicação do n.° 3 do mesmo artigo.
Tramitação processual e pedidos das partes
- 21.
- Por petição registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de
Agosto de 1997, a recorrente interpôs o presente recurso de anulação da decisão
da Comissão contida na carta de 20 de Junho de 1997.
- 22.
- Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal, de 20 de Abril de
1998, a Serac foi admitida a intervir em apoio das conclusões da Comissão.
- 23.
- Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção)
decidiu dar início à fase oral. No quadro de medidas de organização do processo,
as partes foram convidadas a responder por escrito a determinadas questões antes
da audiência.
- 24.
- Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas que deram às questões postas
pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência realizada em 22 de Abril de 1999.
- 25.
- A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
anular a decisão impugnada;
condenar a Comissão nas despesas.
- 26.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
julgar o recurso improcedente;
condenar a recorrente nas despesas.
- 27.
- A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
julgar o recurso da Stork improcedente;
condenar a Stork na totalidade das despesas da instância, incluindo as
causadas pela sua intervenção.
Questão de direito
- 28.
- Em apoio do seu pedido, a recorrente invoca três fundamentos baseados,
primeiramente, na incompetência ou desvio de poder da Comissão para adoptar
a decisão impugnada, quando as suas cartas de Março de 1991 e de Fevereiro de
1993 já continham uma decisão definitiva, e o processo, pelo menos após a carta
de 25 de Fevereiro de 1993, devia ser considerado encerrado; em segundo lugar,
num erro de facto e de direito que viciava a referida decisão e, em terceiro lugar,
na falta ou insuficiência de fundamentação da decisão impugnada.
- 29.
- A Comissão contesta os fundamentos da recorrente e conclui pela improcedência
do recurso.
Quanto ao primeiro fundamento, baseado na incompetência ou desvio do poder da
Comissão para adoptar a decisão impugnada
- 30.
- O primeiro fundamento da recorrente visa, essencialmente, contestar o direito de
a Comissão reabrir o processo respeitante à denúncia e à notificação e de adoptar
a decisão impugnada e articula-se em duas partes. Na primeira parte, a recorrente
sustenta que as cartas de 20 de Março de 1991 e de 25 de Fevereiro de 1993 já
continham uma decisão susceptível de recurso e que o processo, em todo o caso
após a última carta, devia ser considerado encerrado, na medida em que nenhum
elemento novo justificava uma reapreciação do processo. Na segunda parte do
fundamento, a recorrente alega que a Comissão violou a sua obrigação de tomar
uma decisão num prazo razoável quanto à sua denúncia de 20 de Setembro de
1989, reabrindo o processo administrativo em 5 de Outubro de 1994 e adoptando
a decisão final em 20 de Junho de 1997.
- 31.
- Na réplica, e no âmbito do seu segundo fundamento de anulação, a recorrente
invoca também o facto de a decisão de reabrir o processo ter sido adoptada com
violação do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE).
- 32.
- Para apreciar a justeza do primeiro fundamento, o Tribunal considera que se deve
apreciar a primeira parte deste juntamente com o fundamento relativo à falta de
fundamentação da decisão de reabertura do processo.
Argumentos das partes
- 33.
- A recorrente argumenta que, nas cartas de 20 de Março de 1991 e de 25 de
Fevereiro de 1993, consideradas isoladamente ou de forma combinada, a Comissão
adoptou uma decisão susceptível de recurso, através da qual se pronunciou, com
vista criar efeitos jurídicos, sobre a aplicação do artigo 85.° do Tratado ao acordo
de cooperação.
- 34.
- Tendo em conta o seu conteúdo, a carta da Comissão de 25 de Fevereiro de 1993
devia ser considerada como um acto impugnável, porque se destinava a produzir
efeitos jurídicos. Esta carta continha, na opinião da recorrente, uma apreciação do
acordo em questão e correspondia a uma tomada de posição da Comissão quer
quanto à incompatibilidade com o mercado comum de duas cláusulas do acordo
de 14 de Agosto de 1987, à luz do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, quer quanto ao
facto de as referidas cláusulas não estarem abrangidas pelas disposições do n.° 3
do mesmo artigo. Através dessa carta, a Comissão encerrou formalmente o
processo, e a apreciação jurídica feita sobre o acordo tornou-se definitiva.
- 35.
- A recorrente conclui que a recorrida não tinha poderes para reabrir o processo
administrativo depois de ter proferido uma decisão e sem que nenhum elemento
novo justificasse tal reabertura. Ao fazê-lo, a Comissão incorreu em desvio de
poder.
- 36.
- Na réplica, a recorrente alega, da mesma forma, uma fundamentação deficiente da
decisão impugnada, que não expõe as razões que explicam, por um lado, a
mudança da opinião da recorrida quanto à importância económica do acordo e,
por outro lado, a sua opção de proceder a uma reapreciação aprofundada do
processo, em vez de propor, como fizera anteriormente, que o mesmo fosse
submetido às autoridades nacionais na falta de aceitação das modificações
propostas, quando não ocorreu nenhum elemento novo que justificasse tal
reapreciação.
- 37.
- A recorrida contesta a tese da recorrente. Informa que foi confrontada, a partir de
Setembro de 1989, com um conflito entre a Stork e a Serac relativo à aplicação e
validade do acordo mútuo de cooperação e lembra as regras aplicáveis à sua
intervenção em tais circunstâncias. Invoca os n.os 45 a 47 do acórdão de 10 de Julho
de 1990, Automec/Comissão (T-64/89, Colect., p. II-367, a seguir «acórdão
Automec I»), no qual o Tribunal concluiu, por outro lado, pela existência de três
fases sucessivas na tramitação do processo regulado pelo artigo 3.°, n.° 2, do
Regulamento n.° 17 e pelo artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 e, por outro lado,
considerou que as observações preliminares feitas pelos serviços da Comissão no
âmbito dos contactos informais na primeira fase não poderiam ser qualificados
como acto impugnado.
- 38.
- Neste contexto, as cartas de 20 de Março de 1991 e 25 de Fevereiro de 1993
constituíam manifestamente observações preliminares feitas pelos serviços da
Comissão de modo informal, com base numa primeira análise dos argumentos e
dos factos expostos pelas duas partes. Nestas cartas, a Comissão não emitiu um
parecer definitivo, que produzisse efeitos jurídicos, quanto à aplicação do artigo
85.° do Tratado.
- 39.
- A carta de Março de 1991 continha uma proposta pragmática destinada a pôr fim
ao conflito entre as duas partes e não uma interpretação definitiva do artigo 85.°
do Tratado. A passagem mais importante dessa carta foi aquela em que J. Dubois
afirmou que, dada a importância económica relativa deste processo, não lhe
parecia oportuno, nesta fase, propor à Comissão a abertura de um processo. Esta
conclusão explicava a sugestão feita às partes para comporem o litígio no sentido
proposto e, na hipótese de persistência de desacordo, levarem a questão às
instâncias judiciais nacionais.
- 40.
- A carta de Fevereiro de 1993 confirmava apenas que a Comissão, mesmo depois
de ter tomado conhecimento dos argumentos e dos elementos de informação
complementares apresentados pela Serac, não julgava oportuno abrir um processo
e que, por consequência, «este assunto (devia) ser considerado encerrado».
- 41.
- A Comissão acrescenta que as duas cartas já referidas não podem ser consideradas
como uma decisão definitiva que produza efeitos jurídicos e que conclua pela
incompatibilidade do acordo com o artigo 85.° do Tratado, porque uma decisão
dessa natureza só pode ser tomada no respeito de um procedimento previsto pelo
Regulamento n.° 17, que impõe, nomeadamente, a comunicação das acusações. A
Comissão considera que, neste caso concreto, não está provado que tenha sido feita
tal comunicação e que a ausência de assinatura das referidas cartas, pelo membro
da Comissão responsável pela concorrência ou em seu nome, confirma que estas
últimas apenas exprimem um primeiro parecer provisório.
- 42.
- Além disso, a recorrida admite que, após a desistência da Serac no processo
T-31/93, decidiu, tendo nomeadamente em conta argumentos e dados fornecidos
pela Serac na sua petição, reapreciar de forma aprofundada desta vez as
repercussões do acordo de cooperação sobre a concorrência. Deste modo, ao
«reactivar o processo» alterou a sua posição inicial, segundo a qual o processo não
apresentava uma importância económica suficiente para justificar uma análise
aprofundada.
- 43.
- A Comissão considera que a carta de 20 de Março de 1991 já deixava entrever a
possibilidade de abertura posterior do processo, quando o seu autor precisava que
não lhe parecia «oportuno, nesta fase, propor à Comissão a abertura de um
processo».
- 44.
- Apoiando-se no n.° 77 do acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância
em 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão (T-24/90, Colect., p. II-2223, a
seguir «acórdão Automec II»), a Comissão sustenta que a decisão de submeter umcaso, considerado como de importância menor numa primeira análise, a um exame
aprofundado subsequente constituiu uma medida que releva da livre apreciação de
qualquer administração que tenha uma missão de supervisão e de controlo. Da
mesma forma, a competência exigida para estabelecer prioridades implica também
a de rever estas prioridades, o que é tanto mais verdadeiro no presente processo
quanto a reabertura do processo não lesou os interesses da nenhuma das partes.
Nem a recorrente nem a Serac emitiram quaisquer objecções contra a nova
prioridade conferida pela Comissão à apreciação do seu litígio.
- 45.
- A recorrida contesta a admissibilidade do fundamento apresentado pela recorrente
na réplica, baseado na fundamentação deficiente da decisão impugnada (v. supra,
n.° 36). Sustenta, a título subsidiário, que não tinha a obrigação de indicar nessa
decisão as razões pelas quais tinha aberto um inquérito em Outubro de 1994, tanto
mais que essa questão não tinha sido invocada pela Stork ou pela Serac que, além
disso, tinham colaborado sem reserva no referido inquérito.
- 46.
- A interveniente contesta, da mesma forma, que as cartas da Comissão de 1991 e
1993 devam ser consideradas como uma decisão definitiva, não susceptível de ser
posta de novo em causa.
- 47.
- Recorda que a Comissão, em várias ocasiões, esclareceu que as cartas de 1991 e
1993 não eram decisões definitivas. Argumenta também que, ao aceitar sem
reservas responder ao pedido de informações que lhe foi dirigido pela Comissão
em Outubro de 1994, a recorrente aceitou o facto de o processo instaurado em
1989 não estar definitivamente encerrado.
- 48.
- Conclui que só a carta de 1997 constitui uma tomada de posição definitiva da
Comissão sobre o processo, e que as duas cartas de 1991 e 1993 não têm qualquer
conteúdo decisório e não produziram efeitos jurídicos.
Apreciação do Tribunal
Quanto à qualificação jurídica das cartas da Comissão de Março de 1991 e de
Fevereiro de 1993
- 49.
- Segundo jurisprudência constante, constituem actos ou decisões susceptíveis de
recurso de anulação, na acepção do artigo 173.° do Tratado CE (actual artigo 230°
CE), as medidas que produzem efeitos jurídicos vinculativos que afectem os
interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação
jurídica. Mais precisamente, quando se trata de actos ou decisões cuja elaboração
se efectua em várias fases, designadamente no termo de um processo interno, só
constituem, em princípio, actos impugnáveis as medidas que fixam definitivamente
a posição da instituição no termo do processo, excluindo-se as medidas
interlocutórias cujo objectivo é preparar a decisão final. Além disso, a forma sob
a qual os actos ou decisões são adoptados é, em princípio, indiferente no que
respeita à possibilidade de os impugnar por meio de recurso de anulação (v.
acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81,
Recueil, p. 2639, n.° 9, e Automec I, n.° 42).
- 50.
- Para apreciar, à luz dos princípios jurisprudenciais que acabam de recordar-se, a
natureza jurídica das cartas em questão, é conveniente examiná-las no âmbito do
processo de instrução dos pedidos apresentados nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do
Regulamento n.° 17.
- 51.
- O processo para a análise de uma queixa articula-se à volta de três fases sucessivas.
Durante a primeira fase, que se segue à apresentação da queixa, a Comissão
recolhe os elementos que lhe permitirão apreciar o seguimento a dar à queixa. Esta
fase pode compreender uma troca informal de pontos de vista entre a Comissão
e a parte queixosa, com vista a precisar os elementos de facto e de direito que são
objecto da queixa e dar-lhe oportunidade de expor as suas alegações, sendo caso
disso, à luz de uma primeira reacção dos serviços da Comissão. Na segunda fase,
a Comissão indica à parte queixosa os fundamentos pelos quais não lhe parece
justificado dar seguimento favorável à queixa e dá-lhe oportunidade de apresentar,
num prazo que fixa para esse efeito, as suas eventuais observações. Na terceira fase
do processo, a Comissão toma conhecimento das observações apresentadas pela
parte queixosa. Embora o artigo 6.° do Regulamento n.° 99 não preveja
expressamente essa possibilidade, esta fase pode conclui-se com a adopção duma
decisão definitiva (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Automec I, já
referido, n.os 45 a 47, e de 18 de Maio de 1994, BEUC e NCC/Comissão, T-37/92,
Colect. p. II-285, n.° 29).
- 52.
- Assim, nem as observações preliminares eventualmente emitidas no âmbito da
primeira fase do processo de análise das queixas nem as comunicações nos termos
do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 se podem qualificar como actos recorríveis
(acórdão Automec I, n.os 45 e 46). ).
- 53.
- Em contrapartida, as cartas que comunicam o arquivamento e contêm a decisão
definitiva de recusar a queixa e de encerrar o processo são susceptíveis de recurso,
porque têm o conteúdo e produzem os efeitos de uma decisão, na medida em que
põem termo ao inquérito instaurado, implicam a apreciação dos acordos
controvertidos e impedem as requerentes de exigir a reabertura do inquérito, a
menos que estas forneçam elementos novos (acórdãos do Tribunal de Justiça de
11 de Outubro de 1983, Demo-Studio Schmidt/Comissão, 210/81, Recueil, p. 3045,
n.os 14 e 15; de 28 de Março de 1985, CICCE/Comissão, 298/83, Recueil, p. 1105,
n.° 18, e de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84,
Colect., p. 4487, n.° 12).
- 54.
- Neste caso concreto, é conveniente determinar se, como sustenta a Comissão, as
cartas de 1991 e 1993 relevam da primeira fase do procedimento de análise das
denúncias ou se, como afirma a recorrente, devem ser consideradas como dando
conta de uma decisão de arquivamento, que produza efeitos jurídicos e que releve,
portanto, da última fase do referido procedimento.
- 55.
- Referindo-se aos n.os 2 e 3 do artigo 6.° do acordo, o autor da carta da Comissão
de 20 de Março de 1991 afirmava em primeiro lugar:
«Tendo em conta todas as informações de que actualmente disponho, estas
cláusulas parecem-me efectivamente demasiado restritivas da concorrência e não
indispensáveis para atingir os objectivos do (acordo).»
Também se propunha a supressão do n.° 3 do artigo 6.° do acordo e a adaptação
do n.° 2 dessa disposição ao espírito do Regulamento n.° 417/85, que, enquanto tal,
não era aplicável ao acordo.
- 56.
- Em segundo lugar, o autor dessa carta precisava:
«Tendo em conta a importância económica limitada da questão no plano
comunitário, não me parece oportuno, nesta fase, propor à Comissão a abertura
de um processo. No caso de não chegarem a acordo para modificar as cláusulas no
sentido acima indicado, convido V. Ex.as, por consequência, a levarem esta questão
às instâncias judiciais ou às autoridades administrativas nacionais competentes,
dando conhecimento da presente carta.»
- 57.
- O exemplar da carta destinada à Stork continha ainda um parágrafo suplementar
assim redigido:
«Na ausência de resposta da vossa parte nas quatro semanas seguintes à recepção
desta carta, encerrarei o processo; o mesmo poderá, todavia, ser reaberto em
qualquer momento, se qualquer alteração nas circunstâncias de facto ou de direito
exigirem nova apreciação da situação.»
- 58.
- Em resposta à carta da Serac de 21 de Dezembro de 1992, que convidava a
Comissão a reconsiderar a sua análise, F. Giuffrida, chefe de unidade na DG IV,
declarava na sua carta de 25 de Fevereiro de 1993 (da qual foi enviada uma cópia
à Stork):
«A sua carta de 21 de Dezembro de 1992 mereceu-me toda a atenção. Depois de
analisados, não me parece que os argumentos sejam de molde a pôr de novo em
questão o teor da carta [...] de 20 de Março de 1991, segundo a qual as cláusulas
6.2 e 6.3 do vosso acordo [...] com a Stork eram demasiado restritivas da
concorrência e não indispensáveis para atingir os objectivos do (acordo).
Parece-me, por conseguinte, que este processo deve ser considerado encerrado.»
- 59.
- Resulta claramente das cartas de 20 de Março e 25 de Fevereiro de 1993 que a
Comissão decidiu, após análise do acordo, arquivar o processo, tendo em conta a
sua importância económica limitada no plano comunitário. A Comissão, aliás,
propôs às partes uma solução amigável do litígio, sugerindo certas modificações do
acordo e convidou-as, na ausência de aplicação das referidas modificações e no
caso de persistência do conflito, a levarem a questão às autoridades ou aos órgãos
judiciais nacionais competentes.
- 60.
- Em particular, a carta de 20 de Março de 1991 contém todas as características de
uma comunicação nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, na medida
em que indica os fundamentos pelos quais não parece que se justifique dar
seguimento favorável à denúncia, refere-se expressamente ao encerramento do
processo e concede à denunciante um prazo para apresentar eventuais observações
(acórdão BEUC e NCC/Comissão, já referido, n.° 34).
- 61.
- Neste contexto, a carta de 25 de Fevereiro de 1993 confirma que, em consequência
da falta de reacção à carta de 20 de Março de 1991, o processo tinha sido
arquivado, dada a importância económica limitada do acordo no plano comunitário.
- 62.
- Nestas circunstâncias, o argumento da recorrida, segundo o qual as cartas de 20 de
Março de 1991 e 25 de Fevereiro de 1993 constituíam manifestamente
«observações preliminares feitas pelos serviços da Comissão de modo informal»,
no quadro da primeira das três fases do procedimento de inquérito, não pode ser
aceite. Pelo contrário, tendo em atenção o seu conteúdo e o contexto em que
foram elaboradas, devem ser consideradas como dando conta de uma decisão de
arquivamento da denúncia apresentada pela Stork, que releva, portanto, da última
fase do procedimento de exame de uma denúncia.
- 63.
- Não se pode, por conseguinte, sustentar que estas cartas contêm apenas
observações preliminares ou medidas preparatórias. Contêm, pelo contrário, uma
apreciação clara do acordo, designadamente da sua importância económica, feita
com base em todas as informações que a Comissão entendeu dever recolher. Tudo
indica que a decisão de arquivamento a que se referiam essas cartas devia
constituir a última fase do procedimento administrativo, que fixaria definitivamente
a posição da instituição. Não seria, por isso, seguida de qualquer outro acto
susceptível de originar um recurso de anulação (acórdão do Tribunal de Justiça de
16 de Junho de 1994, SFEI e o./Comissão, C-39/93 P, Colect., p. I-2681, n.os 27 e
28).
- 64.
- A natureza definitiva desta decisão não é posta em causa pela declaração de J.
Dubois, na carta de 20 de Março de 1991, segundo a qual não lhe parecia
«oportuno, nesta fase, propor à Comissão a abertura de um processo», propósito
que deixava entrever a possibilidade de abertura posterior de um processo com
uma análise aprofundada da questão. Com efeito, esta declaração deve ser vista
como referindo-se aos dois outros factos mencionados na carta, a saber, que a
análise efectuada e a decisão tomada se baseavam nas informações disponíveis e
que o processo podia ser reaberto se elementos de facto ou de direito novos o
justificassem.
- 65.
- Além disso, o argumento da recorrente, segundo o qual a inexistência de assinatura
do membro da Comissão responsável pela concorrência ou em seu nome confirma
que apenas emitiram um primeiro parecer provisório, deve também ser recusado.
Deve recordar-se que, segundo uma jurisprudência assente, a forma que revestem
os actos e decisões, é, em princípio, irrelevante quanto à possibilidade de os
impugnar através de recurso de anulação, e que é a sua substância que se deve terem conta para determinar se constituem actos impugnáveis nos termos do artigo
173.° do Tratado (acórdão IBM/Comissão, já referido, n.° 9).
- 66.
- No caso vertente, uma vez que as duas cartas em questão contêm uma apreciação
da denúncia apresentada à Comissão, a sua natureza jurídica não pode ser posta
em causa apenas pela circunstância de tal apreciação provir apenas dos serviços
da Comissão, sob pena de se retirar qualquer efeito útil ao disposto no artigo 3.°
do Regulamento n.° 17 (acórdão BEUC e NCC/Comissão, já referido, n.° 38).
- 67.
- No que respeita ao argumento segundo o qual a recorrente aceitou o facto de as
cartas de Março de 1991 e Fevereiro de 1993 constituírem observações
preliminares, ao responder ao pedido de esclarecimentos que lhe dirigiu a
Comissão em Outubro de 1994, deve recordar-se que, segundo jurisprudência
constante, medidas puramente preparatórias não podem, como tais, ser objecto de
recurso de anulação, mas as eventuais ilegalidades de que estejam viciadas podem
ser invocadas em apoio do recurso do acto definitivo de que constituíram uma fase
de elaboração (acórdão IBM/Comissão, já referido, n.° 12). Assim, para contestar
a justeza da decisão de reabertura do processo, a recorrente devia esperar, tal
como fez, a decisão adoptada no termo da instrução iniciada pelo pedido de
esclarecimentos que a Comissão lhe dirigiu em Outubro de 1994. Só no fim desse
processo é que a recorrente estava em condições de apreciar a justeza da decisão
e, mais precisamente, a necessidade de uma reapreciação do processo, tendo em
conta, nomeadamente, os novos elementos de facto e de direito eventualmente
recolhidos e tomados em conta pela Comissão.
- 68.
- Deve, pois, considerar-se que as cartas da Comissão de 20 de Março de 1991 e 25
de Fevereiro de 1993 têm um conteúdo decisório e produzem efeitos jurídicos, na
media em que dão conta de uma decisão de arquivamento da denúncia
apresentada pela Stork, que se baseia numa análise do acordo, considerado como
de importância económica limitada no plano comunitário.
- 69.
- Ficando, assim, esclarecida a natureza jurídica destas cartas, devem apreciar-se as
consequências jurídicas das mesmas, a fim de verificar se, neste caso, a Comissão
podia reabrir o processo administrativo e se podia, dessa forma, adoptar a decisão
impugnada.
Quanto à decisão de reabertura do procedimento administrativo
- 70.
- Convém observar, a título liminar que, enquanto responsável da aplicação da
política comunitária da concorrência, e nos limites das regras aplicáveis, a Comissão
goza de um certo poder de apreciação quanto ao tratamento a dar às denúncias
apresentadas nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17. Pode,
nomeadamente, conferir graus de prioridade diferentes às denúncias que lhe são
apresentadas e arquivar um processo, sem iniciar procedimentos destinados a
provar eventuais violações do direito comunitário, após ter considerado que o
referido processo não apresentava um interesse comunitário suficiente para
proceder à instrução da denúncia (acórdão Automec II, já referido, n.os 73 a 77 e
83 a 85).
- 71.
- Entre as regras que delimitam este poder de apreciação da Comissão figuram os
direitos processuais previstos pelos Regulamentos n.° 17 e n.° 99/63 a favor das
pessoas que tenham apresentado uma denúncia à Comissão.
- 72.
- Por um lado, em conformidade com o artigo 3.° do Regulamento n.° 17 e com o
artigo 6.° do Regulamento n.° 99/93, a Comissão deve examinar atentamente os
elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento pela parte
denunciante, a fim de apreciar se os referidos elementos mostram um
comportamento susceptível de falsear o mecanismo da concorrência no interior do
mercado comum e afectar o comércio entre Estados-Membros. Por outro lado, as
pessoas que tenham apresentado uma denúncia à Comissão têm o direito de ser
informadas dos fundamentos pelos quais a Comissão entende recusar a sua
denúncia (v. acórdão Automec II, já referido, n.os 72 e 79).
- 73.
- Segundo uma jurisprudência constante, o alcance do dever de fundamentação
depende da natureza do acto em causa e do contexto em que foi adoptado. A
fundamentação deve evidenciar de forma clara e inequívoca o raciocínio seguido
pela instituição, de forma a, por um lado, fornecer aos interessados uma indicação
suficiente para saberem se o acto tem fundamento ou se está, eventualmente,
afectado por um vício que permita contestar a sua validade e, por outro lado,
permitir ao tribunal comunitário exercer o seu controlo da legalidade (acórdão do
Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão,
T-213/95 e T-18/96, Colect. p. II-1739, n.° 226).
- 74.
- Convém também observar que a exigência de fundamentação suficientemente
precisa dos actos, consagrada pelo artigo 190.° do Tratado, constitui um dos
princípios fundamentais do direito comunitário cujo respeito compete ao juiz
assegurar, se necessário suscitando oficiosamente a questão da violação dessa
obrigação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 1992,
Dansk Pelsdyravlerforening/Comissão, T-61/89, Colect., p. II-1931, n.° 129).
- 75.
- Neste caso, a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela recorrida
relativamente à acusação da recorrente baseada na deficiente fundamentação da
decisão impugnada, na medida em que a mesma deveria ter exposto as razões da
mudança de opinião relativamente à importância económica do acordo e à sua
opção de proceder a uma reanálise aprofundada do processo, deve, por
conseguinte, ser rejeitada.
- 76.
- No que toca ao mérito, deve recordar-se que, pelas cartas de 20 de Março de 1991
e de 25 de Fevereiro de 1993, a Comissão comunicou à recorrente a sua decisão
de arquivar o processo em virtude da sua importância económica limitada no plano
comunitário (v., supra, n.os 59 a 61). Ora, ao «reactivar o processo», através da
decisão comunicada às partes na carta de 5 de Outubro de 1994, a Comissão
recuou na sua posição anterior no que toca à importância económica do acordo no
plano comunitário (v., supra, n.° 42).
- 77.
- Há que concluir que a fundamentação desta mudança de opinião não foi
explicitada pela Comissão, nem resulta do contexto da decisão. Além disso, nos
articulados e nas respostas verbais às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira
Instância quanto às razões da reabertura do processo, a Comissão declarou ter
aberto o inquérito em 1994 na sequência do recurso da Serac e para evitar um
processo contencioso. Não fez referência à razão fornecida nas suas cartas de 1991
e 1993 para arquivar o processo, a saber, a fraca importância económica do acordo.
- 78.
- Esta falta de fundamentação é tanto mais caracterizada quanto a obrigação de
fundamentação, que deve ser apreciada em função das circunstâncias de cada caso
concreto, é particularmente extensa no presente caso.
- 79.
- Com efeito, a Comissão já havia tomado uma decisão respeitante ao mesmo
acordo, que tinha expirado em Agosto de 1992, muito antes da segunda carta da
Comissão de 25 de Fevereiro de 1993 que confirmava o arquivamento do processo.
Além disso, resulta dos autos que a decisão de arquivamento de que dão conta as
cartas de 1991 e 1993 tinha sido tomada na sequência de diversos contactos entre
a Comissão e as duas partes no acordo, no decurso dos quais a recorrida tinha
podido apreender perfeitamente o ponto de vista de cada uma das partes.
- 80.
- Por conseguinte, é evidente que a decisão de reabertura do processo
administrativo, que levou à adopção da decisão impugnada, não se baseia na
existência ou conhecimento de elementos de facto ou de direito novos que
justificassem uma reabertura do processo (neste sentido, v. acórdãos do Tribunal
de Justiça de 1 de Outubro de 1998, Langnese-Iglo/Comissão, C-279/95 P, Colect.,
p. I-5609, n.° 30, e do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995,
Langnese-Iglo/Comissão, T-7/93, Colect., p. II-1533, n.° 40).
- 81.
- Nestas circunstâncias, deve considerar-se que a recorrente não estava em condições
de conhecer os fundamentos da decisão impugnada, que implicava que a Comissão,
ao considerar que o processo tinha uma importância económica suficiente para
justificar uma análise aprofundada dos serviços, tinha recuado na sua posição
original.
- 82.
- Decorre do exposto que o primeiro fundamento da recorrente, na medida em que
contesta a possibilidade de a Comissão tomar uma nova decisão sobre uma
denúncia relativa a um processo que tinha sido arquivado anteriormente em razão
da sua importância económica limitada no plano comunitário, sem que a reabertura
do processo administrativo que conduziu a essa decisão tivesse sido devidamente
fundamentada, nomeadamente com base em novos elementos, é procedente.
- 83.
- Nestas condições e sem que seja necessário analisar os outros fundamentos da
recorrente, deve considerar-se que a decisão impugnada deve ser anulada.
- 84.
- Além disso, convém recordar que, segundo jurisprudência assente, uma vez que as
cartas da administração comunicando o arquivamento, tais como as duas cartas da
Comissão de 1991 e 1993, reflectem uma apreciação desta e concluem um
procedimento de análise efectuado pelos seus serviços, as mesmas não têm por
efeito impedir os órgãos jurisdicionais nacionais, em que se invoque a
incompatibilidade dum acordo em causa com o artigo 85.°, de efectuarem, em
função dos elementos de que dispõem, uma apreciação diferente do acordo em
causa. Apesar de não vincular os órgãos jurisdicionais nacionais, a opinião
comunicada nessas cartas constitui, no entanto, um elemento de facto que os
órgãos jurisdicionais nacionais podem ter em conta na sua análise da conformidade
do acordo ou comportamento em causa com o disposto no artigo 85.° do Tratado
(acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 1980, L'Oréal, 31/80,
Recueil p. 3775, n.os 11 e 12).
- 85.
- Neste caso, os órgãos jurisdicionais nacionais perante os quais viesse a ser invocada
a incompatibilidade do acordo com o artigo 85.° do Tratado teriam toda a
discricionaridade, no âmbito da análise do acordo, para tomarem em conta, como
elemento de facto, todo o processo que se desenrolou na Comissão.
Quanto às despesas
- 86.
- Por força do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de
Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora
o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida e tendo-o pedido a recorrente,
há que condenar a Comissão nas suas próprias despesas, bem como nas suportadas
pela recorrente, com excepção das causadas pela intervenção da Serac. Não tendo
a recorrente pedido a condenação da Serac nas despesas causadas pela sua
intervenção, a Serac suportará apenas as suas próprias despesas. A recorrente
pagará as despesas em que incorreu no quadro da intervenção da Serac.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),
decide:
1) A decisão da Comissão contida na sua carta de 20 de Junho de 1997, que
rejeita a denúncia apresentada pela recorrente, destinada a obter a
declaração de incompatibilidade com o artigo 85.° do Tratado CE (actual
artigo 81.° CE) de um acordo de cooperação entre a Stork Amsterdam BV
e a Serac Group no domínio da comercialização de linhas completas de
máquinas para a fabricação de garrafas de plástico e seu enchimento
asséptico com produtos alimentares líquidos, é anulada.
2) A Comissão suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas
suportadas pela recorrente, com excepção das causadas pela intervenção da
Serac. A parte interveniente Serac suportará as suas próprias despesas. A
recorrente suportará as despesas em que incorreu no quadro da intervenção
da Serac.
Moura RamosTiili
Mengozzi
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Fevereiro de 2000.
O secretário
O presidente
H. Jung
V. Tiili