Language of document : ECLI:EU:C:2024:195

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

29 de fevereiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de imigração e de asilo — Pedido de proteção internacional — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 4.o — Risco de tratamento desumano ou degradante — Critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Artigo 3.o, n.o 2 — Alcance das obrigações do Estado‑Membro que solicitou a retomada a cargo do requerente pelo Estado‑Membro responsável e que pretende proceder à transferência do requerente para este último Estado‑Membro — Princípio da confiança mútua — Meios e nível de prova do risco real de tratamento desumano ou degradante devido a falhas sistémicas — Práticas de repulsão sumária (pushback) para um país terceiro e de detenção nos postos fronteiriços»

No processo C‑392/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, com local da audiência em Hertogenbosch, Países Baixos), por Decisão de 15 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça no mesmo dia, no processo

X

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei (relatora), J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de X, por A. Khalaf, advocaat,

–        em representação do Governo Neerlandês, por K. Bulterman e C. S. Schillemans, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Belga, por M. Jacobs, A. Van Baelen e M. Van Regemorter, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Checo, por A. Edelmannová, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por D. G. Pintus, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo Austríaco, por A. Posch e J. Schmoll, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, inicialmente por L. Grønfeldt e G. Wils, e, em seguida, por G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de julho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31) (a seguir «Regulamento Dublim III»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe X ao Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos, a seguir «Secretário de Estado») a respeito da decisão de este último não tomar em consideração o pedido de proteção internacional apresentado por X nos Países Baixos.

 Quadro jurídico

3        Nos termos dos considerandos 3, 20, 32 e 39 do Regulamento Dublim III:

«(3)      Na sua reunião especial de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999, o Conselho Europeu acordou em envidar esforços para criar um [Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA)], baseado na aplicação integral e global da Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951, completada pelo Protocolo de Nova Iorque de 31 de janeiro de 1967 [a seguir (a “Convenção de Genebra”)], assegurando assim que ninguém será enviado para onde possa ser novamente perseguido, ou seja, mantendo o princípio da não repulsão. Neste contexto, e sem que os critérios de responsabilidade constantes do presente regulamento sejam afetados, todos os Estados‑Membros respeitam o princípio da não repulsão, sendo considerados países seguros para os nacionais de países terceiros.

[…]

(20)      A retenção deverá ter subjacente o respeito do princípio segundo o qual os requerentes não deverão poder ser retidos apenas por procurarem proteção internacional. A retenção deverá ser por um período o mais curto possível e estar sujeita aos princípios da necessidade e da proporcionalidade. Em especial, a retenção dos requerentes deve processar‑se de acordo com o artigo 31.o da Convenção de Genebra. Os procedimentos previstos no presente regulamento aplicáveis às pessoas retidas deverão ser tratados com prioridade, nos mínimos prazos possíveis. Quanto às garantias gerais que regem a retenção, bem como as condições de retenção, os Estados‑Membros deverão, conforme apropriado, aplicar o disposto na Diretiva 2013/33/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96)] às pessoas retidas com base no presente regulamento.

[…]

(32)      No que se refere ao tratamento das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do presente regulamento, os Estados‑Membros encontram‑se vinculados pelas obrigações que lhes incumbem por força de instrumentos de direito internacional, nomeadamente pela jurisprudência pertinente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

[…]

(39)      O presente regulamento respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [a seguir “Carta”]. Em particular, o presente regulamento visa assegurar o pleno respeito do direito de asilo garantido pelo artigo 18.o da [Carta], bem como dos direitos nela reconhecidos nos artigos 1.o, 4.o, 7.o, 24.o e 47.o Por conseguinte, o presente regulamento deverá ser aplicado em conformidade.»

4        O artigo 3.o deste regulamento, sob a epígrafe «Acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado‑Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado‑Membro, que será aquele que os critérios enunciados no capítulo III designarem como responsável.

2.      Caso o Estado‑Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no presente regulamento, é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado‑Membro em que o pedido tenha sido apresentado.

Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado‑Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado‑Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da [Carta], o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado‑Membro seja designado responsável.

Caso não possa efetuar‑se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado‑Membro designado com base nos critérios estabelecidos no capítulo III ou para o primeiro Estado‑Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável passa a ser o Estado‑Membro responsável.

[…]»

5        O artigo 5.o, n.os 1 a 3, do referido regulamento prevê:

«1.      A fim de facilitar o processo de determinação do Estado‑Membro responsável, o Estado‑Membro que procede à determinação realiza uma entrevista pessoal com o requerente. A entrevista deve permitir, além disso, que o requerente compreenda devidamente as informações que lhe são facultadas nos termos do artigo 4.o

2.      A realização da entrevista pode ser dispensada se:

[…]

b)      Depois de ter recebido as informações referidas no artigo 4.o, o requerente já tiver prestado por outros meios as informações necessárias para determinação do Estado‑Membro responsável. Se a realização da entrevista for dispensada, o Estado‑Membro deve dar ao requerente a oportunidade de apresentar novas informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado‑Membro responsável antes de ser adotada uma decisão de transferência do requerente para o Estado‑Membro responsável nos termos do artigo 26.o, n.o 1.

3.      A entrevista pessoal deve realizar‑se em tempo útil e, de qualquer forma, antes de ser adotada qualquer decisão de transferência do requerente para o Estado‑Membro responsável nos termos do artigo 26.o, n.o 1.»

6        Nos termos do artigo 21.o do mesmo regulamento:

«1.      O Estado‑Membro ao qual tenha sido apresentado um pedido de proteção internacional e que considere que a responsabilidade pela análise desse pedido cabe a outro Estado‑Membro pode requerer a este último, o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da apresentação do pedido na aceção do artigo 20.o, n.o 2, que proceda à tomada a cargo do requerente.

[…]

3.      Nos casos a que se referem os n.os 1 e 2, o pedido de tomada a cargo por outro Estado‑Membro deve fazer‑se num formulário‑tipo e conter os elementos de prova ou os indícios descritos nas duas listas referidas no artigo 22.o, n.o 3, e/ou elementos relevantes constantes da declaração do requerente que permitam às autoridades do Estado‑Membro requerido verificar a responsabilidade desse Estado com base nos critérios definidos no presente regulamento.

[…]»

7        O artigo 22.o do Regulamento Dublim III tem a seguinte redação:

«[…]

2.      Na condução do processo de determinação do Estado‑Membro responsável, são utilizados elementos de prova e indícios.

3.      A Comissão [Europeia] adota atos de execução relativos à elaboração e revisão periódica de duas listas com os elementos de prova e os indícios, de acordo com os critérios estabelecidos nas alíneas a) e b) do presente número. […]

[…]

b)      Indícios:

i)      Trata‑se das provas formais que estabelecem a responsabilidade de acordo com o presente regulamento, desde que não sejam refutadas por provas em contrário,

[…]

4.      A exigência de prova não deverá exceder o necessário à correta aplicação do presente regulamento.

5.      Na falta de uma prova formal, o Estado‑Membro requerido deve admitir a sua responsabilidade se existirem indícios coerentes, verificáveis e suficientemente pormenorizados para estabelecer a responsabilidade.

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        X é um nacional sírio. Apresentou um pedido de proteção internacional na Polónia em 9 de novembro de 2021.

9        Em seguida, entrou nos Países Baixos em 21 de novembro de 2021 e apresentou um novo pedido de proteção internacional neste Estado‑Membro no dia seguinte.

10      Em 20 de janeiro de 2022, o Reino dos Países Baixos pediu à República da Polónia que retomasse a cargo X com fundamento no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Dublim III. Em 1 de fevereiro de 2022, este último Estado‑Membro deferiu esse pedido ao abrigo do artigo 18.o, n.o 1, alínea c), deste regulamento.

11      Por Decisão de 20 de abril de 2022, o Secretário de Estado não tomou em consideração o pedido de proteção internacional apresentado por X nos Países Baixos, pelo facto de a República da Polónia ser responsável pela análise desse pedido, e rejeitou os argumentos invocados por X para se opor à sua transferência.

12      X interpôs recurso dessa decisão no rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, com local da audiência em Hertogenbosch, Países Baixos), o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo a proibição da sua transferência para a Polónia. Simultaneamente, pediu que essa transferência fosse proibida até ser proferida decisão definitiva sobre o recurso, o que lhe foi concedido.

13      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, no âmbito do seu recurso, X sustenta, em primeiro lugar, que as autoridades polacas violaram os seus direitos fundamentais.

14      A este respeito, a decisão de reenvio faz referência às suas afirmações de que foi objeto, por três vezes, da prática de repulsões sumárias (pushback) para a Bielorrússia após a sua entrada no território polaco, uma das quais de noite. Afirmou ter finalmente conseguido entrar na Polónia com dois membros da sua família, em 7 de novembro de 2021, e ter permanecido na floresta antes de ser detido e entregue a guardas de fronteira. Acrescenta que, durante essa permanência na floresta, as suas condições de vida se tornaram insustentáveis. Deu o seu consentimento à recolha das suas impressões digitais sob a ameaça de ser expulso para a Bielorrússia, seguindo os conselhos de uma organização, e ignorando que este facto equivalia à apresentação de um pedido de proteção internacional. Nessa ocasião, recebeu documentos em língua polaca e um documento em língua árabe com informações sobre o Regulamento Dublim III, mas não beneficiou da assistência de um intérprete. X declara ter sido posteriormente colocado em detenção durante cerca de uma semana no centro dos guardas de fronteira, como todos os outros requerentes de proteção internacional, onde foi sujeito a um tratamento muito negativo, nomeadamente devido à falta de alimentação e à inexistência de qualquer controlo médico. X alega que não apresentou queixa às autoridades polacas quanto a esses maus tratos pelo facto de estes lhe terem sido infligidos pelas próprias autoridades.

15      X indica recear que os seus direitos fundamentais fossem novamente violados se fosse transferido para a Polónia.

16      Em segundo lugar, X alega que os órgãos jurisdicionais polacos não são independentes.

17      X fundamentou as suas afirmações nas suas próprias declarações e em relatórios de organizações não governamentais sobre a situação, na Polónia, dos nacionais de países terceiros e das pessoas objeto de uma decisão de transferência ao abrigo do Regulamento Dublim III. Invocou também a jurisprudência do Tribunal de Justiça, do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e dos órgãos jurisdicionais nacionais.

18      Baseando‑se em relatórios provenientes de fontes fidedignas, que cita, e em documentos oficiais, o órgão jurisdicional de reenvio refere a atitude de vários Estados‑Membros que consiste em impedir os nacionais de países terceiros de entrarem no seu território e em declarações que envolvem todos os Estados‑Membros que visam prevenir a emigração para o seu território. Considera que existe uma contradição entre, por um lado, essa atitude e essas declarações, e, por outro, as obrigações dos Estados‑Membros por força da Convenção de Genebra, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, e da Carta, cujo respeito está na base do sistema europeu comum de asilo. Mais especificamente, visa, em particular, as práticas de repulsão sumária nas fronteiras.

19      O órgão jurisdicional de reenvio indica que tais práticas são contrárias à obrigação de tratar cada pedido de proteção internacional e põem em causa o princípio da confiança mútua, bem como o funcionamento deste sistema, nomeadamente porque têm por efeito incentivar os cidadãos de países terceiros a contornarem os Estados‑Membros que o utilizam.

20      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio considera que informações objetivas, fiáveis, precisas e devidamente atualizadas mostram que a República da Polónia viola de forma sistemática, há vários anos, vários direitos fundamentais dos nacionais de países terceiros ao praticarem repulsões sumárias, regularmente acompanhadas de um recurso à violência, e ao deterem sistematicamente e em condições qualificadas de «degradantes» os nacionais de países terceiros que entram ilegalmente no seu território.

21      As declarações de X relativamente às repulsões sumárias de que foi objeto, cuja credibilidade não foi posta em causa pelo Secretário de Estado, são concordantes com essas informações.

22      Esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se, na hipótese de terem ocorrido violações estruturais dos direitos fundamentais num Estado‑Membro em relação a um requerente ou a nacionais de países terceiros em geral, a autoridade competente se deve abster de tomar uma decisão de transferência para esse Estado‑Membro ou se o princípio da confiança mútua continua a ser plenamente aplicável.

23      Se puder ser tomada uma decisão de transferência, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, numa situação de violação sistemática e generalizada dos direitos dos nacionais de países terceiros pelo Estado‑Membro responsável, o Estado‑Membro requerente pode ainda assim basear‑se no princípio da confiança mútua para apreciar a situação do requerente após a sua transferência nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III.

24      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que resulta do n.o 82 do Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo (C‑163/17, EU:C:2019:218), e do considerando 32 do Regulamento Dublim III que o cumprimento, por um Estado‑Membro, das suas obrigações por força do sistema europeu comum de asilo não está limitado ao período posterior à transferência de um requerente nem ao artigo 4.o da Carta.

25      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, caso o Estado‑Membro requerente não possa invocar o princípio da confiança mútua, são concebíveis adaptações quanto ao ónus da prova.

26      Concretamente, em caso de violação sistemática e generalizada, por um Estado‑Membro, dos direitos fundamentais, ainda que diferentes dos direitos garantidos no artigo 4.o da Carta, o órgão jurisdicional de reenvio prevê uma diminuição do nível de prova exigido ao requerente, por um lado, quanto às suas declarações relativas a violações de direitos fundamentais e, por outro, quanto aos potenciais riscos em caso de transferência. A este respeito, prevê mesmo a possibilidade de inverter o ónus da prova. Por conseguinte, pode competir ao Estado‑Membro requerente eliminar qualquer dúvida séria quanto ao risco real de violação do artigo 4.o da Carta, ou mesmo de todos os seus direitos fundamentais, relativamente a esse requerente em caso de transferência, por analogia com o artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9), relativamente aos riscos incorridos no país de origem.

27      Além disso, considera que o Estado‑Membro requerente pode pedir garantias individuais às autoridades do Estado‑Membro responsável no que diz respeito às condições de acolhimento adequadas, à prossecução do procedimento de asilo, bem como à inexistência de detenção sem base jurídica e pode mesmo controlar o cumprimento das garantias obtidas.

28      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o demandante expõe de forma plausível que não teria a possibilidade efetiva de interpor recurso em caso de violação dos seus direitos fundamentais após uma eventual transferência e interroga‑se sobre as consequências deste facto.

29      Nestas circunstâncias, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, com local da audiência em Hertogenbosch) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Tendo em conta os considerandos 3, 32 e 39 do Regulamento [Dublim III], em conjugação com os artigos 1.o, 4.o, 18.o, 19.o e 47.o da [Carta], deve o referido regulamento ser interpretado e aplicado no sentido de que o princípio da proteção da confiança legítima entre Estados é indivisível, motivo pelo qual as infrações graves e sistemáticas ao direito da União Europeia, cometidas pelo Estado‑Membro potencialmente responsável antes de uma transferência em relação a nacionais de países terceiros que não sejam (ainda) objeto de uma medida de regresso ao abrigo do Regulamento [Dublim III], constituem um impedimento absoluto à sua transferência para esse Estado‑Membro?

2)      Em caso de resposta negativa à [primeira questão], deve o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento [Dublim III], em conjugação com os artigos 1.o, 4.o, 18.o, 19.o e 47.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que se o Estado‑Membro eventualmente responsável violar grave e sistematicamente o direito da União, o Estado‑Membro que procede à transferência não pode, sem nenhuma reserva, no âmbito [deste regulamento], basear‑se no princípio da proteção da confiança entre Estados[‑Membros], mas deve dissipar todas as dúvidas ou demonstrar que, após a transferência, o recorrente não ficará numa situação contrária ao artigo 4.o da [Carta]?

3)      Que provas pode o requerente utilizar em apoio dos seus argumentos de que o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento [Dublim III] se opõe à sua transferência e que nível de prova deve ser utilizado para o efeito? Tendo em conta as referências ao acervo [da União] no preâmbulo [desse regulamento], tem o Estado‑Membro que procede à transferência o dever de cooperação e/ou de verificação, ou, em caso de violações graves e sistemáticas dos direitos fundamentais em relação a nacionais de países terceiros, devem ser prestadas garantias individuais pelo Estado‑Membro responsável de que os direitos fundamentais do recorrente serão (efetivamente) respeitados após a transferência? É relevante para a resposta a esta questão o facto de o requerente ter dificuldades em apresentar provas se não puder comprovar as suas declarações coerentes e detalhadas com documentos, o que de resto também não seria de esperar tendo em conta a natureza das declarações?

4)      É relevante para a resposta [à terceira questão] o facto de o requerente demonstrar que será impossível e/ou ineficaz apresentar uma reclamação às autoridades e/ou interpor um recurso no Estado‑Membro responsável?»

 Quanto ao pedido de tramitação acelerada

30      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial acelerada ao abrigo do artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

31      Embora tenha declarado que ordenou uma medida provisória através da qual proibiu a transferência do requerente para a Polónia até ser proferida uma decisão judicial definitiva sobre a regularidade da decisão de transferência em causa no processo principal, esse órgão jurisdicional alega que o processo principal suscita uma questão importante relativamente aos princípios do sistema europeu comum de asilo, a saber, relacionada com as práticas de repulsão sumária e de detenção nos postos fronteiriços dos nacionais de países terceiros que entraram no território dos Estados‑Membros com vista à apresentação de um pedido de proteção internacional. Por outro lado, os órgãos jurisdicionais nacionais enfrentam cada vez mais esta problemática, pelo que a utilidade da decisão prejudicial a proferir ultrapassa o âmbito do presente processo principal. Assim, a natureza do presente reenvio prejudicial justifica que o mesmo seja objeto de tramitação acelerada.

32      O artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do órgão jurisdicional de reenvio ou, a título excecional, oficiosamente, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitação acelerada.

33      No caso em apreço, em 19 de julho de 2022, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidos o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio referido no n.o 30 do presente acórdão.

34      Com efeito, é jurisprudência constante que a aplicação da tramitação prejudicial acelerada depende não da natureza do litígio no processo principal enquanto tal, mas das circunstâncias excecionais próprias do processo em causa, que devem demonstrar a urgência extraordinária em decidir sobre estas questões (Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 27 e jurisprudência referida).

35      Ora, a circunstância de o processo dizer respeito a um ou vários aspetos essenciais do sistema europeu comum de asilo não constitui uma razão que estabeleça uma urgência extraordinária, necessária para justificar um tratamento por via acelerada. O mesmo se aplica ao facto de um número significativo de pessoas ser potencialmente afetado pelas questões submetidas (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia, C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 39 e jurisprudência referida).

 Quanto ao pedido de remessa do processo à Grande Secção e de abertura da fase oral do processo

36      Na sequência da apresentação das conclusões, em 13 de julho de 2023, o recorrente no processo principal pediu ao Tribunal de Justiça, por carta de 16 de agosto seguinte, a remessa do presente pedido de decisão prejudicial à Grande Secção e sugeriu, no caso de tal remessa, a abertura da fase oral do processo.

37      Esses pedidos foram indeferidos por Decisão do presidente da Quarta Secção de 23 de agosto de 2023.

38      A este respeito, importa salientar que, em conformidade com o artigo 60.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, cabe ao Tribunal de Justiça decidir sobre a formação de julgamento à qual deve ser atribuído um processo, sob reserva de que tenha sido solicitada uma remessa à Grande Secção, nos termos do artigo 16.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, por um Estado‑Membro ou por uma instituição da União que participe no processo. Além disso, em aplicação do n.o 3 do referido artigo 60.o, cabe unicamente à apreciação da formação de julgamento à qual um processo tenha sido remetido, solicitar ao Tribunal de Justiça que remeta esse processo a uma formação de julgamento mais importante.

39      Ora, no caso em apreço, a remessa para a Grande Secção foi solicitada pelo recorrente no processo principal e nenhum elemento justifica a remessa para uma formação de julgamento mais importante. Nestas condições, não há que examinar a sugestão do recorrente no processo principal, apresentada no caso de o processo ser remetido à Grande Secção, de dar início à fase oral do processo. As condições para a aplicação do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento de Processo continuam, em todo o caso, preenchidas, uma vez que o Tribunal de Justiça está suficientemente informado para se pronunciar.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto às questões primeira e segunda

40      A título preliminar, há que referir que, com as suas duas primeiras questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber que interpretação deve ser dada ao Regulamento Dublim III, em especial ao seu artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, em caso de violações graves e sistemáticas do direito da União cometidas contra nacionais de países terceiros pelo Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional de um desses nacionais antes da sua eventual transferência para esse Estado‑Membro. Mais especificamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se essas violações são suscetíveis de pôr em causa a aplicação do princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros a ponto de impedirem essa transferência, ou pelo menos se implicam que o Estado‑Membro requerente que pretenda efetuar a referida transferência se assegure de que, em caso de transferência, o requerente de proteção internacional em causa não ficará exposto a um risco de tratamento contrário ao artigo 4.o da Carta.

41      Resulta da decisão de reenvio que estas questões dizem respeito a uma situação em que um requerente alega que o Estado‑Membro responsável procede a repulsões sumárias para as suas fronteiras externas (pushback), bem como a detenções nos seus postos fronteiriços de nacionais de países terceiros que procuram apresentar um pedido de proteção internacional, práticas que o próprio recorrente no processo principal sofreu.

42      Por conseguinte, há que considerar que, com as suas duas primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que o facto de o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional de um nacional de país terceiro proceder, em relação a esses nacionais que procuram apresentar esse pedido na sua fronteira, a repulsões sumárias e a detenções nos seus postos fronteiriços obsta à transferência desse nacional para tal Estado‑Membro.

43      Importa recordar que o direito da União assenta na premissa fundamental de que cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns nos quais a União se funda, como especificado no artigo 2.o TUE. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento desses valores e, deste modo, no respeito do direito da União que os aplica, bem como no facto de as respetivas ordens jurídicas nacionais estarem em condições de fornecer uma proteção equivalente e efetiva dos direitos fundamentais reconhecidos pela Carta, nomeadamente nos seus artigos 1.o e 4.o, que consagram um dos valores fundamentais da União e dos seus Estados‑Membros, a saber, a dignidade do ser humano, que inclui, nomeadamente, a proibição dos tratos desumanos ou degradantes [Acórdão de 30 de novembro de 2023, Ministero dell’Interno e o. (Folheto comum — Repulsão indireta), C‑228/21, C‑254/21, C‑297/21, C‑315/21 e C‑328/21, EU:C:2023:934, n.o 130 e jurisprudência referida].

44      O princípio da confiança mútua entre os Estados‑Membros tem, no direito da União, uma importância fundamental, uma vez que permite a criação e a manutenção de um espaço sem fronteiras internas. Mais especificamente, o princípio da confiança mútua impõe, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada um desses Estados‑Membros considere, salvo em circunstâncias excecionais, que todos os restantes Estados‑Membros respeitam o direito da União e, muito particularmente, os direitos fundamentais reconhecidos por esse direito (Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.o 81 e jurisprudência referida).

45      Deste modo, no contexto do sistema europeu comum de asilo, nomeadamente do Regulamento Dublim III, deve presumir‑se que o tratamento dado aos requerentes de proteção internacional em cada Estado‑Membro é conforme com as exigências da Carta, da Convenção de Genebra e da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.o 82 e jurisprudência referida).

46      Contudo, não se pode excluir que este sistema depare, na prática, com grandes dificuldades de funcionamento num determinado Estado‑Membro, pelo que existe um risco sério de os requerentes de proteção internacional serem, em caso de transferência para esse Estado‑Membro, tratados de modo incompatível com os seus direitos fundamentais (Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.o 83).

47      Assim, o artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublim III prevê que um requerente de proteção internacional não pode ser transferido para o Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido se existirem motivos válidos para crer que correrá um risco de tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 4.o da Carta, devido a falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado‑Membro.

48      No caso em apreço, o recorrente no processo principal alega a existência de falhas sistémicas nas condições de acolhimento no Estado‑Membro responsável, que consistem em repulsões sumárias para as fronteiras externas e em detenções nos postos fronteiriços de nacionais de países terceiros que procuram apresentar um pedido de proteção internacional ou que conseguiram apresentar tal pedido, mas também a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo, uma vez que a repulsão sumária do nacional de um país terceiro constitui um obstáculo ao início desse procedimento.

49      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a realidade de tais práticas é comprovada por informações objetivas, fiáveis, precisas e devidamente atualizadas.

50      Em primeiro lugar, no que respeita a práticas de repulsão sumária para as fronteiras externas da União, que equivalem a afastar do território da União pessoas que pretendam apresentar um pedido de proteção internacional ou a afastar desse território pessoas que tenham apresentado tal pedido à entrada do referido território antes de o mesmo pedido ter sido objeto do exame previsto pela legislação da União, há que salientar que violam o artigo 6.o da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).

51      Esta disposição, que diz respeito ao acesso ao procedimento de concessão de proteção internacional, constitui um dos fundamentos do sistema europeu comum de asilo e faz parte das normas legislativas da União que concretizam o direito fundamental consagrado no artigo 18.o da Carta de obter o estatuto de beneficiário de proteção internacional desde que estejam preenchidas as condições exigidas pelo direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 192). A referida disposição implica que todo o nacional de um país terceiro ou apátrida tem o direito de apresentar um pedido de proteção internacional, incluindo nas fronteiras de um Estado‑Membro, manifestando a sua vontade de beneficiar de proteção internacional junto de uma das autoridades referidas nesta mesma disposição. Este direito deve ser‑lhe reconhecido, mesmo que se encontre em situação irregular nesse território e independentemente das hipóteses de aceitação desse pedido [Acórdão de 22 de junho de 2023, Comissão/Hungria (Declaração de intenções prévia ao pedido de asilo), C‑823/21, EU:C:2023:504, n.o 43 e jurisprudência referida].

52      Ora, como o advogado‑geral salientou, em substância, nos n.os 31 e 32 das suas conclusões, uma prática de repulsão sumária viola este elemento fundamental do sistema europeu comum de asilo, uma vez que impede o exercício do direito de apresentar um pedido de proteção internacional e, consequentemente, o desenrolar, segundo as modalidades previstas pela legislação da União, do procedimento que consiste na apresentação e na análise desse pedido.

53      Em todo o caso, se violar o artigo 6.o da Diretiva 2013/32, uma prática de repulsão sumária pode, além disso, violar o princípio da não repulsão. Como decorre do considerando 3 do Regulamento Dublim III, este princípio, por força do qual ninguém pode ser reenviado para onde corra o risco de ser novamente perseguido, é garantido, enquanto direito fundamental, no artigo 18.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 33.o da Convenção de Genebra, bem como no artigo 19.o, n.o 2, da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento  — Canábis terapêutica), C‑69/21, EU:C:2022:913, n.o 55]. Por conseguinte, uma prática de repulsão sumária viola o referido princípio apenas se consistir em remeter pessoas que procuram apresentar, na União, um pedido de proteção internacional para um país terceiro em cujo território sofrem o risco acima referido.

54      Em segundo lugar, no que respeita à prática de detenção nos postos fronteiriços, o considerando 15 da Diretiva 2013/33, bem como o considerando 20 do Regulamento Dublim III, recordam o princípio segundo o qual ninguém deve ser detido pelo simples facto de pedir proteção internacional.

55      Atendendo à gravidade desta ingerência no direito à liberdade decorrente de uma medida de detenção e tendo em conta a importância deste direito, o poder reconhecido às autoridades nacionais competentes de colocarem em detenção nacionais de países terceiros está estritamente delimitado. Assim, uma medida de detenção só pode ser ordenada ou prorrogada se forem cumpridas as regras gerais e abstratas que fixam as condições e modalidades de tal detenção [Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 75 e jurisprudência referida].

56      Além disso, o nacional de um país terceiro não pode ser detido ao abrigo do sistema europeu comum de asilo quando for possível aplicar de forma eficaz uma medida menos coerciva [v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 78].

57      Decorre das considerações precedentes que práticas como as constatadas no caso em apreço, de repulsão sumária e de detenção para postos fronteiriços são incompatíveis com o direito da União e constituem falhas graves no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes. Todavia, daqui não resulta necessariamente que essas falhas preencham os dois requisitos cumulativos, enunciados no artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublim III, que devem estar preenchidos para que se obste à transferência de um requerente de proteção internacional para o Estado‑Membro em que essas práticas existem.

58      Segundo esta disposição, só as falhas «sistémicas» que «impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da [Carta]» impossibilitam essa transferência.

59      No presente processo, no que respeita ao primeiro destes dois requisitos, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se as falhas constatadas continuam a existir na Polónia e se dizem respeito, de maneira geral, ao procedimento de asilo e às condições de acolhimento aplicáveis aos requerentes de proteção internacional ou, pelo menos, a certos grupos de requerentes de proteção internacional considerados no seu conjunto, como o grupo de pessoas que procura obter proteção internacional depois de ter atravessado ou tentado atravessar a fronteira entre a Polónia e a Bielorússia.

60      Se se vier a verificar que assim é, essas falhas podem ser qualificadas de «sistémicas», à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça que permite equiparar às falhas sistémicas as falhas que afetam determinados grupos de pessoas (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.o 90).

61      No caso contrário, impor‑se‑ia concluir que este primeiro requisito enunciado no artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublim III não está preenchido no presente processo. Esta disposição não obsta, neste último caso, à transferência do requerente para o Estado‑Membro responsável.

62      No que se refere ao segundo requisito, relativo à existência de um risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da Carta resultante de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as falhas sistémicas implicam um risco de o interessado ser exposto a tratamentos contrários ao artigo 4.o da Carta.

63      A este respeito, incumbir‑lhe‑á examinar, por um lado, se existem motivos sérios e comprovados para crer que o recorrente no processo principal correria, em caso de transferência, um risco real de ser novamente encaminhado para a fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia e de aí ser objeto de uma repulsão sumária para a Bielorrússia eventualmente precedida de uma detenção num posto fronteiriço e, por outro, se tais medidas ou práticas o exporiam a uma situação de privação material extrema, que não lhe permitisse fazer face às suas necessidades mais básicas, como, nomeadamente, alimentar‑se, lavar‑se e ter alojamento, e que atentasse contra a sua saúde física ou mental ou o colocasse num estado de degradação incompatível com a dignidade humana, deixando-o numa situação de gravidade tal, que pudesse ser equiparada a um tratamento desumano ou degradante (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, respetivamente n.os 85 e 87, e 91 a 93).

64      No âmbito dessa apreciação, a situação a tomar em consideração é aquela na qual o requerente em causa corre o risco de se encontrar no momento da transferência ou na sequência da transferência para o Estado‑Membro responsável [v., por analogia, Acórdãos de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.os 85, 87 e 88, e de 30 de novembro de 2023, Ministero dell’Interno e o. (Brochura conjunta — Repulsão indireta), C‑228/21, C‑254/21, C‑297/21, C‑315/21 e C‑328/21, EU:C:2023:934, n.os 134 e 135], e não aquela em que se encontrava quando entrou inicialmente no território desse Estado‑Membro.

65      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões primeira e segunda que o artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que o facto de o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional de um nacional de um país terceiro ter procedido, em relação a esses nacionais que procuram apresentar tal pedido na sua fronteira, a repulsões sumárias e a detenções nos seus postos fronteiriços não obsta, por si só, à transferência desse nacional para o referido Estado‑Membro. No entanto, a transferência do referido nacional para esse Estado‑Membro está excluída se existirem motivos sérios e comprovados para crer que correria, quando da transferência ou na sequência desta, um risco real de ser sujeito a tais práticas e que estas sejam, consoante as circunstâncias que cabe às autoridades competentes e ao órgão jurisdicional eventualmente chamado a conhecer de um recurso da decisão de transferência apreciar, suscetíveis de o colocar numa situação de privação material extrema de tal gravidade, que possa ser equiparada a um tratamento desumano ou degradante, proibido pelo artigo 4.o da Carta.

 Quanto à terceira questão

66      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III, lido à luz do artigo 4.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, primeiro, o Estado‑Membro que solicitou a retomada a cargo de um requerente de proteção internacional pelo Estado‑Membro responsável e que pretende transferir esse requerente para este último Estado‑Membro tem, antes de poder proceder a essa transferência, de tomar em consideração todas as informações que o referido requerente lhe fornece, designadamente no que respeita à eventual existência de um risco real de ser sujeito, no momento da transferência ou na sequência desta, a tratamentos desumanos ou degradantes, na aceção do referido artigo 4.o; segundo, que deve cooperar no apuramento dos factos e/ou verificar a sua realidade e, terceiro, que, em caso de violações graves e estruturais dos direitos fundamentais dos nacionais de países terceiros no Estado‑Membro responsável, deve pedir‑lhe que forneça garantias individuais do respeito dos direitos fundamentais do referido nacional em caso de transferência.

67      No que diz respeito ao nível e ao regime de prova que permitem desencadear a aplicação do artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublim III, há que, na falta de especificações nesta disposição, fazer referência às disposições gerais e à sistemática deste regulamento.

68      A este respeito, importa recordar que, no âmbito do referido regulamento, o legislador da União não se limitou a instituir regras organizacionais que regulam unicamente as relações entre os Estados‑Membros, com vista a determinar o Estado‑Membro responsável, mas decidiu associar a esse processo os requerentes de proteção internacional, obrigando os Estados‑Membros a informá‑los dos critérios de responsabilidade e dando‑lhes a oportunidade de prestarem as informações que permitam a correta aplicação desses critérios (Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash, C‑63/15, EU:C:2016:409, n.o 51).

69      Com efeito, antes de mais, como o advogado‑geral salientou no n.o 46 das suas conclusões, a entrevista pessoal prevista no artigo 5.o do Regulamento Dublim III, bem como o eventual recurso interposto da decisão de transferência, devem permitir ao requerente de proteção internacional apresentar os elementos na sua posse.

70      Nos termos do artigo 5.o, n.os 1 e 3, do Regulamento Dublim III, a entrevista pessoal visa, nomeadamente, facilitar o processo de determinação do Estado‑Membro responsável. Esta entrevista deve realizar‑se em tempo útil e, em todo o caso, antes de ser tomada uma decisão de transferência.

71      Em seguida, resulta do artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III que o requerente deve ter a possibilidade de «apresentar […] informações relevantes para se proceder corretamente à determinação do Estado‑Membro responsável».

72      Daqui decorre que o requerente deve poder fornecer todas as provas ou indícios relevantes, na aceção dos n.os 2 e 3 do artigo 22.o do referido regulamento, para a determinação do Estado‑Membro responsável.

73      Além disso, o artigo 21.o, n.o 3, deste regulamento visa os referidos elementos de prova ou indícios mas também os outros elementos relevantes constantes da declaração do requerente que permitem às autoridades do Estado‑Membro requerido verificar a sua responsabilidade com base nos critérios definidos no referido regulamento.

74      Por último, o artigo 22.o, n.os 4 e 5, deste mesmo regulamento especifica, por um lado, que a exigência de prova não deve exceder o necessário à correta aplicação do presente regulamento e, por outro, que, na falta de uma prova formal, o Estado‑Membro requerido admite a sua responsabilidade se existirem indícios coerentes, verificáveis e suficientemente pormenorizados para estabelecer a responsabilidade.

75      Resulta dos elementos indicados nos n.os 68 a 74 do presente acórdão que o legislador da União não impôs nenhuma exigência no que respeita à natureza e à força probatória das informações que o requerente pode apresentar no âmbito da sua participação no procedimento de determinação do Estado‑Membro responsável, nomeadamente com o objetivo de demonstrar a eventual existência de motivos sérios e comprovados para acreditar que correrá um risco real como o previsto no artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, deste regulamento em caso de transferência para um Estado‑Membro responsável.

76      Por conseguinte, há que tomar em consideração os elementos apresentados pelo requerente para demonstrar a existência de um risco de tratamento contrário ao artigo 4.o da Carta, cabendo às autoridades judiciais do Estado‑Membro responsável pela determinação do Estado‑Membro incumbido de apreciar, com base em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados, e à luz do nível de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União, a realidade das falhas invocadas [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.o 90, e de 30 de novembro de 2023, Ministero dell’Interno e o. (Folheto comum  — Repulsão indireta), C‑228/21, C‑254/21, C‑297/21, C‑315/21 e C‑328/21, EU:C:2023:934, n.o 136].

77      Além disso, importa salientar que, independentemente da tomada em consideração das informações prestadas pelo requerente, os Estados‑Membros são obrigados a não transferir um requerente para o Estado‑Membro responsável quando não possam ignorar que as falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nesse Estado‑Membro criam razões sérias e comprovadas de que o requerente corre um risco real de estar sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4.o da Carta (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, N. S. e o., C‑411/10 e C‑493/10, EU:C:2011:865, n.o 94, e de 19 de março de 2019, Jawo, C‑163/17, EU:C:2019:218, n.o 85). Assim, não se pode excluir que o Estado‑Membro encarregado de determinar o Estado‑Membro responsável seja levado a tomar em consideração, por sua própria iniciativa, informações relevantes de que tem conhecimento para decidir da aplicação do artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublim III.

78      Daqui decorre que o Estado‑Membro encarregado de determinar o Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional de um nacional de um país terceiro deve, por um lado, tomar em consideração todas as informações que este último lhe fornece, nomeadamente no que respeita à eventual existência de um risco de tratamento contrário ao artigo 4.o da Carta em caso de transferência desse nacional. Por outro lado, este primeiro Estado‑Membro deve cooperar na demonstração dos factos apreciando a realidade desse risco, com base em elementos objetivos, fiáveis, precisos e devidamente atualizados, e tendo em conta o padrão de proteção dos direitos fundamentais garantido pelo direito da União, se for caso disso, tendo em conta, por sua própria iniciativa, as informações relevantes que não pode ignorar referentes a eventuais falhas sistémicas do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional no Estado‑Membro responsável.

79      Na hipótese de se determinar a existência dessas falhas e de estas constituírem motivos sérios e comprovados para crer que, em caso de transferência, o requerente de proteção internacional correria um risco real de tratamento contrário ao artigo 4.o da Carta, o Estado‑Membro encarregado da determinação do Estado‑Membro responsável deve, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublim III, prosseguir a análise dos critérios enunciados no capítulo III deste regulamento para determinar se outro Estado‑Membro pode ser designado responsável.

80      No entanto, antes de concluir que existe um risco real de tratos desumanos ou degradantes em caso de transferência para o Estado‑Membro responsável, o Estado‑Membro que pretenda proceder à transferência pode procurar obter garantias individuais suficientes para excluir esse risco (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, C. K. e o., C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127, n.os 83 e 84).

81      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à terceira questão que o Regulamento Dublim III, lido à luz do artigo 4.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que

–        o Estado‑Membro que solicitou a retomada a cargo de um requerente de proteção internacional pelo Estado‑Membro responsável e que pretende transferir esse requerente para este último Estado‑Membro tem, antes de poder proceder a essa transferência, de tomar em consideração todas as informações que o referido requerente lhe forneça, nomeadamente no que respeita à eventual existência de um risco real de ser sujeito, no momento ou na sequência da referida transferência, a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do referido artigo 4.o;

–        o Estado‑Membro que pretenda proceder à transferência tem de cooperar na demonstração dos factos e/ou verificar a sua realidade;

–        este Estado‑Membro não deve proceder a essa transferência se existirem motivos sérios e comprovados para crer que existe um risco real de tais tratamentos em caso de transferência;

–        não obstante, o referido Estado‑Membro pode procurar obter junto do Estado‑Membro responsável garantias individuais e, se essas garantias forem prestadas e se se afigurarem simultaneamente credíveis e suficientes para excluir qualquer risco real de tratos desumanos ou degradantes, proceder à transferência.

 Quanto à quarta questão

82      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a resposta à terceira questão seria influenciada pela circunstância, admitindo‑se demonstrada, de o requerente de proteção internacional não poder, ou não poder eficazmente, recorrer às autoridades e interpor recursos no Estado‑Membro responsável.

83      Importa recordar que o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução do litígio que lhes cabe decidir. No âmbito desta cooperação, cabe ao juiz nacional a quem foi submetido o litígio no processo principal, que é o único que tem um conhecimento direto dos factos que estão na sua origem e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, apreciar, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas digam respeito à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se [Acórdão de 7 de dezembro de 2023, mBank (Declaração do consumidor), C‑140/22, EU:C:2023:965, n.o 47 e jurisprudência referida].

84      Contudo, o Tribunal de Justiça não pode pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial quando for manifesto que a interpretação de uma regra do direito da União, solicitada por um órgão jurisdicional nacional, não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio que lhe foi submetido, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2022, Cilevičs e o., C‑391/20, EU:C:2022:638, n.o 42 e jurisprudência referida).

85      A este respeito, importa sublinhar a importância da indicação, pelo órgão jurisdicional nacional, das razões precisas que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 6 de dezembro de 2005, ABNA e o., C‑453/03, C‑11/04, C‑12/04 e C‑194/04, EU:C:2005:741, n.o 46, e Despacho de 15 de abril de 2011, Debiasi, C‑613/10, EU:C:2011:266, n.o 22).

86      No caso em apreço, há que constatar que o órgão jurisdicional de reenvio não expõe com o grau de clareza e de precisão exigido as dificuldades que o recorrente no processo principal poderia enfrentar em caso de transferência para o Estado‑Membro responsável.

87      Por outro lado, também não expõe claramente as razões pelas quais estabelece uma ligação entre dificuldades para interpor um recurso efetivo nesse Estado‑Membro após a transferência de um requerente e o nível de prova exigido a este último no âmbito do procedimento de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do seu pedido, relativamente aos factos que invoca em apoio da sua alegação de que correrá um risco de tratamento contrário ao artigo 4.o da Carta em caso de transferência para o referido Estado‑Membro devido a falhas sistémicas ou generalizadas no procedimento de asilo ou nas condições de acolhimento.

88      Por conseguinte, a quarta questão é inadmissível.

 Quanto às despesas

89      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos EstadosMembros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida,

deve ser interpretado no sentido de que:

o facto de o EstadoMembro responsável pela análise do pedido de proteção internacional de um nacional de um país terceiro ter procedido, em relação a esses nacionais que procuram apresentar tal pedido na sua fronteira, a repulsões sumárias e a detenções nos seus postos fronteiriços não obsta, por si só, à transferência desse nacional para o referido EstadoMembro. No entanto, a transferência do referido nacional para esse EstadoMembro está excluída se existirem motivos sérios e comprovados para crer que correria, quando da transferência ou na sequência desta, um risco real de ser sujeito a tais práticas e que estas sejam, consoante as circunstâncias que cabe às autoridades competentes e ao órgão jurisdicional eventualmente chamado a conhecer de um recurso da decisão de transferência apreciar, suscetíveis de o colocar numa situação de privação material extrema de tal gravidade, que possa ser equiparada a um tratamento desumano ou degradante, proibido pelo artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

2)      O Regulamento n.o 604/2013, lido à luz do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais,

deve ser interpretado no sentido de que:

–        o EstadoMembro que solicitou a retomada a cargo de um requerente de proteção internacional pelo EstadoMembro responsável e que pretende transferir esse requerente para este último EstadoMembro tem, antes de poder proceder a essa transferência, de tomar em consideração todas as informações que o referido requerente lhe forneça, nomeadamente no que respeita à eventual existência de um risco real de ser sujeito, no momento ou na sequência da referida transferência, a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do referido artigo 4.o;

–        o EstadoMembro que pretenda proceder à transferência tem de cooperar na demonstração dos factos e/ou verificar a sua realidade;

–        este EstadoMembro não deve proceder a essa transferência se existirem motivos sérios e comprovados para crer que existe um risco real de tais tratamentos em caso de transferência;

–        não obstante, o referido EstadoMembro pode procurar obter junto do EstadoMembro responsável garantias individuais e, se essas garantias forem prestadas e se se afigurarem simultaneamente credíveis e suficientes para excluir qualquer risco real de tratos desumanos ou degradantes, proceder à transferência.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.