Language of document : ECLI:EU:C:2023:999

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 14 de dezembro de 2023 (1)

Processos apensos C684/22 a C686/22

S.Ö.

contra

Stadt Duisburg (C684/22)

e

N.Ö.,

M.Ö.

contra

Stadt Wuppertal (C685/22)

e

M.S.,

S.S.

contra

Stadt Krefeld (C686/22)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Düsseldorf (Tribunal Administrativo de Düsseldorf, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Artigo 20.o TFUE — Nacionalidade de um Estado‑Membro e de um país terceiro — Aquisição da nacionalidade de um país terceiro — Perda ex lege da nacionalidade do Estado‑Membro e da cidadania da União — Apreciação individual das consequências — Pedido anterior de manutenção da nacionalidade»






I.      Introdução

1.        Em que medida a legislação nacional de um Estado‑Membro relativa à nacionalidade, que prevê que os nacionais desse Estado‑Membro perdem a sua nacionalidade quando adquiram voluntariamente uma nacionalidade estrangeira, a menos que tenham pedido e obtido uma autorização de manutenção da sua nacionalidade antes dessa aquisição, está em conformidade com o artigo 20.o TFUE?

2.        Este é, em substância, o problema jurídico que se coloca nos presentes processos e que é objeto de duas questões prejudiciais submetidas pelo Verwaltungsgericht Düsseldorf (Tribunal Administrativo de Düsseldorf, Alemanha) no âmbito de litígios relativos à perda da nacionalidade alemã.

3.        No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se novamente sobre a questão de saber se um regime nacional de perda da nacionalidade está em conformidade com o direito da União. De facto, estes processos inserem‑se no contexto jurisprudencial que decorre dos Acórdãos Rottmann (2), Tjebbes e o. (3), Wiener Landesregierung (Revogação de garantia de naturalização) (4) e Udlændinge og Integrationsministeriet (Perda da nacionalidade dinamarquesa) (5).

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

4.        O artigo 20.o, n.o 1, TFUE institui a cidadania da União e dispõe que é cidadão da União «qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro».

B.      Direito alemão

5.        A Staatsangehörigkeitsgesetz (Lei da Nacionalidade) (6) (a seguir «StAG»), em vigor desde 1 de janeiro de 2000 e aplicável aos litígios no processo principal, prevê, no seu § 25:

«(1)      Um alemão perde a sua nacionalidade com a aquisição de uma nacionalidade estrangeira se essa aquisição ocorrer a seu pedido ou a pedido do seu representante legal, mas o representado só perde a sua nacionalidade se se verificarem as condições em que a renúncia pudesse ser pedida nos termos do § 19. A perda referida na primeira frase não ocorre se um alemão adquirir a nacionalidade de outro Estado‑Membro da União Europeia, da Suíça ou de um Estado com o qual a República Federal da Alemanha tenha celebrado um tratado internacional em conformidade com o § 12, n.o 3.

(2)      Não perde a nacionalidade quem tiver obtido, a pedido, antes de adquirir a nacionalidade estrangeira, autorização por escrito da autoridade competente para manter a sua nacionalidade. […]. Quando da decisão sobre o pedido referido na primeira frase, são ponderados os interesses públicos e privados. No caso de um requerente que tenha a sua residência habitual no estrangeiro, deve ser dada especial atenção à sua capacidade de demonstrar de maneira credível a continuidade dos seus laços com a Alemanha.»

III. Factos nos litígios nos processos principais

6.        Os factos relevantes dos litígios nos processos principais, tal como resultam das decisões de reenvio, podem resumir‑se da seguinte forma.

7.        O recorrente no processo principal C‑684/22, S.Ö., nascido na Turquia em 1966, entrou no território alemão em 1990. É casado e pai de três filhos. Em 10 de maio de 1999, adquiriu a nacionalidade alemã por naturalização e, em 13 de setembro de 1999, foi‑lhe retirada a nacionalidade turca.

8.        Em 25 de maio de 2018, no âmbito de um pedido de documento de viagem para o seu filho, S.Ö. declarou que adquirira novamente a nacionalidade turca em 12 de novembro de 1999. A este respeito, apresentou uma certidão do Ministério do Interior turco de 27 de fevereiro de 2019 e uma certidão do Registo Civil de 6 de novembro de 2018, atestando que solicitara a reaquisição da nacionalidade turca em 13 de setembro de 1999 e que a recuperara por decisão do Conselho de Ministros de 12 de novembro de 1999.

9.        Tendo as autoridades alemãs manifestado sérias dúvidas de que o filho de S.Ö. tivesse nacionalidade alemã, S.Ö. solicitou, em 25 de abril de 2019, à autoridade de naturalização da cidade de S. a emissão de uma certidão de nacionalidade para poder provar a manutenção da sua nacionalidade alemã. Posteriormente, o recorrente mudou‑se para a área de jurisdição da cidade de Duisburg (Alemanha).

10.      Os recorrentes no processo principal C‑685/22, o casal M.Ö. e N.Ö., nascidos respetivamente, em 1959 e 1970, entraram no território alemão em 1974. Adquiriram a nacionalidade alemã por naturalização em 27 de agosto de 1999 e foi‑lhes retirada a nacionalidade turca em 2 de setembro de 1999.

11.      Em 1 de setembro de 2005, no âmbito de uma reunião com os serviços da cidade de Wuppertal (Alemanha), os recorrentes declararam que tinham adquirido novamente a nacionalidade turca em 24 de novembro de 2000. A este respeito, apresentaram uma certidão do Consulado Geral da Turquia, situado em E., datada de 31 de agosto de 2005, atestando que tinham solicitado a reaquisição da nacionalidade turca em 2 de setembro de 1999 e que a tinham recuperado por decisão do Conselho de Ministros de 24 de novembro de 2000. Por carta de 1 de dezembro de 2016, os recorrentes apresentaram à cidade de Wuppertal uma certidão do Registo Civil turco, segundo a qual a reaquisição da sua nacionalidade turca já ocorrera por força de uma decisão do Conselho de Ministros de 1 de novembro de 1999.

12.      Em agosto de 2020, a cidade de Wuppertal informou M.Ö. e N.Ö. de que, uma vez que considerava que, com um grau de probabilidade suficiente, a data da certidão do Registo Civil teria sido manipulada, essa certidão não poderia ter valor probatório além do facto de ter readquirido a nacionalidade turca.

13.      Os recorrentes no processo principal C‑686/22, o casal M.S. e S.S., nascidos em 1965 e 1971, entraram no território alemão respetivamente em 1981 e 1989. Adquiriram a nacionalidade alemã por naturalização em 10 de junho de 1999, tendo‑lhes sido subsequentemente retirada a nacionalidade turca.

14.      Quando requereram a renúncia à nacionalidade turca a fim de cumprir uma das condições necessárias para a naturalização alemã, M.S. e S.S. solicitaram ao mesmo tempo às autoridades turcas a reaquisição da nacionalidade turca, uma vez atribuída a nacionalidade alemã. Tinham sido aconselhados, à luz da legislação alemã então em vigor, no sentido de que podiam recuperar a nacionalidade turca sem com isso perder a nacionalidade alemã. A este respeito, apresentaram uma certidão do Registo Civil turco, segundo a qual tinham recuperado a nacionalidade turca em 9 de agosto de 1999 por força de uma decisão do Conselho de Ministros.

15.      Em 19 de dezembro de 2017, M.S. e S.S requereram à cidade de Krefeld (Alemanha) um comprovativo de que possuíam a nacionalidade alemã. Apesar de a cidade de Krefeld lhes ter entregado, em 24 de agosto de 2018, uma certidão de nacionalidade, a falta de número da decisão do Conselho de Ministros que figura no Registo Civil turco levou‑a a reabrir o processo.

16.      Por atos administrativos (7), as recorridas nos processos principais declararam, em conformidade com o § 30, n.o 1, da StGA, que S.Ö., M.Ö., N.Ö., M.S. e S.S. (a seguir, conjuntamente, «recorrentes nos processos principais») já não tinham a nacionalidade alemã (8). De facto, consideraram que a reaquisição da nacionalidade turca ocorrera após 1 de janeiro de 2000 e implicara a perda automática da nacionalidade alemã, em conformidade com o § 17, n.o 1, ponto 2, e com o § 25, n.o 1, primeira frase, da StAG. Não teria sido o caso se essa reaquisição tivesse ocorrido antes de 31 de dezembro de 1999, dado que o § 25.o, n.o 1, primeira frase, da Reichs‑ und Staatsangehörigkeitsgesetz (Lei da Nacionalidade), de 22 de julho de 1913 (a seguir «RuStAG») (9), que era anteriormente aplicável, previa que a perda da nacionalidade alemã apenas se aplicava aos alemães residentes no estrangeiro. Contudo, os recorrentes nos processos principais não provaram ter readquirido a nacionalidade turca antes de 1 de janeiro de 2000.

17.      Os recorrentes nos processos principais interpuseram então recurso desses atos administrativos para o Verwaltungsgericht Düsseldorf (Tribunal Administrativo de Düsseldorf), órgão jurisdicional de reenvio.

IV.    Questões prejudiciais e processo no Tribunal de Justiça

18.      Nos seus três pedidos de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o § 25 da StGA, em vigor desde 1 de janeiro de 2000, é aplicável aos recorrentes nos processos principais, uma vez que estes adquiriram novamente a nacionalidade turca depois da entrada em vigor da nova versão da lei. Esse órgão jurisdicional salienta que as certidões do registo civil apresentadas pelos recorrentes para demonstrar que tal não é o caso não têm valor probatório. Além disso, salienta que os recorrentes nos processos principais não solicitaram a autorização de manutenção da nacionalidade alemã referida no § 25, n.o 2, primeira frase, da StGA, antes de adquirir novamente a nacionalidade turca.

19.      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, de acordo com a jurisprudência nacional, o § 25, n.o 1, primeira frase, da StAG está em conformidade com o direito da União uma vez que a pessoa interessada pode apresentar um pedido de autorização de manutenção da nacionalidade alemã ao abrigo do n.o 2, primeira frase, dessa disposição; no âmbito desse procedimento, está expressamente prevista uma apreciação individual das consequências da perda da nacionalidade para a situação da pessoa interessada.

20.      Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto a essa conformidade com o direito da União. De facto, observa que, caso o procedimento de autorização prévia de manutenção da nacionalidade previsto no § 25, n.o 2, da StAG (a seguir «procedimento de autorização prévia») não seja desencadeado, decorre desta disposição que a perda da nacionalidade e, portanto, a perda da cidadania da União para as pessoas que não tenham a nacionalidade de outro Estado‑Membro ocorre automaticamente, sem apreciação individual. O referido órgão jurisdicional especifica que o direito alemão não prevê a possibilidade de apreciação, a título incidental, das consequências da perda da nacionalidade alemã uma vez verificada essa perda. Nesse caso, o único meio de que dispõe o interessado para adquirir, sem efeito retroativo, a nacionalidade alemã é apresentar um novo pedido de naturalização.

21.      Além disso, embora observando que, de acordo com a redação do § 25, n.o 2, da StAG, um pedido de autorização de manutenção da nacionalidade permite ter em conta os requisitos do direito da União, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça, uma vez que é tomando em consideração esses requisitos que os interesses públicos e privados devem ser ponderados na decisão sobre tal pedido, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, na prática, as consequências da perda do estatuto de cidadão da União não são, contudo, apreciadas pelas autoridades administrativas e na jurisprudência nacional. De facto, a autorização de manutenção da nacionalidade só se concede quando exista um particular interesse na aquisição de uma nacionalidade estrangeira mantendo simultaneamente a nacionalidade alemã.

22.      Nestas circunstâncias, o Verwaltungsgericht Düsseldorf (Tribunal Administrativo de Düsseldorf), por Decisões de 3 de novembro de 2022, entradas no Tribunal de Justiça em 8 de novembro de 2022, decidiu suspender a instância nos três processos principais e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 20.o TFUE opõe‑se a uma disposição que prevê que, em caso de aquisição voluntária de uma nacionalidade (não privilegiada) de um país terceiro, a nacionalidade do Estado‑Membro, e portanto a cidadania da União, se perdem por força da lei, se uma análise individual das consequências da perda só for efetuada se o estrangeiro em causa tiver previamente apresentado um pedido de emissão de uma autorização de manutenção da nacionalidade e esse pedido tiver sido deferido antes da aquisição da nacionalidade estrangeira?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão: Deve o artigo 20.o TFUE ser interpretado no sentido de que no procedimento de emissão da autorização de manutenção da nacionalidade não se devem estabelecer condições que levem, em última análise, a omitir ou a substituir por outros requisitos a apreciação da situação individual da pessoa em causa e daquela da sua família à luz das consequências da perda do estatuto de cidadão da União?»

23.      Por Decisão de 7 de dezembro de 2022, os processos C‑684/22 a C‑686/22 foram apensos para efeitos da fase escrita e oral, bem como do Acórdão.

24.      Foram apresentadas observações escritas, no processo C‑686/22, pelos recorrentes nos processos principais, pela cidade de Krefeld, pelos Governos Alemão e Estónio e pela Comissão Europeia e, nos processos C‑684/22 e C‑685/22, pelos mesmos Governos e pela Comissão. O Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência de alegações nos presentes processos.

V.      Análise

25.      Com as duas questões objeto dos presentes reenvios prejudiciais, que importa tratar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o TFUE deve interpretar‑se no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro que prevê que os seus nacionais, em caso de aquisição voluntária da nacionalidade de um país terceiro, perdem ex lege a nacionalidade desse Estado‑Membro, o que implica, para as pessoas que não sejam igualmente nacionais de outro Estado‑Membro, a perda do seu estatuto de cidadãos da União e dos direitos inerentes a esse estatuto, a menos que os interessados obtenham uma autorização de manutenção dessa nacionalidade antes da aquisição da nacionalidade do país terceiro, tendo em conta que para resolver o pedido de obtenção da tal autorização, as autoridades nacionais competentes devem levar a cabo uma apreciação individual da situação dos interessados que pondere os interesses públicos e privados em que se mantenha a nacionalidade do Estado‑Membro.

26.      Para propor uma resposta útil a esta questão, importa, a título preliminar, destacar alguns elementos que se afiguram assentes, pela leitura das decisões de reenvio.

27.      Em primeiro lugar, quanto à situação dos recorrentes nos processos principais, o órgão jurisdicional de reenvio explica que estes entraram no território alemão durante os anos 70, 80 e 90, e aí residem desde então. Em 1999, adquiriam a nacionalidade alemã por naturalização, renunciando à nacionalidade turca, que lhes foi subsequentemente retirada. Como refere o órgão jurisdicional de reenvio, os recorrentes nos processos principais, aconselhados, corretamente, à luz da legislação alemã então em vigor, no sentido de que podiam recuperar a nacionalidade turca sem com isso perder a nacionalidade alemã, requereram voluntariamente a recuperação da nacionalidade turca no momento em que essa nacionalidade lhes foi retirada. Alguns anos mais tarde, as autoridades competentes constataram que os recorrentes nos processos principais tinham recuperado a nacionalidade turca após terem apresentado um requerimento nesse sentido e que, consequentemente, de acordo com a legislação alemã em vigor desde 1 de janeiro de 2000, tinham perdido ex lege a nacionalidade alemã e, portanto, o seu estatuto de cidadãos da União (10). Além disso, visto que, de acordo com essa legislação, os recorrentes nos processos principais não tinham pedido — e obtido — autorização das autoridades competentes para manter a nacionalidade alemã antes de recuperar a nacionalidade turca, não podiam beneficiar da apreciação individual prevista no âmbito desse pedido, que pondera os interesses públicos e privados na manutenção da nacionalidade alemã.

28.      Em segundo lugar, no que diz respeito à legislação em causa, o órgão jurisdicional de reenvio refere, antes de mais, que o § 25, n.o 1, da StAG, em vigor desde 1 de janeiro de 2000, prevê que um nacional alemão perde a sua nacionalidade quando adquira uma nacionalidade estrangeira se esta aquisição ocorrer a seu pedido. Contudo, de acordo com o n.o 2 dessa disposição, esse nacional pode manter a sua nacionalidade se, antes de adquirir a nacionalidade estrangeira, tiver obtido, a seu pedido, uma autorização por escrito da autoridade competente nesse sentido. Essa disposição prevê igualmente que, na decisão sobre esse pedido, devem ser ponderados os interesses públicos e privados.

29.      Em seguida, o referido órgão jurisdicional explica que, tanto a aquisição por naturalização da nacionalidade alemã pelos recorrentes nos processos principais como a apresentação do seu pedido de recuperação da nacionalidade turca tiveram lugar antes de 1 de janeiro de 2000, data da entrada em vigor do § 25 da StGA (11). Esclarece que esta disposição lhes é aplicável, uma vez que os recorrentes recuperaram a nacionalidade turca após essa data, explicando que os documentos que estes apresentaram para demonstrar o contrário não têm valor probatório (12).

30.      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio refere que os recorrentes nos processos principais não apresentaram um pedido — e, por isso, não obtiveram autorização — de manutenção da nacionalidade antes da recuperação da nacionalidade turca, como previsto no § 25, n.o 2, da StAG. Consequentemente, a perda da sua nacionalidade alemã e, portanto, do seu estatuto de cidadãos da União ocorreu de forma automática, sem que tenham podido beneficiar da apreciação individual da sua situação.

31.      É este problema jurídico que está no cerne dos presentes processos e que tratarei nas presentes conclusões. Nas considerações que se seguem, recordarei nas suas grandes linhas, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à perda do estatuto de cidadão da União, bem como os princípios que decorrem dessa jurisprudência (secção A) e que devem ser aplicados no presente processo (secção B).

A.      Quanto aos princípios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça

1.      Do Acórdão Rottmann ao Acórdão Wiener Landesregierung, passando pelo Acórdão Tjebbes e o.

32.      Nas Conclusões que apresentei no processo Udlændinge og Integrationsministeriet, sublinhei que o fio condutor que decorre da jurisprudência que analisei, estabelecida nos Acórdãos Rottmann, Tjebbes e o. e Wiener Landesregierung, é constituído essencialmente por dois princípios jurisprudenciais (13).

33.      De acordo com o primeiro princípio, embora a definição das «condições de aquisição e de perda da nacionalidade» seja da competência de cada Estado‑Membro, essa competência deve ser exercida no respeito pelo direito da União (14). Quanto a este princípio, consagrado no Acórdão Micheletti e o. (15) e, depois, clarificado e confirmado no Acórdão Rottmann (16), há que distinguir a existência dessa competência exclusiva dos Estados‑Membros do seu exercício no respeito pela ordem jurídica da União.

34.      Além disso, a referida competência nunca foi posta em causa pelo Tribunal de Justiça e «a aquisição e a perda da nacionalidade (e, com isso, da cidadania da União) [não são], em si mesmas, reguladas pelo direito [da União], mas as condições da aquisição e da perda devem ser compatíveis com as regras [do direito da União] e respeitar os direitos e deveres do cidadão [da União]» (17). Assim, o facto de uma matéria ser da competência dos Estados‑Membros não impede que, numa situação manifestamente abrangida pelo direito da União, a legislação nacional em causa deva respeitar este direito (18). De facto, o artigo 20.o TFUE não pode ser privado do seu efeito útil e, portanto, os direitos que confere aos cidadãos da União não podem ser violados pela adoção de uma legislação nacional que não respeite o direito da União e, especialmente, os princípios decorrentes da jurisprudência do Tribunal de Justiça nessa matéria (19).

35.      O segundo princípio, que foi consagrado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Rottmann (20) e depois confirmado na sua jurisprudência posterior, é o de que, quando se trate de cidadãos da União, o exercício da competência dos Estados‑Membros, na medida em que afete os direitos conferidos e protegidos pela ordem jurídica da União, é suscetível de fiscalização jurisdicional à luz do direito da União e, de modo especial, à luz do princípio da proporcionalidade (21). Por outras palavras, uma legislação nacional que preveja a perda do estatuto de cidadão da União só pode, portanto, estar em conformidade com o direito da União quando persegue motivos legítimos e no respeito por esse princípio. Decorre igualmente da jurisprudência que, no contexto do respeito pelo princípio da proporcionalidade, devem ter‑se em conta vários elementos. Antes de mais, a obrigação de efetuar a apreciação individual das consequências da perda do estatuto de cidadão da União para a pessoa interessada e, se for o caso, para os membros da sua família no que respeita à perda dos direitos de que goza qualquer cidadão da União (22); em seguida, a exigência de conformidade dessas consequências com os direitos fundamentais garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (23) e, por último, em caso de perda ex lege da nacionalidade que implique a perda do estatuto de cidadão da União, a obrigação de analisar, a título incidental, a proporcionalidade das consequências dessa perda e, se for o caso, permitir à pessoa interessada manter a sua nacionalidade ou recuperá‑la ex tunc (24).

36.      No tocante, concretamente, a este último elemento, o Acórdão Udlændinge‑ og Integrationsministeriet afigura‑se particularmente relevante visto que se trata da primeira vez que o Tribunal de Justiça se pronunciou sobre o prazo no qual é possível apresentar um pedido de manutenção ou de recuperação da nacionalidade de um Estado‑Membro.

2.      Acórdão Udlændinge og Integrationsministeriet

37.      No processo que deu origem ao Acórdão Udlændinge og Integrationsministeriet (25), um órgão jurisdicional dinamarquês pretendia saber se a legislação nacional sobre a nacionalidade estava em conformidade com o artigo 20.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 7.o da Carta.

38.      No seu acórdão, o Tribunal de Justiça confirmou a sua jurisprudência anterior. Assim, sublinhou que, quando a perda da nacionalidade de um Estado‑Membro ocorra ex lege numa determinada idade e implique a perda do estatuto de cidadão da União e dos direitos inerentes a esse estatuto, as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais competentes devem poder apreciar as consequências dessa perda de nacionalidade à luz do direito da União e, se for o caso, permitir a essa pessoa manter a sua nacionalidade ou recuperá‑la ex tunc (26).

39.      De modo especial, quanto ao prazo para apresentar um pedido destinado a obter essa apreciação para efeitos de manutenção ou de recuperação da nacionalidade, o Tribunal de Justiça esclareceu que, na falta de um prazo preciso fixado pelo direito da União para esse efeito, compete a cada Estado‑Membro estabelecer as regras processuais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos pelo direito da União aos particulares, desde que essas regras respeitem, nomeadamente, o princípio da efetividade porque não tornam impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União. Os Estados‑Membros podem exigir, a este respeito, em nome do princípio da segurança jurídica, que esse pedido seja apresentado às autoridades competentes dentro dos limites de um prazo razoável (27).

40.      Contudo, o Tribunal de Justiça esclareceu igualmente que, atendendo às graves consequências geradas pela perda da nacionalidade de um Estado‑Membro, quando esta implique a perda do estatuto de cidadão da União, para o exercício efetivo dos direitos que o artigo 20.o TFUE lhe confere, regras ou práticas nacionais que sejam suscetíveis de ter por efeito impedir a pessoa interessada de pedir que seja apreciado o caráter proporcionado dessas consequências à luz do direito da União não podem ser consideradas conformes com o princípio da efetividade. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, quando essa pessoa não tenha sido devidamente informada do direito de pedir tal apreciação nem do prazo no qual devia apresentar esse pedido, o seu pedido não pode ser considerado inadmissível pelo facto de esse prazo ter terminado (28).

41.      É, portanto, à luz destes princípios jurisprudenciais que deve ser analisada a perda da nacionalidade prevista na legislação em causa nos processos principais, que implica a perda do estatuto de cidadão da União.

B.      Quanto à aplicação dos princípios jurisprudenciais no presente processo

42.      Recordo, antes de mais, que o Tribunal de Justiça declarou várias vezes que o artigo 20.o TFUE confere a qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro o estatuto de cidadão da União, o qual tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros (29). Tal significa, por um lado, que a nacionalidade de um Estado‑Membro é condição prévia para o gozo do estatuto de cidadão da União ao qual estão associados todos os deveres e direitos previstos no Tratado FUE (30) e, por outro, que, em situações como as dos processos principais, a perda desse estatuto constitui o elemento de conexão com o direito da União.

43.      No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a recuperação da nacionalidade turca pelos recorrentes nos processos principais ocorreu após a entrada em vigor do § 25 da StAG, tendo como consequência a perda automática da sua nacionalidade alemã e, portanto, do seu estatuto de cidadãos da União (31).

44.      É, por isso, evidente que a perda da nacionalidade de um Estado‑Membro pelos cidadãos da União que, como os recorrentes nos processos principais, só possuam a nacionalidade de um Estado‑Membro e que, devido a essa perda, são confrontados com a perda do estatuto conferido pelo artigo 20.o TFUE e dos direitos correspondentes, está abrangida, pela sua natureza e pelas suas consequências, pelo direito da União (32). Assim, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os Estados‑Membros devem, no exercício da sua competência em matéria de nacionalidade, respeitar o direito da União e, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade (33).

1.      Quanto à legitimidade do objetivo de interesse geral prosseguido pelo § 25 da StAG

45.      Recordo que o Tribunal de Justiça já decidiu que é legítimo um Estado‑Membro querer proteger a relação especial de solidariedade e de lealdade entre ele próprio e os seus nacionais, bem como a reciprocidade de direitos e de deveres, que são o fundamento do vínculo de nacionalidade (34). Considerou que é igualmente legítimo um Estado‑Membro, no exercício da sua competência para definir as condições de aquisição e de perda da nacionalidade, considerar que a nacionalidade traduz a manifestação de um vínculo genuíno entre ele próprio e os seus nacionais e, consequentemente, atribuir à ausência ou à cessação de tal vínculo genuíno a perda da sua nacionalidade (35).

46.      No presente processo, de acordo com o § 25, n.o 1, da StAG, os nacionais alemães perdem ex lege a sua nacionalidade quando adquiram voluntariamente a nacionalidade de um país terceiro, a menos que obtenham uma autorização de manutenção da sua nacionalidade antes da aquisição da nacionalidade estrangeira.

47.      Observo que o órgão jurisdicional de reenvio não explica, além da referência, na sua descrição do quadro jurídico, ao artigo 7.o, n.o 1, alínea a), da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade (36), o objetivo ou os objetivos de interesse geral prosseguidos pelo § 25, n.o 1, da StAG. Contudo, uma vez que a referida disposição apenas pode estar em conformidade com o direito da União se prosseguir um objetivo legítimo de interesse geral, há que analisá‑la à luz das observações do Governo Alemão.

48.      Como referiram a cidade de Krefeld e o Governo Alemão e como decorre da exposição de motivos da lei de revisão do direito da nacionalidade, de 15 de julho de 1999, o § 25 da StAG visa, nomeadamente, evitar a pluralidade de nacionalidades (37). O Governo Alemão esclarece, além disso, que a jurisprudência do Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal, Alemanha) considerou que a escolha do legislador de se opor à pluralidade de nacionalidades ilimitada não era objeto de crítica (38).

49.      A este respeito, existem poucas dúvidas de que um regime como o previsto nessa disposição se insere no exercício da competência dos Estados‑Membros relativa à definição das condições de aquisição e de perda da nacionalidade, e que, no âmbito do exercício dessa competência, é legítimo um Estado‑Membro, como a República Federal da Alemanha, considerar que há que evitar, em certos casos, os efeitos da posse de várias nacionalidades (39).

50.      A legitimidade desse objetivo é corroborada, em princípio, pelo artigo 7.o, n.o 1, alínea a), da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, de acordo com o qual um Estado Parte não poderá prever, no seu direito interno, a perda da sua nacionalidade ex lege ou por sua iniciativa, exceto, nomeadamente, em caso de aquisição voluntária de outra nacionalidade (40). De acordo com o relatório explicativo dessa convenção, a questão de saber se as pessoas que adquiram voluntariamente outra nacionalidade estão autorizadas a manter a sua nacionalidade anterior depende da situação particular de cada Estado (41).

51.      Saliento, a este respeito, que o direito da União não se opõe a que um Estado‑Membro preveja que a apreciação da existência ou da inexistência de um vínculo genuíno com ele assenta na tomada em consideração de um critério, como o que consta do § 25, n.o 1, da StAG, baseado na aquisição voluntária da nacionalidade de um país terceiro pela pessoa interessada, nem a que, num contexto legislativo que visa, em princípio, evitar a pluralidade de nacionalidades, esse Estado‑Membro exija que essa pessoa siga um procedimento específico, como o que consta do § 25, n.o 2, da StAG, quando pretenda manter a nacionalidade alemã.

52.      Nestas condições, considero, à semelhança dos Governos Alemão e Estónio, bem como da Comissão, que, nas circunstâncias dos processos principais, o direito da União não se opõe, em princípio, a que, nas situações previstas no § 25 da StAG, um Estado‑Membro preveja, por motivos de interesse geral, a perda ex lege da nacionalidade quando os seus nacionais adquiram voluntariamente a nacionalidade de um país terceiro, mesmo que esta perda implique, para a pessoa interessada, a perda do seu estatuto de cidadão da União.

53.      Dito isto, para que uma legislação nacional como a que está em causa nos processos principais, que prevê a perda do estatuto de cidadão da União, esteja em conformidade com o direito da União, é necessário não só que prossiga objetivos legítimos de interesse geral, mas também que respeite o princípio da proporcionalidade.

2.      Quanto à apreciação da proporcionalidade das consequências da perda da nacionalidade à luz do direito da União

54.      Embora, como acabo de expor, o direito da União não se oponha, em princípio, à legislação em causa nos processos principais, recordo que decorre de jurisprudência constante que, dada a importância que o direito primário da União atribui ao estatuto de cidadão da União, que constitui o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros, cabe às autoridades nacionais competentes e aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se a perda da nacionalidade do Estado‑Membro em causa, quando implique a perda do estatuto de cidadão da União e dos direitos que daí resultam, respeita o princípio da proporcionalidade no que se refere às suas consequências para a situação da pessoa interessada e, eventualmente, dos membros da sua família à luz do direito da União (42).

55.      Por outro lado, decorre dessa jurisprudência que a perda ex lege da nacionalidade de um Estado‑Membro seria incompatível com o princípio da proporcionalidade se as regras nacionais pertinentes não permitissem, em nenhum momento, uma apreciação individual das consequências dessa perda para as pessoas interessadas à luz do direito da União (43).

56.      No presente processo, recordo que, de acordo com o § 25, n.o 2, da StAG, os nacionais alemães que pretendam adquirir voluntariamente a nacionalidade de um país terceiro podem apresentar um pedido de manutenção da sua nacionalidade alemã no âmbito do procedimento de autorização prévia, que prevê que, na decisão sobre o pedido de autorização, os interesses públicos e privados devem ser ponderados pela autoridade competente.

57.      Coloca‑se, antes de mais, a questão de saber se a apreciação da proporcionalidade exigida pelo direito da União só pode ser efetuada pelas autoridades competentes num determinado momento, ou seja, no presente processo, antes da perda ex lege da nacionalidade e, portanto, do estatuto de cidadão da União, no âmbito do procedimento de autorização prévia.

58.      Esta questão não levanta dificuldades. De facto, à luz da jurisprudência recordada no n.o 55 das presentes conclusões, em princípio, um Estado‑Membro, como a República Federal da Alemanha, pode prever que a apreciação da proporcionalidade será efetuada no âmbito específico de um procedimento de autorização prévia, como o previsto no § 25, n.o 2, da StAG. Contudo, como decorre dessa jurisprudência, esta disposição deve, para ser compatível com o direito da União, garantir o direito de obter a apreciação individual da proporcionalidade das consequências que comporta, para as pessoas interessadas e, se for o caso, para os membros da sua família, a perda da nacionalidade alemã à luz do direito da União.

59.      O órgão jurisdicional de reenvio não está seguro de que seja esse o caso no presente processo. Confesso que também tenho dificuldade em compreender de que forma esse procedimento se articula com o princípio da proporcionalidade e, mais concretamente, de que forma a aplicação do referido procedimento garante o direito de obter a apreciação individual exigida pelo direito da União. Assim, nas considerações que se seguem, analisarei, por um lado, as regras procedimentais previstas no § 25, n.o 2, da StAG, e, por outro, o alcance material da apreciação da proporcionalidade que prevê esta disposição.

a)      Quanto às regras procedimentais previstas no § 25, n.o 2, da StAG

60.      Recordo que o § 25, n.o 2, da StAG prevê a possibilidade de manter a nacionalidade alemã se, antes de adquirir a nacionalidade de um país terceiro, a pessoa interessada tiver obtido uma autorização por escrito da autoridade competente para manter a sua nacionalidade.

61.      Coloca‑se então a questão de saber se, no âmbito do procedimento de autorização prévia, as condições temporais exigidas para a apresentação do pedido de autorização e para a obtenção da autorização são compatíveis com o direito da União. Para tal, essas condições não devem impedir as pessoas interessadas de exercer de forma efetiva os direitos que decorrem do seu estatuto de cidadão da União.

62.      No que diz respeito, em primeiro lugar, à condição temporal relacionada com a apresentação do pedido de autorização, o Tribunal de Justiça decidiu que os Estados‑Membros podem exigir, em nome do princípio da segurança jurídica, que um pedido de manutenção ou de recuperação da nacionalidade seja apresentado às autoridades competentes dentro dos limites de um prazo razoável (44).

63.      Daqui decorre, na minha opinião, que exigir que um pedido de autorização prévia para manter a nacionalidade de um Estado‑Membro seja apresentado antes da aquisição da nacionalidade de um país terceiro, como prevê o § 25, n.o 2, da StAG, parece satisfazer a condição do prazo razoável na aceção da referida jurisprudência, uma vez que tal não impede, em princípio, os nacionais em causa de exercer o seu direito a que as autoridades competentes efetuem a apreciação individual da proporcionalidade das consequências da perda da nacionalidade à luz do direito da União.

64.      Dito isto, devo salientar que a leitura das decisões de reenvio, das observações dos recorrentes no processo principal C‑686/22 e das observações da Comissão não é esclarecedora quanto a saber se os recorrentes nos processos principais tinham sido devidamente informados das consequências da recuperação da nacionalidade turca para a sua situação e a da sua família no contexto legislativo específico da revisão da RuStAG.

65.      De facto, os recorrentes nos processos principais referem que, na apresentação do seu pedido de recuperação da nacionalidade turca, a legislação em vigor autorizava‑os a recuperar essa nacionalidade. Consequentemente, não havia nenhuma razão para apresentar o pedido de autorização prévia. Salientam igualmente que a alteração de regime jurídico não lhes foi claramente explicada ou dada a conhecer. Foi depois de terem apresentado o seu pedido de recuperação da nacionalidade turca que a RuStAG foi alterada e que a possibilidade de os nacionais alemães residentes no território nacional obterem a dupla nacionalidade foi retirada e limitada. Estas observações levam‑me a tecer alguns comentários.

66.      Primeiro, à luz da jurisprudência (45), afigura‑se pelo menos plausível, atendendo às datas de recuperação da nacionalidade turca referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, nos termos do § 25 da StAG, que os recorrentes nos processos principais não tenham tido um acesso efetivo à apreciação individual da sua situação à luz do direito da União.

67.      De facto, como referiu corretamente a Comissão, importa ter em conta que, por um lado, a situação jurídica em vigor até 31 de dezembro de 1999 não previa nem, se fosse o caso, autorizava a apresentação de um pedido de manutenção da nacionalidade alemã em caso de reaquisição da nacionalidade turca para os nacionais alemães residentes em território alemão. Por outro lado, e como observa o órgão jurisdicional de reenvio, durante o período compreendido entre a entrada em vigor da versão alterada, em 1 de janeiro de 2000, e a reaquisição da nacionalidade turca, não existia possibilidade de iniciar e levar a cabo efetivamente tal procedimento no que diz respeito, nomeadamente, às pessoas que tenham readquirido a nacionalidade turca no início de 2000, como é o caso dos recorrentes (46). Assim, algumas das pessoas interessadas podem ter sido privadas, antes da perda da nacionalidade alemã, da possibilidade de ter um acesso efetivo à apreciação da situação individual exigida pelo direito da União, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar (47).

68.      Segundo, à luz dessa jurisprudência, é possível, na minha opinião, atendendo às graves consequências da perda da nacionalidade de um Estado‑Membro, exigir às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais que as pessoas interessadas sejam devidamente informadas, por um lado, de que a eventual aquisição ou recuperação da nacionalidade de um país terceiro implica a perda da nacionalidade alemã e, por outro, do procedimento de autorização prévia que permite pedir a manutenção dessa nacionalidade, bem como do prazo no qual devem apresentar esse pedido.

69.      No presente processo, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, nomeadamente, tendo em conta que os recorrentes nos processos principais tiveram de renunciar à sua nacionalidade turca para adquirir a nacionalidade alemã durante um período de revisão legislativa, se se pode considerar que estes foram devidamente informados (48).

70.      No que se refere, em segundo lugar, à condição relacionada com a obtenção da autorização de manutenção da nacionalidade alemã, estabelecida no § 25, n.o 2, da StAG, devo salientar que esta disposição prevê o momento da obtenção da nacionalidade de um país terceiro como sendo o momento em que termina o prazo não apenas para a apresentação do pedido de autorização de manutenção da nacionalidade alemã, mas também para a obtenção dessa autorização. Consequentemente, se esse pedido de autorização ainda não tiver sido tratado pelas autoridades competentes alemãs na data em que as autoridades do país terceiro proferirem a sua decisão, deixa de poder ser analisado, o que implica a perda do estatuto de cidadão da União sem que as pessoas interessadas tenham a possibilidade de aceder, de forma efetiva, à apreciação da proporcionalidade exigida pelo direito da União. De facto, essa perda depende, na prática, de vários fatores, como a celeridade da ponderação dos interesses públicos e privados efetuada pelas autoridades competentes alemãs e a rapidez do tratamento do pedido de aquisição da nacionalidade pelas autoridades do país terceiro. Dito isto, devo salientar que a disposição em causa não exige que a pessoa interessada apresente um pedido de aquisição da nacionalidade de um país terceiro ao mesmo tempo que apresenta o pedido de autorização de manutenção da nacionalidade alemã. Por conseguinte, em princípio, esse problema não se deveria colocar visto que essa pessoa deveria aguardar pela obtenção da decisão das autoridades alemãs relativa à autorização de manutenção da nacionalidade antes de apresentar um pedido para adquirir a nacionalidade de um país terceiro.

71.      Além disso, uma vez que os recorrentes nos processos principais pensavam que podiam manter as duas nacionalidades, alemã e turca, como permitia o § 25 da RuStAG (aplicável até 31 de dezembro de 1999) aos nacionais alemães residentes na Alemanha, concordo com a Comissão quanto ao facto de que teria sido «oportuno» prever um regime transitório para esse efeito. Tal regime teria permitido às pessoas que tenham apresentado o seu pedido de reaquisição da nacionalidade turca ao abrigo da lei em vigor antes de 1 de janeiro de 2000, mas que tenham obtido essa nacionalidade após essa data, iniciar, de forma efetiva, o procedimento de autorização prévia previsto no § 25 da StAG. Tendo em conta as consequências graves da perda do estatuto de cidadão da União para as pessoas interessadas, a inexistência de tal regime transitório é, na minha opinião, incompatível com o princípio da efetividade.

72.      Por conseguinte, tendo em conta as consequências graves da perda da nacionalidade alemã e, portanto, do estatuto de cidadão da União dos recorrentes nos processos principais, quer a aplicação no presente processo das regras procedimentais, como os prazos previstos no § 25, n.o 2, da StAG, quer a inexistência de tal regime transitório se afiguram incompatíveis com o princípio da efetividade, visto que essas regras, ou a sua inexistência, restringem o direito dos recorrentes de obter a apreciação da proporcionalidade.

b)      Quanto ao alcance material da apreciação individual prevista no § 25, n.o 2, da StAG

73.      Contrariamente ao que afirmam a cidade de Krefeld e o Governo Alemão, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, apesar da redação do § 25, n.o 2, da StAG, no indeferimento de um pedido de autorização prévia de manutenção da nacionalidade alemã pelas autoridades competentes, na prática, nem essas autoridades nem os órgãos jurisdicionais nacionais realizam a apreciação individual da proporcionalidade das consequências da perda da nacionalidade alemã à luz do direito da União.

74.      Em primeiro lugar, saliento que, se, após as verificações do órgão jurisdicional de reenvio, tal for o caso, a mera existência formal ou teórica dessa apreciação no âmbito do procedimento de autorização prévia, sem que essa apreciação seja efetuada na prática, não basta para garantir a compatibilidade desse procedimento com o artigo 20.o TFUE. Nesse caso, decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (49) que o referido órgão jurisdicional deve poder exigir que as autoridades nacionais efetuem a referida apreciação ou apreciar ele próprio as consequências da perda da nacionalidade alemã para as pessoas interessadas e, eventualmente, permitir‑lhes manter essa nacionalidade ou recuperá‑la ex tunc (50).

75.      Dito isto, o Governo Alemão alega, a este respeito, que o § 25, n.o 2, da StAG permite uma apreciação completa da situação jurídica do interessado e que o facto de ter em conta não apenas os interesses públicos, mas também os interesses privados, na manutenção da nacionalidade alemã implica obrigatoriamente ter em conta o interesse em manter o estatuto de cidadão da União. Se o órgão jurisdicional de reenvio considerar, como refere o Governo Alemão, que as autoridades nacionais competentes efetuam a apreciação individual das consequências da perda do estatuto de cidadão da União exigida pelo direito da União, deve ainda verificar qual a data em que essa apreciação é efetuada. Caso conclua que essa apreciação apenas é efetuada desde a data de prolação do Acórdão Tjebbes e o., devo recordar que qualquer pessoa que tenha perdido ex lege a nacionalidade alemã antes dessa data, por força do § 25, n.o 1, da StAG, deve poder obter a referida apreciação e, eventualmente, recuperar a nacionalidade desse Estado ex tunc quando apresente um pedido de documento de viagem ou de qualquer outro documento que comprove a sua nacionalidade e, mais genericamente, no âmbito de um processo de declaração da nacionalidade (51).

76.      Em segundo lugar, decorre das decisões de reenvio que os recorrentes nos processos principais consolidaram a sua vida familiar e profissional na Alemanha. Enquanto nacionais alemães, puderam exercer os seus direitos de livre circulação e de residência noutros Estados‑Membros.

77.      A este respeito, recordo, antes de mais, que, no âmbito da aplicação do direito da União, é garantido a todos os cidadãos da União o mesmo nível de proteção das suas liberdades fundamentais e, especialmente, do seu direito à vida familiar.

78.      No que diz respeito, concretamente, a este direito, decorre de jurisprudência assente que, por um lado, a apreciação da proporcionalidade exige uma análise da situação individual da pessoa interessada, bem como da sua família, para determinar se a perda da nacionalidade do Estado‑Membro em causa, quando implique a perda do estatuto de cidadão da União, tem consequências que afetariam de forma desproporcionada, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo legislador nacional, o desenvolvimento normal da sua vida familiar e profissional, à luz do direito da União (52). Por outro lado, no âmbito desta apreciação, incumbe, especialmente, às autoridades nacionais competentes e, sendo caso disso, aos órgãos jurisdicionais nacionais assegurar que tal perda de nacionalidade é conforme com os direitos fundamentais garantidos pela Carta, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, e, muito particularmente, com o direito ao respeito pela vida familiar, conforme enunciado no artigo 7.o da Carta. Além disso, este artigo deve ser lido, sendo caso disso, em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, reconhecido no artigo 24.o, n.o 2, da Carta (53).

79.      Em terceiro lugar, nesta fase, coloca‑se uma questão importante para a resolução dos litígios nos processos principais: qual a data relevante a ter em conta pelas autoridades competentes para efeitos da apreciação da proporcionalidade? Pode sustentar‑se, como considerou o Tribunal de Justiça no Acórdão Udlændinge og Integrationsministeriet, que essa data corresponde ao dia em que a pessoa interessada tenha obtido ou recuperado a nacionalidade de um país terceiro, uma vez que, no presente processo, de acordo com o § 25, n.o 2, da StAG, essa data é parte integrante dos critérios legítimos que esse Estado‑Membro estabeleceu e dos quais depende a manutenção ou a perda nacionalidade.

80.      No entanto, a verdade é que, contrariamente à situação em causa no processo que deu origem ao Acórdão Udlændinge og Integrationsministeriet (54), no presente processo, a resposta a essa questão não deve terminar aí e deve ter em conta um elemento importante, ou seja, que os recorrentes nos processos principais não podiam, em nenhum caso, iniciar o procedimento de autorização prévia para manter a sua nacionalidade alemã, uma vez que o § 25, n.o 2, da StAG ainda não entrara em vigor no dia em que apresentaram os seus pedidos de recuperação da nacionalidade turca. Assim, os recorrentes nos processos principais estavam impossibilitados — tanto procedimental como materialmente — de apresentar um pedido de autorização prévia. De facto, uma vez que ainda não estava previsto um prazo para pedir a manutenção da nacionalidade alemã, este não podia terminar, tendo como resultado que as pessoas interessadas não tiveram um acesso efetivo à apreciação individual da sua situação à luz do direito da União (55).

81.      Em quarto e último lugar, na minha opinião, impõe‑se analisar um último elemento. Recordo que o órgão jurisdicional de reenvio especifica que o direito alemão não prevê a possibilidade de apreciação, a título incidental, das consequências decorrentes da perda da nacionalidade alemã após essa perda ter ocorrido. Nesse caso, o único meio de as pessoas interessadas recuperarem, sem efeito retroativo, a nacionalidade alemã seria apresentar um novo pedido de naturalização (56).

82.      Ora, essa possibilidade de recuperar a nacionalidade, uma vez que implica que a pessoa interessada fique privada, durante um determinado período, da possibilidade de gozar de todos os direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União, sem que o restabelecimento desses direitos seja possível durante o referido período, não é compatível com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça. De acordo com essa jurisprudência, o facto de o direito nacional não prever, em condições conformes com o direito da União, a obtenção, da parte das autoridades nacionais e, eventualmente, dos órgãos jurisdicionais nacionais, de uma apreciação sobre o caráter proporcionado das consequências da perda da nacionalidade do Estado‑Membro em causa à luz do direito da União e que pode conduzir, se for o caso, à recuperação ex tunc dessa nacionalidade, não pode ser compensado pela possibilidade de naturalização, independentemente das condições, eventualmente favoráveis, em que esta possa ser obtida. Aceitar que assim não fosse equivaleria a admitir que uma pessoa pudesse ser privada, mesmo por um período limitado, da possibilidade de gozar de todos os direitos que lhe são conferidos pelo estatuto de cidadão da União, sem que o restabelecimento desses direitos fosse possível durante o referido período (57).

VI.    Conclusão

83.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda da seguinte forma às questões prejudiciais colocadas pelo Verwaltungsgericht Düsseldorf (Tribunal Administrativo de Düsseldorf, Alemanha):

O artigo 20.o TFUE, lido à luz do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à legislação de um Estado‑Membro que prevê que os seus nacionais, em caso de aquisição voluntária da nacionalidade de um país terceiro, perdem ex lege a nacionalidade desse Estado‑Membro, o que implica, para os que não sejam igualmente nacionais de outro Estado‑Membro, a perda do seu estatuto de cidadãos da União e dos direitos inerentes a esse estatuto, a menos que obtenham uma autorização de manutenção dessa nacionalidade antes da aquisição da nacionalidade do país terceiro, desde que seja disponibilizado às pessoas interessadas um acesso efetivo, num prazo razoável, a um procedimento de manutenção da nacionalidade que permita às autoridades competentes apreciar a proporcionalidade das consequências da perda dessa nacionalidade à luz do direito da União e, se for o caso, conceder a manutenção ou a recuperação ex tunc da referida nacionalidade. Tal prazo só pode começar a correr se essas autoridades informaram devidamente as pessoas interessadas de que a eventual aquisição ou recuperação da nacionalidade de um país terceiro implica a perda da nacionalidade e da possibilidade de iniciar o procedimento de autorização prévia que permite requerer a manutenção dessa nacionalidade, bem como do seu direito de requerer, nesse prazo, a manutenção ou a recuperação dessa nacionalidade. Caso assim não seja, as referidas autoridades devem poder efetuar essa apreciação, a título incidental, quando as pessoas interessadas apresentem um pedido de documento de viagem ou de qualquer outro documento que certifique a sua nacionalidade ou, se for o caso, num processo de declaração da perda da nacionalidade.


1      Língua original: francês.


2      Acórdão de 2 de março de 2010 (C‑135/08, a seguir «Acórdão Rottmann», EU:C:2010:104).


3      Acórdão de 12 de março de 2019 (C‑221/17, a seguir «Acórdão Tjebbes e o.», EU:C:2019:189).


4      Acórdão de 18 de janeiro de 2022 (C‑118/20, a seguir «Acórdão Wiener Landesregierung», EU:C:2022:34).


5      Acórdão de 5 de setembro de 2023 (C‑689/21, a seguir «Acórdão Udlændinge‑ og Integrationsministeriet», EU:C:2023:626).


6      Na sua versão consolidada (Bundesgesetzblatt, parte III, n.o 102‑1), alterada pelo § 1.o, n.o 7, da Gesetz zur Reform des Staatsangehörigkeitsrechts (Lei de Revisão do Direito da Nacionalidade), de 15 de julho de 1999 (BGBl. I, p. 161).


7      Adotados pelas cidades em causa nos três processos principais, respetivamente, em 13 de setembro de 2019, em 24 de fevereiro de 2021 e em 12 de fevereiro de 2021.


8      Nos termos do § 30, n.o 1, da StAG, «[a] existência ou inexistência da nacionalidade alemã é declarada, a pedido, pela autoridade competente do país de nacionalidade caso seja comprovado um interesse legítimo. A declaração é vinculativa em todas as matérias relativamente às quais a existência ou inexistência da nacionalidade alemã seja juridicamente relevante. Perante um interesse público, a declaração também pode ser efetuada oficiosamente».


9      RGBl., p. 583.


10      Para ser exaustivo, gostaria de referir que, segundo a doutrina, esta revisão da RuStAG introduziu elementos de ius soli e facilitou a aquisição da nacionalidade alemã para os residentes estrangeiros na Alemanha e, especialmente, para os seus filhos nascidos neste Estado‑Membro. Esses autores esclarecem que, desde a entrada em vigor dessa legislação, foram introduzidas alterações em 2004, 2007, 2009, 2014 e 2019. V., nomeadamente, Farahat, A., e Hailbronner, K., Report on Citizenship Law: Germany, RSCAS/GLOBALCIT‑CR 2020/5, European University Institute, Country Report 2020/05, março de 2020, p. 33.


11      Assim, a aquisição da nacionalidade alemã teve lugar ao abrigo do § 25, n.o 1, primeira frase, da RuStAG, em vigor até 31 de dezembro de 1999, que previa a «Inlandsklausel» (a seguir «cláusula relativa ao território nacional»), de acordo com a qual a perda da nacionalidade alemã apenas ocorria se o nacional alemão em causa não tivesse «nem o seu domicílio nem a sua residência permanente no território nacional». Essa cláusula foi suprimida no § 25 da StAG. A Comissão, nas suas observações, refere a exposição de motivos do projeto de lei que procede à revisão do direito da nacionalidade de 15 de julho de 1999 [documento (“Drucksache”) 14/533 do Bundestag alemão, de 16 de março de 1999, p. 15], de acordo com a qual «[e]ssa “cláusula relativa ao território nacional” é frequentemente utilizada para contornar o princípio que consiste em evitar a pluralidade de nacionalidades na naturalização: a nacionalidade estrangeira abandonada antes da naturalização é recuperada sem sanção após a naturalização. A supressão da “cláusula relativa ao território nacional” elimina esta possibilidade de abuso». V., a este respeito, nomeadamente, McFadden, S.W., «German Citizenship Law and the Turkish diaspora», German Law Journal, 2019, n.o 20, p. 72, e, especialmente, p. 74 a 78; Falcke, S., e Vink, M., «Closing a Backdoor to Dual Citizenship: The German Citizenship Law Reform of 2000 and the Abolishment of the “Domestic Clause”», Frontiers in Sociology., 2020, vol. 5, p. 1, e, especialmente, p. 3 a 5, e Bouche, N., «La réforme de 1999 du droit allemand de la nationalité», Revue international de droit comparé, 2002, vol. 54(4), p. 1035.


12      V., n.o 18 das presentes conclusões.


13      C‑689/21, EU:C:2023:53. Para ser conciso, limito‑me a remeter, para uma descrição dessa jurisprudência, para os n.os 29 a 43 dessas conclusões.


14      V., nesse sentido, Acórdãos Rottmann, n.o 45; Tjebbes e o., n.o 32; Wiener Landesregierung, n.os 37 e 51, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 30 e jurisprudência referida. Trata‑se, de facto, da aplicação de um princípio fundamental do direito da União no domínio da cidadania da União. V., igualmente, a este respeito, jurisprudência referida no n.o 41 do Acórdão Rottmann.


15      Acórdão de 7 de julho de 1992 (C‑369/90, EU:C:1992:295, n.o 10).


16      N.os 41, 42 e 45.


17      V., Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro no processo Rottmann (C‑135/08, EU:C:2009:588, n.os 23, 24 e 26). Por conseguinte, de acordo com este advogado‑geral, não se trata nem de deduzir desse princípio a impossibilidade absoluta de revogar a nacionalidade no caso de a perda desta conduzir à perda do estatuto de cidadão da União nem de considerar que as condições de aquisição e de perda da nacionalidade de um Estado‑Membro, que este define, não estão sob a alçada do direito da União.


18      Acórdão Rottmann, n.o 41.


19      V., a este respeito, Acórdãos Rottmann, n.os 39, 41 a 43, 45, 48, 56, 55 e 59; Tjebbes e o., n.os 30, 32, 40 a 42 e 45, e Wiener Landesregierung, n.os 44, 59, 61 e 73.


20      N.os 48, 55 e 56.


21      Acórdãos Tjebbes e o., n.o 40, Wiener Landesregierung, n.o 58, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 38.


22      Acórdãos Rottmann, n.os 55 e 56; Tjebbes e o., n.o 41; Wiener Landesregierung, n.o 59, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 39.


23      Acórdãos Tjebbes e o., n.o 45, Wiener Landesregierung, n.o 61, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 55.


24      Acórdãos Tjebbes e o., n.o 42, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 40.


25      Recorde‑se que o processo que deu origem a esse acórdão dizia respeito à situação de uma cidadã nascida nos Estados Unidos da América, de mãe dinamarquesa e pai americano, e que possuía, desde o seu nascimento, dupla nacionalidade dinamarquesa e americana. Depois de ter completado 22 anos de idade, apresentara no Udlændinge — og Integrationsministeriet (Ministério da Imigração e da Integração, Dinamarca) um pedido de manutenção da sua nacionalidade dinamarquesa. Por decisão do ministério competente, foi informada de que perdera a nacionalidade dinamarquesa aos 22 anos de idade e que o pedido de manutenção da sua nacionalidade não podia ser deferido visto que o apresentara após perfazer essa idade.


26      Acórdão Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 40 e jurisprudência referida.


27      Acórdão Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.os 41 e 43 e jurisprudência referida.


28      Acórdão Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 48 e jurisprudência referida.


29      V., nomeadamente, Acórdãos de 20 setembro de 2001, Grzelczyk (C‑184/99, EU:C:2001:458, n.o 31), e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 29 e jurisprudência referida.


30      Artigo 20.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE.


31      V., n.os 28 a 31 das presentes conclusões.


32      Acórdão Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 30 e jurisprudência referida.


33      Acórdão Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 30 e jurisprudência referida.


34      Acórdãos Rottmann, n.o 51; Tjebbes e o., n.o 33; Wiener Landesregierung, n.o 52, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 31.


35      Acórdãos Tjebbes e o., n.o 35, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 32.


36      Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, adotada em 6 de novembro de 1997 pelo Conselho da Europa e entrada em vigor em 1 de março de 2000. Esta convenção é aplicável à Alemanha desde 1 de setembro de 2005. De acordo com o seu artigo 7.o, n.o 1, alínea a), «[u]m Estado Parte não poderá prever, no seu direito interno, a perda da sua nacionalidade ex lege ou por sua iniciativa, exceto [nos casos de a]quisição voluntária de outra nacionalidade».


37      No que diz respeito a este objetivo, ainda que a pluralidade de nacionalidades deva ser a exceção, a doutrina sublinha que a dupla nacionalidade é hoje admitida de modo mais geral. De acordo com esses autores, «na prática, houve um grande aumento das naturalizações ao reconhecer‑se a dupla nacionalidade». V., a este propósito, Farahat, A., e Hailbronner, K., op. cit., p. 9, 18 e 32. Por outro lado, decorre das decisões de reenvio que a Convenção de 6 de maio de 1963 sobre a Redução dos Casos de Pluralidade de Nacionalidades e sobre as Obrigações Militares em caso de Pluralidade de Nacionalidades, que entrou em vigor para a República Federal da Alemanha em 18 de dezembro de 1969, deixou de ser aplicável na Alemanha a partir de 21 de dezembro de 2002, em consequência da sua denúncia. A este respeito, os referidos autores explicam que a revisão da RuStAG foi acompanhada pela decisão de denunciar esta convenção, que apenas previa uma aceitação restrita da dupla nacionalidade.


38      O Governo Alemão cita a Decisão de 8 de dezembro de 2006, 2 BvR 1339/06, DE:BVerfG:2006:rk20061208.2bvr133906, n.o 14. O Governo Alemão refere que decorre igualmente da jurisprudência nacional que, desde a revisão da RuStAG, a supressão da pluralidade de nacionalidades deixou de ser prioritária. V., Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal), Acórdão de 10 de abril de 2008, 5 C 28.07, DE:BVerwG:2008:100408U5C28.07.0, n.o 21.


39      V., nesse sentido, Acórdãos Tjebbes e o., n.o 34, e Wiener Landesregierung, n.o 54. Ainda que o Tribunal de Justiça utilize na sua jurisprudência os termos «efeitos indesejáveis», confesso que tenho dúvidas sobre a pertinência de qualificar, de forma geral, como efeitos «indesejáveis» as consequências da posse, por um nacional de um Estado‑Membro, de várias nacionalidades.


40      O relatório explicativo desta convenção (Conselho da Europa, Série de tratados europeus, n.o 166, p. 11) refere que «[o artigo 7.o, n.o 1, alínea a)] permite aos Estados Partes prever a perda da sua nacionalidade em caso de aquisição voluntária de outra nacionalidade. O termo “voluntária” indica que o interessado adquiriu essa nacionalidade de livre vontade e não de forma automática (ex lege)».


41      Decorre desse relatório que, em determinados Estados, sobretudo quando muitas pessoas pretendam adquirir ou tenham adquirido a sua nacionalidade, pode considerar‑se que a manutenção de outra nacionalidade poderia obstar à plena integração dessas pessoas. Em contrapartida, outros Estados podem considerar preferível facilitar a aquisição da sua nacionalidade permitindo aos interessados manter a sua nacionalidade de origem e, desse modo, favorecer a sua integração no país de acolhimento, nomeadamente para permitir a essas pessoas manter a nacionalidade de outros membros da sua família ou para facilitar o seu regresso ao seu país de origem se o pretenderem (relatório explicativo, p. 3).


42      Acórdãos Rottmann, n.os 55 e 56; Tjebbes e o., n.o 40; Wiener Landesregierung, n.o 58, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 38. V., igualmente, n.o 41 das presentes conclusões.


43      Acórdãos Tjebbes e o., n.o 41, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 39.


44      Acórdão Udlændinge ‑ og Integrationsministeriet, n.o 43 e jurisprudência referida. V., igualmente, n.os 38 e seguintes das presentes conclusões.


45      Acórdão Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 41 e jurisprudência referida. V., n.o 38 das presentes conclusões.


46      De acordo com alguma doutrina, a entrada em vigor do § 25 da StAG pôs termo ao abuso dessa lacuna legislativa no que se refere à aplicação da cláusula relativa ao território nacional, «mas, infelizmente, essa alteração jurídica não foi percebida por muitos cidadãos turcos e, claramente, nem sequer pelas autoridades turcas. Estima‑se, por isso, que, ao readquirir a sua nacionalidade turca, 40 000 turcos tenham perdido a sua nacionalidade alemã, quase sem o saber, após a entrada em vigor [da StAG]» (Farahat, A. e Hailbronner, K., op. cit., p. 26, o sublinhado é meu). A propósito desta situação, v., igualmente, McFadden, S. W., op. cit., p. 80. Na minha opinião, tais medidas dificilmente se conjugam com a solidariedade que se presume existir nas relações entre um Estado‑Membro e os seus próprios nacionais, independentemente de, como no presente processo, a nacionalidade ter sido adquirida por naturalização no contexto específico da existência de uma lacuna legislativa no que se refere à aplicação da cláusula relativa ao território nacional.


47      Nomeadamente, resulta do quadro jurídico apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio que o § 38 da Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet (Lei relativa à Permanência, ao Emprego e à Integração dos Estrangeiros no Território Federal), de 25 de fevereiro de 2008 (BGBl. I, p. 162), prevê que seja atribuído a um antigo nacional alemão um título de residência permanente ou uma autorização de residência se, no momento da perda da nacionalidade alemã, satisfizer determinadas condições. De acordo com alguma doutrina, essa disposição foi introduzida pelo legislador para conceder esse tipo de autorizações «aos nacionais turcos que tenham perdido involuntariamente a sua nacionalidade alemã, partindo do princípio de que poderiam readquirir a sua nacionalidade turca» (Farahat, A. e Hailbronner, K., op. cit., p. 26, o sublinhado é meu).


48      V., a este respeito, n.o 71 das presentes conclusões.


49      V., n.o 38 e seguintes das presentes conclusões.


50      V., nesse sentido, Acórdãos Tjebbes e o., n.o 42, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 40.


51      V., nesse sentido, Acórdãos Tjebbes e o., n.o 42, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 40.


52      Tais consequências não podem, de acordo com o Tribunal de Justiça, ser hipotéticas ou eventuais. Acórdãos Tjebbes e o., n.o 44, e Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 54.


53      Acórdão Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.o 55 e jurisprudência referida.


54      Uma vez que a recorrente apresentara o seu pedido de manutenção da nacionalidade dinamarquesa após o termo do prazo previsto na legislação nacional. V., nota 25 das presentes conclusões.


55      Este elemento acresce às considerações expostas nos n.os 66 e seguintes das presentes conclusões. Neste contexto, os recorrentes nos processos principais, enquanto nacionais alemães, puderam exercer os direitos que decorrem do estatuto de cidadãos da União entre a sua naturalização, em 1999, e a adoção da decisão que declara a perda da sua nacionalidade, ou seja, durante, pelo menos, 18 anos. Esta situação, primeiro, de direito e, depois, de facto, bem como a diferença existente no período entre essas duas datas, deveria ser tida em conta no âmbito da apreciação da proporcionalidade e, especialmente, no contexto da proteção do direito à vida familiar e profissional.


56      O órgão jurisdicional de reenvio explica que o § 13 da StAG, que permite aos antigos nacionais alemães, sob determinadas condições, uma naturalização facilitada, aplica‑se apenas quando os requerentes tenham domicílio no estrangeiro.


57      Acórdão Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, n.os 57 e 58. V., igualmente, Conclusões que apresentei no processo Udlændinge‑ og Integrationsministeriet, (C‑689/21, EU:C:2023:53, n.os 93 e 94).