Language of document : ECLI:EU:T:2004:348

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção alargada)
1 de Dezembro de 2004 (1)

«Auxílios de Estado – Decisão da Comissão de não levantar objecções – Recurso de anulação – Admissibilidade – Enquadramento multissectorial dos auxílios com finalidade regional para grandes projectos de investimento»

No processo T‑27/02,

Kronofrance SA, com sede em Sully‑sur‑Loire (França), representada por R. Nierer, advogado,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Kreuschitz e J. Flett, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Glunz AG

e

OSB Deutschland GmbH,

com sede em Meppen (Alemanha), representadas por H.‑J. Niemeyer e K. Ziegler, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão SG (2001) D da Comissão, de 25 de Julho de 2001, de não levantar objecções ao auxílio concedido pelas autoridades alemãs à Glunz AG,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção alargada),



composto por: H. Legal, presidente, V. Tiili, M. Vilaras, I. Wiszniewska‑Białecka e V. Vadapalas, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Julho de 2004,

profere o presente



Acórdão




Quadro jurídico

1
O enquadramento multissectorial dos auxílios com finalidade regional para grandes projectos de investimento (JO 1998, C 107, p. 7, a seguir «enquadramento multissectorial»), em vigor no momento dos factos, define as regras de avaliação dos auxílios concedidos a esse título, que se incluem no seu âmbito de aplicação.

2
Através do enquadramento multissectorial, a Comissão determina, caso a caso, a intensidade do auxílio máximo admissível para os projectos sujeitos à obrigação de notificação.

3
O ponto 3.10. do enquadramento multissectorial descreve a fórmula de cálculo pela qual a Comissão determina a referida intensidade. Esta fórmula assenta, em primeiro lugar, na determinação da intensidade máxima admissível aplicável aos auxílios às grandes empresas na região em causa, o chamado «limite máximo regional» (factor R), ao que se aplicam, em seguida, três coeficientes que correspondem, respectivamente, ao estado da concorrência no sector em causa (factor T), à ratio capital/trabalho (factor I) e ao impacto regional do auxílio em causa (factor M). A intensidade máxima do auxílio autorizada é, assim, a seguinte: R x T x I x M.

4
Segundo os pontos 3.2. e 3.3. do enquadramento multissectorial, o factor «concorrência» implica uma análise com vista a determinar se o projecto notificado será executado num sector ou subsector afectado por excesso de capacidade estrutural. Para determinar a existência ou não desse excesso de capacidade, a Comissão tem em conta, à escala da Comunidade, a diferença entre a taxa média de utilização das capacidades de produção da indústria transformadora no seu conjunto e a taxa de utilização das capacidades no (sub)sector em causa. Esta análise abrangerá um período de referência correspondente aos últimos cinco anos para os quais existem dados disponíveis.

5
Verifica‑se uma situação de excesso de capacidade estrutural quando, com base na média dos últimos cinco anos, a capacidade de utilização do (sub)sector em causa for inferior em mais de dois pontos percentuais ao do sector transformador no seu conjunto. O (sub)sector será definido com base no nível mais baixo da nomenclatura geral das actividades económicas nas Comunidades Europeias (NACE), estabelecida pelo Regulamento (CEE) n.° 3037/90 do Conselho, de 9 de Outubro de 1990, relativo à nomenclatura estatística das actividades económicas na Comunidade Europeia (JO L 293, p. 1), na versão alterada. O excesso de capacidade estrutural é grave quando a diferença relativamente à média do sector transformador for superior a cinco pontos percentuais (ponto 7.7. do enquadramento multissectorial).

6
No ponto 3.4. do enquadramento multissectorial precisa‑se que, na ausência de dados suficientes sobre a utilização das capacidades, a Comissão terá em conta se o investimento ocorre num mercado em declínio. Para esse efeito, compara a evolução do consumo aparente do(s) produto(s) em questão (ou seja, produção mais importações menos exportações) com a taxa de crescimento da indústria transformadora do Espaço Económico Europeu (EEE), no seu conjunto.

7
O mercado dos produtos em causa considera‑se em declínio se, nos últimos cinco anos, apresentar uma taxa média de crescimento anual do consumo aparente for significativamente inferior (mais de 10%) à média anual da indústria transformadora do EEE no seu conjunto, excepto se a taxa de crescimento relativa do consumo aparente do(s) produto(s) apresentar uma forte tendência para a subida. Um mercado em total declínio é um mercado no qual a taxa média de crescimento anual do consumo aparente é negativa nos últimos cinco anos (ponto 7.8. do enquadramento multissectorial).

8
Nos termos do ponto 3.10.1. do enquadramento multissectorial, é aplicável ao factor T (concorrência) um factor de correcção de 0,25, de 0,5, de 0,75 ou de 1, em função dos seguintes critérios:

«i)
Projecto que implica um aumento de capacidade num sector caracterizado por uma sobrecapacidade estrutural grave e/ou em total declínio da procura: 0,25

ii)
Projecto que implica um aumento de capacidade num sector caracterizado por uma sobrecapacidade estrutural grave e/ou em declínio e susceptível de reforçar uma parte elevada de mercado: 0,50

iii)
Projecto que implica um aumento de capacidade num sector caracterizado por uma sobrecapacidade estrutural grave e/ou em declínio: 0,75

iv)
Nenhum efeito negativo provável em termos de i) a iii): 1,00.»


Factos na origem do litígio

9
Por carta de 4 de Agosto de 2000, registada em 7 de Agosto seguinte, a República Federal da Alemanha notificou à Comissão, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] do Tratado CE (JO L 83, p. 1), um projecto de auxílio ao investimento a favor da sociedade Glunz AG para a construção de um centro integrado de tratamento de madeira em Nettgau no Land de Saxe‑Anhalt (Alemanha), projecto esse abrangido pelo enquadramento multissectorial.

10
Após recepção de uma carta da Comissão de 28 de Agosto de 2000 que lhes indicava que a notificação não podia considerar‑se completa, as autoridades alemãs, por cartas de 15 de Novembro de 2000 e de 12 de Janeiro de 2001, transmitiram informações complementares. Não tendo a Comissão ficado inteiramente satisfeita, as mesmas autoridades forneceram, por carta de 2 de Março de 2001, novas informações que permitiram à instituição considerar a notificação completa.

11
Em 25 de Julho de 2001, a Comissão adoptou, ao abrigo do artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 659/1999, uma decisão de não levantar objecções à concessão desse auxílio (a seguir «decisão»).

12
Resulta da decisão que o projecto de investimento deve ser realizado numa região elegível, na acepção do artigo 87.°, n.° 3, alínea a), CE, relativamente à qual a intensidade máxima do auxílio à promoção de novos investimentos em grandes empresas, também designado limite máximo regional, ascenda a 35% brutos. O auxílio é constituído por uma subvenção não reembolsável de 46 201 868 euros e de um prémio ao investimento de 23 596 120 euros, ou seja, um montante total de 69 797 988 euros, para um custo total de investimento elegível de 199 400 000 euros.

13
Este auxílio destina‑se, em parte e num montante de 28,61 milhões de euros, à construção de uma fábrica de painéis de partículas orientadas e, no restante, num montante de 41,18 milhões de euros, à construção de uma fábrica de painéis de partículas.

14
Com base numa avaliação do auxílio notificado na perspectiva dos critérios estabelecidos pelo enquadramento multissectorial, a Comissão expôs, na decisão, as razões pelas quais os coeficientes correctores aplicáveis à taxa de 35% correspondente à intensidade máxima que uma grande empresa pode obter na região em causa devem ser fixados em:

1 para o factor T relativo à concorrência no sector em causa,

0,8 para o factor I (ratio capital/trabalho);

1,5 para o factor M em relação ao impacto regional do auxílio em causa,

ou seja, uma intensidade máxima admissível de 42% (= 35% x 1 x 0,8 x 1,5).

15
Em especial, quanto à avaliação do factor T relativo à concorrência, a Comissão precisou que, nos termos do pontos 3.3. e 3.4. do enquadramento multissectorial, devia limitar a sua análise do factor relativo à concorrência à determinação da existência, ou não, de excesso de capacidades estruturais no sector em causa, quando existam dados suficientes relativos à taxa de utilização das capacidades. Considerando que os dois produtos fabricados pela Glunz representavam uma parte muito importante de toda a produção de painéis de madeira na Europa e referindo‑se ao nível mais baixo da NACE, a Comissão optou por basear a sua análise nos dados relativos à taxa de utilização das capacidades da classe 20.20 da NACE, que engloba o fabrico de painéis de madeira.

16
Partindo de dados que abrangem o período compreendido entre 1994 e 1998 contidos num estudo fornecido pelas autoridades alemãs, a Comissão concluiu que o projecto de investimento em causa ia implicar um aumento das capacidades num sector em que não existem em excesso, o que justificou a aplicação do coeficiente corrector 1 ao factor relativo à concorrência.

17
Tendo verificado que o montante do auxílio que a República Federal da Alemanha pretendia conceder à Glunz era conforme ao auxílio máximo autorizado, calculado com base no enquadramento multissectorial, a Comissão declarou o auxílio notificado compatível com o Tratado CE.


Tramitação processual e pedidos das partes

18
Foi nestas circunstâncias que, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Fevereiro de 2002, a recorrente interpôs o presente recurso.

19
Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 3 de Julho de 2002, a Glunz e a OSB Deutschland GmbH pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

20
Por despacho de 10 de Setembro de 2002, o presidente da Quarta Secção alargada do Tribunal de Primeira Instância admitiu essa intervenção. As intervenientes apresentaram as suas alegações em 4 de Novembro de 2002 e a recorrente apresentou, no prazo fixado, as observações correspondentes.

21
As partes foram ouvidas em alegações e nas respostas às questões do Tribunal na audiência de 8 de Julho de 2004.

22
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão;

condenar a Comissão nas despesas.

23
A Comissão, apoiada pelas intervenientes, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

declarar o recurso inadmissível;

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.


Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

24
Na audiência, a Comissão e as intervenientes contestaram a admissibilidade do recurso.

25
Afirmaram que a posição da recorrente no mercado em causa não era substancialmente afectada pelo auxílio autorizado. Tendo em conta a localização das instalações de produção e dos territórios de distribuição dos produtos em causa, determinados pelo custo do transporte, a sobreposição das zonas de comercialização da recorrente e da empresa beneficiária do auxílio era marginal.

26
A recorrente alega que a Comissão violou os seus direitos processuais ao abster‑se, erradamente, de dar início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 6.° do Regulamento n.° 659/1999, que lhe teria permitido, enquanto parte interessada, apresentar observações antes de a Comissão tomar a sua decisão.

27
Recorda que a definição, contida no artigo 1.°, alínea h), do Regulamento n.° 659/1999, da qualidade de «parte interessada» abrange as empresas concorrentes. Ora, a recorrente e a Glunz são concorrentes directas, porque fabricam os mesmos produtos, que, em seguida, são comercializados no mesmo mercado. A concessão do auxílio afecta a posição concorrencial da recorrente no mercado em causa.

28
Nestas circunstâncias, a recorrente alega que a decisão lhe diz directa e individualmente respeito e que, portanto, tem legitimidade para interpor um recurso de anulação da mesma.

Apreciação do Tribunal

29
Foi na audiência que, pela primeira vez, a Comissão e as intervenientes pediram que o recurso fosse julgado inadmissível por falta de legitimidade da recorrente.

30
Resulta da jurisprudência que o fundamento de inadmissibilidade baseado na falta de legitimidade para agir da recorrente constitui um fundamento de ordem pública que pode, e deve mesmo, ser examinado oficiosamente pelo juiz comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 35) e que, consequentemente, pode ser invocado pela recorrida em qualquer fase do processo (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 1997, Comissão/Daffix, C‑166/95 P, Colect., p. I‑983, n.° 25, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2001, Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, T‑45/98 e T‑47/98, Colect., p. II‑3757, n.° 125).

31
O presente recurso de anulação foi interposto de uma decisão da Comissão que declara compatível com o mercado comum um auxílio individual, adoptada depois de uma análise preliminar.

32
A este respeito, importa recordar que, no âmbito do controlo dos auxílios de Estado que a Comissão efectua, há que distinguir, por um lado, o exame preliminar dos auxílios, instituído pelo artigo 88.°, n.° 3, CE e que se rege pelo artigo 4.° do Regulamento n.° 659/1999, que tem apenas por objecto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, o procedimento formal de exame, a que se refere o artigo 88.°, n.° 2, CE e o artigo 6.° do Regulamento n.° 659/1999, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do processo. É só no âmbito deste último procedimento que o Tratado prevê a obrigação de a Comissão notificar os interessados para apresentarem as suas observações (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, Colect., p. I‑2487, n.° 22; de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.° 16; de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 38, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2004, Thermenhotel Stoiser Franz e o./Comissão, T‑158/99, ainda não publicado na Colectânea, n.° 57).

33
Quando, sem iniciar o procedimento do artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão declara, com base no n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários das garantias processuais previstas pelo referido n.° 2 só podem obter o seu respeito se tiverem a possibilidade de impugnar no órgão jurisdicional comunitário essa decisão da Comissão (acórdãos Cook/Comissão, já referido, n.° 23; Matra/Comissão, já referido, n.° 17; Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 47, e Thermenhotel Stoiser Franz e o./Comissão, já referido, n.° 69).

34
Por conseguinte, quando, através de um recurso de anulação de uma decisão da Comissão tomada no termo do exame preliminar, um recorrente pretenda obter o respeito das garantias processuais previstas no artigo 88.°, n.° 2, CE, o simples facto de possuir a qualidade de interessado, na acepção desta disposição, basta para que se considere que a decisão lhe diz directa e individualmente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (acórdãos Cook/Comissão, já referido, n.os 23 a 26, Matra/Comissão, já referido, n.os 17 a 20, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BP Chemicals/Comissão, T‑11/95, Colect., p. II‑3235, n.os 89 e 90).

35
No caso em apreço, é pacífico que a recorrente solicita a anulação da decisão porque, como expõe no âmbito do seu segundo fundamento, a Comissão recusou, erradamente, dar início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE.

36
Além disso, a recorrente reivindica a qualidade de interessada ao alegar que é concorrente directa da Glunz, porque fabrica, na sua unidade de Sully‑sur‑Loire (França), os mesmos produtos que essa sociedade, produtos esses que serão em seguida comercializados nos mesmos mercados.

37
Importa recordar que, de acordo com a jurisprudência, os interessados são as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão do auxílio, isto é, nomeadamente as empresas concorrentes e as organizações profissionais (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.° 16). Retomando a solução jurisprudencial acima referida, o artigo 1.°, alínea h), do Regulamento n.° 659/1999 enuncia que, por parte interessada, se entende «qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afectados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações sectoriais».

38
Ora, é pacífico, no presente caso, que a recorrente e a empresa beneficiária do auxílio fabricam painéis de madeira e que, efectivamente, existe uma sobreposição das zonas de comercialização destas duas empresas.

39
Importa observar que, na audiência e contrariando as afirmações da Comissão segundo as quais a empresa beneficiária do auxílio comercializa os seus produtos em empresas situadas quase exclusivamente no território da ex‑República Democrática Alemã, a Glunz esclareceu que escoava os seus produtos em todo o território da República Federal da Alemanha, sobretudo em empresas da indústria do mobiliário que se concentram numa região do noroeste da Alemanha.

40
A Glunz também reconheceu que a recorrente estava presente no mercado alemão de fabrico de mobiliário, mas com uma quota de mercado reduzida, não se apoiando esta última afirmação em qualquer elemento probatório.

41
Além disso, embora a Comissão tenha efectivamente considerado, na decisão, a propósito dos painéis de madeira, que, tratando‑se de produtos pesados e volumosos, um transporte de longo curso era demasiado dispendioso e que o raio de transporte estava, portanto, limitado a cerca de 800 quilómetros, também concluiu que o mercado geográfico em causa era constituído pelo EEE.

42
A este respeito, se uma empresa, na sua área de distribuição natural, se encontrar em concorrência com as outras empresas cujas áreas de fornecimento se sobrepõem à sua, dado que cada uma destas empresas tem o seu próprio raio de fornecimento ulterior, a concorrência de uma empresa em relação às que se encontram no seu raio tende a alargar‑se às áreas naturais de fornecimento destas, e pode ser adequado, consequentemente, considerar a Comunidade no seu todo, ou o EEE, como no caso em apreço, como o mercado geográfico de referência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Kish Glass/Comissão, T‑65/96, Colect., p. II‑1885, n.os 84 a 95).

43
Também resulta da decisão que a Glunz é uma filial da Tableros de Fibras SA, que possui fábricas em França, activas no sector da madeira, que lhe foram cedidas em 1999 pela Glunz.

44
Nestas circunstâncias, há que considerar que a recorrente é efectivamente uma concorrente da empresa beneficiária do auxílio e que pode, portanto, ser qualificada de parte interessada na acepção do artigo 1.°, alínea h), do Regulamento n.° 659/1999.

45
A este respeito, a referência que a Comissão faz expressamente ao despacho do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Maio de 2004, Deutsche Post e DHL/Comissão (T‑358/02, ainda não publicado na Colectânea), para sustentar a inadmissibilidade do recurso, uma vez que a posição da recorrente no mercado em causa não seria substancialmente afectada pela concessão do auxílio, é irrelevante. Com efeito, o referido despacho de inadmissibilidade, baseado na não afectação substancial da posição concorrencial das duas empresas recorrentes, foi proferido num processo que se distingue do presente por o recurso ter sido interposto de uma decisão da Comissão, adoptada no termo do procedimento previsto no artigo 88, n.° 2, CE, no âmbito do qual os interessados tinham sido devidamente convidados a apresentar as suas observações.

46
Resulta das considerações expostas que o presente recurso deve ser julgado admissível.


Quanto ao mérito

Observações liminares

47
A recorrente invoca, essencialmente, quatro fundamentos em apoio dos seus pedidos de anulação da decisão, assentes, em primeiro lugar, em violação do artigo 87.° CE e do enquadramento multissectorial, em segundo, em violação do artigo 88.°, n.° 2, CE, em terceiro, em desvio de poder alegadamente cometido pela Comissão e, em quarto, em violação do dever de fundamentação.

48
Sustenta, no âmbito do segundo fundamento de anulação, que, ao autorizar o auxílio concedido pelas autoridades alemãs à Glunz logo após o exame preliminar, a Comissão violou o artigo 88.°, n.° 2, CE e o artigo 4.°, n.° 4, do Regulamento n.° 659/1999 que obriga a instituição a dar início ao procedimento formal de exame quando a medida notificada «suscita dúvidas» quanto à sua compatibilidade com o mercado comum.

49
Recorde‑se que o exame preliminar instituído pelo artigo 88.°, n.° 3, CE e que se rege pelo artigo 4.° do Regulamento n.° 659/1999, tem apenas por objectivo conceder à Comissão um prazo de reflexão e investigação suficiente para formar uma primeira opinião sobre os projectos de auxílio que lhe foram notificados, a fim de concluir, sem que seja necessário um exame aprofundado, que são compatíveis com o Tratado ou, pelo contrário, que o seu conteúdo suscita dúvidas a este respeito (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2001, Áustria/Comissão, C‑99/98, Colect., p. I‑1101, n.os 53 e 54).

50
A fase formal de exame que permite à Comissão ficar completamente esclarecida sobre a totalidade dos dados do processo antes de tomar a sua decisão reveste carácter indispensável sempre que a Comissão se depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado comum (acórdão Matra/Comissão, já referido, n.° 33).

51
A Comissão só pode, portanto, limitar‑se a um exame preliminar para tomar uma decisão de não formulação de objecções relativamente a um auxílio se estiver convencida, no fim desse exame, de que esse projecto é compatível com o Tratado.

52
Em contrapartida, se esse primeiro exame tiver levado a Comissão à convicção contrária, ou não tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado comum, a Comissão tem o dever de reunir todos os pareceres necessários e dar início, para o efeito, ao procedimento formal de exame previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1984, Alemanha/Comissão, 84/82, Recueil, p. 1451, n.° 13; Cook/Comissão, já referido, n.° 29; Matra/Comissão, já referido, n.° 33, e Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 39).

53
No âmbito do seu fundamento baseado em violação do artigo 88.°, n.° 2, CE, a recorrente alega não só que a duração e as circunstâncias do exame preliminar constituem indícios da existência de dificuldades sérias, mas também que uma pesquisa precisa sobre a situação do mercado dos painéis de partículas deveria ter suscitado dúvidas à Comissão tornando, então, necessário dar início ao procedimento formal de exame. A recorrente acrescenta que, no decurso do referido procedimento, comunicou à Comissão os dados relativos ao consumo aparente de painéis de partículas demonstrando que o investimento em causa se realiza num mercado em declínio.

54
Entretanto, resulta claramente da decisão que a Comissão se limitou, deliberadamente, a examinar apenas a eventual existência de um excesso de capacidade estrutural e que considerou, tendo em conta o teor dos pontos 3.2. a 3.4. do enquadramento multissectorial e o facto de dispor de dados suficientes sobre a taxa de utilização das capacidades do sector em causa, que não era obrigada a verificar se os investimentos em causa se iam realizar num mercado em declínio. Nessa perspectiva, a transmissão, pela recorrente, de dados relativos ao consumo de painéis de partículas não tinha, de qualquer modo, utilidade.

55
Deste modo, coloca‑se assim uma questão prévia e geral relativa à interpretação, à luz do artigo 87.° CE, dos pontos relevantes do enquadramento multissectorial para determinar o ou os critérios que devem ser utilizados para efeitos da apreciação do factor «concorrência».

56
No âmbito do exercício da sua fiscalização da legalidade, incumbe ao Tribunal resolver esta primeira questão de interpretação das normas aplicáveis e, portanto, verificar se foi correctamente que a Comissão chegou à conclusão referida no n.° 54 supra, o que a recorrente contesta expressamente no seu primeiro fundamento de anulação baseado em violação do artigo 87.° CE e do enquadramento multissectorial.

Quanto à violação do artigo 87.° CE e do enquadramento multissectorial

Argumentos das partes

57
A recorrente contesta a apreciação que a Comissão faz da intensidade máxima admissível do auxílio e mais especialmente do factor T relativo à concorrência. A Comissão, no caso em apreço, procedeu a uma análise errada da situação do mercado ao, por um lado, não distinguir o mercado dos painéis de partículas do mercado de painéis de partículas orientadas e, por outro, ao não verificar e considerar a situação de declínio do mercado dos painéis de partículas.

– Quanto à não distinção entre o mercado de painéis de partículas e o mercado de painéis de partículas orientadas

58
A recorrente afirma que o auxílio em causa devia ter sido examinado e apreciado de maneira distinta, conforme se destinasse à produção de painéis de partículas ou à produção de painéis de partículas orientadas. Observa que, na parte da decisão relativa à determinação do mercado de produtos em causa, a Comissão indica o seguinte: «Nestas condições, propomos que se considerem, por um lado, os [painéis de partículas orientadas] e os contraplacados e, por outro, os painéis de partículas, como mercados distintos.» Censura à recorrida o facto de não ter tido precisamente em conta esta delimitação do mercado no âmbito da apreciação do factor «concorrência» e ter, pelo contrário, adoptado uma abordagem uniforme.

59
Sustenta que os mercados dos painéis de partículas e dos painéis de partículas orientadas são demasiado diferentes para serem tratados como um único e mesmo mercado. Com efeito, estes dois produtos apenas são permutáveis numa percentagem muito reduzida, somente 10% segundo a própria Comissão. Além disso, os mercados relativos a estes dois produtos evoluem diferentemente, no sentido de que o mercado dos painéis de partículas está em declínio, enquanto o dos painéis de partículas orientadas se encontra em crescimento.

60
A Comissão sublinha que o projecto de investimento em causa tem por objectivo a criação de um centro integrado de transformação da madeira, que inclui duas linhas de produção, estreitamente ligadas, com instalações comuns. Alega que, nos termos do ponto 7.2. do enquadramento multissectorial, devia considerar o referido projecto como uma «entidade e assim o tratar», na medida em que visa, precisamente, a criação de um «estabelecimento» na acepção do referido ponto 7.2. A Comissão respeitou também o ponto 7.7. do enquadramento multissectorial ao basear a sua apreciação nos dados relativos à classe 20.20 da NACE, que inclui os painéis de partículas e os painéis de partículas orientadas.

61
Mesmo admitindo a hipótese de uma apreciação distinta do investimento em função das fábricas em causa, a Comissão afirma que teria de considerar em conjunto os dois produtos nelas fabricados nos termos do último período do ponto 3.2. do enquadramento multissectorial, segundo a qual é necessário proceder, em primeiro lugar, a uma análise sectorial e não a uma análise dos diferentes mercados de produtos. Além disso, mesmo no caso de se atender a uma taxa de utilização das capacidades para os painéis de partículas diferente da taxa de utilização das capacidades para os painéis de partículas orientadas, obter‑se‑ia um coeficiente corrector do factor T igual a 1 para os dois sectores, onde não se verifica um excesso de capacidades estruturais.

62
As intervenientes indicam que o projecto objecto do auxílio é um projecto de investimento único destinado à criação de um centro integrado de transformação de madeira, que constitui um estabelecimento na acepção do ponto 7.2. do enquadramento multissectorial, ou seja, uma unidade do ponto de vista organizacional. Nestas condições, o facto de os painéis de partículas orientadas e de os painéis de partículas pertencerem a diferentes mercados de produtos ou de o auxílio poder ser atribuído às duas linhas de produção numa perspectiva puramente contabilística é irrelevante.

63
As intervenientes sustentam que, de qualquer modo, a fixação da taxa de utilização das capacidades, a única que interessa no caso em apreço, não depende em absoluto da questão da unicidade do projecto de investimento. Mesmo na hipótese de os dois projectos de auxílio serem claramente diferenciados, a fixação do factor relativo à concorrência devia basear‑se na taxa de utilização das capacidades do subsector da NACE a que pertencem os dois produtos em causa, de acordo com os pontos 3.2. e 3.3., conjugados com o ponto 7.7. do enquadramento multissectorial.

    Quanto à não verificação e tomada em consideração da situação de declínio do mercado dos painéis de partículas

64
A recorrente indica que, de acordo com os pontos 7.7. e 7.8. do enquadramento multissectorial, cabia à Comissão proceder a um exame dos dados numéricos relevantes, relativos ao período compreendido entre 1995 e 1999 inclusive, para verificar se se estava em presença de um excesso de capacidade estrutural e/ou de um mercado em declínio, sendo esta apreciação uma condição prévia à determinação do factor «concorrência».

65
Reportando‑se a um estudo junto em anexo à petição, a recorrente afirma que a taxa de crescimento anual média, em percentagem, do consumo aparente de painéis de partículas no EEE foi de - 3,72% nos anos de 1995 a 1999 (contra + 24,75% para os painéis de partículas orientadas), o que significa que, segundo o ponto 7.8. do enquadramento multissectorial, este mercado de produtos estava em total declínio no momento em que a decisão foi tomada. Tendo em conta a existência de um mercado de produtos em total declínio, o coeficiente corrector do factor «concorrência» aplicável, relativo ao auxílio à fábrica de painéis de partículas, não era, portanto, 1, mas 0,25, nos termos do ponto 3.10. do enquadramento multissectorial.

66
A recorrente contesta o raciocínio desenvolvido pela Comissão na decisão para concluir por um coeficiente corrector de 1 para o factor «concorrência».

67
Critica‑a por se ter limitado, alegando estar na posse de informações suficientes sobre a utilização das capacidades no sector em causa, a tomar em consideração a existência ou não de um excesso de capacidade estrutural, sem se interrogar sobre a questão de saber se se está em presença de um mercado em declínio, uma vez que uma resposta positiva a uma dessas duas questões devia conduzir à exclusão da aplicação de um coeficiente corrector de 1 ao factor «concorrência».

68
Em primeiro lugar, resulta do teor do ponto 3.10. do enquadramento multissectorial que o dever de examinar se os investimentos são efectuados num mercado em declínio se impõe, mesmo quando estejam disponíveis informações sobre a taxa de utilização das capacidades.

69
A obrigação que incumbe à Comissão de examinar se existe um excesso de capacidade estrutural e/ou um mercado em declínio resulta, em segundo lugar, do artigo 87.°, n.os 1 e 3, CE. A necessidade de a Comissão, quando aplica este artigo, ter em conta o interesse comum devia levá‑la a examinar, no caso em apreço, se se está em presença de um mercado em declínio.

70
A Comissão recorda o carácter vinculativo do enquadramento multissectorial e o facto de, no caso em apreço, não lhe ser permitido examinar se os investimentos eram efectuados num mercado em declínio, uma vez que, nos termos do ponto 3.4. do mesmo enquadramento, esse exame só é autorizado a título subsidiário, quando os dados relativos à utilização das capacidades sejam insuficientes. Ora, à data da notificação do auxílio, a Comissão dispunha de dados relativos à taxa de utilização das capacidades do sector em causa, para o período compreendido entre 1993 e 1998, que serviram de base à decisão.

71
A Comissão alega que a interpretação que a recorrente faz do enquadramento multissectorial é inexacta. Segundo a recorrida, resulta automaticamente da ordem dos pontos 3.3. e 3.4. do enquadramento, bem como da condição estabelecida no referido ponto 3.4. para verificar se os investimentos são realizados num mercado em declínio, a saber, o facto de os dados relativos à utilização das capacidades serem insuficientes, que há que dar prioridade à determinação da taxa de utilização das capacidades. Além disso, a expressão «e/ou» destina‑se simplesmente a precisar que, em qualquer hipótese, quando os dados relativos à utilização das capacidades são insuficientes, há que determinar o consumo aparente dos produtos em causa. A menos que se admita uma contradição normativa, não se pode deduzir do ponto 3.10. do enquadramento multissectorial, em que não está de forma alguma em causa a ordem da utilização dos dois métodos de apreciação da concorrência, que se deva revogar, ainda que parcialmente, os pontos 3.2. e 3.4. do referido enquadramento.

72
A proeminência do critério constituído pela taxa de utilização das capacidades explica‑se pelo facto de esta fornecer uma perspectiva nitidamente mais fiável da situação de um determinado sector do que o consumo aparente. Este consumo está sujeito a muitas flutuações, independentes da situação do sector e da taxa de utilização das capacidades, o que conduz a conclusões sensivelmente diferentes sobre o estado do mercado após o período de cinco anos tido em conta. A Comissão precisa que os objectivos do enquadramento multissectorial são alcançados quando as suas disposições específicas são respeitadas como no caso em apreço.

73
Não é possível deduzir do novo enquadramento multissectorial dos auxílios com finalidade regional para grandes projectos de investimento (JO 2002, C 70, p. 8), cujo ponto 19 se refere expressamente à taxa de utilização das capacidades, que «o exame do excesso de capacidade estrutural não permite apreciar utilmente a situação no mercado» ou que a Comissão reconheceu a irrelevância do critério baseado na referida taxa.

74
A recorrida indica que a recorrente despreza o facto de o factor estado da «concorrência» ser apenas um dos quatro factores relevantes para determinar a intensidade máxima admissível do auxílio e que, mesmo aplicando o seu método de cálculo, o projecto notificado se mantém elegível. Por outro lado, as reservas formuladas não dizem respeito ao enquadramento multissectorial enquanto tal, mas a um caso particular da sua aplicação, e baseavam‑se numa premissa errada, segundo a qual o único critério útil é o do mercado em declínio, e para definir esse mercado há que ter unicamente em conta o consumo aparente.

75
As intervenientes alegam que a abordagem da Comissão está de acordo tanto com a letra do ponto 3.10. do enquadramento multissectorial como com o objectivo deste último.

76
Indicam, em primeiro lugar, que a expressão «e/ou», que figura no ponto 3.10. do enquadramento multissectorial, não tem significado próprio. Efectivamente, a relação entre os critérios baseados no excesso de capacidades e no mercado em declínio ficou estabelecida nos pontos 3.3. e 3.4. do enquadramento multissectorial, sendo dada prioridade ao exame de eventuais excessos de capacidades. O ponto 3.10. recorda unicamente a fórmula de cálculo dos três factores de intensidade máxima admissível do auxílio. Além disso, a Comissão podia, correctamente, basear‑se na taxa de utilização das capacidades relativas ao período compreendido entre 1994 e 1998. As intervenientes afirmam que, na data da notificação do projecto de auxílio, os dados relativos à taxa de utilização das capacidades para a classe 20.20 da NACE ainda não estavam disponíveis e que os dados de 1999 relativos à indústria transformadora ainda não tinham sido determinados pelo Eurostat.

77
As intervenientes alegam, em segundo lugar, que o factor relativo à concorrência constitui apenas um elemento de formalização da ponderação que a Comissão deve realizar entre estes dois objectivos conflituais do Tratado CE, que são a livre concorrência e a solidariedade comunitária, constituindo esta última o fundamento das excepções previstas no artigo 87.°, n.° 3, alíneas a) e b), CE em benefício dos auxílios regionais. A sua tomada em consideração deve evitar que, através de medidas de auxílio, seja criado a nível comunitário um problema sectorial que seria mais grave do que o problema regional inicial (acórdão do Tribunal de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão, T‑126/96 e T‑127/96, Colect., p. II‑3437, n.° 101).

78
Além disso, a recorrente ignora o facto de, ao abrigo do artigo 87.° CE e do enquadramento multissectorial, apenas continuar a importar a questão de saber se os excessos de capacidade são originados no mercado comum. O desenvolvimento do volume dos mercados não tem em conta as fontes que satisfazem o consumo aparente. As intervenientes explicam que embora isso se deva, maioritariamente, às importações, estando as capacidades na Comunidade totalmente utilizadas, um investimento realizado num mercado em declínio não contraria necessariamente o artigo 87.°, n.° 3, alínea a) e c), CE e o enquadramento multissectorial. Com efeito, um eventual efeito de afastamento dos produtores oriundos de países terceiros não desempenha qualquer papel no âmbito dessa apreciação.

Apreciação do Tribunal

79
Importa, a título liminar, recordar que, embora a Comissão goze, para efeitos da aplicação do artigo 87.°, n.° 3, CE, de um amplo poder de apreciação cujo exercício envolve apreciações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário, pode impor a si mesma orientações para o exercício dos seus poderes de apreciação através de actos como as directrizes, na medida em que os referidos actos contêm regras indicativas sobre a orientação a seguir pela mesma instituição e não se afastam das normas do Tratado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑288/96, Colect., p. I‑8237, n.° 62, e de 7 de Março de 2002, Itália/Comissão, C‑310/99, Colect., p. I‑2289, n.os 45 e 52). A adopção pela Comissão dessas directrizes destinadas a precisar, respeitando o Tratado, os critérios que conta aplicar no âmbito do exercício do seu poder de apreciação, dá origem a uma autolimitação desse poder na medida em que tem de se conformar com as regras indicativas que impôs a si mesma (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, Colect., p. II‑2169, n.° 57, e de 30 de Abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão, T‑214/95, Colect., p. II‑717, n.° 89). Neste contexto, cabe ao Tribunal verificar se essas regras foram respeitadas pela Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Janeiro de 2002, Keller e Keller Meccanica/Comissão, T‑35/99, Colect., p. II‑261, n.° 77).

80
No caso em apreço, a recorrente contesta a apreciação que a Comissão fez na decisão do factor T relativo à concorrência, tendo em conta os termos do enquadramento multissectorial e o artigo 87.° CE.

81
Resulta dos articulados da recorrente que a primeira crítica suscitada, relativa à determinação dos mercados de produtos em causa, está estreitamente ligada à relativa à falta de exame, pela Comissão, da existência ou inexistência de um mercado em declínio, que constitui o ponto essencial de desacordo entre as partes.

82
É pacífico que, depois de ter considerado que os painéis de partículas e os painéis de partículas orientadas correspondiam a mercados de produtos diferentes, a Comissão, nos termos do ponto 7.7. do enquadramento multissectorial, analisou a eventual existência de um excesso de capacidade estrutural a partir de um estudo que continha dados relativos à taxa de utilização das capacidades do sector correspondente à classe 20.20 da NACE, que se refere ao fabrico de painéis em madeira, onde evidentemente se incluem os painéis de partículas e os painéis de partículas orientadas.

83
Este estudo permitiu à Comissão concluir pela inexistência de um excesso de capacidade estrutural, relativamente tanto à análise da taxa de utilização das capacidades para os painéis de madeira em geral como à da taxa de utilização das capacidades para os painéis de partículas e os painéis de partículas orientadas considerada isoladamente. A recorrente não critica os resultados desse estudo nem a conclusão da Comissão sobre a inexistência de excesso de capacidade estrutural.

84
A afirmação da recorrente sobre a distinção necessária entre o mercado dos painéis de partículas e o mercado dos painéis de partículas orientadas faz, na realidade, todo o sentido no âmbito da apreciação da existência de um mercado em declínio, que leva a cabo nos seus articulados. Importa, aliás, observar que esta apreciação, diferentemente da relativa à eventual existência de um excesso de capacidade estrutural, não passa pela determinação de um sector em função das classificações contidas na NACE, mas pela definição do mercado de produtos em causa (v. pontos 7.7. e 7.8. do enquadramento multissectorial).

85
No âmbito da sua análise, a recorrente aplica e baseia‑se, precisamente, na distinção entre o mercado dos painéis de partículas e o mercado dos painéis de partículas orientadas, para concluir que o primeiro está numa situação de total declínio ou, pelo menos, de declínio, justificando a aplicação de um coeficiente corrector de 0,25 ou de 0,75 a título do factor estado da «concorrência», contrariamente ao segundo, a que se pode aplicar um coeficiente corrector igual a 1 para o mesmo factor.

86
Verifica‑se, portanto, que a questão essencial é a de saber se, no caso em apreço, a Comissão podia ou não dispensar o exame relativo à existência ou inexistência de um mercado em declínio.

87
A Comissão, apoiada pelas intervenientes, afirma que o enquadramento multissectorial prevê dois critérios que podem ser utilizados na apreciação do factor relativo à concorrência, a saber, o critério relativo ao excesso de capacidade estrutural e o relativo a um mercado em declínio, mas que existe uma hierarquia entre eles. Assim, na opinião destas, o exame do critério relativo a um mercado em declínio só é possível a título subsidiário, unicamente quando os dados relativos à taxa de utilização das capacidades do sector em causa são insuficientes, por não abrangerem todo o período de referência ou não dizerem respeito precisamente aos produtos em causa, e quando não seja, portanto, possível chegar a uma conclusão sobre a questão do excesso de capacidade estrutural, quer seja positiva (existência de um excesso de capacidade estrutural) quer negativa (inexistência de excesso de capacidade estrutural).

88
Esta interpretação do enquadramento multissectorial da Comissão traduziu‑se, na decisão, na aplicação ao factor T de um coeficiente corrector igual a 1, ou seja, do coeficiente corrector mais elevado e, portanto, mais favorável à empresa beneficiária do auxílio, e isto apenas com base na conclusão de que não existe excesso de capacidade estrutural no sector em causa.

89
Embora seja verdade que, na perspectiva apenas da sua letra, o enquadramento multissectorial pode ser compreendido no sentido alegado pela Comissão, importa, no entanto, interpretar o referido enquadramento à luz do artigo 87.° CE e do princípio da incompatibilidade dos auxílios públicos aí contido para alcançar o objectivo pretendido por essa disposição, a saber, uma concorrência não falseada no mercado comum.

90
O teor dos pontos 3.2. a 3.4. do enquadramento multissectorial indica que a análise destinada a determinar se o sector em causa sofre de excesso de capacidade estrutural constitui, na verdade, a primeira análise que a Comissão deve conduzir a priori quando avalia o factor relativo à concorrência.

91
Resulta, porém, do ponto 3.10.1. do enquadramento multissectorial que esta prioridade da determinação da existência ou da inexistência de excesso de capacidade estrutural não significa que a Comissão se possa limitar, em qualquer hipótese, a essa única análise quando dispõe de dados sobre a taxa de utilização das capacidades do sector em causa.

92
O ponto acima referido completa os pontos 3.2. a 3.6. do enquadramento multissectorial relativamente ao factor estado da «concorrência», precisando os diferentes coeficientes correctores susceptíveis de ser aplicados a esse factor em função de quatro hipóteses, descritas no ponto 3.10.1., alíneas i) a iii), e, portanto, deles não pode ser dissociado.

93
Da leitura do ponto 3.10.1. do enquadramento multissectorial resulta que a verificação pela Comissão de que um projecto de investimento implica um aumento de capacidade num sector caracterizado por um excesso de capacidade estrutural basta para que se aplique um coeficiente corrector de 0,75 ao factor T. Este coeficiente é fixado em 0,50 quando este projecto é, além disso, susceptível de reforçar uma quota de mercado elevada e em 0,25 quando o excesso de capacidade estrutural se pode qualificar de grave.

94
A conjunção «ou» utilizada nos enunciados das hipóteses descritas no ponto 3.10.1., alíneas i) a iii), do enquadramento multissectorial permite afirmar que a conclusão da Comissão de que um projecto de investimento implica um aumento de capacidade num sector caracterizado por um mercado em declínio basta também que se aplique um coeficiente corrector de 0,75 ao factor T. Esse coeficiente é fixado em 0,50 quando o projecto é, além disso, susceptível de reforçar uma quota de mercado elevada e em 0,25 quando se observa um declínio absoluto da procura.

95
Ora, o ponto 3.10.1., alínea iv), do enquadramento multissectorial apenas prevê a possibilidade de a Comissão aplicar um coeficiente corrector igual a 1 ao factor relativo à concorrência se não se verificar «nenhum efeito negativo provável em termos de i) a iii)».

96
O teor do ponto 3.10.1. do enquadramento multissectorial indica, portanto, que a aplicação do coeficiente corrector mais elevado, que maximiza o montante do auxílio que pode ser declarado compatível com o mercado comum, implica a conclusão prévia de que não existe quer um excesso de capacidade estrutural do sector em causa quer um mercado em declínio, a não ser que se considere que a inexistência desse excesso de capacidade acarreta obrigatoriamente a de um declínio do mercado de produtos em causa, o que equivale a negar a especificidade destes dois critérios de avaliação do factor relativo ao estado da concorrência.

97
Nestas condições, a primeira frase do ponto 3.4. do enquadramento multissectorial, segundo a qual, «[n]a ausência de dados suficientes sobre utilização de capacidade, a Comissão terá em conta se o investimento ocorre num mercado em declínio», deve ser entendida no sentido de que, no caso de os dados relativos à utilização das capacidades do sector em causa não lhe permitirem concluir positivamente pela existência de um excesso de capacidade estrutural, a Comissão deve examinar se o mercado em causa está em declínio.

98
Esta interpretação do enquadramento multissectorial é a única que está de acordo com o artigo 87.° CE e com o objectivo de uma concorrência não falseada, prosseguido esta disposição.

99
Não se pode, com efeito, admitir uma interpretação, como a adoptada pela recorrida no caso em apreço, que torna possível uma situação de concessão de um auxílio de Estado a uma empresa que comercializa produtos de um mercado em declínio, sem que a Comissão tenha em conta esta circunstância quando exerce a sua fiscalização. É evidente que os investimentos realizados nesse mercado implicam riscos sérios de distorções da concorrência, o que contraria claramente o objectivo de uma concorrência não falseada pretendido pelo artigo 87.° CE.

100
A este respeito, importa recordar que, no ponto 1.1. do enquadramento multissectorial, se precisa que a realização do mercado único torna cada vez mais importante a necessidade de manter um controlo rigoroso dos auxílios estatais a esses projectos, uma vez que os seus efeitos de distorção aumentam à medida que são eliminadas outras distorções da concorrência e os mercados se tornam cada vez mais abertos e integrados. Com a adopção do enquadramento multissectorial a Comissão pretende limitar os auxílios a grandes projectos a um nível que evite o mais possível os efeitos prejudiciais sobre a concorrência, mas que, simultaneamente, atraia os investimentos para a região assistida (ponto 1.2.).

101
Com esta finalidade, a Comissão deve fixar, caso a caso, a intensidade do auxílio máximo admissível para os projectos sujeitos à obrigação de notificação, aplicando diferentes factores, nomeadamente os relativos à concorrência.

102
No âmbito da apreciação da compatibilidade com o mercado comum de um auxílio abrangido pelo enquadramento multissectorial, a determinação do coeficiente corrector aplicável, a título do estado da concorrência, resulta de uma análise estrutural e conjuntural do mercado que compete à Comissão realizar, no momento da adopção da sua decisão, com base nos critérios objectivos expostos no enquadramento multissectorial. Esta apreciação da Comissão relativa ao coeficiente específico aplicável condiciona o montante do auxílio que pode ser declarado compatível com o mercado comum (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Janeiro de 2002, Nuove Industrie Molisane/Comissão, T‑212/00, Colect., p. II‑347, n.os 39 e 40).

103
Resulta das considerações expostas que, ao aplicar um coeficiente corrector igual a 1 ao factor relativo à concorrência sem ter previamente verificado se o projecto de auxílio em causa não se iria realizar num mercado em declínio, a Comissão violou o artigo 87.° CE e o enquadramento multissectorial, adoptado para precisar as condições de aplicação desse artigo, especialmente, do seu n.° 3, alínea a), segundo o qual podem ser considerados compatíveis com o mercado comum os auxílios destinados a promover o desenvolvimento económico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista uma situação grave de subemprego.

104
Esta conclusão não é negada pela prática decisória da Comissão. Na audiência, a recorrida fez referência a quatro decisões em que apenas analisou a existência de um excesso de capacidade estrutural, mas é pacífico que só numa aplica, como no caso em apreço, o coeficiente corrector 1 ao factor «concorrência» perante a simples verificação da inexistência desse excesso de capacidade (decisão de 19 de Junho de 2002, auxílio de Estado N 240/02 a favor da Zellstoff Stendal GmbH).

105
Em sentido contrário, importa sublinhar o raciocínio da Comissão na decisão de 8 de Junho de 2000 de não levantar objecções ao auxílio concedido à Pirna AG.

106
Na referida decisão, a Comissão concluiu, antes de mais, pela inexistência de excesso de capacidade estrutural com base nos dados relativos à taxa de utilização das capacidades do sector em causa, correspondente à classe 21.11 da NACE, e em seguida verificou e declarou a inexistência de um mercado em declínio para as fibras celulósicas, o que lhe permitiu, nos termos do ponto 3.10.1., alínea iv), do enquadramento multissectorial expressamente referido no n.° 35 da decisão, adoptar um coeficiente corrector igual a 1 a título do factor relativo à concorrência, não sem antes ter concluído que o projecto de investimento em causa não reforçava uma quota de mercado elevada. A este respeito, o teor da decisão, que revela claramente o raciocínio por etapas da instituição, com a referência expressa ao ponto 3.10.1., alínea iv), do enquadramento multissectorial, contraria as explicações da Comissão destinadas a demonstrar que a análise destinada a determinar se o mercado em causa está em declínio é supérflua.

107
A confrontação da decisão de 8 de Junho de 2000 relativa à Pirna AG com a referida no n.° 104 supra e com a decisão em causa revela, portanto, uma prática decisória contraditória da Comissão no que respeita à aplicação do coeficiente corrector mais elevado previsto pelo enquadramento multissectorial para o factor T.

108
Por outro lado, importa notar que a relevância do critério relativo a um mercado em declínio é corroborada pelo novo enquadramento multissectorial dos auxílios com finalidade regional para grandes projectos de investimento, que prevê que não serão autorizados auxílios ao investimento com finalidade regional nos sectores onde continuem a registar‑se graves problemas estruturais. Ora, para efeitos de elaboração da lista dos referidos sectores, os problemas sectoriais graves são, em princípio, determinados com base nos dados do consumo aparente do ou dos produtos em causa. O ponto 32. do novo enquadramento multissectorial precisa claramente que se considera existirem graves problemas estruturais quando o sector em causa está em declínio.

109
Resulta da totalidade das considerações expostas que há que anular a decisão, sem que seja necessário examinar as demais críticas da recorrente.

110
Importa, por último, observar que, devido a este erro de direito da Comissão, não houve, no presente caso, apreciação da compatibilidade do auxílio notificado com base em todos os critérios aplicáveis.

111
No âmbito da execução do presente acórdão, cabe à Comissão, tendo em conta os dados relativos ao consumo aparente dos produtos em causa durante o período de referência, apreciar a compatibilidade do auxílio notificado e, se tiver dificuldades sérias para o fazer, dar início ao procedimento formal de exame previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE.


Quanto ao pedido de medidas de organização do processo

112
A recorrente pede ao Tribunal que, nos termos do artigo 64.°, n.° 3, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, ordene à Comissão que lhe transmita o processo relativo ao auxílio em causa, medida a que se opõem a recorrida e as intervenientes.

113
O Tribunal considera que há que indeferir o pedido de medidas de organização do processo formulado pela recorrente, por o referido pedido ser, como tal, desprovido de interesse para a solução do litígio [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 2002, British American Tobacco (Investments)/Comissão, T‑311/00, Colect., p. II‑2781, n.° 50].


Quanto às despesas

114
Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

115
Não tendo a recorrente, em contrapartida, pedido a condenação da Glunz nem da OSB Deutschland nas despesas ligadas às suas intervenções, estas intervenientes apenas suportarão, consequentemente, as suas próprias despesas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 2002, M6 e o./Comissão, T‑185/00, T‑216/00, T‑299/00 e T‑300/00, Colect., p. II‑3805, n.° 89).


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção alargada)

decide:

1)
A Decisão SG (2001) D da Comissão, de 25 de Julho de 2001, de não levantar objecções ao auxílio concedido pelas autoridades alemãs à Glunz AG é anulada.

2)
A Comissão suportará, para além das suas próprias despesas, as despesas efectuadas pela recorrente.

3)
A Glunz AG e a OSB Deutschland GmbH suportarão as despesas efectuadas no âmbito da sua intervenção.

Legal

Tiili

Vilaras

Wiszniewska‑Białecka

Vadapalas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de Dezembro de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

H. Legal


1
Língua do processo: alemão.