Language of document : ECLI:EU:C:2024:324

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

18 de abril de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 102.o TFUE — Princípio da efetividade — Ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência — Diretiva 2014/104/UE — Transposição tardia da diretiva — Aplicação no tempo — Artigo 10.o — Prazo de prescrição — Modalidades do dies a quo — Cessação da infração — Conhecimento das informações indispensáveis para a propositura da ação de indemnização — Publicação no Jornal Oficial da União Europeia do resumo da decisão da Comissão Europeia que declara uma infração às regras da concorrência — Efeito vinculativo de uma decisão da Comissão ainda não definitiva — Suspensão ou interrupção do prazo de prescrição durante o inquérito da Comissão ou até à data em que a sua decisão se torne definitiva»

No processo C‑605/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Městský soud v Praze (Tribunal de Praga, República Checa), por Decisão de 29 de setembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de setembro de 2021, no processo

Heureka Group a.s.

contra

Google LLC,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev (relator), A. Prechal, E. Regan, T. von Danwitz e Z. Csehi, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, S. Rodin, J. Passer, D. Gratsias, M. L. Arastey Sahún e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Krausenböck, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Heureka Group a.s., por L. Duffek, L. Kačerová, J. Měkota, M. Olík e V. Podešva, advokáti,

–        em representação da Google LLC, por R. Neruda, P. J. Pipková, J. Šturm, P. Vohnický e M. Vojáček, advokáti, e A. Komninos, dikigoros,

–        em representação da Comissão Europeia, por N. Khan, G. Meessen e P. Němečková, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 21 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 102.o TFUE, do artigo 10.o, do artigo 21.o, n.o 1, e do artigo 22.o da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1), bem como do princípio da efetividade.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Heureka Group a.s. (a seguir «Heureka»), uma sociedade checa com atividade no mercado dos serviços de comparação dos preços de venda, à Google LLC, a respeito da reparação do prejuízo alegadamente sofrido devido a uma infração ao artigo 102.o TFUE cometida pela Google e pela sua sociedade‑mãe, a Alphabet, Inc., e declarada pela Comissão Europeia numa decisão ainda não definitiva.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento (CE) n.o 1/2003

3        O artigo 16.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), sob a epígrafe «Aplicação uniforme do direito comunitário da concorrência», tem a seguinte redação:

«1.      Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos [101.o] ou [102.o TFUE] que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, os tribunais nacionais não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão. Devem evitar tomar decisões que entrem em conflito com uma decisão prevista pela Comissão em processos que esta tenha iniciado. Para o efeito, o tribunal nacional pode avaliar se é ou não necessário suster a instância. Esta obrigação não prejudica os direitos e obrigações decorrentes do artigo [267.o TFUE].

2.      Quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos [101.o] ou [102.o TFUE] que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, as autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão.»

 Diretiva 2014/104

4        O artigo 2.o da Diretiva 2014/104, sob a epígrafe «Definições», dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

8) “Autoridade da concorrência”, a Comissão ou uma autoridade nacional da concorrência, ou ambas, conforme o contexto o exija;

[…]

11) “Decisão em matéria de infração”, uma decisão de uma autoridade da concorrência ou de um tribunal de recurso que declara uma infração ao direito da concorrência;

12) “Decisão definitiva em matéria de infração”, uma decisão em matéria de infração que não pode ou já não pode ser objeto de recurso ordinário;

[…]»

5        O artigo 9.o desta diretiva, sob a epígrafe «Efeito das decisões nacionais», prevê o seguinte:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que uma infração ao direito da concorrência declarada por decisão definitiva de uma autoridade nacional da concorrência ou por um tribunal de recurso seja considerada irrefutavelmente estabelecida para efeitos de ação de indemnização intentada nos seus tribunais nacionais ao abrigo do artigo 101.o ou do artigo 102.o do TFUE ou do direito nacional da concorrência.

2.      Os Estados‑Membros asseguram que, caso as decisões definitivas a que se refere o n.o 1 sejam proferidas noutro Estado‑Membro, essas decisões possam ser apresentadas nos seus tribunais nacionais, de acordo com o seu direito nacional, pelo menos como elemento de prova prima facie de uma infração ao direito da concorrência e, conforme apropriado, possam ser avaliadas juntamente com quaisquer outros elementos aduzidos pelas partes.

3.      O presente artigo não prejudica os direitos e obrigações dos tribunais nacionais nos termos do artigo 267.o do TFUE.»

6        O artigo 10.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Prazos de prescrição» enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros estabelecem, nos termos do presente artigo, as regras aplicáveis aos prazos de prescrição para intentar ações de indemnização. Essas regras determinam quando começa a correr o prazo de prescrição, a duração do mesmo e as circunstâncias em que este é interrompido ou suspenso.

2.      O prazo de prescrição não começa a correr antes de cessar a infração ao direito da concorrência e de o demandante ter conhecimento, ou se poder razoavelmente presumir que teve conhecimento:

a)      Do comportamento em causa e de que este constitui uma infração ao direito da concorrência;

b)      Do facto de a infração ao direito da concorrência lhe ter causado dano; e

c)      Da identidade do infrator.

3.      Os Estados‑Membros asseguram que o prazo de prescrição para intentar a ação de indemnização seja pelo menos de cinco anos.

4.      Os Estados‑Membros asseguram que o prazo de prescrição seja suspenso ou, consoante o direito nacional, interrompido, se a autoridade da concorrência tomar medidas no âmbito de uma investigação ou de um processo relativo a uma infração ao direito da concorrência com a qual a ação de indemnização esteja relacionada. A suspensão termina, no mínimo, um ano depois de a decisão em matéria de infração se ter tornado definitiva ou depois de o processo ter sido de outro modo concluído.»

7        O artigo 21.o, n.o 1, desta mesma diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros põem em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 27 de dezembro de 2016. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.

[…]»

8        O artigo 22.o da Diretiva 2014/104, sob a epígrafe «Aplicação no tempo», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que as disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o a fim de dar cumprimento às disposições substantivas da presente diretiva não se aplicam retroativamente.

2.      Os Estados‑Membros asseguram que quaisquer disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o, que não as referidas no n.o 1, não se aplicam às ações de indemnização intentadas nos tribunais nacionais antes de 26 de dezembro de 2014.»

 Direito checo

9        O § 620, n.o 1, do zákon č. 89/2012 Sb., občiansky zákonník (Lei n.o 89/2012 que aprova o Código Civil) dispõe:

«As circunstâncias determinantes para que o prazo de prescrição do direito à reparação do dano comece a correr incluem o conhecimento do dano e [da identidade] da pessoa que tem a obrigação de o reparar. Isto aplica-se, mutatis mutandis, igualmente para efeitos de indemnização de danos não patrimoniais.»

10      O § 629, n.o 1, deste código enuncia:

«O prazo de prescrição é de três anos.»

11      A Zákon č. 262/2017 Sb., o náhradě škody v oblasti hospodářské soutěže (Lei n.o 262/2017 relativa a Indemnizações por Infração à Concorrência, a seguir «Lei n.o 262/2017»), que visa transpor a Diretiva 2014/104, entrou em vigor em 1 de setembro de 2017. O seu § 9 prevê, nos seus n.os 1 a 3:

«(1)      O prazo de prescrição para o exercício do direito à reparação de um dano ao abrigo da presente lei é de 5 anos; as disposições dos §§ 629 e 636 do Código Civil não são aplicáveis.

(2)      O prazo de prescrição começa a correr a contar da data em que a pessoa em causa tem conhecimento do dano, [da identidade] da pessoa obrigada à reparação do mesmo e da restrição da concorrência ou deveria e poderia ter conhecimento destes elementos, mas o mais tardar a contar do dia em que a restrição da concorrência cessou.

(3)      O prazo de prescrição não corre durante o inquérito ou o processo na autoridade da concorrência relativo à mesma restrição da concorrência, nem durante o prazo de um ano a contar da data em que:

a)      a decisão adotada pela autoridade da concorrência ou por um órgão jurisdicional que declara a existência de tal restrição da concorrência se tenha tornado definitiva, ou

b)      tenha sido posto termo de outro modo ao inquérito, ao processo na autoridade da concorrência ou ao processo perante o órgão jurisdicional.»

12      O § 36 desta lei tem a seguinte redação:

«Os processos relativos à reparação de danos causados por uma restrição da concorrência, bem como os processos relativos ao regulamento, em aplicação da presente lei, de reivindicações entre os autores dos danos que são conjunta e solidariamente obrigados à reparação dos danos, iniciados após 25 de dezembro de 2014, prosseguem em conformidade com a presente lei; os efeitos jurídicos dos atos praticados no procedimento antes da data de entrada em vigor da presente lei mantêm‑se.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Em 30 de novembro de 2010, a Comissão deu início a um processo de aplicação do artigo 102.o TFUE contra a Google relativo a um eventual abuso de posição dominante no domínio da pesquisa em linha. Nesse mesmo dia 30 de novembro de 2010, a Comissão publicou um comunicado de imprensa a informar o público da abertura desse processo.

14      Em 2013, a Google propôs à Comissão compromissos para responder às preocupações desta última.

15      Em 27 de maio de 2014, a Sdružení pro internetový rozvoj v České republice (SPIR) (Associação para o Desenvolvimento da Internet na República Checa), da qual a Heureka é membro, publicou um comunicado de imprensa no qual declarou a sua discordância com esses compromissos.

16      Em 15 de abril de 2015, a Comissão adotou uma comunicação de objeções, dirigida à Google, na qual concluía provisoriamente que as práticas desta sociedade constituíam um abuso de posição dominante e, por conseguinte, violavam o artigo 102.o TFUE.

17      Em 14 de julho de 2016, a Comissão adotou uma comunicação de objeções adicional e deu início a um processo por infração ao artigo 102.o TFUE contra a Alphabet, a empresa‑mãe da Google.

18      Em 27 de junho de 2017, a Comissão adotou a Decisão C(2017) 4444 final, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o do [TFUE] e do artigo 54.o do Acordo EEE [processo AT.39740 — Motor de busca Google (Shopping)]. Em 12 de janeiro de 2018, foi publicado um resumo dessa decisão no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2018, C 9, p. 11).

19      Nesta decisão, a Comissão declarou que a Google tinha abusado da sua posição dominante existente em treze mercados nacionais de pesquisa geral no Espaço Económico Europeu (EEE), entre os quais, o da República Checa, ao diminuir o tráfego proveniente das suas páginas de resultados gerais de pesquisa para os comparadores de produtos concorrentes e ao aumentar esse tráfego para o seu próprio comparador de produtos, o que era suscetível de ter, ou verosimilmente teve, efeitos anticoncorrenciais nos treze mercados nacionais correspondentes da pesquisa especializada para a comparação de produtos, mas também nos referidos mercados de pesquisa geral.

20      Assim, segundo essa decisão, a Google atribuía, em substância, sistematicamente uma posição de primeiro plano ao seu próprio serviço de comparação de preços, ao passo que os serviços de comparação de preços dos concorrentes da Google eram retrogradados na lista de resultados.

21      No que respeita à duração da infração imputável à Google no território da República Checa, a Comissão declarou, na Decisão C(2017) 4444 final, que essa infração tinha começado em fevereiro de 2013 e que continuava a produzir efeitos à data da adoção desta decisão, a saber, em 27 de junho de 2017. Por conseguinte, a Comissão intimou a Google, no artigo 3.o desta decisão, a pôr termo ao seu comportamento no prazo de 90 dias e a não adotar um comportamento equivalente com o mesmo objeto ou o mesmo efeito.

22      Em 1 de setembro de 2017, entrou em vigor a Lei n.o 262/2017 que transpôs a Diretiva 2014/104 para o direito checo.

23      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de setembro de 2017, a Google e a Alphabet interpuseram recurso da Decisão C(2017) 4444 final.

24      Em 26 de junho de 2020, a Heureka intentou no Městský soud v Praze (Tribunal de Praga, República Checa) uma ação destinada a obter a condenação da Google na reparação do prejuízo que alegadamente sofreu em razão da prática anticoncorrencial que, segundo a Decisão C(2017) 4444 final, esta sociedade tinha cometido na República Checa no período compreendido entre fevereiro de 2013 e 27 de junho de 2017. A Heureka expôs que a Google tinha colocado e apresentado, na melhor posição possível, nos seus serviços de pesquisa geral, o seu próprio motor de comparação de preços, o que tinha diminuído a consulta do seu portal de comparação de preços de venda Heureka.cz.

25      Em sua defesa, a Google alegou, nomeadamente, que, por força das regras de prescrição do obchodní zákoník (Código Comercial), segundo as quais o prazo de prescrição de quatro anos começa a correr a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento ou podia tomar conhecimento do dano e da identidade da pessoa obrigada a repará‑lo, o direito à reparação da Heureka tinha prescrito, pelo menos, quanto ao período compreendido entre fevereiro de 2013 e 25 de junho de 2016.

26      A este respeito, a Google expôs que, tendo em conta a natureza do alegado abuso de posição dominante, a Heureka estava em condições de conhecer tanto o autor da infração como o facto de ter sofrido um dano muito antes da adoção da Decisão C(2017) 4444 final. Com efeito, a Heureka não podia ignorar, nomeadamente através da leitura do comunicado de imprensa da Comissão de 30 de novembro de 2010, que o operador do motor de busca denominado «Google» era a Google. Em todo o caso, o comunicado de imprensa da SPIR de 27 de maio de 2014, mencionado no n.o 15 do presente acórdão, no qual esta associação manifestou o seu desacordo com os compromissos propostos pela Google à Comissão, era suficiente para que o prazo de prescrição começasse a correr.

27      Assim, o prazo de prescrição aplicável no caso em apreço tinha começado a correr no mês de fevereiro de 2013, a saber, no início da prática da alegada infração no território checo e no início da ocorrência do dano invocado, ou, o mais tardar, em 27 de maio de 2014, data da publicação do comunicado de imprensa da SPIR.

28      Segundo a Google, nada tinha impedido a Heureka de intentar mais cedo a sua ação de indemnização, precisando‑se que, nessa hipótese, esta sociedade teria podido alargar progressivamente o quantum do seu pedido de indemnização em função do aumento, ao longo do tempo, dos prejuízos sofridos.

29      O órgão jurisdicional de reenvio salienta, em primeiro lugar, que, no caso em apreço, o eventual comportamento anticoncorrencial teve início antes da entrada em vigor da Diretiva 2014/104, a saber, em 25 de dezembro de 2014, e só cessou após o termo do prazo de transposição desta diretiva, a saber, em 27 de dezembro de 2016.

30      Por conseguinte, este órgão jurisdicional interroga‑se sobre se o artigo 10.o desta diretiva se aplica a todo o dano causado pela infração ao artigo 102.o TFUE em causa no processo principal, ou apenas ao dano ocorrido após a data de entrada em vigor da referida diretiva, ou mesmo apenas ao dano ocorrido após a data do termo do prazo de transposição da mesma diretiva.

31      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se o artigo 10.o da Diretiva 2014/104 é uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva, ou uma disposição processual.

32      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade do regime de prescrição checo relativo às ações de indemnização por infração às regras da concorrência, aplicável até à entrada em vigor da Lei n.o 262/2017 que transpôs a Diretiva 2014/104, com o artigo 10.o desta diretiva e, sendo caso disso, com o artigo 102.o TFUE e com o princípio da efetividade.

33      A este respeito, este órgão jurisdicional sublinha, a título preliminar, que as regras de prescrição aplicáveis no processo principal não são as do Código Comercial, mas as do Código Civil e que são estas últimas que constituem o antigo regime de prescrição pertinente no caso em apreço. Ora, nos termos do artigo 620.o, n.o 1, do Código Civil, o prazo de prescrição de três anos começava a correr a partir da data em que o lesado tomasse conhecimento, ou a partir da data em que se pudesse considerar que o mesmo tinha tomado conhecimento, da identidade do autor da infração e do dano sofrido. Quanto à condição relativa ao conhecimento do facto de que foi sofrido um dano devido à infração em causa, resulta da interpretação dada ao artigo 620.o, n.o 1, do Código Civil pelo Nejvyšší soud (Tribunal Superior, República Checa) que a tomada de conhecimento de um dano parcial é suficiente para fazer correr o prazo de prescrição. O dano, nomeadamente, no caso de uma infração continuada ou repetida, é divisível, embora cada «novo dano» possa ser invocado separadamente no tribunal, fazendo correr um novo prazo de prescrição.

34      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, daqui decorre que, no caso em apreço, cada pesquisa geral efetuada no sítio da Google que tenha conduzido a uma colocação e a uma apresentação de resultados mais favoráveis ao serviço de comparação de preços da Google fez correr um novo prazo de prescrição autónomo.

35      Em quarto e último lugar, o referido órgão jurisdicional observa que, para que o prazo de prescrição comece a correr, o Código Civil não exige que o lesado tenha conhecimento de que o comportamento em causa constitui uma infração ao direito da concorrência. Este código também não impõe que a infração em causa tenha cessado. Por último, o referido código não contém regras que imponham a suspensão ou a interrupção do prazo de prescrição durante o período do inquérito relativo a esse comportamento.

36      Nestas condições, o Městský soud v Praze (Tribunal de Praga) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem o artigo 21.o, n.o 1, da Diretiva [2014/104] e os princípios gerais do direito da União ser interpretados no sentido de que a Diretiva 2014/104, em especial o seu artigo 10.o, se aplica, direta ou indiretamente, ao presente litígio, relativo ao pedido de indemnização da totalidade dos danos resultantes da violação das disposições do artigo 102.o TFUE que tenham começado a produzir‑se antes da entrada em vigor da Diretiva 2014/104 e tenham cessado após o termo do prazo de transposição desta diretiva, no caso de a ação de indemnização também ter sido intentada após o termo desse prazo de transposição, ou no sentido de que o artigo 10.o da Diretiva 2014/104 se aplica apenas à parte do comportamento controvertido (e à parte do dano dele resultante) que tenha ocorrido após a entrada em vigor da Diretiva 2014/104 ou, sendo caso disso, após o termo do prazo de transposição [da referida diretiva]?

2)      O sentido e a finalidade da Diretiva 2014/104 e/ou do artigo 102.o TFUE, bem como o princípio da efetividade, exigem uma interpretação do artigo 22.o, n.o 2, da mesma diretiva no sentido de que “quaisquer disposições nacionais adotadas por força do artigo 21.o, que não as referidas no n.o 1 [do artigo 22.o]” constituem disposições nacionais que transpõem o artigo 10.o da Diretiva 2014/104, ou seja, ao artigo 10.o da Diretiva 2014/104 e ao princípio da prescrição são aplicáveis os n.os 1 ou 2 do artigo 22.o da Diretiva 2014/104?

3)      São conformes com o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2014/104 e/ou com o artigo 102.o TFUE, bem como com o princípio da efetividade, a legislação nacional e a interpretação desta que relaciona o “conhecimento de que foi causado um dano”, relevante para o início do prazo subjetivo de prescrição, com o conhecimento pelo lesado dos “danos parciais específicos”, que se produzem progressivamente ao longo de um comportamento anticoncorrencial continuado (dado que a jurisprudência parte do princípio de que o direito a indemnização em causa é, na sua totalidade, divisível), dano relativamente ao qual começam a correr prazos subjetivos de prescrição separados, independentemente de o lesado ter conhecimento da extensão total dos danos resultantes da violação do artigo 102.o TFUE vista no seu conjunto, ou seja, a legislação nacional e a sua interpretação que permite que o prazo de prescrição de um pedido de indemnização por danos causados por um comportamento anticoncorrencial tenha início antes de esse comportamento cessar, o qual consiste na colocação e na apresentação mais favorável do seu próprio motor de comparação de preços, em violação do artigo 102.o TFUE?

4)      O artigo 10.o, n.os 2, 3 e 4, da Diretiva 2014/104 e/ou o artigo 102.o TFUE, bem como o princípio da efetividade, opõem‑se a uma legislação nacional que prevê que o prazo de prescrição subjetiva das ações de indemnização é de três anos e começa a correr a partir do dia em que o lesado teve ou podia ter tido conhecimento do dano parcial e da identidade da pessoa obrigada à sua reparação, mas que não toma em consideração (i) o momento em que a infração cessa (ii) o conhecimento do lesado de que esse comportamento constitui uma infração às regras da concorrência e que, ao mesmo tempo (iii) não suspende nem interrompe esse prazo de prescrição de três anos durante o processo perante a Comissão que tem por objeto uma infração ainda em curso ao artigo 102.o TFUE, e (iv) não contém uma regra segundo a qual a suspensão do prazo de prescrição não pode terminar antes de decorrido um ano a contar da data em que a decisão que declara a infração se tornou definitiva?»

 Desenvolvimentos posteriores à decisão de reenvio e tramitação processual no Tribunal de Justiça

37      No seu Acórdão de 10 de novembro de 2021, Google e Alphabet/Comissão (Google Shopping) (T‑612/17, EU:T:2021:763), o Tribunal Geral negou, no essencial, provimento ao recurso interposto pela Google e a Alphabet contra a Decisão C(2017) 4444 final que validou a análise da Comissão no que respeita ao mercado da pesquisa especializada de comparação de produtos. Todavia, no que respeita aos mercados nacionais da pesquisa geral, o Tribunal Geral considerou que a Comissão se baseou em considerações demasiado imprecisas para justificar a existência de efeitos anticoncorrenciais, ainda que potenciais, e que o fundamento da Google e da Alphabet relativo ao caráter puramente especulativo da análise dos efeitos devia, para esses mercados, ser acolhido. Assim, o Tribunal Geral anulou essa decisão apenas porque a Comissão declarou a prática de uma infração pela Google e a Alphabet em treze mercados nacionais da pesquisa geral no EEE com base na existência de efeitos anticoncorrenciais nesses mercados e negou provimento ao recurso quanto ao restante.

38      Em 20 de janeiro de 2022, a Google e a Alphabet interpuseram recurso do Acórdão do Tribunal Geral de 10 de novembro de 2021, Google e Alphabet/Comissão (Google Shopping) (T‑612/17, EU:T:2021:763). Este recurso continua pendente.

39      Em 22 de junho de 2022, o Tribunal de Justiça proferiu o Acórdão Volvo e DAF Trucks (C‑267/20, EU:C:2022:494), no qual se pronunciou, nomeadamente, sobre a natureza do artigo 10.o da Diretiva 2014/104 e sobre a aplicabilidade temporal desta disposição.

40      Por carta de 28 de junho de 2022, o Tribunal de Justiça notificou esse acórdão ao órgão jurisdicional de reenvio perguntando‑lhe se, à luz do mesmo, pretendia manter o seu pedido de decisão prejudicial.

41      Por uma comunicação escrita que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de setembro de 2022, o órgão jurisdicional de reenvio informou‑o de que retirava a primeira e segunda questões do seu pedido prejudicial, mas que mantinha as terceira e quarta questões.

 Quanto às questões prejudiciais

42      Com as terceira e quarta questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre se o artigo 10.o da Diretiva 2014/104 e/ou o artigo 102.o TFUE e o princípio da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, conforme interpretada pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, que prevê um prazo de prescrição de três anos aplicável às ações de indemnização por infrações continuadas às regras do direito da concorrência da União que:

–        começa a correr, independente e separadamente para cada dano parcial resultante dessa infração, a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento ou se possa razoavelmente considerar que tomou conhecimento do facto de que sofreu esse dano parcial, bem como da identidade da pessoa responsável pela sua reparação, sem que o lesado tenha tomado conhecimento de que o comportamento em causa constitui uma infração às regras da concorrência e sem que essa infração tenha cessado;

–        não pode ser suspenso nem interrompido no decurso do inquérito da Comissão relativo a essa infração, e

–        também não pode ser suspenso, pelo menos, até um ano após a data em que a decisão da Comissão que declara essa mesma infração se torne definitiva.

43      Resulta dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que este pretende, nomeadamente, determinar se, com a sua ação intentada em 26 de junho de 2020, a Heureka, que se considera lesada por um abuso de posição dominante cometido pela Google no mercado relevante na República Checa entre fevereiro de 2013 e 27 de junho de 2017 e declarado por uma decisão ainda não definitiva da Comissão, pode pedir a reparação do dano causado durante todo esse período, ou se o seu direito à reparação já prescreveu relativamente a uma parte do referido período.

44      Este órgão jurisdicional expõe a este respeito que, antes da transposição da Diretiva 2014/104 pela Lei n.o 262/2017, o artigo 620.o, n.o 1, do Código Civil só vinculava o início do prazo de prescrição, fixado em três anos pelo artigo 629.o, n.o 1, deste código, ao conhecimento do dano e do seu autor. Estas disposições foram interpretadas no sentido de que ocorrendo o dano no seu conjunto durante uma infração continuada ao direito da concorrência o mesmo era divisível em danos parciais e que, para cada dano parcial, começava a correr um prazo de prescrição autónomo. O direito à reparação prescrevia, portanto, separada e progressivamente.

45      O referido órgão jurisdicional salienta, por outro lado, que, no caso em apreço, a infração em causa teve início antes de 25 de dezembro de 2014, data de entrada em vigor da Diretiva 2014/104, mas só cessou depois de 27 de dezembro de 2016, data do termo do prazo de transposição previsto no artigo 21.o desta diretiva. Todavia, tendo esta sido transposta tardiamente para a ordem jurídica checa, esta infração parece ter cessado antes da data de entrada em vigor da Lei n.o 262/2017, a saber, em 1 de setembro de 2017. Em contrapartida, a ação no processo principal foi intentada após esta última data.

46      Nestas condições, para responder às terceira e quarta questões, é necessário verificar, antes de mais, a aplicabilidade temporal do artigo 10.o da Diretiva 2014/104, ao qual fazem referência estas questões e que estabelece determinadas exigências relativamente ao prazo de prescrição aplicável às ações de indemnização por infrações ao direito da concorrência, determinando, em particular, a duração mínima desse prazo e o momento mais precoce em que este pode começar a correr, bem como as circunstâncias em que deve ser suspenso ou interrompido.

47      A este respeito, importa recordar que o artigo 10.o da Diretiva 2014/104 é uma disposição substantiva, na aceção do artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva. Ora, por força desta última disposição, os Estados‑Membros deviam assegurar que as disposições nacionais adotadas em aplicação do artigo 21.o da referida diretiva, a fim de dar cumprimento às suas disposições substantivas, não fossem aplicadas retroativamente (Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.os 36 e 47).

48      Todavia, há que recordar que, a partir do termo do prazo de transposição de uma diretiva, o direito nacional deve ser interpretado em conformidade com as disposições desta (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, EU:C:2006:443, n.o 115, e de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.os 33 e 77).

49      Por conseguinte, para determinar a aplicabilidade temporal do artigo 10.o da Diretiva 2014/104, é necessário verificar se a situação em causa no processo principal foi adquirida antes do termo do prazo de transposição desta diretiva ou se continuou a produzir efeitos após o termo desse prazo (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 48).

50      Para este efeito, tendo em conta as especificidades das regras de prescrição, a sua natureza e o seu mecanismo de funcionamento, nomeadamente no contexto de uma ação de indemnização por uma infração ao direito da concorrência da União, há que averiguar se, à data do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, a saber, 27 de dezembro de 2016, o prazo de prescrição fixado pelo direito nacional, aplicável à situação em causa no processo principal até essa data, tinha expirado, o que implica determinar o momento em que esse prazo de prescrição começou a correr em conformidade com esse direito (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 49).

51      Com efeito, na falta de regulamentação da União na matéria até ao termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, cabia à ordem jurídica de cada Estado‑Membro regular as modalidades de exercício do direito de pedir a reparação do prejuízo resultante de uma violação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, incluindo as relativas aos prazos de prescrição, desde que os princípios da equivalência e da efetividade fossem respeitados, exigindo este último princípio que as regras aplicáveis às ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos cidadãos pelo efeito direto do direito da União não tornem praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.os 42 e 43, e de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 50).

52      A este respeito, resulta deste último princípio que, mesmo antes da data do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, uma legislação nacional que fixa a data em que o prazo de prescrição começa a correr, a duração e as modalidades da suspensão ou da sua interrupção devia ser adaptada às especificidades do direito da concorrência e aos objetivos da aplicação das regras desse direito pelas pessoas envolvidas, a fim de não comprometer a plena efetividade dos artigos 101.o e 102.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 47, e de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 53).

53      Neste contexto, há que recordar que o artigo 102.o TFUE produz efeitos diretos nas relações entre os particulares e cria direitos na esfera jurídica destes, que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger (Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.o 38 e jurisprudência referida).

54      A plena efetividade do artigo 102.o TFUE e, em especial, o efeito útil da proibição enunciada neste artigo seriam postos em causa, nomeadamente, se, em razão da regulamentação nacional que fixa a data em que o prazo de prescrição começa a correr, a duração e as modalidades da suspensão ou da interrupção deste, fosse praticamente impossível ou excessivamente difícil para uma pessoa pedir a reparação do prejuízo que lhe tivesse sido causado por um comportamento abusivo de uma empresa dominante suscetível de restringir ou falsear o jogo da concorrência. O direito de toda e qualquer pessoa pedir a reparação desse prejuízo reforça o caráter operacional das regras de concorrência da União e é suscetível de desencorajar os acordos ou práticas, frequentemente dissimulados, suscetíveis de restringir ou falsear o jogo da concorrência, contribuindo assim para a manutenção de uma concorrência efetiva na União Europeia (v., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Cogeco Communications, C‑637/17, EU:C:2019:263, n.os 39 e 41, e jurisprudência referida).

55      Ora, resulta da jurisprudência que o exercício deste direito se tornaria praticamente impossível ou excessivamente difícil se os prazos de prescrição aplicáveis às ações de indemnização por infrações às disposições do direito da concorrência começassem a correr antes de a infração ter cessado e o lesado ter tomado conhecimento ou se se puder razoavelmente considerar que teve conhecimento das informações indispensáveis à propositura da sua ação de indemnização (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.os 56, 57 e 61).

56      Com efeito, quanto à primeira condição relativa à cessação da infração, importa salientar, em primeiro lugar, que resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a propositura de ações de indemnização por infração ao direito da concorrência da União necessita, em princípio, da realização de uma análise factual e económica complexa (Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 54 e jurisprudência referida).

57      Ora, os litígios relativos a infrações às regras do direito da concorrência caracterizam‑se, em princípio, por uma assimetria de informação em detrimento do lesado, o que torna mais difícil para este obter essas informações do que para as autoridades da concorrência obter as informações necessárias para efeitos do exercício dos seus poderes de aplicar o direito da concorrência (Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 55).

58      Além disso, é muitas vezes particularmente difícil para o lesado provar a existência e o alcance dessa infração, bem como o prejuízo dela decorrente, antes da cessação da mesma.

59      Nestas condições, a exigência segundo a qual o prazo de prescrição não pode começar a correr antes de a infração em causa ter cessado é necessária para permitir ao lesado identificar e provar a sua existência, o seu alcance e a sua duração, a extensão do prejuízo causado pela infração e o nexo de causalidade entre esse prejuízo e essa infração e, assim, estar efetivamente em condições de exercer o seu direito de pedir a reparação integral, decorrente dos artigos 101.o e 102.o TFUE.

60      Em particular, tendo em conta a complexidade da quantificação do prejuízo em processos abrangidos pelo direito da concorrência quando a infração ainda está em curso, o facto de exigir ao lesado que aumente progressivamente o montante da indemnização reclamada em função dos danos adicionais resultantes dessa infração tornaria o exercício do direito à reparação integral praticamente impossível ou excessivamente difícil.

61      Em segundo lugar, importa recordar que, tal como a aplicação das regras de concorrência da União pelas autoridades públicas (public enforcement), as ações de indemnização por violação dessas regras (private enforcement) fazem parte integrante do sistema de aplicação das referidas regras, que visa reprimir os comportamentos anticoncorrenciais das empresas e dissuadi‑las de adotar tais comportamentos (Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 37 e jurisprudência referida).

62      A este respeito, por um lado, um regime de prescrição que prevê um prazo de prescrição de três anos cujo dies a quo precede a cessação de uma infração única e continuada e que não pode ser suspenso nem interrompido no decurso do inquérito da Comissão pode ter como consequência que esse prazo termine muito antes da adoção de uma decisão da Comissão a declarar essa infração, afetando diretamente a possibilidade de o lesado intentar uma ação de indemnização na sequência dessa decisão (followon damages action) e, portanto, poderia tornar o exercício do seu direito de pedir a reparação integral excessivamente difícil. Com efeito, é, em geral, difícil para esta pessoa fazer prova de uma violação do artigo 101.o, n.o 1, ou do artigo 102.o TFUE na falta de uma decisão da Comissão ou de uma autoridade nacional.

63      Por outro lado, como a advogada‑geral salientou, em substância, no n.o 118 das suas conclusões, a cessação da infração enquanto condição que deve estar preenchida para que o prazo de prescrição possa começar a correr pode ter um efeito dissuasivo e levar o autor dessa infração a pôr termo mais rapidamente a esta última. Em contrapartida, não é esse o caso de um regime que, para efeitos da propositura de uma ação de indemnização por uma infração ao direito da concorrência, não tenha em conta essa condição, mas permita repartir a prescrição em vários dies a quo sucessivos e, consequentemente, faça expirar os prazos de prescrição para certa parte do dano causado pela infração em causa.

64      Quanto à segunda condição que, como resulta da jurisprudência evocada no n.o 55 do presente acórdão, deve estar preenchida para fazer correr o prazo de prescrição, a saber, a tomada de conhecimento pelo lesado das informações indispensáveis para a propositura da sua ação de indemnização por infrações às regras do direito da concorrência, importa recordar que fazem parte dessas informações a existência de uma infração ao direito da concorrência, a existência de um prejuízo, o nexo de causalidade entre esse prejuízo e essa infração e a identidade do autor da mesma (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 60).

65      Com efeito, na falta das referidas informações, é extremamente difícil, ou mesmo impossível, para o lesado obter a reparação do prejuízo que esta infração lhe causou.

66      A este respeito, cabe ao juiz nacional chamado a conhecer da ação de indemnização determinar o momento a partir do qual se pode razoavelmente considerar que o lesado tomou conhecimento das referidas informações. Há que recordar, com efeito, que o juiz nacional é o único competente para apurar e apreciar os factos do litígio no processo principal (v., neste sentido, Acórdão de 31 de janeiro de 2023, Puig Gordi e o., C‑158/21, EU:C:2023:57, n.o 61 e jurisprudência referida). Não obstante, o Tribunal de Justiça pode, decidindo a título prejudicial, prestar esclarecimentos que permitam guiá‑lo nessa determinação.

67      Assim, resulta da jurisprudência que, em princípio, esse momento coincide com a data de publicação do resumo da decisão da Comissão em causa no Jornal Oficial da União Europeia (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 71).

68      Com efeito, por um lado, a publicação no Jornal Oficial da União Europeia em todas as línguas oficiais da União de um ato emanado de uma instituição da União garante que tanto as pessoas singulares como as pessoas coletivas têm a possibilidade de dele tomar conhecimento [v., neste sentido, Despacho de 6 de março de 2023, Deutsche Bank (Cartel Produtos derivados de taxas de juro em euros), C‑198/22 e C‑199/22, EU:C:2023:166, n.o 49 e jurisprudência referida].

69      Por outro lado, no âmbito das ações de indemnização intentadas na sequência de uma decisão definitiva da Comissão, a ligação a um elemento objetivo como a publicação no Jornal Oficial da União Europeia do resumo dessa decisão inscreve‑se no interesse da segurança jurídica, no sentido de que permite, desde que a infração em causa tenha cessado, determinar, em princípio, o momento a partir do qual o prazo de prescrição começa a correr, tanto para as empresas que participaram num cartel como para os lesados [v., neste sentido, Despacho de 6 de março de 2023, Deutsche Bank (Cartel — Produtos derivados de taxas de juro em euros), C‑198/22 e C‑199/22, EU:C:2023:166, n.o 48].

70      Não obstante, não está excluído que um lesado por uma infração às disposições do direito da concorrência possa tomar conhecimento dos elementos indispensáveis para a propositura da ação de indemnização muito antes da publicação no Jornal Oficial da União Europeia do resumo de uma decisão da Comissão [Despacho de 6 de março de 2023, Deutsche Bank (Cartel Produtos derivados de taxas de juro em euros), C‑198/22 e C‑199/22, EU:C:2023:166, n.o 44 e jurisprudência referida].

71      Todavia, cabe à pessoa contra a qual é intentada a ação de indemnização demonstrar que é esse o caso.

72      No caso em apreço, coloca‑se contudo ainda a questão de saber quais são os efeitos, na determinação do dies a quo do prazo de prescrição, da publicação no Jornal Oficial da União Europeia do resumo de uma decisão da Comissão, que ainda não se tornou definitiva, que declara uma infração às regras da concorrência. Diferentemente dos processos que deram origem ao Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks (C‑267/20, EU:C:2022:494), e ao Despacho de 6 de março de 2023, Deutsche Bank (Cartel Produtos derivados de taxas de juro em euros) (C‑198/22 e C‑199/22, EU:C:2023:166), nos quais as decisões da Comissão se tinham tornado definitivas, no presente processo, conforme resulta dos n.os 37 e 38 do presente acórdão, a Decisão C(2017) 4444 final não adquiriu caráter definitivo. Com efeito, esta decisão foi contestada pela Google e pela Alphabet perante o Tribunal Geral e o acórdão por este proferido, que apenas deu provimento parcial a essa impugnação, é objeto de um recurso, interposto por essas sociedades, que ainda se encontra pendente no Tribunal de Justiça.

73      A este respeito, importa recordar que os atos das instituições da União gozam, em princípio, de uma presunção de legalidade e produzem, assim, efeitos jurídicos enquanto não forem anulados ou revogados (v., neste sentido, Acórdão de 5 de outubro de 2004, Comissão/Grécia, C‑475/01, EU:C:2004:585, n.o 18 e jurisprudência referida). Este princípio implica também a obrigação para todos os sujeitos do direito da União de reconhecer a plena eficácia dos referidos atos enquanto a sua ilegalidade não for declarada pelo Tribunal de Justiça e de respeitar a força executória dos mesmos enquanto este último não decidir suspender a respetiva execução (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de junho de 1988, Comissão/Grécia, 63/87, EU:C:1988:285, n.o 10, e de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 64).

74      Em particular, nos termos do primeiro período do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, quando se pronunciarem sobre acordos, decisões ou práticas ao abrigo dos artigos 101.o ou 102.o TFUE que já tenham sido objeto de decisão da Comissão, os tribunais nacionais não podem tomar decisões que sejam contrárias à decisão aprovada pela Comissão. Ora, este artigo 16.o, n.o 1, não exige que a decisão da Comissão se tenha tornado definitiva para que o juiz nacional seja obrigado a dar‑lhe cumprimento. O referido artigo 16.o distingue‑se, neste aspeto, do artigo 9.o da Diretiva 2014/104, que só atribui valor probatório às decisões das autoridades da concorrência nacionais se as mesmas forem definitivas. Essa diferença entre estas duas disposições justifica‑se precisamente pelo caráter vinculativo das decisões das instituições da União.

75      É certo que, no n.o 42 do Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal (C‑882/19, EU:C:2021:800), o Tribunal de Justiça considerou, em substância, que, para imputar a responsabilidade a qualquer entidade jurídica de uma unidade económica, a infração às regras da concorrência em causa deve ser salientada numa decisão da Comissão que se tornou definitiva ou estabelecida de maneira autónoma perante o juiz nacional em causa quando nenhuma decisão relativa à existência de uma infração tenha sido adotada pela Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal, C‑882/19, EU:C:2021:800, n.o 42). Todavia, estas considerações dizem apenas respeito às duas hipóteses mais evidentes em que pode ser intentada uma ação de indemnização.

76      No caso em apreço, contrariamente ao litígio que deu origem ao Acórdão de 6 de outubro de 2021, Sumal (C‑882/19, EU:C:2021:800), que dizia respeito a uma decisão definitiva da Comissão, a ação de indemnização no processo principal foi intentada na sequência de uma decisão da Comissão que não adquiriu caráter definitivo, porque foi objeto de um recurso de anulação perante o Tribunal Geral, cujo acórdão é agora impugnado no Tribunal de Justiça.

77      Ora, como a advogada‑geral salientou, em substância, nos n.os 54 e 62 das suas conclusões, uma decisão ainda não definitiva da Comissão, na qual esta declara uma infração ao direito da concorrência, produz efeitos vinculativos enquanto não for anulada e cabe ao juiz nacional retirar daí as consequências adequadas para o processo que é chamado a apreciar. Um lesado pode, assim, basear‑se nas constatações que constam dessa decisão para fundamentar a sua ação de indemnização.

78      Por conseguinte, independentemente do facto de a decisão da Comissão em causa se ter tornado definitiva ou não, a partir da publicação no Jornal Oficial da União Europeia do resumo desta e desde que a infração em causa tenha cessado, pode, em princípio, razoavelmente considerar‑se que o lesado dispõe de todas as informações necessárias que lhe permitam intentar a sua ação de indemnização num prazo razoável, incluindo as informações necessárias para determinar a extensão do eventual prejuízo sofrido em razão da infração em causa. Com efeito, esta publicação permite, em geral, constatar a existência de uma infração. Além disso, a extensão do eventual prejuízo sofrido em razão dessa infração pode ser determinada pelo lesado com base nessa constatação e nos dados de que dispõe.

79      Quanto à questão de saber se o artigo 102.o TFUE e o princípio da efetividade impõem a suspensão ou a interrupção do prazo de prescrição durante um inquérito da Comissão, há que salientar que, como resulta do n.o 62 do presente acórdão, um prazo de prescrição de três anos, que começa a correr antes do termo da infração única e continuada em causa e que não pode ser suspenso nem interrompido durante o inquérito da Comissão, poderia expirar antes mesmo de o procedimento perante a Comissão estar concluído, o que tornaria o exercício do direito à reparação integral através de uma ação de indemnização intentada na sequência de uma decisão da Comissão excessivamente difícil, ou mesmo impossível. Com efeito, a suspensão ou a interrupção do prazo de prescrição durante um inquérito da Comissão são, em princípio, necessárias para permitir ao lesado, nomeadamente no termo desse inquérito, apreciar se foi cometida uma infração ao direito da concorrência, tomar conhecimento do seu alcance e da sua duração e basear‑se nessa declaração no âmbito de uma ação de indemnização posterior.

80      Em contrapartida, uma vez que, como resulta do n.o 77 do presente acórdão, um lesado pode, para fundamentar a sua ação de indemnização, basear‑se nas constatações que figuram numa decisão da Comissão que não se tornou definitiva, há que considerar que o artigo 102.o TFUE e o princípio da efetividade não exigem que o prazo de prescrição continue suspenso até ao momento em que a decisão da Comissão se torne definitiva. Além disso, como a advogada‑geral salientou, em substância, no n.o 70 das suas conclusões, embora o juiz nacional tenha a faculdade de suspender a instância até que a decisão da Comissão se torne definitiva, quando o considerar apropriado em razão das circunstâncias do caso concreto, não está de modo algum obrigado a fazê‑lo, desde que não se afaste dessa decisão.

81      Tendo em conta as considerações que figuram nos n.os 51 a 80 do presente acórdão, há que constatar que um regime de prescrição, como o que está em causa no processo principal, segundo o qual, por um lado, o prazo de prescrição de três anos começa a correr independente e separadamente para cada dano parcial resultante da infração em causa a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento ou se possa razoavelmente considerar que tomou conhecimento do facto de que sofreu um dano parcial, bem como da identidade da pessoa obrigada a repará‑lo, sem que seja necessário que a infração tenha cessado e que essa pessoa tenha tomado conhecimento de que o comportamento em causa constitui uma infração às regras da concorrência e, por outro, o referido prazo não pode ser suspenso nem interrompido no decurso do inquérito da Comissão relativo a essa infração, torna o exercício do direito de pedir a reparação do prejuízo sofrido em razão da mesma infração praticamente impossível ou excessivamente difícil.

82      Por conseguinte, é abstraindo dos elementos desse regime de prescrição que são incompatíveis com o artigo 102.o TFUE e com o princípio da efetividade que há que averiguar se, à data do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, a saber, em 27 de dezembro de 2016, o prazo de prescrição fixado pelo direito nacional, aplicável à situação em causa no processo principal até essa data, tinha expirado.

83      No caso em apreço, o resumo da Decisão C(2017) 4444 final foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 12 de janeiro de 2018, pelo que, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, se pode razoavelmente considerar que, nessa data, a Heureka tomou conhecimento de todas as informações necessárias que lhe permitiam intentar uma ação de indemnização. Se a Google pretender contestar essa constatação alegando que esta sociedade tinha conhecimento dessas informações muito antes da referida data, cabe‑lhe demonstrar perante o órgão jurisdicional de reenvio que foi efetivamente esse o caso.

84      Além disso, resulta do artigo 1.o da Decisão C(2017) 4444 final que a infração em causa no processo principal começou em fevereiro de 2013 e que ainda não tinha cessado à data da adoção desta decisão, ou seja, em 27 de junho de 2017, não tendo, além disso, sido constatada pela Comissão nenhuma interrupção do comportamento da Google durante esse período. De resto, esta instituição intimou aquela sociedade, no artigo 3.o da referida decisão, a pôr termo ao seu comportamento no prazo de 90 dias.

85      A este respeito, como a advogada‑geral salientou, em substância, no n.o 91 das suas conclusões, a infração alegada consiste num comportamento continuado que prossegue um objetivo económico único, a saber, a colocação e a apresentação mais favoráveis reservadas pela Google nas suas 85. de resultados gerais de pesquisa ao seu próprio comparador de produtos a fim de aumentar o tráfego dirigido a esse comparador em detrimento dos comparadores de produtos concorrentes.

86      Ora, neste contexto, independentemente do momento em que se possa considerar que a Heureka tomou conhecimento das informações indispensáveis para a propositura da sua ação de indemnização, quer esse momento seja a data da publicação do resumo da Decisão C(2017) 4444 final no Jornal Oficial da União Europeia ou um momento anterior a essa data, o prazo de prescrição não pôde começar a correr antes de 27 de junho de 2017, uma vez que, como resulta dos artigos 1.o e 3.o desta Decisão C(2017) 4444 final, a infração alegada em causa no processo principal não tinha cessado nesta última data. Em todo o caso, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar qual é a data exata da cessação dessa infração.

87      Daqui resulta que, à data do termo do prazo de transposição da Diretiva 2014/104, a saber, em 27 de dezembro de 2016, não só o prazo de prescrição não tinha expirado, como não tinha sequer começado a correr.

88      Por conseguinte, a situação em causa no processo principal não foi adquirida antes do termo do prazo de transposição desta diretiva, pelo que o artigo 10.o da referida diretiva é aplicável ratione temporis no caso em apreço. Logo, há que responder às terceira e quarta questões com base não apenas no artigo 102.o TFUE e no princípio da efetividade, mas também no artigo 10.o da Diretiva 2014/104.

89      A este respeito, resulta dos n.os 51 a 81 do presente acórdão que um regime de prescrição, como aquele objeto das terceira e quarta questões, é incompatível com o artigo 102.o TFUE e o princípio da efetividade, uma vez que, por um lado, o prazo de prescrição de três anos começa a correr independente e separadamente para cada dano parcial resultante da infração em causa a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento ou se possa razoavelmente considerar que tomou conhecimento do facto de que sofreu um dano parcial, bem como da identidade da pessoa obrigada a repará‑lo, sem que seja necessário que a infração tenha cessado e que essa pessoa tenha tomado conhecimento de que o comportamento em causa constitui uma infração às regras da concorrência, e, por outro, o referido prazo não pode ser suspenso nem interrompido no decurso do inquérito da Comissão relativo a essa infração.

90      Além disso, resulta da redação clara do artigo 10.o, n.os 2 e 4, da Diretiva 2014/104 que esse regime é igualmente incompatível com este.

91      Em especial, o segundo período deste artigo 10.o, n.o 4, passou a exigir que a suspensão do prazo de prescrição na sequência de um ato de uma autoridade da concorrência destinado à investigação ou à repressão de uma infração ao direito da concorrência à qual a ação de indemnização diz respeito termine, no mínimo, um ano depois de a decisão em matéria de infração se ter tornado definitiva ou depois de o processo ter sido de outro modo concluído.

92      Há ainda que recordar que, segundo jurisprudência constante, uma diretiva não pode, por si só, criar obrigações para um particular, não podendo, portanto, enquanto tal, ser‑lhe oponível. Com efeito, alargar a invocabilidade de uma disposição de uma diretiva não transposta, ou incorretamente transposta, ao domínio das relações entre particulares equivaleria a reconhecer à União o poder de criar, com efeito imediato, obrigações para os particulares, quando esta só tem essa competência nas áreas em que lhe é atribuído o poder de adotar regulamentos (Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 76).

93      Resulta também da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, no âmbito de um litígio entre particulares como o que está em causa no processo principal, o órgão jurisdicional nacional deve, se for caso disso, interpretar o direito nacional, a partir do termo do prazo de transposição de uma diretiva não transposta, para tornar a situação em causa imediatamente compatível com as disposições desta diretiva, sem todavia proceder a uma interpretação contra legem do direito nacional (Acórdão de 22 de junho de 2022, Volvo e DAF Trucks, C‑267/20, EU:C:2022:494, n.o 77).

94      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às terceira e quarta questões, que o artigo 10.o da Diretiva 2014/104, bem como o artigo 102.o TFUE e o princípio da efetividade devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, conforme interpretada pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, que prevê um prazo de prescrição de três anos aplicável às ações de indemnização por infrações continuadas às regras do direito da concorrência da União que:

–        começa a correr, independente e separadamente para cada dano parcial resultante dessa infração, a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento ou se possa razoavelmente considerar que tomou conhecimento do facto de que sofreu esse dano parcial, bem como da identidade da pessoa responsável pela sua reparação, sem que o lesado tenha tomado conhecimento de que o comportamento em causa constitui uma infração às regras da concorrência e sem que essa infração tenha cessado, e

–        não pode ser suspenso nem interrompido no decurso do inquérito da Comissão relativo a essa infração.

Além disso, o artigo 10.o da Diretiva 2014/104 também se opõe a essa regulamentação, uma vez que esta não prevê que o prazo de prescrição seja suspenso, pelo menos, até um ano após a data em que a decisão que declara essa mesma infração se tenha tornado definitiva.

 Quanto às despesas

95      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 10.o da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos EstadosMembros e da União Europeia, bem como o artigo 102.o TFUE e o princípio da efetividade,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a uma regulamentação nacional, conforme interpretada pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, que prevê um prazo de prescrição de três anos aplicável às ações de indemnização por infrações continuadas às regras do direito da concorrência da União que:

–        começa a correr, independente e separadamente para cada dano parcial resultante dessa infração, a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento ou se possa razoavelmente considerar que tomou conhecimento do facto de que sofreu esse dano parcial, bem como da identidade da pessoa responsável pela sua reparação, sem que o lesado tenha tomado conhecimento de que o comportamento em causa constitui uma infração às regras da concorrência e sem que essa infração tenha cessado, e

–        não pode ser suspenso nem interrompido no decurso do inquérito da Comissão Europeia relativo a essa infração.

Além disso, o artigo 10.o da Diretiva 2014/104 também se opõe a essa regulamentação, uma vez que esta não prevê que o prazo de prescrição seja suspenso, pelo menos, até um ano após a data em que a decisão que declara essa mesma infração se tenha tornado definitiva.

Assinaturas


*      Língua do processo: checo.