Language of document : ECLI:EU:T:2024:359

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção Alargada)

5 de junho de 2024 (*)

«Função pública — Funcionários — Remuneração — Abonos de família — Abono por filho a cargo — Abono escolar — Decisões que põem termo a determinados abonos — Condições de concessão — Conceito de “conclusão de estudos” — Igualdade de tratamento — Princípio da boa administração — Reposição do indevido — Artigo 85.°, primeiro parágrafo, do Estatuto — Responsabilidade»

No processo T‑123/23,

VA, representado por N. de Montigny, advogada,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Bohr e M. Brauhoff, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção Alargada),

composto por: S. Papasavvas, presidente, J. Svenningsen, J. Laitenberger, J. Martín y Pérez de Nanclares e M. Stancu (relatora), juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 23 de janeiro de 2024,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 270.° TFUE, o recorrente, VA, pede, por um lado, a anulação das Decisões do Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO) da Comissão Europeia, de 11 de maio de 2022, que revoga o seu direito de receber, a partir de 1 de julho de 2021, os abonos por filho a cargo e escolar, bem como a dedução fiscal relativa ao abono por filho a cargo, e de 13 de junho de 2022, que notifica a reposição, em aplicação do artigo 85.° do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), desses direitos pecuniários e, por outro, a reparação dos danos que pretensamente sofreu em consequência.

I.      Antecedentes do litígio

2        O recorrente é funcionário no Secretariado‑Geral do Conselho da União Europeia.

3        A sua filha frequentou estudos universitários numa universidade belga. Realizou, nomeadamente, o último exame do seu ciclo de estudos em 18 de junho de 2021, tomou conhecimento de que tinha ficado aprovada nos seus exames em 2 de julho de 2021 e recebeu um certificado de aprovação em 27 de agosto de 2021. O ano académico terminou em 13 de setembro de 2021.

4        Até ao mês de setembro de 2021, o recorrente recebeu, pela sua filha, o abono por filho a cargo e o abono escolar, previstos nos artigos 2.° e 3.° do anexo VII do Estatuto, e beneficiou da dedução fiscal relativa ao abono por filho a cargo, prevista no Regulamento (CEE, EURATOM, CECA) n.° 260/68 do Conselho, de 29 de fevereiro de 1968, que fixa as condições e o processo de aplicação do imposto estabelecido em proveito das Comunidades Europeias (JO 1968, L 56, p. 8) (a seguir, conjuntamente, «direitos pecuniários em causa»).

5        Em 16 de setembro de 2021, o recorrente apresentou, na aplicação informática «Sysper 2», a declaração de conclusão de estudos da sua filha, indicando que o seu último exame datava de 18 de junho de 2021.

6        Por força da Decisão (UE) 2019/792 do Conselho, de 13 de maio de 2019, que confia à Comissão Europeia — Serviço de Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais (PMO) — o exercício de determinados poderes conferidos à autoridade investida do poder de nomeação e à autoridade competente para a contratação de pessoal (JO 2019, L 129, p. 3), o PMO é responsável pela gestão e liquidação dos direitos pecuniários individuais do pessoal do Secretariado‑Geral do Conselho, incluindo os direitos pecuniários em causa.

7        Em 24 de setembro de 2021, o PMO notificou o recorrente de que, à luz da sua declaração de 16 de setembro de 2021, os direitos pecuniários em causa seriam revogados retroativamente desde 1 de julho de 2021 (a seguir «Decisão de 24 de setembro de 2021»). Esta decisão também esclarecia que qualquer importância recebida indevidamente daria lugar a reposição nos termos do artigo 85.° do Estatuto e que receberia uma notificação separada informando‑o das modalidades de reposição das referidas importâncias recebidas indevidamente desde 1 de julho de 2021. A Decisão de 24 de setembro de 2021 incluiu uma retenção de 2 619,66 euros no recibo de vencimento do mês de outubro de 2021, correspondentes ao montante dos direitos pecuniários em causa para o período compreendido entre julho e setembro de 2021 (a seguir «período controvertido»).

8        Em 3 de janeiro de 2022, o recorrente apresentou uma reclamação ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto contra esse recibo de vencimento (a seguir «primeira reclamação»).

9        Por Decisão de 5 de maio de 2022, a entidade competente para proceder a nomeações (a seguir «AIPN») anulou a Decisão de 24 de setembro de 2021, bem como a reposição subsequente conforme materializada no recibo de vencimento do mês de outubro de 2021 e devolveu o processo do recorrente ao serviço competente para reapreciação do seu caso, com o fundamento de que o recorrente não tinha sido ouvido antes da adoção desta última decisão.

10      Na sequência da Decisão de 5 de maio de 2022, o PMO efetuou um adiantamento de tesouraria de 3 500 euros a favor do recorrente. Este montante corresponde ao pagamento de quatro mensalidades dos direitos pecuniários em causa.

11      Por Decisão de 11 de maio de 2022, o PMO confirmou a revogação retroativa dos direitos pecuniários em causa desde 1 de julho de 2021 (a seguir «primeira decisão impugnada»), notificando o recorrente de que esses direitos poderiam ser objeto de revisão se pudesse apresentar uma justificação oficial que demonstrasse que o «último exame, envio e/ou defesa da tese» da sua filha tinha tido lugar após o mês de junho de 2021 e que podia apresentar as suas observações no prazo de quinze dias a contar da receção dessa decisão. Além disso, o PMO informou o recorrente de que qualquer importância recebida indevidamente seria objeto de reposição nos termos do artigo 85.° do Estatuto e que lhe seria enviada uma notificação separada para o informar das modalidades de reposição dos direitos pecuniários indevidamente recebidos desde 1 de julho de 2021.

12      Em 13 de junho de 2022, o recorrente recebeu uma notificação de reposição nos termos do artigo 85.° do Estatuto (a seguir «segunda decisão impugnada»). Esta decisão indicava que o montante total de que o recorrente era devedor ascendia a 3 500 euros, que esta importância seria reposta em três prestações mensais a partir de agosto de 2022 e que dispunha de quinze dias a contar da receção da mesma decisão para apresentar comentários.

13      Na sequência dessa decisão, teve lugar uma troca de mensagens de correio eletrónico entre o recorrente, o seu advogado e o PMO, que pretendia esclarecer o conteúdo da primeira e segunda decisões impugnadas (a seguir, conjuntamente, «decisões impugnadas»).

14      Em especial, por mensagem de correio eletrónico de 22 de junho de 2022, o PMO notificou o recorrente de que, uma vez que a sua filha tinha ficado aprovada nos exames em junho de 2021 na primeira sessão de exames, deixava de ter direito a receber os direitos pecuniários em causa a partir do mês de julho de 2021. Além disso, sublinhou que o recorrente não tinha apresentado outros documentos que pudessem justificar que a sua filha tinha prosseguido os seus estudos universitários após 30 de junho de 2021. No que respeita à reposição do montante de 3 500 euros, o PMO especificou, nomeadamente, que o recorrente tinha recebido, por erro, quatro mensalidades dos direitos pecuniários em causa em vez de três (v. n.° 10, supra).

15      Em 9 de agosto de 2022, o recorrente apresentou uma reclamação, ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, contra as decisões impugnadas (a seguir «segunda reclamação»), pedindo também o reembolso dos honorários de advogados incorridos no âmbito da primeira reclamação.

16      A segunda reclamação foi indeferida através da Decisão da AIPN de 9 de dezembro de 2022.

II.    Pedidos das partes

17      O recorrente conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

–        anular as decisões impugnadas;

–        condenar a Comissão no pagamento de uma indemnização de 2 441,84 euros;

–        condenar a Comissão nas despesas.

18      Na audiência de alegações, o recorrente especificou que pedia a anulação da segunda decisão impugnada apenas no montante de 2 619,66 euros, correspondente ao montante dos direitos pecuniários em causa, e não de 3 500 euros, o que ficou registado na ata da audiência.

19      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto aos pedidos de anulação

20      O recorrente invoca cinco fundamentos em apoio do seu pedido de anulação, sendo os três primeiros dirigidos contra a primeira decisão impugnada e os outros dois contra a segunda decisão impugnada.

1.      Quanto aos fundamentos invocados contra a primeira decisão impugnada

21      Estes fundamentos são relativos, em substância, o primeiro, à violação dos artigos 2.° e 3.° do anexo VII do Estatuto, o segundo, à violação do princípio da igualdade de tratamento e, o terceiro, à violação do princípio da segurança jurídica e do princípio da boa administração.

a)      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos artigos 2 e 3 do anexo VII do Estatuto

22      Com o seu primeiro fundamento, o recorrente sustenta que a Comissão violou os artigos 2.° e 3.° do anexo VII do Estatuto (a seguir «disposições em causa»), ao considerar que a sua filha tinha concluído os seus estudos universitários em 18 de junho de 2021, data do seu último exame, e que, por conseguinte, já não era elegível para receber os direitos pecuniários em causa referentes ao período controvertido. Em seu entender, a data de conclusão dos estudos da sua filha que faz cessar, no caso vertente, a concessão dos direitos pecuniários em causa é a data de termo do ano universitário, a saber, 13 de setembro de 2021, ou, pelo menos, aquela em que a sua filha recebeu o certificado de aprovação, a saber, 27 de agosto de 2021.

23      A título subsidiário, o recorrente considera que a data de conclusão dos estudos se deve situar, quando muito, no momento em que o filho toma conhecimento dos resultados dos exames, no caso vertente, 2 de julho de 2021, dado que é a partir desse momento que este toma conhecimento do resultado do seu último ano universitário e pode, portanto, começar a procurar emprego.

24      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

25      Primeiro, a Comissão alega que, uma vez que as disposições em causa conferem direito a prestações financeiras, devem ser interpretadas estritamente. Acrescenta que os direitos pecuniários em causa dependem da continuidade efetiva da formação escolar ou profissional e da frequência regular e a tempo inteiro de um estabelecimento de ensino. Segundo, resulta da jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União Europeia, nomeadamente dos Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Costacurta/Comissão (C‑145/90 P, EU:C:1991:435), e de 19 de setembro de 2018, HD/Parlamento (T‑604/16, não publicado, EU:T:2018:562), que os direitos pecuniários em causa devem ser apreciados todos os meses e devem cessar no momento em que o filho a cargo deixe de frequentar regularmente e a tempo inteiro o estabelecimento de ensino superior. Além disso, o filho que deixe de frequentar esse estabelecimento pode trabalhar, dispor de um rendimento e, assim, prover efetivamente às suas necessidades. Terceiro, a Comissão recorda que o artigo 6.° da sua Decisão de 16 de dezembro de 2013, que estabelece disposições gerais de execução relativas à concessão do abono escolar, distingue entre as férias escolares no final de um ano letivo e as que se seguem ao último ano letivo, no termo do qual o filho conclua os seus estudos. Quarto, o recorrente não provou que, sem o seu diploma universitário, tenha sido recusado à filha o acesso a um determinado emprego ou que não tenha encontrado um emprego adequado. Quinto, o conceito de «conclusão de estudos» é autónomo e deve ser objeto de uma interpretação uniforme aplicável em todos os Estados‑Membros em que os filhos dos membros do pessoal prosseguem os seus estudos. Sexto, o argumento do recorrente relativo à pretensa violação do artigo 52.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia não está de modo algum demonstrado.

26      Por último, no que respeita ao argumento subsidiário, a Comissão alega que a data de tomada de conhecimento dos resultados dos exames também não pode ser considerada, uma vez que, após o último exame, os estudantes deixam de frequentar as aulas e, portanto, de frequentar regularmente e a tempo inteiro o estabelecimento de ensino superior.

27      O Tribunal Geral salienta que, com o primeiro fundamento, o recorrente invoca uma violação das disposições em causa, uma vez que a Comissão interpretou erradamente a condição relativa à «conclusão de estudos» que faz caducar os direitos pecuniários em causa.

28      Em especial, as partes não estão de acordo quanto à data em que esta condição se verifica, a saber, no momento da realização do último exame universitário, do conhecimento dos resultados dos exames finais, da emissão do certificado de aprovação ou ainda do termo do ano universitário. No caso vertente, estes quatro momentos situam‑se, respetivamente, entre junho e setembro de 2021.

29      A título preliminar, importa recordar as condições que conferem direito aos direitos pecuniários em causa, nomeadamente, o abono por filho a cargo e o abono escolar, bem como a relação entre estes dois abonos.

30      Relativamente ao abono por filho a cargo, o artigo 2.° do anexo VII do Estatuto tem a seguinte redação:

«1.      O funcionário que tenha um ou vários filhos a cargo beneficia, nas condições enunciadas nos n.os 2 e 3, de um abono de [...] euros por mês por cada filho a cargo.

[…]

3.      O abono é concedido:

a)      oficiosamente, por cada filho que ainda não tenha atingido a idade de 18 anos;

b)      mediante pedido fundamentado do funcionário interessado, por cada filho, com idade entre 18 e 26 anos, que esteja a receber uma formação escolar ou profissional.

[...]»

31      No que respeita ao abono escolar, o artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto dispõe:

«1.      Nas condições fixadas nas disposições gerais de execução, o funcionário beneficia de um abono escolar destinado a cobrir as despesas de escolaridade por ele suportadas, até ao limite mensal de [...] por cada filho a cargo, na aceção do n.° 2 do artigo 2.° do presente anexo, que tenha pelo menos cinco anos de idade e frequente regularmente e a tempo inteiro uma escola primária ou secundária que seja paga ou um estabelecimento de ensino superior. […]

O direito a este abono tem início no primeiro dia do mês em que o filho começa a frequentar um estabelecimento de ensino primário e cessa no fim do mês em que esse filho conclui a sua educação ou completa 26 anos de idade, consoante o que ocorrer primeiro. [...]»

32      Resulta destas disposições que o abono escolar é apenas um corolário do abono por filho a cargo, não podendo o primeiro ser concedido se as condições que permitem obter o segundo não estiverem previamente reunidas. Com efeito, ao especificar que o abono escolar é pago «por cada filho a cargo, na aceção do n.° 2 do artigo 2.°, do [referido] anexo, com pelo menos cinco anos de idade», o legislador quis sujeitar o direito a este abono ao cumprimento prévio das condições previstas para a concessão do abono por filho a cargo. Por outras palavras, o abono escolar só pode ser pago se o funcionário tiver um filho a cargo com, pelo menos, cinco anos de idade, pelo qual recebe esse abono.

33      O direito ao abono escolar está, além disso, sujeito ao cumprimento de uma segunda condição cumulativa, que é a de frequência regular e a tempo inteiro de um estabelecimento de ensino por esse filho.

34      Uma vez que o abono escolar só pode ser concedido, como especificado no n.° 32, supra, se as condições que permitam obter o abono por filho a cargo estiverem previamente reunidas, daí decorre que a apreciação da condição de frequência regular e a tempo inteiro de um estabelecimento de ensino (a seguir «condição de frequência») deve ser feita num segundo momento, depois de demonstrado que o filho para o qual é pedido o abono escolar está a cargo do funcionário.

35      Tendo em conta estas considerações, o Tribunal Geral analisará, num primeiro momento, se, durante o período controvertido, as condições para obter o abono por filho a cargo estavam preenchidas e, num segundo momento, se a filha do recorrente também preenchia a condição de frequência, prevista no artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, para ter direito ao abono escolar.

1)      Quanto ao cumprimento das condições para a concessão do abono por filho a cargo, durante o período controvertido

36      Importa recordar que, numa situação como a do caso vertente, em que um filho frequenta estudos universitários, o direito ao abono por filho a cargo está sujeito à verificação de três condições, a saber, o efetivo sustento do seu filho pelo funcionário, o facto de esse filho ter entre 18 e os 26 anos e o facto de receber uma formação escolar ou profissional (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2021, KR/Comissão, T‑408/20, não publicado, EU:T:2021:788, n.° 24).

37      No caso vertente, há que constatar que a primeira e segunda condições, bem como a natureza «escolar» da formação em que estava inscrita a filha do recorrente, não são contestadas pela Comissão. Em contrapartida, no seu entender, não se verifica a terceira condição relativa à frequência de uma formação escolar, uma vez que a filha do recorrente já não recebia essa formação desde 18 de junho de 2021, data do seu último exame.

38      A este respeito, há que salientar que uma «formação» é composta por diferentes fases, como a frequência das aulas conforme previsto no programa de estudos e a realização dos respetivos exames, a avaliação destes últimos e, após a realização do último destes exames, a disponibilização, pelo estabelecimento de ensino que prestou a formação em questão, dos resultados finais que comprovam a sua conclusão. Estas fases são indissociáveis umas das outras, uma vez que a realização dos exames permite avaliar a aquisição, pelo estudante, das competências e dos conhecimentos transmitidos no âmbito das aulas dadas.

39      Ora, uma vez que o estudante só pode tomar conhecimento da conclusão da sua formação após ter realizado todos os exames e depois de o estabelecimento de ensino ter disponibilizado os resultados destes exames, é a partir do momento em que os resultados finais estão disponíveis que se deve considerar que o estudante deixou de receber formação na aceção do artigo 2.°, n.° 3, alínea b), do anexo VII do Estatuto.

40      Assim, contrariamente ao que alega a Comissão, o filho que tenha entre 18 e 26 anos e que recebe uma formação escolar ou profissional continua a cargo do funcionário não até ao momento em que este filho realiza o seu último exame, mas até ao momento em que o estabelecimento de ensino disponibiliza os resultados finais.

41      Esta interpretação é, por outro lado, conforme com a jurisprudência, como a que resulta do Acórdão de 17 de abril de 2002, Sada/Comissão (T‑325/00, EU:T:2002:101, n.° 37), segundo a qual as disposições do direito da União que conferem direito a prestações financeiras devem ser interpretadas estritamente, bem como a decorrente dos Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Costacurta/Comissão (C‑145/90 P, EU:C:1991:435, n.° 6), e de 19 de setembro de 2018, HD/Parlamento (T‑604/16, não publicado, EU:T:2018:562, n.° 133), segundo a qual, devido ao caráter mensal dos direitos pecuniários em causa, a questão de saber se as condições da sua concessão estão preenchidas deve ser apreciada todos os meses.

42      Com efeito, uma vez que o abono por filho é um abono pago mensalmente e, para o filho que tenha entre 18 e 26 anos, mediante «pedido fundamentado», incumbe ao funcionário informar a Administração da conclusão dos estudos do seu filho, comunicando‑lhe sem demora a data em que o estabelecimento de ensino disponibilizou os resultados finais para que esta possa, assim que possível, pôr termo ao pagamento deste abono.

43      No caso vertente, resulta tanto do anexo A.9 da petição, que contém um certificado de aprovação datado de 27 de agosto de 2021, emitido pela universidade na qual estava inscrita a filha do recorrente, como da mensagem de correio eletrónico do serviço jurídico dessa mesma universidade, apresentado pelo recorrente no âmbito da medida de organização do processo de 7 de dezembro de 2023, que a universidade disponibilizou os resultados finais em 2 de julho de 2021, data em que a filha do recorrente já podia, por outro lado, descarregar um certificado de aprovação. Por conseguinte, tendo em conta as considerações expostas nos n.os 38 a 40, supra, há que considerar que, a partir do mês seguinte à data em que estabelecimento de ensino disponibilizou os resultados finais, a saber, agosto de 2021, já não se podia considerar que a filha do recorrente estava a seu cargo e este já não era elegível para o abono por filho a cargo.

44      Resulta do que precede que a Comissão cometeu um erro de direito ao recusar conceder ao recorrente o abono por filho a cargo referente ao mês de julho de 2021. Em contrapartida, foi com razão que lhe recusou esse abono referente aos meses de agosto e setembro de 2021.

45      Tal recusa não pode ser posta em causa pelos outros argumentos avançados pelo recorrente que pretendem demonstrar que tinha direito ao abono por filho a cargo referente tanto ao mês de agosto como ao mês de setembro de 2021. Primeiro, uma vez que o recorrente sustenta que, segundo a universidade frequentada pela sua filha e as autoridades belgas, esta última manteve a qualidade de estudante até ao final do mês de setembro de 2021, há que considerar, à semelhança da Comissão, que as disposições em causa devem ser interpretadas de forma autónoma. Ora, como salientado nos n.os 38 a 40, supra, o artigo 2.°, n.° 3, alínea b), do anexo VII do Estatuto deve ser interpretado no sentido de que é a partir do momento em que o estabelecimento de ensino disponibiliza os resultados finais que se deve considerar que o filho deixou de receber «formação» na aceção desta disposição. Assim, é perfeitamente possível que o filho conclua os seus estudos antes do final do ano universitário, mesmo que, segundo a universidade ou a legislação do Estado em que esta tem a sua sede, o filho possa ainda beneficiar do estatuto de estudante até ao final desse ano.

46      Segundo, a alegação de que é necessário ter o diploma universitário para aceder a determinadas profissões não está minimamente fundamentada e, sobretudo, afigura‑se contraditória com as pretensões objeto do presente recurso. Com efeito, não se pode deixar de observar que, apesar de este diploma ter sido entregue à sua filha em 8 de outubro de 2021 (v. n.° 12 da petição), o recorrente não alega que era elegível para os direitos pecuniários em causa referentes ao mês de outubro de 2021. Por outro lado, o recorrente afirma, no n.° 93 da petição, que a sua filha encontrou emprego a partir de 1 de outubro de 2021, ou seja, uma semana antes da entrega do diploma.

47      Terceiro, quanto à alegação apresentada pelo recorrente na réplica, segundo a qual a interpretação das disposições em causa feita pela Comissão é contrária ao artigo 52.° da Carta dos Direitos Fundamentais e ao princípio da igualdade de tratamento, importa salientar que, por um lado, esta alegação não está de modo algum apoiada nem fundamentada e que, por outro, e em todo o caso, também foi invocado um argumento semelhante no âmbito do segundo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, que será analisado a seguir.

2)      Quanto ao cumprimento da condição de frequência, prevista no artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, durante o período controvertido

48      Antes de mais, há que salientar que, uma vez que o recorrente não tem direito ao abono por filho a cargo referente aos meses de agosto e setembro de 2021 (v. n.° 44, supra), também não pode beneficiar, como resulta do n.° 32, supra, do abono escolar para estes meses.

49      Por conseguinte, foi sem cometer um erro de direito que a Comissão também recusou ao recorrente o abono escolar referente os meses de agosto e setembro de 2021.

50      Quanto ao demais, há que analisar, como referido no n.° 35, supra, se a condição de frequência se verificava em relação ao mês de julho de 2021.

51      Segundo a Comissão, em substância, esta condição deixa de se verificar quando o filho realiza o seu último exame, uma vez que a partir desse momento pode encontrar emprego e prover às suas necessidades. Esta interpretação parte da premissa, como para o abono por filho a cargo, segundo a qual o filho conclui os seus estudos após ter realizado o seu último exame.

52      Todavia, esta premissa está errada.

53      Com efeito, como salientado nos n.os 38 a 40, supra, no âmbito da análise das condições para a concessão do abono por filho a cargo, é a data em que o estabelecimento de ensino disponibilizou os resultados finais que determina a conclusão dos estudos.

54      Assim, há que transpor as considerações expostas nos n.os 38 a 44, supra, a respeito do abono por filho a cargo para a análise da condição de frequência, prevista no artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, para a concessão do abono escolar.

55      Daqui decorre que é a partir do momento em que o estabelecimento de ensino disponibiliza os resultados finais que se deve considerar que o filho do funcionário já não frequenta regularmente e a tempo inteiro um estabelecimento de ensino na aceção do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto.

56      Ora, tendo os resultados finais sido disponibilizados, no caso vertente, em 2 de julho de 2021, data em que, por outro lado, a filha do recorrente já podia descarregar um certificado de aprovação, há que observar que, até essa data, se devia considerar que esta última frequentava regularmente e a tempo inteiro o estabelecimento de ensino que lhe prestava formação, pelo que o recorrente era elegível para o abono escolar referente ao mês de julho de 2021.

57      Por conseguinte, há que concluir que a Comissão cometeu um erro de direito ao recusar conceder ao recorrente o abono escolar referente ao mês de julho de 2021.

58      Tendo em conta as considerações precedentes, há que anular a primeira decisão impugnada, na parte em que recusa ao recorrente os direitos pecuniários em causa referentes ao mês de julho de 2021.

59      Importa agora determinar se os outros fundamentos invocados contra a primeira decisão impugnada são suscetíveis de poder conduzir à anulação dessa mesma decisão também na parte em que recusa ao recorrente os direitos pecuniários em causa referentes aos meses de agosto e setembro de 2021.

b)      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

60      O recorrente sustenta, em substância, que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento, uma vez que é discriminado em relação a um funcionário cujo filho conclua os estudos no termo da segunda sessão de exames.

61      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

62      Segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que uma diferenciação seja objetivamente justificada. Mais concretamente, a exigência relativa ao caráter comparável das situações, para determinar a existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, deve ser apreciada tendo em conta o conjunto dos elementos que as caracterizam [v., neste sentido, Acórdão de 8 de março de 2022, Bezirkshauptmannschaft HartbergFürstenfeld (Efeito direto), C‑205/20, EU:C:2022:168, n.os 54 e 55 e jurisprudência referida].

63      Ora, há que observar que a situação de um estudante que ficou aprovado nos seus exames na primeira sessão de exames é diferente da situação de um estudante que se deverá apresentar à segunda sessão de exames com a possibilidade de fracassar novamente e, portanto, de não concluir os seus estudos no mesmo ano universitário. Com efeito, no primeiro caso, pode considerar‑se que o estudante já concluiu a sua formação, ao passo que, no segundo, o estudante prosseguirá a sua formação e deverá submeter‑se a novas provas antes de poder concluir os seus estudos.

64      Portanto, o recorrente, cuja filha pôde consultar os resultados finais em 2 de julho de 2021 (v. n.° 43, supra), não pode validamente equiparar a sua situação à de um funcionário cujo filho ainda devia realizar, após 2 de julho de 2021, a segunda sessão de exames.

65      Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

c)      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da segurança jurídica e à violação do princípio da boa administração.

66      Quanto à pretensa violação do princípio da segurança jurídica, o recorrente alega que a interpretação que a Comissão faz das disposições em causa cria uma incerteza jurídica, uma vez que implica oficiosamente uma reposição retroativa dos direitos pecuniários em causa. Com efeito, o funcionário não pode saber, no momento da realização do último exame do seu filho, se este fica ou não aprovado na primeira sessão de exames, dado que os resultados apenas são comunicados posteriormente.

67      Quanto à pretensa violação do princípio da boa administração, o recorrente sustenta que o seu processo foi tratado de maneira confusa, uma vez que a Comissão adotou na primeira decisão impugnada uma posição idêntica à da Decisão de 24 de setembro de 2021, a qual, todavia, tinha sido anulada. A este respeito, o recorrente especifica que a Comissão não pode invocar o facto de que, uma vez que a decisão de deferimento da primeira reclamação não lhe causava prejuízo, não estava obrigada a fundamentá‑la. Esta confusão obrigou o recorrente a apresentar uma segunda reclamação com o mesmo objeto que a primeira.

68      A Comissão contesta estes argumentos.

69      Primeiro, no que respeita à alegação relativa à violação do princípio da segurança jurídica, há que salientar que visa a situação em que um funcionário que declara a conclusão de estudos do seu filho no momento em que toma conhecimento dos seus resultados é suscetível de sofrer uma reposição retroativa com base no artigo 85.° do Estatuto, como teria acontecido, no caso vertente, se o recorrente tivesse declarado como data de conclusão de estudos o dia 2 de julho de 2021. Ora, uma vez que a violação do princípio da segurança jurídica, admitindo que tinha fundamento, só implicaria, no caso vertente, a anulação da decisão impugnada em relação ao mês de julho de 2021 e não aos meses de agosto e setembro de 2021 (v. n.° 59, supra), a presente alegação deve ser julgada improcedente por ser inoperante (v., neste sentido, Acórdão de 1 de junho de 2022, Cristescu/Comissão, T‑754/20, não publicado, EU:T:2022:316, n.° 171).

70      Segundo, no que respeita à alegação relativa à violação do princípio da boa administração, há que salientar, antes de mais, que, uma vez que o recorrente invoca uma pretensa falta de fundamentação da decisão que deferiu a primeira reclamação e uma pretensa má gestão do seu processo que o obrigou a recorrer a um advogado para redigir a primeira reclamação, estes argumentos são também inoperantes, porquanto visam a legalidade da Decisão de 24 de setembro de 2021, a qual não é, todavia, objeto do presente recurso.

71      Em seguida, o facto de a Administração adotar, na sequência de uma anulação por violação do direito de ser ouvido, uma solução idêntica quanto ao mérito não é contrário ao princípio da boa administração, uma vez que tal violação implica apenas que o procedimento administrativo seja retomado a partir da etapa afetada pela ilegalidade e não, necessariamente, que o resultado desse procedimento seja diferente.

72      Por último, e em todo o caso, como corretamente alega a Comissão, o recorrente não demonstra que a pretensa violação do princípio da boa administração teve um impacto no mérito da primeira decisão impugnada suscetível de implicar a sua anulação.

73      O presente fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

74      Em face do exposto, há que anular a primeira decisão impugnada na parte em que recusa ao recorrente os direitos pecuniários em causa referentes ao mês de julho de 2021.

2.      Quanto aos fundamentos invocados contra a segunda decisão impugnada

75      Estes fundamentos são relativos, em substância, o primeiro, à violação do direito do recorrente a receber os direitos pecuniários em causa e, o segundo, à violação do artigo 85.° do Estatuto.

a)      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do direito do recorrente a receber os direitos pecuniários em causa

76      O recorrente sustenta que, uma vez que a segunda decisão impugnada se baseia na primeira decisão impugnada, que é ilegal pelas razões expostas no âmbito dos três primeiros fundamentos invocados contra a primeira decisão impugnada, esta segunda decisão também deve ser anulada.

77      A Comissão responde que, dado que a primeira decisão impugnada é legal, a segunda decisão impugnada não deve ser anulada.

78      Tendo o Tribunal Geral declarado, no n.° 74, supra, que a primeira decisão impugnada devia ser anulada na parte em que recusa ao recorrente os direitos pecuniários em causa referentes ao mês de julho de 2021, o mesmo se aplica à segunda decisão impugnada. Com efeito, uma vez que esta prestação mensal não foi, como resulta da análise do primeiro fundamento invocado contra a primeira decisão impugnada, «recebida indevidamente», na aceção do artigo 85.° do Estatuto, a segunda decisão impugnada deve ser anulada na parte relativa aos direitos pecuniários em causa referentes ao mês de julho de 2021.

79      Importa agora determinar se o segundo fundamento invocado contra a segunda decisão impugnada é suscetível de conduzir à anulação desta mesma decisão também na parte relativa aos direitos pecuniários em causa referentes aos meses de agosto e setembro de 2021.

b)      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 85 do Estatuto

80      O recorrente alega ter ficado firmemente convencido de poder receber os direitos pecuniários em causa até setembro de 2021, devido, nomeadamente, ao facto de, por um lado, não existir nenhuma disposição nem jurisprudência que confirmem a prática do PMO e, por outro, a Administração lhe ter pagado 3 500 euros «por anulação» da Decisão de 24 de setembro de 2021. Além disso, a Comissão não fez prova de que ele tinha tido conhecimento efetivo da irregularidade dos pagamentos dos direitos pecuniários em causa nem de que esta irregularidade era de tal modo evidente que dela não poderia deixar de ter conhecimento.

81      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

82      O artigo 85.° do Estatuto dispõe que «[q]ualquer importância recebida indevidamente dá lugar a reposição se o beneficiário tiver tido conhecimento da irregularidade do pagamento ou se a mesma fosse tão evidente que dela não poderia deixar de ter conhecimento». Resulta desta disposição que, para que um montante pago sem justificação possa ser reposto, é necessário produzir a prova de que o beneficiário tinha conhecimento efetivo do caráter irregular do pagamento ou de que a irregularidade era tão evidente que o beneficiário dela não podia deixar de ter conhecimento (v. Acórdão de 14 de junho de 2018, Spagnolli e o./Comissão, T‑568/16 e T‑599/16, EU:T:2018:347, n.° 145 e jurisprudência referida).

83      No caso vertente, importa salientar que, como resulta da decisão de indeferimento da segunda reclamação e como a Comissão especificou na audiência de alegações, a AIPN pretendeu basear a segunda decisão impugnada na segunda hipótese prevista no artigo 85.° do Estatuto.

84      Assim, o Tribunal Geral limitar‑se‑á, na sua análise, a verificar se a Comissão podia considerar que a irregularidade do pagamento era tão evidente que o recorrente dela não podia deixar de ter conhecimento.

85      Segundo jurisprudência constante, a expressão «tão evidente» que caracteriza a irregularidade do pagamento na aceção do artigo 85.°, primeiro parágrafo, do Estatuto não significa que o beneficiário de pagamentos indevidos esteja dispensado de qualquer esforço de reflexão ou de controlo. Pelo contrário, há lugar a reposição desde que se trate de um erro que seria detetado por um funcionário normalmente diligente, que deve conhecer as regras que regem o seu vencimento (v. Acórdão de 18 de junho de 2019, Quadri di Cardano/Comissão, T‑828/17, não publicado, EU:T:2019:422, n.° 47 e jurisprudência referida).

86      Além disso, não é necessário que o funcionário em causa, no exercício do dever de diligência que lhe incumbe, possa determinar com precisão a dimensão do erro cometido pela Administração. A este respeito, basta que tenha dúvidas quanto à justeza dos pagamentos em questão para ser obrigado a manifestar‑se junto da Administração, a fim de que esta efetue as verificações necessárias (v. Acórdão de 18 de junho de 2019, Quadri di Cardano/Comissão, T‑828/17, não publicado, EU:T:2019:422, n.° 49 e jurisprudência referida).

87      No caso vertente, importa salientar que, como resulta do n.° 43, supra, o estabelecimento de ensino disponibilizou os resultados finais da formação seguida pela filha do recorrente em 2 de julho de 2021, data em que, por outro lado, esta já podia descarregar um certificado de aprovação. Além disso, não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal Geral que a filha do recorrente tenha prosseguido a formação em causa, ou qualquer outra formação, após 2 de julho de 2021, o que poderia ter justificado a elegibilidade para os direitos pecuniários em causa a partir de agosto de 2021.

88      Tendo em conta estas circunstâncias, o recorrente poderia ter suspeitado de que já não era elegível para os direitos pecuniários em causa a partir do mês de agosto de 2021.

89      Assim, uma vez que a irregularidade desse pagamento era evidente, o recorrente não podia deixar de ter conhecimento dela.

90      Em face do exposto, há que julgar improcedente o presente fundamento e anular a segunda decisão impugnada apenas na parte relativa aos direitos pecuniários em causa referentes ao mês de julho de 2021.

 Quanto aos pedidos de indemnização

91      O recorrente alega, em substância, ter sofrido um dano material no montante de 2 441,84 euros, correspondente aos honorários de advogados incorridos com a redação da sua primeira reclamação, devido à violação, por parte da Comissão, dos princípios da boa administração, da segurança jurídica e da «previsibilidade», uma vez que as decisões impugnadas eram idênticas às que foram anuladas pela decisão que deferiu a primeira reclamação.

92      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

93      Importa recordar que os honorários de advogados incorridos durante o procedimento pré‑contencioso, salvo circunstâncias excecionais, não podem constituir um dano material reparável, uma vez que o recurso a um advogado não é imposto pelas normas estatutárias na fase pré‑contenciosa e é, assim, da exclusiva responsabilidade pessoal do funcionário em causa. Ora, nada nos autos do presente processo permite demonstrar a existência de tais circunstâncias excecionais (v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2022, OA/CESE, T‑671/20, não publicado, EU:T:2022:82, n.° 58 e jurisprudência referida).

94      Além disso, como salientado no n.° 71, supra, o facto de a Administração adotar, na sequência de uma anulação por violação do direito de ser ouvido, uma solução idêntica quanto ao mérito não é contrário ao princípio da boa administração, nem, aliás, ao princípio da segurança jurídica e ao «princípio da previsibilidade» sobre os quais o recorrente não argumentou, e não pode, portanto, constituir uma ilegalidade que permita desencadear a responsabilidade extracontratual da União.

95      Por conseguinte, o pedido do recorrente destinado a obter a reparação de um pretenso dano material deve ser julgado improcedente.

96      Em face do exposto, há que anular as decisões impugnadas na parte relativa aos direitos pecuniários em causa referentes ao mês de julho de 2021 e negar provimento ao recurso quanto ao restante.

 Quanto às despesas

97      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

98      Tendo a Comissão sido vencida no essencial dos seus pedidos, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção Alargada)

decide:

1)      As Decisões do Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO) da Comissão Europeia, de 11 de maio de 2022, que revoga o direito de VA receber, a partir de 1 de julho de 2021, os abonos por filho a cargo e escolar, bem como a dedução fiscal relativa a esses abonos, e de 13 de junho de 2022, que notifica a reposição, em aplicação do artigo 85.° do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, desses direitos pecuniários, são anuladas na parte relativa aos mesmos direitos referentes ao mês de julho de 2021.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Comissão Europeia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas por VA.

Papasavvas

Svenningsen

Laitenberger

Martín y Pérez de Nanclares

 

      Stancu

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de junho de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.