Language of document : ECLI:EU:T:2003:293

Ordonnance du Tribunal

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção alargada)
5 de Novembro de 2003 (1)

«Auxílios de Estado – Enquadramento multisectorial dos auxílios com finalidade regional para grandes projectos de investimento – Pedido de correcção de uma decisão que declara um auxílio compatível com o mercado comum – Resposta da Comissão – Carácter não decisório – Recurso de anulação – Inadmissibilidade»

No processo T‑130/02,

Kronoply GmbH & Co. KG, estabelecida em Heiligengrabe (Alemanha), representada inicialmente por B. Luther, e em seguida por R. Nierer, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Di Bucci e T. Scharf, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da alegada decisão da Comissão de 5 de Fevereiro de 2002 de não corrigir a sua decisão de 3 de Julho de 2001 relativa à autorização de um auxílio de Estado de um montante de 69,3 milhões de marcos alemães à recorrente com vista à realização de um investimento em Heiligengrabe (Alemanha),



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção alargada),



composto, na deliberação, por: V. Tiili, presidente, J. Pirrung, P. Mengozzi, A. W. H. Meij e M. Vilaras, juízes,

secretário: H. Jung,

profere o presente



Despacho




Quadro jurídico

1
O enquadramento multisectorial dos auxílios com finalidade regional para grandes projectos de investimento (JO 1998, C 107, p. 7, a seguir «enquadramento multisectorial») define a regras de avaliação dos auxílios concedidos a esse título, que entram no seu âmbito de aplicação.

2
O ponto 3.10 do enquadramento multisectorial contém a descrição da fórmula de cálculo com base na qual a Comissão determina a intensidade máxima admissível de um auxílio notificado.

3
Esta fórmula baseia‑se, antes de mais, na determinação da intensidade máxima admissível aplicável aos auxílios às grandes empresas na região considerada, denominada «limite máximo regional» (factor R), a qual, em seguida, é afectada por três coeficientes que correspondem, respectivamente, ao factor concorrência no sector considerado (factor T), ao factor capital/trabalho (factor I) e ao impacto regional do auxílio em questão (factor M). A intensidade máxima do auxílio autorizada corresponde assim à fórmula seguinte: R x T x I x M.

4
Segundo os pontos 3.2 a 3.4 do enquadramento multisectorial, o factor «concorrência» implica uma análise com vista a determinar se o projecto notificado será executado no sector ou subsector afectado por excesso de capacidade estrutural. Esta análise diz respeito a um período de referência que corresponde ao dos últimos cinco anos para os quais existem dados disponíveis. Na ausência de dados suficientes sobre a utilização de capacidade, a Comissão terá em conta se o investimento ocorre num mercado em declínio. Para o efeito, comparará a evolução do consumo aparente do(s) produto(s) em questão (ou seja, produção mais importações menos exportações) com a taxa de crescimento da indústria transformadora do EEE (Espaço Económico Europeu) no seu conjunto.

5
Em virtude do ponto 3.10.1 do enquadramento multisectorial, um coeficiente corrector de 0,25, de 0,5, de 0,75 ou de 1 é aplicável ao factor T (concorrência), em função dos critérios seguintes:

«i)
Projecto que implique um aumento de capacidade num sector caracterizado por uma sobrecapacidade estrutural e/ou em total declínio da procura 0,25

ii)
Projecto que implique um aumento de capacidade num sector caracterizado por uma sobrecapacidade estrutural grave e/ou um declínio susceptível de reforçar uma parte elevada de mercado 0,50

iii)
Projecto que implique um aumento de capacidade num sector caracterizado por uma sobrecapacidade estrutural grave e/ou em declínio 0,75

iv)
Nenhum efeito negativo provável em termos de i) a iii) 1,00».


Matéria de facto

6
A recorrente é uma sociedade de direito alemão que fabrica materiais derivados da madeira.

7
Por carta de 22 de Dezembro de 2000, a República Federal da Alemanha, em conformidade com o artigo 2.°, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.º] do Tratado CE (JO L 83, p. 1), notificou à Comissão um projecto de auxílio a favor da recorrente, que se integra no enquadramento multisectorial.

8
O projecto notificado previa a concessão à recorrente de um auxílio de 77 milhões de marcos alemães (DEM) (39,36 milhões de euros) tendo em vista a construção de uma fábrica de painéis de lamelas orientadas, igualmente chamados painéis OSB (Oriented Strand Boards), cujo custo total era de 220 milhões de DEM (112,5 milhões de euros). Nesse projecto, as autoridades alemãs indicavam que o coeficiente corrector que devia ser aplicado a título do factor concorrência (factor T) era de 1,00.

9
Por cartas de 3 de Janeiro e de 9 de Fevereiro de 2001, a Comissão, respectivamente, exigiu informações suplementares e colocou determinadas questões às autoridades alemãs. Estas autoridades forneceram as informações suplementares solicitadas e responderam às questões que lhes foram colocadas por cartas de 9 e 20 de Fevereiro e de 21 de Maio de 2001.

10
Por carta de 19 de Junho de 2001, a República Federal da Alemanha alterou a notificação inicial do projecto de auxílio em questão no que respeita à sua intensidade. Designadamente, comunicou à Comissão que «[tinha] decidido reduzir o factor ‘concorrência’ notificado de 1 para 0,75». A aplicação do novo factor T notificado pelas autoridades alemãs reduzia o montante total do auxílio para 69,3 milhões de DEM (35,4 milhões de euros).

11
Em 3 de Julho de 2001, a Comissão, em aplicação do artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento n.º 659/1999, adoptou uma decisão não suscitando objecções ao projecto de auxílio notificado (JO 2001, C 226, p. 14, a seguir «decisão de 3 de Julho de 2001»).

12
A Comissão salienta, na sua decisão, que, por carta de 19 de Junho de 2001, já referida, a República Federal da Alemanha alterou a sua notificação inicial e que o montante do auxílio previsto para a recorrente é de 69,3 milhões de DEM (35,4 milhões de euros) para um custo total de investimento avaliado em 220 milhões de DEM, o que corresponde a uma intensidade do auxílio de 31,5%.

13
Com base numa avaliação do auxílio notificado à luz dos critérios estabelecidos pelo enquadramento multisectorial, a Comissão expôs, na mesma decisão, as razões pelas quais os factores aplicáveis no caso em apreço deviam ser fixados em:

35% no que respeita à intensidade máxima autorizada na região de Heiligengrabe;

0,75 para o factor T tendo em conta a concorrência no mercado em questão;

0,8 para o factor I (factor capital/trabalho);

1,5 para o factor M relativo ao impacto regional do auxílio visado,

ou seja, uma intensidade máxima de 31,5% (= 35% x 0,75 x 0,8 x 1,5).

14
Verificando‑se que o montante do auxílio que a República Federal da Alemanha visava conceder à recorrente estava em conformidade com o auxílio máximo autorizado, a Comissão declarou o auxílio notificado conforme ao Tratado CE.

15
Por carta de 3 de Janeiro de 2002 (a seguir «carta de 3 de Janeiro de 2002»), o Sr. Happe, chefe de unidade do Ministério das Finanças alemão, dirigiu à Comissão um documento intitulado «comunicação do Governo Federal alemão à Comissão Europeia», segundo o qual o Governo Federal alemão desejava pedir a correcção da decisão de 3 de Julho de 2001, a fim de que a intensidade autorizada fosse aumentada de 31,5% para 35% do custo do investimento passível de auxílios e, em especial, que o factor T (concorrência) fosse alterado. Este pedido era fundamentado pelo facto de as previsões de crescimento anual do consumo no mercado relevante dos OSB e do contraplacado, para o ano 2000, comunicadas no quadro do processo de notificação – que foram afastadas no considerando 33 da decisão de 3 de Julho de 2001 por serem baseadas em estimativas e não em valores reais – terem sido confirmadas por um estudo recente (Jaakko Pöyry: The development of OSB and wood based panels consumption in the European Economic Area 1996‑2000 with an outlook on the demand development for OSB in 2001) (A evolução do consumo de OSB e de painéis à base de madeira no Espaço Económico Europeu no período de 1996‑2000 e as perspectivas de evolução da procura de OSB em 2001), segundo o qual «o crescimento excepcional previsto no mercado de OSB para 2000 ocorreu efectivamente». Esta evolução justifica a correcção do factor T de 0,75 para 1,00.

16
Por carta de 5 de Fevereiro de 2002 (a seguir «acto impugnado»), o Sr. Drabbe, director da Direcção «Auxílios de Estado II» da Direcção‑Geral da Concorrência da Comissão, respondeu à carta de 3 de Janeiro de 2002, nos termos seguintes:

«Caro Senhor Happe,

Em resposta à sua carta de 3 de Janeiro de 2002 relativa à matéria acima referida, lamentamos informar que não é possível proceder à correcção, desejada pelo Governo da República Federal da Alemanha, da decisão da Comissão Europeia enviada em 3 de Julho de 2001.

Nos termos do artigo 9.º do Regulamento [n.º 659/99], a Comissão pode revogar uma decisão que tenha tomado, no caso de essa decisão se basear em informações inexactas transmitidas no decurso do procedimento. Os factos expostos pelo Governo Federal alemão, relativamente aos dados económicos do ano 2000, não dizem no entanto respeito a informações conhecidas no momento em que a decisão foi tomada e que impliquem um erro manifesto de apreciação.

Ora, uma vez que a determinação do factor ‘concorrência’ se baseia no caso vertente na comparação da evolução do consumo do produto em causa com a taxa de crescimento da indústria transformadora no seu conjunto durante os anos de 1994 a 1999, e uma vez que os dados provisórios não estavam errados no momento em que a decisão foi tomada, uma nova decisão não pode ser adoptada no mesmo processo.

Além disso, a decisão da Comissão diz respeito ao conjunto do projecto ‘construção de uma fábrica de painéis OSB’ subsidiado através de um auxílio individual ad hoc. Por conseguinte, também não é possível fazer uma distinção parcial entre diferentes períodos, aos quais se aplicariam factores ‘concorrência’ e, portanto, intensidades de auxílio diferentes.

Espero que tenha sido útil comunicar‑vos esta informação.»


Tramitação processual e pedidos das partes

17
Foi nestas condições que, por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 17 de Abril de 2002, a recorrente interpôs o presente recurso.

18
Por requerimento separado que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Agosto de 2002, a Comissão suscitou uma excepção de inadmissibilidade, sobre a qual a recorrente apresentou as suas observações em 8 de Outubro de 2002.

19
Na sua petição, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

anular o acto impugnado;

condenar a Comissão nas despesas.

20
Na sua excepção de inadmissibilidade, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

julgar o recurso inadmissível;

condenar a recorrente nas despesas.

21
Nas suas observações quanto à excepção de inadmissibilidade, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

julgar improcedente a excepção de inadmissibilidade e julgar o recurso admissível;

condenar a Comissão nas despesas.


Questão de direito

22
Nos termos do artigo 114.º, n.º 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, se uma das partes o pedir, o Tribunal pode pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade sem iniciar a discussão quanto ao mérito. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, salvo decisão em contrário do Tribunal, a tramitação ulterior do processo no que respeita ao pedido é oral. No caso em apreço, o Tribunal de Primeira Instância considera‑se suficientemente esclarecido pelos articulados juntos aos autos pelo que decide não abrir a fase oral do processo.

Argumentos das partes

23
A Comissão sustenta, em primeiro lugar, que não basta que uma carta tenha sido enviada por uma instituição comunitária ao seu destinatário, em resposta a um pedido formulado por este, para que ela possa ser qualificada de decisão (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Outubro de 1999, Meyer/Comissão, T‑106/99, Colect., p. II‑3273, n.º 31). O acto impugnado não pode ser objecto de um recurso porque não é susceptível de produzir efeitos jurídicos e também não visa produzir esses efeitos (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2000, Países Baixos/Comissão, C‑147/96, Colect., p. I‑4723, n.º 26).

24
No plano formal, igualmente, o acto impugnado não constitui uma decisão. Com efeito, este acto é assinado pelo director da Direcção «Auxílios de Estado II» da Direcção‑Geral da Concorrência e não por um membro da Comissão. Aliás, não contém qualquer referência a uma decisão da Comissão, única entidade habilitada, como órgão colegial, para adoptar uma decisão oficial. Ao contrário do que afirma a recorrente, isso não constitui, todavia, uma indicação de que o princípio da colegialidade tenha sido violado, mas demonstra, ao invés, que não se trata de uma decisão da Comissão.

25
Por último, o acto impugnado não pode de modo algum constituir uma decisão porque não houve, no caso vertente, notificação de um novo auxílio ao qual esse acto poderia dizer respeito. É certo que as autoridades nacionais têm a possibilidade de notificar um projecto que conceda um novo auxílio ou altere um auxílio já concedido. No entanto, a carta de 3 de Janeiro de 2002 não pode ser considerada como uma notificação de tal projecto de auxílio, mas como um simples pedido de correcção de uma decisão já adoptada que autorizava o auxílio quanto à totalidade do montante notificado.

26
Em segundo lugar, a Comissão sustenta que, tal como resulta do seu conteúdo, o acto impugnado, supondo que constitui uma decisão, é um acto que confirma simplesmente a decisão de 3 de Julho de 2001.

27
A este respeito, a Comissão salienta, antes de mais, que o acto impugnado não foi manifestamente antecedido de um reexame da situação e, como a própria recorrente reconhece, não houve no caso vertente um exame prévio nem um processo formal de exame previsto no artigo 88.º, n.º 2, CE.

28
Em seguida, o acto impugnado não implica elementos novos em relação à decisão de 3 de Julho de 2001, mas enumera brevemente as razões pelas quais esta decisão não pode ser alterada. Quanto às informações comunicadas pelas autoridades alemãs na sua carta de 3 de Janeiro de 2002 relativas ao ano 2000, o acto impugnado apenas as refere para verificar que a decisão não se baseava em dados inexactos no momento em que foi adoptada e que as informações para o ano 2000 ainda não eram conhecidas nessa data.

29
Por último, ao contrário do que sustenta a recorrente na sua petição, não se trata, no caso vertente, da alteração de um auxílio já declarado compatível com o mercado comum que teria sido fixado a um nível demasiado baixo «devido a uma avaliação incorrecta da Comissão». Pelo contrário, a Comissão aplicou o factor «concorrência» que lhe tinha sido comunicado pelo Governo Federal e baseou a sua decisão nesse factor. Nestas condições, não há qualquer razão para reexaminar o auxílio já concedido e aprovado pela decisão de 3 de Julho de 2001 ou para tomar em consideração os elementos desconhecidos aquando da sua adopção.

30
Em último lugar, a Comissão sustenta que, mesmo que o acto impugnado fosse um acto impugnável, a recorrente não teria qualquer interesse em anulá‑lo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Janeiro de 2002, Nuove Industrie Molisane/Comissão, T‑212/00, Colect., p. II‑347, n.º 33).

31
A recorrente replica, em primeiro lugar, que o acto impugnado constitui um acto impugnável na acepção do artigo 230.º CE. A este respeito, salienta que é possível o recurso de anulação de um acto que se destine a produzir efeitos jurídicos obrigatórios externos (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1997, França/Comissão, C‑57/95, Colect., p. I‑1627, n.º 7). Para determinar se o acto impugnado produz esses efeitos ou se visa produzi‑los, há que examinar o seu conteúdo. Quanto a este ponto, os efeitos jurídicos do acto impugnado consistem no indeferimento pela Comissão do pedido de correcção da decisão de 3 de Julho de 2001 apresentado pela República Federal da Alemanha. O indeferimento de um pedido de correcção de uma decisão constitui, por sua vez, uma decisão. Caso contrário, qualquer pedido posterior de correcção de uma decisão poderia ser indeferido por simples referência à primeira decisão, sem que o interessado tenha a possibilidade de contestar esse indeferimento.

32
Quanto ao argumento da Comissão de que o acto impugnado não constitui uma decisão formal do colégio dos comissários, a recorrente entende que não é convincente. Com efeito, a forma sob a qual os actos ou decisões são adoptados é, em princípio, indiferente no que respeita à possibilidade de os impugnar. Com efeito, é à sua essência que há que atender para determinar se estas medidas constituem actos na acepção do artigo 230.º CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Colect., p. 2639, n.º 9; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Setembro de 2002, DuPont Teijin Films Luxembourg e.o./Comissão, T‑113/00, Colect., p. II‑3681, n.º 45). Esta conclusão é válida igualmente para as cartas que não são assinadas por um membro da Comissão mas por um funcionário (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Maio de 1998, BEUC/Comissão, T‑84/97, Colect., p. II‑795, n.os 47 e 48), uma vez que contêm, como no caso vertente, uma apreciação definitiva sobre um pedido.

33
Em segundo lugar, e ao contrário do que sustenta a Comissão, a recorrente considera que o acto impugnado não se limita a confirmar a decisão de 3 de Julho de 2001. Com efeito, o acto impugnado foi adoptado na sequência de uma análise dos factos novos expostos na carta de 3 de Janeiro de 2002 e, portanto, constitui um acto impugnável.

34
Em último lugar, a recorrente considera ter um interesse legítimo em que o acto impugnado seja anulado, em conformidade com o raciocínio seguido pelo Tribunal de Primeira Instância no n.º 47 do seu acórdão Nuove Industrie Molisane/Comissão, já referido. A este respeito, a recorrente sustenta que, se a Comissão entendia que a carta de 3 de Janeiro de 2002 não constituía uma notificação completa, deveria ter exigido do Estado‑Membro em questão todas as informações necessárias em conformidade com o artigo 5.º, n.º 1, do Regulamento n.º 659/1999.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

35
A título preliminar, há que recordar que, pela decisão de 3 de Julho de 2001, adoptada com base no artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento n.º 659/1999, a Comissão decidiu não suscitar objecções ao projecto de auxílio a favor da recorrente notificado pela República Federal da Alemanha e, depois de verificar que o montante do auxílio projectado era conforme ao auxílio máximo autorizado e de examinar o referido projecto à luz dos outros critérios estabelecidos pelo enquadramento multisectorial, declarou a totalidade do auxílio notificado compatível com o mercado comum. Para calcular a intensidade máxima do auxílio em questão, a Comissão aplicou ao factor T (concorrência) o coeficiente corrector notificado durante o procedimento administrativo na carta de 19 de Junho de 2001 da República Federal da Alemanha, a saber, 0,75.

36
No quadro da análise do factor T, a Comissão baseou as suas apreciações e as suas conclusões nos dados fornecidos pelas autoridades alemãs no decurso do procedimento administrativo relativo à evolução do mercado dos produtos em causa, a saber, o do OSB e do contraplacado (que são produtos substituíveis) a nível do EEE para o período de 1994‑2000, e na comparação desses dados com os dados relativos à evolução do conjunto da indústria transformadora durante o mesmo período.

37
No que se refere, em especial, ao ano 2000, a Comissão considerou, no considerando 33 da decisão de 3 de Julho de 2001, que as previsões para esse ano se baseavam em grande parte numa estimativa e não em valores reais e que não existia nenhum dado fiável sobre a evolução do consumo aparente no conjunto da indústria transformadora para estabelecer uma comparação. Acresce que um estudo efectuado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (ECE/FAO: Forest Products Annual Market Review 1999‑2000) (Relatório CEE/FAO sobre o mercado dos produtos florestais em 1999‑2000) mostrava uma evolução diferente do mercado. Enfim, e sobretudo, a Comissão considerou que «a tendência positiva num ano não basta[va] para concluir que a taxa de crescimento relativo marca[va] uma forte tendência para a retoma do mercado».

38
A Comissão, em seguida, entendeu, no mesmo considerando, que «o mercado relevante devia ser considerado, apesar de alguns sinais de retoma nestes últimos anos, como estando em declínio em relação à evolução do conjunto da indústria transformadora».

39
Com base nestas considerações, a Comissão chegou à conclusão, no considerando 36 da decisão de 3 de Julho de 2001, que «o projecto em causa, que implica um aumento de capacidade num sector caracterizado por um excesso de capacidade estrutural, será executado num mercado em declínio» e que, portanto, o coeficiente corrector que devia ser aplicado ao factor T era, em conformidade com o ponto 3.10.1, iii), do enquadramento multisectorial, o que foi notificado pelas autoridades alemãs, a saber, 0,75.

40
Resulta do exposto que a Comissão, por decisão de 3 de Julho de 2001, autorizou o auxílio de Estado previsto para a recorrente na sua totalidade, nos termos do pedido da República Federal da Alemanha.

41
Em seguida, há que determinar se o acto impugnado constitui um acto decisório, como sustenta a recorrente ou se, como sustenta a Comissão, se trata apenas de uma informação, que não pode ser objecto de recurso.

42
Resulta de jurisprudência constante que não basta que uma carta tenha sido enviada por uma instituição comunitária ao seu destinatário, em resposta a um pedido formulado por este último, para que possa ser qualificada de decisão na acepção do artigo 230.º CE, abrindo assim a via do recurso de anulação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Maio de 1996, AITEC/Comissão, T‑277/94, Colect., p. II‑351, n.º 50; despachos do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Outubro de 1996, Sveriges Betodlares e Henrikson/Comissão, T‑5/96, Colect., p. II‑1299, n.º 26; e Meyer/Comissão, já referido, n.º 31).

43
Além disso, igualmente segundo jurisprudência constante, apenas os actos que produzem efeitos jurídicos obrigatórios de molde a afectar os interesses do recorrente, modificando, de forma caracterizada, a sua situação jurídica, podem ser objecto de recurso de anulação a título do artigo 230.º CE (acórdãos do Tribunal de Justiça, IBM/Comissão, já referido, n.º 9, e de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.º 62; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Março de 1999, Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, T‑87/96, Colect., p. II‑203, n.º 37; de 22 de Março de 2000, Coca‑Cola/Comissão, T‑125/97 e T‑127/97, Colect., p. II‑1733, n.º 77; e de 18 de Setembro de 2001, M6 e o./Comissão, T‑112/99, Colect., p. II‑2459, n.º 35; despacho BEUC/Comissão, já referido, n.º 43).

44
Para determinar se um acto ou uma decisão produz tais efeitos, deve atender‑se à sua substância (despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1991, Sunzest/Comissão, C‑50/90, Colect., p. I‑2917, n.° 12; acórdãos França e o./Comissão, já referido, n.º 63; e Coca‑Cola/Comissão, já referido, n.º 78).

45
O Tribunal de Primeira Instância considera que o acto impugnado não pode ser interpretado como um acto decisório. Com efeito, resulta quer da forma e do conteúdo da carta de 3 de Janeiro de 2002 e do acto impugnado quer da identidade dos seus autores que essa carta e esse acto são apenas a expressão, respectivamente, de uma iniciativa informal das autoridades alemãs, no sentido de obterem, na sequência de um reexame oficioso, a correcção da decisão de 3 de Julho de 2001, e uma resposta, igualmente informal, a essa iniciativa, formulada pelos serviços da Comissão competentes para os auxílios de Estado.

46
O Tribunal de Primeira Instância refere também que a «comunicação do Governo Federal alemão à Comissão Europeia», visada no n.º 15 supra, consiste num texto não datado e não assinado e que só pela leitura do acto impugnado é possível inferir que foi transmitida, por meio da carta de 3 de Janeiro de 2002, à Comissão. Quanto ao acto impugnado, o Tribunal deduz da sua própria redacção, em especial dos seus primeiro e último parágrafos, que não visava de modo algum constituir uma decisão de indeferimento formal de um pedido, mas apenas fornecer uma «informação» em resposta à expressão de um «desejo». O Tribunal salienta, aliás, que o emprego desses termos no acto impugnado se coaduna com o facto de esse acto não emanar da própria Comissão nem do membro da Comissão encarregado da concorrência, mas sim do director da Direcção «Auxílios de Estado II» da Direcção‑Geral da Concorrência, Sr. Drabbe, que não resulta do acto impugnado que estivesse habilitado pela Comissão para tomar uma decisão.

47
O Tribunal de Primeira Instância entende, além disso, que esse alcance limitado da correspondência entre os Srs. Happe e Drabbe se prende igualmente com o facto de a alteração desejada pelo Governo Federal alemão, longe de dizer respeito à correcção de um erro material de escrita ou de cálculo, que poderia eventualmente ser visada fora do quadro processual estrito definido no Regulamento n.º 659/1999, visar, na realidade, uma alteração substancial da decisão em causa, que só podia ser alcançada através dos procedimentos previstos pelo referido regulamento e, em especial, da notificação, pela República Federal da Alemanha, de um novo projecto de auxílio em aplicação do artigo 2.º do referido regulamento.

48
A uma conclusão diferente, nos termos da qual o acto impugnado seria um acto decisório, só poderia chegar‑se, no caso em apreço, se a carta de 3 de Janeiro de 2002, que contém a «comunicação do Governo Federal à Comissão Europeia», fosse interpretada como uma notificação de um projecto que visava alterar, num sentido mais favorável à recorrente, o auxílio que já lhe tinha sido concedido e aprovado pela decisão de 3 de Julho de 2001, projecto a respeito do qual a Comissão, através do acto impugnado, tomou uma decisão negativa.

49
A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 2.º, n.os 1 e 2, do Regulamento n.º 659/1999, a Comissão deve ser notificada a tempo pelo Estado‑Membro em causa de todos os projectos de concessão de novos auxílios. Na notificação, o Estado‑Membro em causa deve fornecer todas as informações necessárias para que a Comissão possa tomar uma decisão nos termos dos artigos 4.º e 7.º do mesmo regulamento. O objectivo desta obrigação de notificação é o de facultar à Comissão a oportunidade de exercer atempadamente e no interesse geral da Comunidade a sua fiscalização sobre qualquer projecto destinado a instituir ou a alterar auxílios (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C‑301/87, Colect., p. I‑307, n.º 17, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão, T‑126/96 e T‑127/96, Colect., p. II‑3437, n.º 46).

50
Além disso, há que referir que nada obsta a que as autoridades nacionais notifiquem um projecto tendente a instituir um novo auxílio a uma empresa ou a alterar um auxílio que já lhe tenha sido concedido. Nesse caso, resulta da jurisprudência que, caso a Comissão adopte uma decisão total ou parcialmente negativa em relação a um determinado projecto, a empresa beneficiária do auxílio individual projectado terá então o direito de interpor um recurso de anulação (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1980, Philip Morris/Comissão, 730/79, Recueil, p. 2671, n.º 5; de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.º 5; e de 9 de Março de 1994, TWD, C‑188/92, Colect., p. I‑833, n.º 24; acórdão Nuove Industrie Molisane/Comissão, já referido, n.º 47).

51
Há que concluir, todavia, que não é assim no caso vertente.

52
Com efeito, quanto ao seu conteúdo, a carta de 3 de Janeiro de 2002 não pode ser interpretada como uma notificação de um projecto de auxílio tendente a alterar o auxílio já concedido à recorrente e aprovado pela decisão de 3 de Julho de 2001. Esta carta não notifica nenhum auxílio à recorrente e não contém nenhuma referência explícita ao artigo 88.º, n.º 3, CE (v., quanto a este ponto, acórdão BFM e EFIM/Comissão, já referido, n.º 47). A redacção dessa carta e a comunicação que contém («pela presente solicitamos a V. Ex.as a correcção do factor ‘concorrência’ (T)») confirma de forma clara e inequívoca que a referida carta constitui quando muito um pedido de reexame ou de alteração da decisão de 3 de Julho de 2001 que autorizou o montante do auxílio inicialmente notificado na sua integralidade.

53
Daí resulta que, não podendo a carta de 3 de Janeiro de 2002 ser considerada como uma notificação válida, nem sequer, aliás, como uma notificação de um projecto de auxílio visando alterar o auxílio já concedido à recorrente, não pode sustentar‑se que o acto impugnado constitui uma decisão negativa da Comissão contra tal projecto, susceptível de recurso de anulação, com base na jurisprudência referida no n.º 50 supra, por parte da recorrente. A este respeito, há que verificar, além disso, que a Comissão, com o acto impugnado, não procedeu a um exame prévio de um projecto de auxílio alegadamente notificado pela carta de 3 de Janeiro de 2002 nem à abertura do processo formal de análise relativamente a esse projecto.

54
Nestas condições, o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão deveria, se entendia que a carta de 3 de Janeiro de 2002 «não constituía uma notificação completa», exigir do Estado‑Membro em questão todas as informações suplementares necessárias, em conformidade com o artigo 5.º, n.º 1, do Regulamento n.º 659/1999, é fundado numa premissa errada e deve ser afastado.

55
Há que concluir, portanto, que o acto impugnado não constitui uma decisão, mas uma medida de informação, que não pode ser objecto de recurso de anulação. Por conseguinte, há que julgar o recurso inadmissível, sem que haja necessidade de analisar os outros argumentos suscitados pela recorrida.


Quanto às despesas

56
Por força do disposto no artigo 87.º, n.º 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas em conformidade com os pedidos da Comissão.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção alargada)



decide:

1)
O recurso é julgado inadmissível.

2)
A recorrente é condenada nas despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 5 de Novembro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1
Língua do processo: alemão.