Language of document : ECLI:EU:C:2023:912

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

23 de novembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — União aduaneira — Regulamento (UE) n.o 952/2013 — Artigo 42.o, n.o 1 — Obrigação de os Estados‑Membros preverem sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas em caso de incumprimento da legislação aduaneira — Declaração incorreta do país de origem das mercadorias importadas — Regulamentação nacional que prevê uma coima correspondente a 50 % do lucro cessante sobre os direitos aduaneiros — Princípio da proporcionalidade»

No processo C‑653/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria), por Decisão de 10 de outubro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de outubro de 2022, no processo

J. P. Mali Kerékpárgyártó és Forgalmazó Kft.

contra

Nemzeti Adó és Vámhivatal Fellebviteli Igazgatósága,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Húngaro, por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por V. Bottka e F. Moro, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (JO 2013, L 269, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe J. P. Mali Kerékpárgyártó és Forgalmazó Kft. (a seguir «J. P. Mali») à Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága (Direção de Recursos da Administração Fiscal e Aduaneira Nacional, Hungria) (a seguir «Direção de Recursos»), a respeito de uma coima aplicada a J. P. Mali devido à declaração incorreta do país de origem das mercadorias importadas.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 9 e 38 do Regulamento n.o 952/2013 enunciam:

«(9)      A União [Europeia] baseia‑se numa união aduaneira. No interesse dos operadores económicos e das autoridades aduaneiras da União, afigura‑se aconselhável reunir a atual legislação aduaneira da União num Código. Baseado no conceito de um mercado interno, o Código em questão deverá conter normas e procedimentos gerais que assegurem a aplicação das medidas pautais e de outras medidas de política comum adotadas a nível da União no âmbito do comércio de mercadorias entre a União e os países ou territórios situados fora do território aduaneiro da União […].

[…]

(38)      É conveniente ter em conta a boa‑fé da pessoa em causa nos casos em que a constituição da dívida aduaneira tenha sido originada pelo incumprimento da legislação aduaneira, e minimizar o impacto da negligência imputável ao devedor.»

4        O artigo 15.o deste regulamento, sob a epígrafe «Prestação de informações às autoridades aduaneiras», prevê:

«(1)      Qualquer pessoa direta ou indiretamente envolvida no cumprimento de formalidades aduaneiras ou na execução de controlos aduaneiros deve prestar às autoridades aduaneiras, a pedido destas e nos prazos que sejam fixados, todos os documentos e todas as informações requeridas, sob uma forma adequada, bem como toda a assistência necessária para cumprimento dessas formalidades ou desses controlos.

2.      A entrega de uma declaração aduaneira […] responsabiliza a pessoa em causa no que respeita:

a)      À exatidão e ao caráter exaustivo das informações constantes da declaração […];

b)      À autenticidade, exatidão e validade de qualquer documento de suporte da declaração […];

[…]

Caso a declaração […] seja prestada por um representante aduaneiro da pessoa em causa, […] esse representante aduaneiro fica igualmente sujeito às obrigações previstas no primeiro parágrafo do presente número.»

5        O artigo 42.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Aplicação de sanções», dispõe, no seu n.o 1:

«Cada Estado‑Membro determina as sanções aplicáveis em caso de incumprimento da legislação aduaneira. Essas sanções devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»

6        O artigo 79.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Constituição da dívida aduaneira por incumprimento», enuncia:

«1.      Relativamente às mercadorias passíveis de direitos de importação, é facto constitutivo da dívida aduaneira na importação o incumprimento de:

a)      Uma das obrigações previstas na legislação aduaneira em matéria de introdução de mercadorias não‑UE no território aduaneiro da União […];»

[…]

3.      Nos casos a que se refere o n.o 1, alíneas a) e b), são devedoras:

a)      As pessoas responsáveis pelo cumprimento das obrigações em causa;

[…]»

7        O artigo 124.o do Regulamento n.o 952/2013, sob a epígrafe «Extinção», prevê:

«1. Sem prejuízo das disposições em vigor relativas à não cobrança do montante dos direitos de importação ou de exportação correspondente a uma dívida aduaneira no caso de insolvência do devedor verificada por via judicial, a dívida aduaneira na importação ou na exportação extingue‑se das seguintes formas:

[…]

b)      Mediante pagamento do montante dos direitos de importação ou de exportação;

[…]

h)      Caso a dívida aduaneira tenha sido constituída por força dos artigos 79.o ou 82.o e estejam preenchidas as seguintes condições:

i)      o incumprimento que deu origem à constituição da dívida aduaneira não teve qualquer efeito significativo sobre o correto funcionamento do regime aduaneiro em questão e não constituiu uma tentativa de fraude,

ii)      as formalidades necessárias à regularização da situação das mercadorias são posteriormente cumpridas;

[…]

k)      Caso, sem prejuízo do disposto no n.o 6, a dívida aduaneira tenha sido constituída ao abrigo do artigo 79.o e tenha sido apresentada às autoridades aduaneiras prova suficiente de que as mercadorias não foram utilizadas nem consumidas e foram retiradas do território aduaneiro da União.

[…]

6.      No caso referido no n.o 1, alínea k), a dívida aduaneira não se extingue em relação à pessoa ou pessoas que tenha(m) agido fraudulentamente.

[…]»

 Direito húngaro

8        O artigo 2.o, ponto 6, da az uniós vámjog végrehajtásáról szóló 2017. évi CLII. törvény (Vámtörvény) (Lei n.o CLII de 2017, relativa à Aplicação do Direito Aduaneiro da União), na sua versão em vigor no momento da adoção da decisão administrativa objeto do litígio no processo principal (a seguir «Lei Aduaneira»), definia o conceito de «perda de receitas dos direitos aduaneiros» do seguinte modo:

«a diferença entre o montante das taxas e outros direitos aplicados e o montante, inferior a este, das taxas e outros direitos notificados, assim como o montante das taxas e outros direitos aplicados mas não notificados, exceto se tal se dever a uma violação da lei ou a uma apreciação incorreta dos dados disponíveis por parte das autoridades aduaneiras, excluindo os casos de admissão sem verificação; […]»

9        Esta definição foi alterada do seguinte modo, com efeitos a partir de 28 de julho de 2022:

«a diferença entre o montante das taxas e outros direitos aplicados e o montante, inferior a este, das taxas e outros direitos notificados, assim como o montante das taxas e outros direitos aplicados mas não notificados, exceto se tal se dever a uma violação da lei ou a uma apreciação incorreta dos dados disponíveis por parte das autoridades aduaneiras, excluindo os casos de admissão sem verificação, sendo especificado que […] nem uma dívida aduaneira extinta nos termos do artigo 124.o, n.o 1, alíneas h) ou k), do [Regulamento n.o 952/2013], nem uma dívida aduaneira inferior a 10 euros constituída na sequência de uma infração relacionada com a fiscalização aduaneira ou com uma questão administrativa aduaneira constituem uma perda de receitas de direitos aduaneiros.»

10      Nos termos do artigo 84.o da Lei Aduaneira:

«(1)      […]

a)      A autoridade aduaneira competente aplica uma coima no caso de infrações relativas à apresentação das declarações de mercadorias, à exatidão dos dados constantes da declaração de mercadorias, […]

[…]

2.      […]

a) aa)      Considera‑se que a infração referida no n.o 1, alínea a), foi cometida, nomeadamente, quando o declarante, no momento da apresentação da declaração junto da autoridade aduaneira […], não assegura a exatidão e a exaustividade das informações fornecidas na declaração […].

[…]

8.      Caso as infrações referidas no n.o 1, ou o incumprimento que lhes esteja associado, deem origem a uma perda de receitas de direitos aduaneiros, é necessário sem prejuízo do disposto nos n.os 12 e 13, no artigo 85.°, n.os 1, 3 e 4, e no artigo 86.° fixar uma coima aduaneira correspondente a 50 % desta perda de receitas de direitos aduaneiros.

[…]

10.      Caso as infrações referidas no n.o 1, ou o incumprimento que lhes esteja associado, não deem origem a uma perda de receitas de direitos aduaneiros, é necessário, sem prejuízo do disposto nos n.os 12 e 13, no artigo 85.o, nos n.os 1, 3 e 4, e no artigo 86.o, fixar uma coima aduaneira correspondente,

a)      no caso de uma infração como a referida no n.o 1, alínea a), a 100 000 [forintes húngaros (HUF) (cerca de 270 euros)] se se tratar de uma pessoa singular e 500 000 HUF [(cerca de 1 350 euros] para qualquer outra pessoa,

[…]»

11      O artigo 85.o desta lei, prevê:

«(1)      Se a autoridade aduaneira estabelecer:

a)      que a infração ou omissão conexa não foi cometida através da falsificação ou destruição de documentos comprovativos, livros ou registos,

b)      que não houve nenhuma perda de receitas de direitos aduaneiros em consequência da infração ou omissão, ou que a dívida aduaneira daí resultante não excede 30 000 HUF [(cerca de 80 euros)] se se tratar de uma pessoa singular ou de 150 000 HUF [(cerca de 400 euros)] no caso das pessoas coletivas; e

c)      que a pessoa em questão cometeu uma infração ou uma omissão de entre as definidas no artigo 84.o, n.o 1, pela primeira vez no decurso do ano que antecedeu a constatação do incumprimento ou da omissão em questão,

a autoridade aduaneira abstém‑se de aplicar uma coima e faz uma advertência à pessoa em questão.

[…]

3.      Com exceção do disposto no n.o 4, nenhuma coima aduaneira poderá ser aplicada no âmbito da apresentação de uma declaração de mercadorias, relacionada com a exatidão dos dados da declaração de mercadorias, se o declarante pedir a alteração da declaração de mercadorias […].

4.      Se […] o declarante pedir uma alteração da declaração aduaneira das mercadorias depois de a autoridade aduaneira ter iniciado o seu controlo após a autorização de saída, mas antes da emissão do relatório decorrente deste controlo, com base nas informações relativas aos direitos e outras taxas fornecidas relativamente ao âmbito do controlo, 50 % do montante da coima que pode ser determinado em conformidade com o artigo 84.o, os n.os 8, 10 e 13 serão aplicados na forma de coima aduaneira, com exceção do disposto no n.o 1 e no artigo 86.o»

12      O artigo 86.o da referida lei enuncia:

«Se a violação ou omissão for cometida através da falsificação ou da destruição de documentos, livros e registos e, em consequência, se constituir uma obrigação de pagamento de direitos e outros encargos, o montante da coima aduaneira é de 200 % da obrigação de pagamento dos direitos e outros encargos incorridos. […]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

13      A sociedade de direito húngaro J. P. Mali importou, em 2017 e em 2018, bicicletas e peças de bicicletas adquiridas a sociedades com sede em Taiwan. O seu representante aduaneiro ZeMeX Kereskedelmi és Szállítmányozó Kft., para efeitos da introdução em livre prática destas mercadorias, apresentou declarações aduaneiras indicando que as referidas mercadorias eram originárias de Taiwan.

14      A Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Baranya Megyei Adó‑ és Vámigazgatósága (Direção Tributária e Aduaneira da província de Baranya, pertencente à Administração Tributária e Aduaneira Nacional, Hungria) (a seguir «autoridade aduaneira de primeiro grau») constatou que as bicicletas e peças de bicicletas importadas provinham, na realidade, da China, pelo que a sua importação deveria ter resultado na cobrança de um direito antidumping. Por conseguinte, por Decisões de 10 de dezembro de 2020, que se tornaram definitivas em 29 de dezembro de 2020, esta autoridade exigiu à J. P. Mali, a título da sua dívida aduaneira, o pagamento da quantia de 26 077 000 HUF (cerca de 70 000 euros), que foi paga pelo representante aduaneiro desta sociedade.

15      Com base em elementos recolhidos num controlo após a autorização de saída efetuado junto de J. P. Mali, a autoridade aduaneira de primeiro grau considerou que esta sociedade, enquanto parte contratante na transação, devia dispor de informações sobre as circunstâncias da aquisição das mercadorias em questão. O seu auto de controlo baseava‑se, nomeadamente, num relatório do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) do qual resultava que a sociedade com sede em Taiwan identificada como exportadora destas mercadorias estava implicada em falsas declarações sobre a origem de peças de bicicletas chinesas.

16      Entendendo que J. P. Mali tinha cometido a infração prevista no artigo 84.o, n.o 1, alínea a), e n.o 2, alínea a), aa), da Lei Aduaneira, a autoridade aduaneira de primeiro grau aplicou‑lhe, em conformidade com o artigo 84.o, n.o 8, desta lei, uma coima aduaneira no montante de 13 039 000 HUF (cerca de 35 000 euros).

17      A J. P. Mali interpôs recurso da decisão desta autoridade aduaneira para a Direção de Recursos. Esta negou provimento ao recurso por Decisão de 22 de abril de 2021, com o fundamento de que incumbia a J. P. Mali declarar corretamente a origem das mercadorias e que, enquanto distribuidora de bicicletas, devia conhecer as disposições aplicáveis à sua atividade, entre as quais em matéria de direito antidumping, e escolher os seus parceiros contratuais, incluindo os exportadores em países terceiros, com a devida precaução. A inexatidão das declarações aduaneiras faz parte do risco comercial normalmente suportado pela pessoa obrigada a pagar os direitos aduaneiros.

18      Por outro lado, a Direção de Recursos considerou, nesta decisão, que a coima aplicada à J. P. Mali se baseava numa aplicação correta da Lei Aduaneira e não violava o direito da União.

19      A este respeito, constatou que, devido à indicação inexata do país de origem, o valor aduaneiro das mercadorias em questão tinha sido fixado num montante sensivelmente inferior ao montante real destas mercadorias, o que conduziu a uma perda de receitas de direitos aduaneiros. Considerou que, em aplicação do artigo 2.o, ponto 6, e do artigo 84.o, n.o 8, da Lei Aduaneira, esta perda de receitas implicava a aplicação de uma coima à taxa de 50 %, calculada com base no montante total da obrigação estabelecida pelas autoridades aduaneiras, sem que fosse necessário averiguar se o incumprimento da legislação aduaneira era imputável à J. P. Mali. Não há que renunciar a esta coima, uma vez que não estão reunidas as condições enunciadas para o efeito pela Lei Aduaneira, nem reduzir o seu montante, na falta de regularização da situação da J. P. Mali entre o início do controlo após a autorização de saída e a notificação do auto decorrente deste controlo.

20      A J. P. Mali impugnou a decisão da Direção de Recursos no Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital, Hungria). Alega que a coima, que corresponde em termos fixos a 50 % da perda de receitas de direitos aduaneiros, não é proporcional à gravidade da infração.

21      A J. P. Mali observa que os importadores apenas dispõem de informações limitadas sobre a produção e a origem das mercadorias e que dependem, a este respeito, dos dados fornecidos pelos exportadores. Indica que, no caso em apreço, um organismo público independente, a Câmara de Comércio de Taiwan, lhe emitiu certificados confirmando as indicações dos exportadores quanto à origem das mercadorias em questão. Considera que a legislação húngara, na medida em que não permite ter em conta estas circunstâncias e aplica, em caso de incumprimento da legislação aduaneira, uma coima pesada ao importador apesar de essa infração não lhe ser imputável, é contrária ao direito da União, e nomeadamente ao disposto no Regulamento n.o 952/2013 em matéria de sanções.

22      Segundo a Direção de Recursos, recorrida no processo principal, esta argumentação da J. P. Mali não tem fundamento. A Lei Aduaneira estabelece uma distinção pertinente em função da natureza do incumprimento da legislação aduaneira e das suas consequências. Com efeito, esta lei prevê sanções diferentes consoante a infração tenha ou não originado uma perda de receitas de direitos aduaneiros. Além disso, por força dos artigos 85.o e 86.o da referida lei, mesmo em caso de infração que deu origem a uma perda de receitas de direitos aduaneiros, a sanção é modulada em função de determinados fatores de ponderação.

23      O Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) considera que existe uma dúvida quanto à compatibilidade da sanção prevista no artigo 84.o, n.o 8, da Lei Aduaneira com o requisito de proporcionalidade enunciado no artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento n.o 952/2013.

24      Este órgão jurisdicional considera que essa disposição da Lei Aduaneira não permite verificar a existência de um comportamento imputável ao operador em questão e impede, assim, que se examine se este operador tomou todas as medidas úteis que dele se podiam esperar para evitar a infração que deu origem à perda de receitas dos direitos aduaneiros.

25      O referido órgão jurisdicional assinala, contudo, que o legislador húngaro alterou, com efeitos a partir de 28 de julho de 2022, o conceito de «perda de receitas de direitos aduaneiros» que figura no artigo 2.o, ponto 6, da Lei Aduaneira, acrescentando que «nem uma dívida aduaneira extinta nos termos do artigo 124.o, n.o 1, alíneas h) ou k), do [Regulamento n.o 952/2013], nem uma dívida aduaneira inferior a 10 euros constituída na sequência de uma infração relacionada com a fiscalização aduaneira ou com uma questão administrativa aduaneira constituem uma perda de receitas de direitos aduaneiros». Com esta alteração, que seria de aplicação imediata aos processos pendentes abrangidos por estes casos, o legislador teria reconhecido que, para efeitos da determinação do nível da coima, os comportamentos que se traduzem numa violação da obrigação de apresentar as mercadorias na alfândega ou na sua subtração à fiscalização aduaneira não podem ser apreciados da mesma forma que incumprimentos menos importantes das obrigações aduaneiras.

26      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, há que determinar se a sanção prevista no artigo 84.o, n.o 8, da Lei Aduaneira é proporcionada, sabendo que, no caso em apreço, os exportadores e a Câmara de Comércio de Taiwan tinham indicado que as mercadorias em questão provinham de Taiwan, e que a origem real das mercadorias só foi revelada por um relatório do OLAF recebido posteriormente à declaração aduaneira.

27      Nestas condições, o Fővárosi Törvényszék (Tribunal de Budapeste‑Capital) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o Regulamento [n.o 952/2013] ser interpretado no sentido de que é compatível com o requisito de proporcionalidade estabelecido no seu artigo 42.o, n.o 1, o artigo 84.o, n.o 8, da az uniós vámjog végrehajtásáról szóló 2017. évi CLII. törvény (Lei CLII de 2017, relativa à aplicação do direito aduaneiro da União; a seguir “Lei Aduaneira”), o qual, no caso da coima aduaneira a aplicar imperativamente em consequência de um incumprimento aduaneiro resultante de uma infração relativa à correção dos dados na declaração aduaneira, não permite que as autoridades aduaneiras avaliem todas as circunstâncias do caso ou do comportamento imputável ao operador que apresentou a declaração aduaneira, mas impõe, como norma imperativa, a aplicação de uma coima aduaneira correspondente a 50 % do incumprimento aduaneiro verificado, independentemente da gravidade da infração cometida e do exame e da avaliação da responsabilidade imputável ao referido operador?»

 Quanto à questão prejudicial

28      Importa começar por salientar que o artigo 15.o do Regulamento n.o 952/2013 obriga qualquer pessoa envolvida direta ou indiretamente no cumprimento de formalidades aduaneiras a prestar informações exatas e completas na declaração aduaneira.

29      A inobservância desta obrigação constitui um «incumprimento da legislação aduaneira», na aceção do artigo 42.o, n.o 1, deste regulamento. Com efeito, este conceito não visa unicamente atividades fraudulentas, nele se incluindo toda e qualquer inobservância da legislação aduaneira da União, independentemente da questão de saber se o incumprimento foi intencional, se foi cometido por negligência ou, ainda, se não houve comportamento culposo do operador em questão (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de março de 2020, Schenker, C‑655/18, EU:C:2020:157, n.os 30 a 32 e 45, e de 8 de junho de 2023, Zes Zollner Electronic, C‑640/21, EU:C:2023:457, n.o 59).

30      No que se refere às consequências desta inobservância, incumbe a cada Estado‑Membro prever, em conformidade com o artigo 42.o, n.o 1, do referido regulamento, sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, nomeadamente, no caso de fornecimento de informações inexatas numa declaração aduaneira, incluindo nas hipóteses conforme sucede, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, com litígio no processo principal caracterizadas pela boa‑fé do importador, quando este se tenha baseado em certificados oficiais emitidos num país ou território fora do território aduaneiro da União.

31      Uma sanção como a que está em causa no processo principal, que consiste numa coima correspondente a 50 % da perda de receitas de direitos aduaneiros causados pelas informações inexatas fornecidas, pode ser considerada efetiva e dissuasiva, na aceção do artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento n.o 952/2013. Com efeito, tal sanção é suscetível de encorajar os operadores económicos da União a tomarem todas as medidas necessárias para se assegurarem de que dispõem de informações corretas sobre as mercadorias que importam e de que as informações que fornecem nas declarações aduaneiras são exatas e completas. Tal sanção contribui assim para a realização do objetivo, enunciado no considerando 9 deste regulamento, de assegurar a aplicação das medidas pautais e de outras medidas de política comum relativas ao comércio de mercadorias entre a União e os países ou territórios situados fora do território aduaneiro desta.

32      No que diz respeito à proporcionalidade da sanção em causa, há que recordar que, na falta de harmonização da legislação da União no domínio das sanções aplicáveis em caso de incumprimento das condições previstas no regime instituído por esta legislação, os Estados‑Membros são competentes para escolher as sanções que se lhes afigurem adequadas. Todavia, estão obrigados a exercer esta competência no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais e, por conseguinte, no respeito do princípio da proporcionalidade. Por força deste princípio, as medidas administrativas ou repressivas não devem exceder o que é necessário para realizar os objetivos legitimamente prosseguidos por essa legislação nem ser desproporcionadas relativamente a estes objetivos (Acórdão de 8 de junho de 2023, Zes Zollner Electronic, C‑640/21, EU:C:2023:457, n.os 60 e 61, e jurisprudência referida).

33      O referido princípio é imposto aos Estados‑Membros não só no que diz respeito à determinação dos elementos constitutivos de uma infração e das regras relativas ao nível do montante das coimas mas também no que diz respeito à apreciação dos elementos que podem ser tidos em conta para a fixação do montante da coima (Acórdão de 22 de março de 2017, Euro‑Team e Spirál‑Gép, C‑497/15 e C‑498/15, EU:C:2017:229, n.o 43 e jurisprudência referida).

34      No caso em apreço, decorre dos dados fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que o legislador húngaro introduziu um regime de sanções para o caso de incumprimento da legislação aduaneira que prevê uma coima cujo montante é diretamente proporcional ao montante da perda de receitas de direitos aduaneiros causada pela infração.

35      Com efeito, uma vez que a coima prevista por este regime é, em princípio, igual a 50 % da perda de receitas, o montante da coima será tanto mais elevado quanto a referida perda de receitas, pelo que, por exemplo, a indicação inexata do país ou território de origem das mercadorias é importante. Pelo contrário, o montante da coima será tanto mais reduzido quanto menor for a perda de receitas. Além disso, quando a perda de receitas for insignificante, pode até resultar numa isenção.

36      Esta taxa de 50 % não se afigura, de resto, excessiva relativamente à importância do objetivo da legislação aduaneira da União, recordado no n.o 31 do presente acórdão.

37      Uma regulamentação como a que está em causa permite, por outro lado, ter em conta, de forma significativa, o comportamento do operador em questão, designadamente, elevando a taxa da coima para 200 % da obrigação de pagamento dos direitos e outros encargos em caso de atividade fraudulenta e reduzindo a taxa da coima para 25 % da perda de receitas de direitos aduaneiros se este operador estiver de boa‑fé e pedir, entre o início do controlo após a autorização de saída e a emissão do relatório que contém as conclusões desse controlo, a alteração da declaração aduaneira, fornecendo as informações exatas.

38      No domínio dos direitos aduaneiros, estas modalidades permitem garantir o respeito pelo princípio da proporcionalidade. Em especial, em conformidade com o que está enunciado no considerando 38 do Regulamento n.o 952/2013, estas modalidades distinguem suficientemente os casos em que o operador em questão está de boa‑fé daqueles em que não o está.

39      Em face do exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento n.o 952/2013 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê, em caso de perda de receitas de direitos aduaneiros originada pelo fornecimento de informações inexatas numa declaração aduaneira relativa a mercadorias importadas na União, uma coima que corresponde, em princípio, a 50 % desta perda de receitas e que é aplicada não obstante a boa‑fé do operador em questão e as precauções tomadas por este, uma vez que esta taxa de 50 % é claramente inferior à que está prevista em caso de má‑fé deste operador e é, além disso, consideravelmente reduzida em determinadas situações especificadas nessa regulamentação, entre as quais aquela em que o operador de boa‑fé retifica a sua declaração aduaneira antes da conclusão do controlo após a autorização de saída.

 Quanto às despesas

40      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 42.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que prevê, em caso de perda de receitas de direitos aduaneiros originada pelo fornecimento de informações inexatas numa declaração aduaneira relativa a mercadorias importadas na União Europeia, uma coima que corresponde, em princípio, a 50 % desta perda de receitas e que é aplicada não obstante a boafé do operador em questão e as precauções tomadas por este, uma vez que esta taxa de 50 % é claramente inferior à que está prevista em caso de máfé deste operador e é, além disso, consideravelmente reduzida em determinadas situações especificadas nessa regulamentação, entre as quais aquela em que o operador de boafé retifica a sua declaração aduaneira antes da conclusão do controlo após a autorização de saída.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.