Language of document : ECLI:EU:C:2016:727

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PAOLO MENGOZZI

apresentadas em 28 de setembro de 2016 (1)

Processo C‑323/15 P

Polynt SpA

contra

Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA)

e

Processo C‑324/15 P

Hitachi Chemical Europe GmbH,

Polynt SpA

contra

Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA)

«Recurso de decisões do Tribunal Geral — Regulamento (CE) n.o 1907/2006 (Regulamento REACH) — Artigo 57.o, alínea f) — Substâncias que suscitam elevada preocupação — Estabelecimento de uma lista de substâncias candidatas a eventual sujeição a autorização — Decisão que identifica o anidrido ciclohexano ‑1,2‑dicarboxílico, o anidrido cis‑ciclohexano‑1,2‑dicarboxílico e o anidrido trans‑ciclohexano‑1,2‑dicarboxílico — Decisão que identifica o anidrido hexahidrometilftálico, o anidrido hexahidro‑4‑metilftálico, o anidrido hexahidro‑1‑metilftálico e o anidrido hexahidro‑3‑metilftálico (MHHPA) — Inclusão na lista de substâncias identificadas para eventual inclusão no Anexo XIV — Avaliação dos perigos das propriedades intrínsecas das substâncias — Avaliação e medida de gestão dos riscos»





I –    Introdução

1.        Com os seus recursos, a Polynt SpA, no processo C‑323/15 P, e a Hitachi Chemical Europe GmbH e a Polynt SpA, no processo C‑324/15 P, pedem a anulação dos acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia de 30 de abril de 2015, Polynt e Sitre/ECHA (T‑134/13, não publicado, EU:T:2015:254), e de 30 de abril de 2015, Hitachi Chemical Europe e o./ECHA (T‑135/13, EU:T:2015:253), respetivamente (a seguir, em conjunto, «acórdãos impugnados»).

2.        Nestes acórdãos, o Tribunal Geral negou provimento aos recursos destas sociedades em que estas pediam a anulação parcial da Decisão ED/169/2012 da Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA), de 18 de dezembro de 2012, relativa à inclusão de substâncias que suscitam uma elevada preocupação na lista das substâncias eventualmente sujeitas a autorização (a seguir «decisão controvertida»), nos termos do artigo 59.o do Regulamento (CE) n.o 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH), que cria a Agência Europeia dos Produtos Químicos, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.o 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.o 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (2), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1272/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (3) (a seguir «Regulamento REACH»).

3.        Mais precisamente, com a decisão controvertida, da qual foram interpostos os recursos a que foi negado provimento, a ECHA identificou, por um lado, o anidrido ciclohexano ‑1,2‑dicarboxílico (CE n.o 201‑604‑9), o anidrido cis‑ciclohexano‑1,2‑dicarboxílico (CE n.o 236‑086‑3) e o anidrido trans‑ciclohexano‑1,2‑dicarboxílico (CE n.o 238‑009‑9) (a seguir «HHPA»), e, por outro, o anidrido hexahidrometilftálico (CE n.o 247‑094‑1), o anidrido hexahidro‑ 4‑metilftálico (CE n.o 243‑072‑0), o anidrido hexahidro‑1‑metilftálico (CE n.o 256‑356‑4) e o anidrido hexahidro‑3‑metilftálico (CE n.o 260‑566‑1) (a seguir «MHHPA») como substâncias que correspondem aos critérios referidos no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, em conformidade com o artigo 59.o do mesmo regulamento.

4.        Estes recursos dão ao Tribunal de Justiça a oportunidade para interpretar, pela primeira vez, o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH relativo à identificação de substâncias, no caso concreto sensibilizantes respiratórios, como substâncias que suscitam uma elevada preocupação, constituindo esta identificação a primeira fase do procedimento de autorização previsto pelo Regulamento REACH. Em particular, estes litígios devem levar o Tribunal de Justiça a decidir a questão de saber se, para efeitos de identificação como substância que suscita uma elevada preocupação, nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, é necessária a avaliação dos riscos que uma substância suscita, tese que os recorrentes sustentam nos seus recursos, criticando o Tribunal Geral por a ter rejeitado em primeira instância. Com efeito, verifica‑se que este último decidiu que, para efeitos da identificação referida no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, bastava apenas uma avaliação dos perigos causados pelas propriedades intrínsecas das substâncias.

II – Quadro jurídico

5.        O título do Regulamento REACH, que abrange os seus artigos 55.o a 65.o, regula o procedimento de autorização.

6.        O artigo 56.o do Regulamento REACH dispõe:

«1.      Um fabricante, importador ou utilizador a jusante não deve colocar no mercado uma substância destinada a uma utilização nem a deve utilizar ele próprio se essa substância estiver incluída no Anexo XIV, a menos que:

[…]

5.      No que diz respeito às substâncias que estejam sujeitas a autorização unicamente porque satisfazem os critérios das alíneas a), b) ou c) do artigo 57.o, ou porque sejam identificadas em conformidade com a alínea f) do artigo 57.o unicamente porque são perigosas para a saúde humana, os n.os 1 e 2 do presente artigo não se aplicam às seguintes utilizações:

[…]»

7.        O artigo 57.o do Regulamento REACH, intitulado «Substâncias a incluir no Anexo XIV», dispõe:

«As seguintes substâncias podem ser incluídas no Anexo XIV nos termos do artigo 58.o:

a)      Substâncias que preencham os critérios de classificação na classe de perigo ‘carcinogenicidade’ da categoria 1A ou 1B, em conformidade com o ponto 3.6 do Anexo I do Regulamento (CE) n.o 1272/2008;

b)      Substâncias que preencham os critérios de classificação na classe de perigo ‘mutagenicidade em células germinativas’ da categoria 1A ou 1B, em conformidade com o ponto 3.5 do Anexo I do Regulamento (CE) n.o 1272/2008;

c)      Substâncias que preencham os critérios de classificação na classe de perigo ‘toxicidade reprodutiva’ da categoria 1A ou 1B (efeitos adversos para a função sexual e a fertilidade ou para o desenvolvimento), em conformidade com o ponto 3.7 do Anexo I do Regulamento (CE) n.o 1272/2008;

d)      Substâncias que sejam persistentes, bioacumuláveis e tóxicas de acordo com os critérios estabelecidos no Anexo XIII do presente regulamento;

e)      Substâncias que sejam muito persistentes e muito bioacumuláveis de acordo com os critérios estabelecidos no Anexo XIII do presente regulamento;

f)      Substâncias, — como as que apresentam propriedades perturbadoras do sistema endócrino ou que tenham propriedades persistentes, bioacumuláveis e tóxicas ou propriedades muito persistentes e muito bioacumuláveis, que não preenchem os critérios das alíneas d) ou e), — em relação às quais existam provas científicas de que são suscetíveis de provocar efeitos graves na saúde humana ou no ambiente que originam um nível de preocupação equivalente ao das outras substâncias mencionadas nas alíneas a) a e), identificadas caso a caso, nos termos do artigo 59.o»

8.        O artigo 58.o do Regulamento REACH, intitulado «Inclusão de substâncias no Anexo XIV», prevê:

«1.      Sempre que se tome a decisão de incluir no Anexo XIV substâncias referidas no artigo 57.o, essa decisão é tomada nos termos do n.o 4 do artigo 133.o Em relação a cada substância, essa decisão deve especificar os seguintes elementos:

a)      Identidade da substância, conforme especificado no ponto 2 do Anexo VI;

b)      Propriedade ou propriedades intrínsecas da substância mencionada no artigo 57.o;

c)      Disposições transitórias:

[…]

d)      Períodos de revisão para certas utilizações, se for adequado;

e)      Utilizações ou categorias de utilizações isentas da obrigação de autorização, se for aplicável, e eventuais condições para essas isenções.

[…]»

9.        O artigo 59.o do Regulamento REACH, intitulado «Identificação das substâncias a que se refere o artigo 57.o», dispõe:

«1.      Para efeitos de identificação das substâncias que satisfazem os critérios referidos no artigo 57.o e de estabelecimento de uma lista de substâncias candidatas para eventual inclusão no Anexo XIV, aplica‑se o procedimento previsto nos n.os 2 a 10 do presente artigo. A Agência indica as substâncias dessa lista que constam do seu programa de trabalho nos termos da alínea e) do n.o 3 do artigo 83.o

2.      A Comissão pode solicitar à Agência que elabore um dossiê de acordo com os pontos aplicáveis do Anexo XV relativamente às substâncias que, na sua opinião, satisfazem os critérios estabelecidos no artigo 57.o […]

3.      Qualquer Estado‑Membro pode elaborar um dossiê de acordo com o Anexo XV relativamente às substâncias que, na sua opinião, satisfazem os critérios estabelecidos no artigo 57.o e enviá‑lo à Agência. […]

[…]»

10.      O artigo 60.o do Regulamento REACH, intitulado «Concessão de autorizações», dispõe:

«1.      A Comissão é responsável pela tomada de decisão relativamente aos pedidos de autorizações nos termos do presente título.

2.      Sem prejuízo do n.o 3, é concedida uma autorização se o risco da utilização da substância para a saúde humana ou para o ambiente, decorrente das propriedades intrínsecas especificadas no Anexo XIV, estiver devidamente controlado, em conformidade com o ponto 6.4 do Anexo I, e documentado no relatório de segurança química do requerente, tendo em conta o parecer do Comité da Avaliação de Riscos referido na alínea a) do n.o 4 do artigo 64.o Ao conceder a autorização e em todas as condições aí impostas, a Comissão tem em conta todas as descargas, emissões e perdas, incluindo os riscos de utilização difusa ou dispersiva, conhecidas à data da decisão.

[…]

3.      O n.o 2 não é aplicável:

a)      Às substâncias que cumpram os critérios estabelecidos nas alíneas a), b), c) ou f) do artigo 57.o para as quais não seja possível determinar um limiar nos termos do ponto 6.4 do Anexo I;

b)      Às substâncias que cumpram os critérios estabelecidos nas alíneas d) ou e) do artigo 57.o;

c)      Às substâncias identificadas na alínea f) do artigo 57.o que tenham propriedades persistentes, bioacumuláveis e tóxicas ou propriedades muito persistentes e muito bioacumuláveis.

4.      Se não for possível conceder uma autorização nos termos do n.o 2, ou às substâncias enumeradas no n.o 3, a autorização apenas pode ser concedida se se demonstrar que os benefícios socioeconómicos são superiores ao risco para a saúde humana ou para o ambiente decorrente da utilização da substância e se não existirem substâncias nem tecnologias alternativas adequadas. […]

[…]»

11.      O artigo 62.o do Regulamento REACH, intitulado «Pedidos de autorização», prevê:

«1.      Os pedidos de autorização são apresentados à Agência.

[…]

4.      O pedido de autorização deve incluir os seguintes elementos:

[…]

d)      Relatório de segurança química de acordo com o Anexo I, que cubra os riscos da utilização da ou das substâncias para a saúde humana e/ou para o ambiente, decorrentes das propriedades intrínsecas especificadas no Anexo XIV, a menos que já tenha sido apresentado como parte do registo;

[…]»

III – Antecedentes dos litígios

12.      Resulta dos n.os 1 a 3 dos acórdãos impugnados que o HHPA e o MHHPA são anidridos de ácido cíclico. Estas substâncias são utilizadas como intermediários ou monómeros, bem como para o fabrico de artigos e na produção de resinas polímeras (4).

13.      Estas substâncias, entre outras, foram classificadas como sensibilizantes respiratórios da categoria 1 que podem provocar sintomas alérgicos ou de asma ou dificuldades respiratórias por inalação. O HHPA e o MHHPA foram incluídos no quadro 3.1 que figura na parte 3 do Anexo VI do Regulamento n.o 1272/2008.

14.      Em 6 de agosto de 2012, o Reino dos Países Baixos enviou um dossiê à ECHA propondo a identificação do MHHPA como substância que suscita uma elevada preocupação, a incluir no Anexo XIV do Regulamento REACH, em conformidade com o artigo 57.o deste regulamento. Resulta dos n.os 4 dos acórdãos impugnados que o Reino dos Países Baixos propunha que se identificasse o MHHPA e o MHHPA como substâncias relativamente às quais estava cientificamente provado que podiam ter efeitos graves na saúde humana ou no ambiente que suscitavam um nível de preocupação equivalente ao suscitado pela utilização de outras substâncias enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a e), do Regulamento REACH, em conformidade com o artigo 57.o, alínea f), desse mesmo regulamento.

15.      Na sequência das observações das recorrentes nos processos relativos à identificação do HHPA e do MHHPA, a ECHA remeteu esses dossiês para o seu Comité dos Estados‑Membros, como previsto no artigo 76.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento REACH, que, em 13 de dezembro de 2012, chegou a um acordo unânime sobre a identificação do HHPA e do MHHPA como substâncias que suscitam uma elevada preocupação e que preenchem os critérios enunciados no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH. No mesmo dia, o Comité dos Estados‑Membros da ECHA aprovou os documentos de apoio para identificação do HHPA e do MHHPA como substâncias que suscitam uma elevada preocupação em virtude das suas propriedades de sensibilização respiratória, com base no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH (a seguir «documentos de apoio»).

16.      No termo do procedimento previsto no artigo 59.o do Regulamento REACH, a ECHA adotou a decisão controvertida, pela qual identificou o HHPA e o MHHPA como substâncias que preenchem os critérios referidos no artigo 57.o, alínea f), deste regulamento. Em especial, a ECHA considerou que estas substâncias suscitam um nível de preocupação equivalente às substâncias cancerígenas, mutagénicas e tóxicas para a reprodução, enumeradas no artigo 57.o, alíneas a) a c), do Regulamento REACH.

IV – Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdãos impugnados

17.      Em 28 de fevereiro de 2013, as recorrentes interpuseram os seus recursos, pedindo a anulação parcial da decisão controvertida.

18.      O Tribunal Geral admitiu a Comissão e o Reino dos Países Baixos como intervenientes em apoio dos pedidos da ECHA nos processos T‑134/13 e T‑135/13. Admitiu também a REACh ChemAdvice GmbH e a New Japan Chemical como intervenientes em apoio das recorrentes. Por despacho de 15 de outubro de 2014, o Tribunal Geral apensou os dois processos para efeitos da fase oral do processo.

19.      Pelos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral negou provimento aos recursos na totalidade e condenou as recorrentes nas despesas.

V –    Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

20.      Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça em 30 de junho de 2015, as recorrentes interpuseram os presentes recursos.

21.      Todas as recorrentes pedem ao Tribunal de Justiça que se digne anular o acórdão impugnado que diz respeito a cada uma delas bem como a decisão controvertida na parte que lhes diz respeito, ou, a título subsidiário, que devolva os processos ao Tribunal Geral e condene a ECHA nas despesas.

22.      A ECHA e a Comissão pedem que o Tribunal de Justiça negue provimento aos recursos e condene as recorrentes nas despesas.

23.      A New Japan Chemical e a REACh ChemAdvice apresentaram observações escritas em apoio dos pedidos das recorrentes. O Reino dos Países Baixos apresentou observações escritas em apoio dos pedidos da ECHA.

24.      O Tribunal de Justiça colocou uma série de questões às partes para estas responderem por escrito. As recorrentes, a ECHA e a Comissão responderam às questões nos prazos fixados.

25.      As recorrentes, a ECHA, a Comissão, bem como a Sitre Srl, que foi admitida a intervir em apoio dos pedidos das recorrentes no Tribunal de Justiça (5), foram ouvidas em alegações e deram respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça na audiência, comum aos dois processos, que se realizou em 15 de junho de 2016.

VI – Análise

26.      Para sustentar os seus recursos, as recorrentes aduzem quatro fundamentos. O primeiro fundamento é deduzido de uma alegada contradição de fundamentos e de erros de direito que levam a um erro de interpretação e de aplicação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH. O segundo fundamento é deduzido da fundamentação incoerente e de erros de direito que levam a um erro de interpretação e de aplicação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH. O terceiro fundamento é deduzido da falta de fundamentação, por o Tribunal Geral se ter apoiado, alegadamente sem razão, no artigo 60.o, n.o 2, do Regulamento REACH. Finalmente, o quarto fundamento é deduzido de alegados erros de direito na apreciação dos argumentos respeitantes à inexistência de exposição do consumidor ou do trabalhador à substância, que levaram a uma aplicação errada do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH.

A –    Quanto ao primeiro fundamento, deduzido de uma alegada contradição de fundamentos e de erros de direito que levam a um erro de interpretação e de aplicação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH

27.      Este fundamento apoia‑se em duas partes. Por um lado, as recorrentes sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na interpretação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, ao considerar que esta disposição não exige uma avaliação dos riscos para a identificação de uma substância que suscita uma elevada preocupação. Por outro, as recorrentes alegam que os n.os 71 e 73 dos acórdãos impugnados denotam uma contradição de fundamentos.

1.      Quanto à primeira parte, deduzida de um alegado erro de direito na interpretação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH

a)      Resumo dos argumentos das partes

28.      Esta primeira parte do primeiro fundamento contesta os n.os 71, 81 e 94 dos acórdãos impugnados na medida em que o Tribunal Geral teria excluído a necessidade de uma avaliação dos riscos para identificar as substâncias em causa, nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH.

29.      As recorrentes contestam esta interpretação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH.

30.      Sustentam que o legislador de União teve a intenção de fazer uma distinção entre as substâncias abrangidas pelo artigo 57, alíneas a) a e), do Regulamento REACH e as abrangidas pelo artigo 57.o, alínea f), deste regulamento. As substâncias não abrangidas pelos casos referidos no artigo 57.o, alíneas a) a e), deste regulamento só podem ser consideradas de elevada preocupação no termo de uma análise complementar, caso a caso. Esta análise não pode deixar de ser uma avaliação dos riscos, que deve tomar em conta as medidas de gestão dos riscos, dado que os sensibilizantes respiratórios não se incluem na categoria das substâncias cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução referidas no artigo 57.o, alíneas a) a c), do Regulamento REACH.

31.      Em resposta às questões escritas que o Tribunal de Justiça colocou às partes, as recorrentes alegaram que essa interpretação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH era confirmada pela utilização do termo «utilisation» na versão francesa desta disposição do referido regulamento.

32.      As recorrentes precisaram na audiência que a avaliação dos riscos a que se referiram nos seus recursos correspondia a uma avaliação dos riscos na aceção do Anexo I do Regulamento REACH.

33.      A ECHA sustenta que as recorrentes não compreenderam os termos dos acórdãos impugnados. Alega que o Tribunal Geral aplicou corretamente a jurisprudência Etimine (acórdão de 21 de julho de 2011, Etimine, C‑15/10, EU:C:2011:504) fazendo a distinção entre os perigos e os riscos. Com efeito, o Tribunal Geral decidiu acertadamente que, à semelhança das substâncias visadas no artigo 57.o, alíneas a) a e), o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH não exige que se proceda a uma avaliação dos riscos. A identificação da elevada preocupação suscitada por uma substância só pode resultar da avaliação dos perigos das propriedades intrínsecas dessa substância. Além disso, a ECHA recorda que, não havendo limiar de exposição, como é o caso no presente processo relativamente aos sensibilizantes respiratórios, não é possível uma avaliação normal dos riscos.

34.      A ECHA precisou na audiência que, por um lado, a tomada em conta dos dados relativos à exposição humana que permitem apreciar os perigos que as propriedades intrínsecas das substâncias colocam e, por outro, a avaliação da exposição e a avaliação dos riscos são procedimentos totalmente diferentes.

35.      A Comissão também considera que o Tribunal Geral teve razão ao considerar que o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH não impõe uma avaliação dos riscos para a identificação das substâncias não abrangidas pelas outras alíneas desse artigo. É o que resulta do teor e da economia do referido regulamento.

b)      Apreciação

36.      Nos n.os 69 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral afirmou que, no acórdão de 21 de julho de 2011, Etimine (C‑15/10, EU:C:2011:504, n.os 74 e 75), o Tribunal de Justiça já tinha decidido que importa distinguir entre os perigos e os riscos. A avaliação dos perigos constitui a primeira etapa do procedimento de avaliação dos riscos, que representa um conceito mais preciso. Assim, uma avaliação dos perigos ligados às propriedades intrínsecas de uma substância não deve ser limitada em consideração de circunstâncias de utilização específicas, como no caso de uma avaliação dos riscos, e pode ser realizada de forma válida independentemente do local de utilização da substância, da via através qual o contacto com a substância pode ocorrer e dos eventuais níveis de exposição à substância.

37.      Embora o título do primeiro fundamento exposto pelas recorrentes mencione os n.os 69 dos acórdãos impugnados, estas não contestam a apreciação feita pelo Tribunal Geral nesses números nem a distinção que fez entre a avaliação dos perigos e a avaliação dos riscos, facto que se deve constatar.

38.      A este respeito, para entender melhor a distinção entre a avaliação dos perigos e a dos riscos, particularmente nos presentes processos, permito‑me acrescentar que a avaliação dos perigos para a saúde humana tem por objetivo determinar o nível máximo de exposição à substância a que um ser humano pode estar sujeito sem que essa exposição provoque efeitos nefastos. Este nível de exposição, designado «nível derivado de exposição sem efeitos» (Derived NoEffect Level, a seguir «DNEL»), assenta na avaliação das informações humanas e não humanas disponíveis (6).

39.      O objetivo da avaliação da exposição é estimar os níveis de exposição conhecida ou razoavelmente previsível do homem a essa substância (7). Esta avaliação tem em conta as condições de exploração e as medidas de gestão dos riscos. A caracterização dos riscos consiste numa comparação da exposição de cada população humana que se saiba estar ou que possa estar exposta à substância com os DNEL pertinentes. O risco pode ser considerado adequadamente controlado se os níveis de exposição conhecida ou estimada do homem a essa substância não excederem o DNEL (8).

40.      Feitas estas primeiras precisões, resulta dos n.os 70 dos acórdãos impugnados, que também não foram objeto de crítica por parte das recorrentes, que a classificação e a rotulagem das substâncias perigosas na União, como resulta agora do Regulamento n.o 1272/2008, se baseiam na transmissão de informações sobre os perigos ligados às propriedades intrínsecas das substâncias.

41.      Nos n.os 71 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral deduziu daí que, «[u]ma vez que a classificação das substâncias cancerígenas, mutagénicas e tóxicas para a reprodução de categoria 1 é suficiente para identificar uma substância como substância que suscita uma elevada preocupação, nos termos do artigo 57.o, alíneas a) a c), do [Regulamento REACH], não se pode concluir que, para a identificação de uma substância em conformidade com o artigo 57.o, alínea f), do [Regulamento REACH], a ECHA deva tomar em consideração uma avaliação dos riscos».

42.      Nos n.os 81 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral também julgou improcedente a argumentação das recorrentes respeitante à não tomada em conta das medidas de gestão dos riscos, as condições de trabalho, os controlos de saúde exigidos pela legislação relativa à proteção dos trabalhadores, com o fundamento de que «basta referir, por um lado, que os perigos resultantes das propriedades intrínsecas do HHPA e do MHHPA não se alteraram e, por outro, que o facto de os efeitos negativos de uma substância associados à sua utilização poderem ser controlados de forma adequada não impede a sua identificação como substância que suscita uma elevada preocupação».

43.      O Tribunal Geral considerou, assim, que os perigos causados pelas propriedades intrínsecas do HHPA e do MHHPA bastam para justificar a sua identificação como substância que suscita uma elevada preocupação.

44.      Esta apreciação foi confirmada no n.o 95 do acórdão impugnado no processo T‑134/13 e no n.o 94 do acórdão impugnado no processo T‑135/13, respetivamente.

45.      O Tribunal Geral considerou, por isso, que, para identificar substâncias para efeitos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, não sendo necessária nenhuma avaliação dos riscos, só era exigida uma avaliação dos perigos ligados às propriedades intrínsecas destas substâncias.

46.      As recorrentes contestam esta interpretação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH e sustentam que esta disposição exige a tomada em conta de uma avaliação dos riscos.

47.      Apesar da fundamentação um pouco lacónica dos acórdãos impugnados, não partilho desta opinião.

48.      Antes de mais, deve recordar‑se que o Regulamento REACH institui um sistema integrado de controlo das substâncias químicas incluindo o seu registo, a sua avaliação, bem como a sua autorização e eventuais restrições à sua utilização (9).

49.      O Regulamento REACH dedica uma atenção especial às substâncias consideradas de elevada preocupação, como resulta nomeadamente dos considerandos 63, 69 e 70 deste regulamento (10), às quais se aplica o procedimento de autorização previsto pelo título do referido regulamento, que inclui os artigos 55.o a 66.o do Regulamento REACH.

50.      O procedimento de autorização condiciona a utilização e a colocação no mercado das substâncias incluídas no Anexo XIV do Regulamento REACH à concessão de uma autorização. Este procedimento abrange três etapas.

51.      Resumidamente, a primeira etapa consiste em identificar as substâncias que suscitam uma elevada preocupação na aceção do artigo 57.o do Regulamento REACH e em incluí‑las na lista das substâncias candidatas à inclusão eventual no Anexo XIV deste regulamento, intitulado «Lista das substâncias sujeitas a autorização». Claro que voltarei seguidamente a esta primeira etapa, que constitui o cerne dos presentes recursos. A segunda etapa do procedimento consiste em incluir certas substâncias candidatas no referido Anexo XIV, em conformidade com o artigo 58.o do Regulamento REACH. A terceira etapa do procedimento de autorização respeita à concessão da autorização relativa às substâncias incluídas no Anexo XIV do Regulamento REACH. Em princípio, sem autorização, a substância não pode ser utilizada nem introduzida no mercado.

52.      O artigo 57.o do Regulamento REACH, que, como indiquei anteriormente, se integra na primeira etapa do procedimento de autorização, prevê os critérios de identificação das substâncias que suscitam uma elevada preocupação e que podem ser incluídas no Anexo XIV do referido regulamento. Este artigo, nas suas alíneas a) a c), visa as substâncias que correspondem aos critérios de classificação como substâncias cancerígenas, mutagénicas ou tóxicas para a reprodução, da categoria 1A ou 1B, em conformidade com o Anexo I do Regulamento n.o 1272/2008 (a seguir «substâncias CMR») e, nas alíneas d) e e), as substâncias persistentes, bioacumuláveis e tóxicas (PBT), bem como as substâncias muito persistentes e muito bioacumuláveis (vPvB), em conformidade com os critérios enunciados no Anexo XIII do Regulamento REACH (11) (a seguir «substâncias PBT e vPvB»).

53.      A alínea f) do artigo 57.o do Regulamento REACH refere‑se, por seu turno, às «substâncias — como as que apresentam propriedades perturbadoras do sistema endócrino ou que tenham propriedades [PBT e vPvB], que não preenchem os critérios das alíneas d) ou e) — em relação às quais existam provas científicas de que são suscetíveis de provocar efeitos graves na saúde humana ou no ambiente que originam um nível de preocupação equivalente ao das outras substâncias mencionadas nas alíneas a) a e), identificadas caso a caso, nos termos do artigo 59.o [do Regulamento REACH]».

54.      Verifica‑se que o HHPA e o MHHPA estão classificados como sensibilizantes respiratórios nos termos do Anexo I, ponto 3.4, do Regulamento n.o 1272/2008.

55.      Aliás, como foi mais amplamente clarificado na audiência no Tribunal de Justiça, as recorrentes não contestam nos seus respetivos recursos as apreciações do Tribunal Geral constantes dos n.os 45 a 48 dos acórdãos impugnados, segundo as quais os sensibilizantes respiratórios se incluem efetivamente no âmbito de aplicação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, já que a enumeração das substâncias feita nessa disposição não é, na verdade, exaustiva.

56.      Também não é contestado que as substâncias CMR, PBT e vPvB se incluam na categoria de substâncias que suscitam uma elevada preocupação apenas com base na sua classificação nos termos do Regulamento n.o 1272/2008, que se baseia exclusivamente na avaliação dos perigos ligados às suas propriedades intrínsecas.

57.      Segundo as recorrentes, contrariamente ao que o Tribunal Geral alegadamente decidiu nos n.os 71 dos acórdãos impugnados, é totalmente diferente o caso das substâncias visadas no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH. Em apoio da sua tese segundo a qual o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH exige, na fase de identificação das substâncias que suscitam uma elevada preocupação, não apenas uma avaliação dos perigos mas também uma avaliação dos riscos, as recorrentes baseiam‑se na ideia de que as substâncias não abrangidas pelo artigo 57.o, alíneas a) a e), do Regulamento REACH só podem ser identificadas como substâncias que suscitam uma elevada preocupação na sequência de um exame complementar que, na sua opinião, não pode deixar de ser uma avaliação dos riscos. Segundo as recorrentes, essa avaliação dos riscos compreende uma avaliação da exposição tomando em conta as medidas de gestão dos riscos, tal como é prevista no Anexo I, pontos 5 e 6, do Regulamento REACH. Nas respostas que deram às questões escritas do Tribunal de Justiça, bem como na audiência, as recorrentes também afirmaram que a utilização do termo «utilisation» na versão francesa do Regulamento REACH vem confirmar a sua tese de que é necessária a avaliação dos riscos na fase da identificação prevista no artigo 57.o, alínea f), deste regulamento.

58.      O argumento das recorrentes deduzido da referência ao termo «utilisation» que consta da versão francesa do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH deve ser liminarmente rejeitado. Com efeito, como sublinhou a Comissão, nenhuma das outras versões linguísticas desse artigo contém esse termo e trata‑se de um «erro infeliz» na versão francesa. Em todo o caso, constitui jurisprudência constante que a necessidade de uma aplicação e de uma interpretação uniformes das disposições do direito da União exclui a possibilidade de, em caso de dúvida, o texto de uma disposição ser considerado isoladamente numa das suas versões linguísticas, antes exige, pelo contrário, que seja interpretado e aplicado à luz das versões aprovadas nas outras línguas oficiais (12).

59.      Ora, resulta claramente destas versões (13) que o «nível de preocupação equivalente» referido no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH se refere às próprias substâncias enumeradas nas alíneas a) a e) desse artigo e não à sua utilização.

60.      Assim sendo, é verdade que a identificação das substâncias CMR como substâncias que suscitam uma elevada preocupação assenta exclusivamente na classe de perigo tal como resulta do Regulamento n.o 1272/2008, e a das substâncias PBT e vPvB se apoia apenas nos critérios do Anexo XIII do Regulamento REACH.

61.      Também é verdade que o facto de uma substância pertencer a uma classe de perigo particular nos termos do Regulamento n.o 1272/2008 não é uma condição exigida para que determinadas substâncias se incluam no âmbito de aplicação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH (14). Com efeito, mesmo se, no caso vertente, o HHPA e o MHHPA se integram efetivamente na classe de perigo relativa aos sensibilizantes respiratórios do Anexo I do Regulamento n.o 1272/2008, as substâncias perturbadoras do sistema endócrino, por seu turno, não se integram atualmente em nenhuma classe de perigo, apesar de serem mencionadas na enumeração do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH entre as que podem ser identificadas como substâncias que suscitam uma elevada preocupação.

62.      Para que essa qualificação seja adotada, o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH exige duas condições, a saber, por um lado, que relativamente às mesmas «existam provas científicas de que são suscetíveis de provocar efeitos graves na saúde humana ou no ambiente» e, por outro, que estes efeitos suscitem «um nível de preocupação equivalente» ao das outras substâncias mencionadas nas alíneas a) a e) do mesmo artigo.

63.      Como admitiram a ECHA e a Comissão, no caso de, como no caso vertente, certas substâncias serem efetivamente abrangidas por uma classe de perigo nos termos do Anexo I do Regulamento n.o 1272/2008, essa classificação é uma primeira etapa que é tomada em consideração para o cumprimento da primeira condição enunciada no número precedente. Mas não é suficiente para que as substâncias em causa sejam consideradas como substâncias que suscitam uma elevada preocupação na aceção do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH.

64.      Pelo contrário, isso não significa que a demonstração científica de que as substâncias em causa podem provocar efeitos graves na saúde humana ou no ambiente exige que seja feita uma avaliação dos riscos relativamente às mesmas substâncias. É certo que, como vem precisado nos pontos 1 a 4 do Anexo I do Regulamento REACH, podem ser tomados em consideração dados históricos relativos à exposição humana às substâncias para apreciar os perigos ligados às propriedades dessas substâncias. Nem a ECHA nem a Comissão o contestam. O Tribunal Geral também não afirmou o contrário. Com efeito, no que respeita aos sensibilizantes respiratórios utilizados na indústria, estes dados e a sua análise permitem identificar melhor o nível de perigosidade intrínseca destas substâncias e verificar, caso a caso, se estas substâncias provocam efeitos graves na saúde humana.

65.      Esta análise, porém, nem equivale a uma avaliação da exposição ou dos riscos nem, a fortiori, leva a tomar em consideração medidas de gestão dos riscos, como o Tribunal Geral decidiu acertadamente nos acórdãos impugnados.

66.      Noutros termos, a referência aos «efeitos graves» provocados pelas substâncias em causa não significa de modo nenhum que seja necessário proceder a uma avaliação dos riscos. Os «efeitos graves» referem‑se ao nível ou ao grau de perigosidade ligado às propriedades das substâncias. Assim, segundo o ponto 1 do Anexo I do Regulamento REACH, a avaliação dos perigos para a saúde humana incidirá não apenas sobre o comportamento toxicocinético (ou seja, a absorção, o metabolismo, a distribuição e a eliminação) da substância examinada mas também sobre os «grupos de efeitos» enumerados, entre os quais o da sensibilização, sem se exigir que sejam tomadas em conta as condições de utilização da substância examinada. O considerando 115 do Regulamento REACH confirma também que o conceito de «efeitos» remete para as propriedades das substâncias, sem que a determinação destes efeitos inclua uma avaliação dos riscos (15).

67.      Todavia, segundo o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, a condição relativa aos efeitos graves provocados pelas substâncias em causa não é suficiente para as identificar como substâncias que suscitam uma elevada preocupação. É ainda necessário que existam provas científicas de que estes efeitos graves originam um nível de preocupação equivalente ao das outras substâncias mencionadas nas alíneas a) a e) do artigo 57.o do Regulamento REACH.

68.      Ora, ao remeter para «um nível de preocupação equivalente» ao das outras substâncias mencionadas nas alíneas a) a e) do artigo 57.o do Regulamento REACH, ou seja, para um nível de preocupação fundado exclusivamente nos perigos ligados às propriedades intrínsecas destas substâncias, o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH exige que se comparem os níveis de perigosidade ligados às propriedades das substâncias e não aos níveis de risco. É por isso que, como resulta dos documentos de apoio adotados em 13 de dezembro de 2012, a ECHA desenvolveu alguns critérios que permitem determinar, com base na perigosidade das substâncias examinadas, se se pode considerar que estas originam um «nível de preocupação equivalente» ao das substâncias CMR (16). Estes critérios e a sua apreciação não são objeto dos presentes recursos.

69.      A interpretação literal do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH aqui defendida é corroborada por diversas outras disposições deste regulamento.

70.      Assim, segundo o artigo 58.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento REACH, a decisão de inclusão de substâncias no Anexo XIV deste regulamento deve precisar, nomeadamente, a «propriedade ou propriedades intrínsecas da substância mencionada no artigo 57.o», não estabelecendo essa disposição qualquer distinção entre as alíneas a) a f) do artigo 57.o do referido regulamento. A primeira coluna do referido Anexo XIV confirma que as informações pedidas consistem apenas em indicar «a propriedade ou propriedades intrínsecas das substâncias mencionadas no artigo 57.o», incluindo, portanto, as substâncias abrangidas pela alínea f) desse artigo.

71.      Além disso, o Anexo XV do Regulamento REACH precisa, no que respeita ao dossiê relativo, nomeadamente, à identificação de substâncias que suscitem preocupações equivalentes, em conformidade com o artigo 59.o deste regulamento, que se deve proceder […] a «uma avaliação dos perigos e uma comparação [das informações disponíveis acerca dessa substância] com a alínea f) do artigo 57.o, de acordo com as partes relevantes dos pontos 1 a 4 do Anexo I» (17).

72.      Acresce que o artigo 56.o, n.o 5, o artigo 60.o, n.o 2, e o artigo 62.o, alínea d), do Regulamento REACH se referem à identificação das substâncias referidas no artigo 57.o, alínea f), deste regulamento apenas em função dos «perigos» que representam ou das suas «propriedades intrínsecas», sem nunca mencionarem uma avaliação dos riscos nem a fortiori a tomada em conta de medidas de gestão dos riscos (18).

73.      A interpretação segundo a qual, nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, só é exigida a análise da perigosidade das substâncias também é confirmada pela economia geral do sistema de autorização instituído pelo título deste regulamento.

74.      Com efeito, como evoquei no n.o 51 das presentes conclusões, o sistema de autorização compreende três etapas, a saber, a identificação das substâncias que suscitam uma elevada preocupação e a sua inclusão na lista de substâncias candidatas a inscrição na lista das substâncias sujeitas a autorização (artigos 57.o e 59.o do Regulamento REACH), a inscrição na lista das substâncias sujeitas a autorização (artigo 58.o do Regulamento REACH) e a concessão das autorizações pedidas (artigos 60.o a 64.o do Regulamento REACH).

75.      Ora, resulta deste sistema que a avaliação dos riscos só é exigida na fase da concessão das autorizações.

76.      Com efeito, segundo o artigo 60.o, n.o 2, do Regulamento REACH, é concedida uma autorização se o risco da utilização da substância para a saúde humana ou para o ambiente, decorrente das suas propriedades intrínsecas especificadas no Anexo XIV do referido regulamento, estiver devidamente controlado, como o demonstra a avaliação dos riscos prevista no ponto 6 do Anexo I do Regulamento REACH.

77.      Aliás, nos casos em que a autorização não pode ser concedida por força do artigo 60.o, n.o 2, do Regulamento REACH ou relativamente às substâncias para as quais não é possível determinar o nível máximo de exposição à substância a que pode estar sujeito o ser humano (DNEL), como é o caso do HHPA e do MHHPA, o artigo 60.o, n.o 4, deste regulamento prevê que a autorização apenas pode ser concedida se se demonstrar que os benefícios socioeconómicos são superiores ao risco para a saúde humana ou para o ambiente decorrente da utilização da substância e se não existirem substâncias nem tecnologias alternativas adequadas. Essa decisão deve ter em conta o risco colocado pelas utilizações da substância, incluindo a adequação e a eficácia das medidas de gestão de riscos propostas.

78.      Finalmente, subscrever a interpretação defendida pelas recorrentes de que é exigida a tomada em conta de uma avaliação dos riscos, incluindo medidas de gestão de riscos, na fase da identificação de uma substância, levaria a subtrair um elevado número de substâncias que podem ser extremamente perigosas a todas as etapas do procedimento de autorização previsto pelo Regulamento REACH. Em particular, a tomada em conta de medidas de gestão dos riscos na fase da identificação das substâncias para as quais a autorização só pode ser concedida se se demonstrar que não existem substâncias nem tecnologias alternativas adequadas (19), como no caso vertente, permitiria à indústria escapar à necessidade de investigar a própria existência de tais substâncias. Ora, esta consequência seria contrária a um dos objetivos importantes do Regulamento REACH que é o de incitar e, em certos casos, providenciar que substâncias que suscitam uma elevada preocupação sejam progressivamente substituídas por substâncias menos perigosas sempre que estas sejam económica e tecnicamente viáveis (20).

79.      A luz destas considerações, entendo que o Tribunal Geral não cometeu erros de direito ao decidir que a identificação de substâncias como substâncias que suscitam uma elevada preocupação, prevista no artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, não exigia a tomada em conta de uma avaliação dos riscos.

2.      Quanto à segunda parte, deduzida da alegada contradição da fundamentação entre os n.os 71 e 73 dos acórdãos impugnados

a)      Resumo dos argumentos das partes

80.      As recorrentes sustentam que os n.os 71 e 73 dos acórdãos impugnados estão feridos de contradição de fundamentos. Alegam, com efeito, que, enquanto nos n.os 71 dos acórdãos impugnados o Tribunal Geral afirmou que uma substância não tem de ser objeto de uma avaliação dos riscos para ser identificada como substância que suscita uma elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, declarou o contrário nos n.os 73 dos mesmos acórdãos.

81.      A ECHA e a Comissão pedem que seja negado provimento a esta parte. Consideram que as recorrentes interpretam erradamente os n.os 73 dos acórdãos impugnados. Em particular, estas partes alegam que o guia da ECHA não exige uma análise dos riscos, mas antes que se determine se uma avaliação normal dos riscos permite agir adequadamente contra o risco. Ora, uma avaliação normal dos riscos não pode ser feita em relação a substâncias para as quais não é possível, como no caso vertente, definir um DNEL, ou seja, o nível máximo de exposição a que pode estar sujeito um ser humano sem que esta exposição implique efeitos graves.

b)      Análise

82.      A título principal, a segunda parte do primeiro fundamento deve, a meu ver, ser rejeitada, por ser irrelevante. Com efeito, na medida em que, como analisei anteriormente, a interpretação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH feita pelo Tribunal Geral nos n.os 71 dos acórdãos impugnados é, a meu ver, acertada, o facto de alegadamente ter afirmado o contrário nos n.os 73 dos referidos acórdãos não tem nenhuma consequência sobre os dispositivos dos acórdãos e não pode, portanto, implicar a sua anulação (21).

83.      Se o Tribunal de Justiça viesse, porém, a considerar que se deve analisar o mérito da parte do fundamento deduzida da contradição de fundamentos, entendo, em todo o caso, que essa parte deve ser julgada improcedente.

84.      Antes de mais, deve recordar‑se que, nos n.os 73 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral afirmou que, «no que diz respeito ao facto de o ponto 6.3 do documento de apoio, que faz referência ao guia [da ECHA] para a identificação das substâncias que suscitam uma elevada preocupação a este respeito, mencionar a avaliação normal dos riscos, importa salientar que, de acordo com esse ponto, a possibilidade de evitar os efeitos de uma substância no âmbito de uma avaliação normal dos riscos constitui apenas uma das considerações que devem ser tomadas em conta pela ECHA no procedimento de identificação de uma substância como substância que suscita uma elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento [REACH]».

85.      O ponto 6.3 dos dois documentos de apoio pertinentes a que o Tribunal Geral faz referência reproduz textualmente o ponto 3.3.3.2 do guia da ECHA para a preparação de um dossiê previsto pelo Anexo XV relativo à identificação de substâncias que suscitam uma elevada preocupação (a seguir «guia da ECHA»).

86.      Ora, o ponto 3.3.3.2 do guia da ECHA, que prevê as circunstâncias que a ECHA deve ter em conta, entre outras, quando analisa uma substância para efeitos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, não exige a realização de uma avaliação dos riscos, mas apenas que se determine se uma avaliação normal dos riscos permite agir adequadamente contra o risco.

87.      A este propósito, deve precisar‑se que a avaliação normal dos riscos mencionada no guia da ECHA e pelo Tribunal Geral nos n.os 73 dos acórdãos impugnados corresponde à avaliação dos riscos tal como é prevista no ponto 6.4 do Anexo I do Regulamento REACH, que assenta numa comparação entre o nível de exposição estimado e o DNEL pertinente (nível máximo de exposição à substância a que um ser humano pode estar sujeito sem que essa exposição provoque efeitos nefastos).

88.      Ora, como já evidenciei nos n.os 38 e 39 das presentes conclusões, uma avaliação normal dos riscos não pode ser feita em relação a substâncias para as quais não é possível definir um DNEL, o que é o caso do HHPA e do MHHPA.

89.      Assim, vê‑se claramente que o objetivo dos n.os 73 dos acórdãos impugnados era apenas recordar a conclusão do Comité dos Estados‑Membros da ECHA, contida nos respetivos documentos de apoio, segundo a qual uma avaliação normal dos riscos não era adequada no que respeita ao HHPA e ao MHHPA, e não exigir à ECHA a tomada em conta de uma avaliação dos riscos na fase de identificação de uma substância para efeitos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH.

90.      Em tais circunstâncias, não se pode considerar, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, que o Tribunal Geral pretendeu afirmar, nos n.os 73 dos acórdãos impugnados, que a ECHA era obrigada a ter em conta uma avaliação dos riscos para determinar se uma substância pode ser identificada como substância que suscita uma elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH. Daí resulta que, na minha opinião, os n.os 71 e 73 dos acórdãos impugnados não são contraditórios.

91.      Por conseguinte, se não for considerada irrelevante, a segunda parte do primeiro fundamento é, a meu ver, improcedente.

92.      Nestas circunstâncias, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue o primeiro fundamento improcedente.

B –    Quanto ao segundo fundamento, deduzido de fundamentação incoerente e de erros de direito que levaram a um erro de interpretação e de aplicação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH

1.      Resumo dos argumentos das partes

93.      As recorrentes sublinham que, nos n.os 49 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral afirmou que os guias de interpretação, tais como o guia da ECHA, não constituem conselhos de natureza jurídica. Todavia, segundo as recorrentes, decorre da jurisprudência que tais regras de conduta geral não são desprovidas de efeitos jurídicos, visto que, através destes instrumentos, as instituições autoras dos mesmos se limitam a si próprias no exercício do seu poder discricionário (22). Para além da contradição entre os fundamentos expostos nos n.os 49 e 73 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral teria violado esta jurisprudência constante.

94.      As recorrentes sustentam que, ao não tomar em consideração o guia da ECHA na interpretação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, o Tribunal Geral não tomou devidamente em conta a avaliação dos riscos. Por conseguinte, ao sustentar os fundamentos expostos nos n.os 65 a 91 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral interpretou e aplicou erradamente o artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH.

95.      A ECHA e a Comissão entendem que este fundamento assenta numa interpretação errada dos n.os 49 e 73 dos acórdãos impugnados e pedem que o mesmo seja julgado improcedente.

2.      Apreciação

96.      Considero que este fundamento se baseia numa interpretação errada do alcance dos n.os 49 dos acórdãos impugnados.

97.      Para compreender corretamente a apreciação feita pelo Tribunal Geral, deve recordar‑se que, nos n.os 45 a 48 dos acórdãos impugnados, este último julgou improcedente a primeira parte do primeiro fundamento aduzido naquele Tribunal, pela qual as recorrentes sustentavam que os sensibilizantes respiratórios não se incluíam no âmbito de aplicação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH. Como já realcei no n.o 55 das presentes conclusões, as recorrentes não contestam nos presentes recursos a apreciação contida nos n.os 45 a 48 dos acórdãos impugnados.

98.      Nos n.os 49 destes acórdãos, iniciados pela expressão «Por outro lado», o Tribunal Geral também julgou improcedente o argumento das recorrentes, ainda em apoio da primeira parte do primeiro fundamento invocado em primeira instância, segundo o qual o guia da ECHA confirmava a inaplicabilidade do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH aos sensibilizantes respiratórios. O Tribunal Geral fundamentou esta improcedência precisando que «esse documento constitui um instrumento de trabalho apresentado pela ECHA para facilitar a aplicação do [Regulamento REACH]. Como foi corretamente indicado no referido guia, o texto do [Regulamento REACH] é a única referência legal autêntica, e a informação contida nesse guia não constitui um conselho de natureza jurídica» (23).

99.      A apreciação contida nos n.os 49 dos acórdãos impugnados foi, assim, feita ad abundantiam. Daí resulta, na minha opinião, que as críticas dirigidas contra estes pontos dos acórdãos impugnados podem ser consideradas irrelevantes (24).

100. Neste contexto, as recorrentes criticam também o Tribunal Geral por não ter tomado em consideração o guia da ECHA na apreciação da segunda parte do primeiro fundamento invocado em primeira instância, deduzido da inexistência de um nível de preocupação equivalente ao das substâncias CMR.

101. Ora, como as próprias recorrentes observam, o Tribunal Geral tomou efetivamente em conta este documento nos n.os 73 dos acórdãos impugnados, que se inscrevem na resposta dada pelo Tribunal Geral à segunda parte do primeiro fundamento que as recorrentes invocaram naquele Tribunal. O facto de o Tribunal Geral não ter aderido à interpretação deste guia defendida pelas recorrentes é uma outra questão, que aliás já abordei na análise do primeiro fundamento dos presentes recursos.

102. Contrariamente ao que alegam as recorrentes, o facto de o Tribunal Geral ter tomado em conta o guia da ECHA nos n.os 73 dos acórdãos impugnados não contradiz a afirmação feita nos n.os 49 desses acórdãos. Com efeito, no meu entender, é perfeitamente correto não considerar este guia para a interpretação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, tal como é perfeitamente justificado, como o Tribunal Geral fez nos n.os 73 dos acórdãos impugnados, ter em conta este guia quando se trata de verificar de que forma são aplicadas as disposições do Regulamento REACH a determinadas substâncias, em particular para verificar se estas substâncias revelam um «nível de preocupação equivalente» ao das substâncias CMR.

103. Por conseguinte, na minha opinião, não há que apreciar o argumento deduzido do caráter vinculativo ou não do guia da ECHA, na medida em que o Tribunal Geral não se pronunciou, de modo geral, sobre esta questão. Com efeito, os n.os 49 dos acórdãos impugnados não têm o alcance geral que lhe atribuem as recorrentes, no sentido de que o Tribunal Geral se limitou (corretamente) a decidir, nesses números desses acórdãos, sobre o facto de que os órgãos jurisdicionais da União não estavam vinculados pela interpretação do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH contida no guia da ECHA. Noutros termos, o Tribunal Geral não se baseou (com razão) na fundamentação exposta nos n.os 49 dos acórdãos impugnados para concluir que a avaliação dos riscos não era exigida para efeitos de identificação de uma substância como substância que suscita uma elevada preocupação nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH.

104. Por conseguinte, sugiro que o segundo fundamento dos recursos seja julgado em parte irrelevante e em parte improcedente.

C –    Quanto ao terceiro fundamento, deduzido de falta de fundamentação, pelo facto de o Tribunal Geral se ter baseado erradamente no artigo 60.o, n.o 2, do Regulamento REACH

1.      Resumo dos argumentos das partes

105. As recorrentes criticam, em substância, o Tribunal Geral por este, nos n.os 61 e 68 dos acórdãos impugnados, se ter baseado no artigo 60.o, n.o 2, do Regulamento REACH para confirmar a sua tese de que a avaliação dos riscos não é exigida no contexto da identificação de uma substância ao abrigo do artigo 57.o, alínea f), deste regulamento. Com efeito, no entender das recorrentes, por um lado, o próprio Tribunal Geral admitiu, nos n.os 73 dos acórdãos impugnados, que o artigo 60.o, n.o 2, do Regulamento REACH não era aplicável ao HHPA e ao MHHPA. Por outro lado, embora as recorrentes admitam que pode haver relação entre o procedimento relativo à identificação das substâncias e o procedimento relativo à concessão da autorização, o facto de poder ser emitida uma autorização nada diz sobre a decisão de identificar ou não uma substância como substância que suscita uma elevada preocupação.

106. A ECHA e a Comissão consideram que as recorrentes fazem uma leitura errada dos números em causa dos acórdãos impugnados. Em particular, a ECHA alega que, longe de ter evocado erradamente o artigo 60.o, n.o 2, do Regulamento REACH, o Tribunal Geral, com razão, utilizou esta disposição para elucidar o facto de que, se as substâncias cujas utilizações podem ser controladas não pudessem ser identificadas como substâncias que suscitam uma elevada preocupação e incluídas no Anexo XIV do referido regulamento, então o artigo 60.o, n.o 2, do Regulamento REACH ficaria desprovido da sua substância.

2.      Apreciação

107. Verifica‑se que, nos n.os 61 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral afirmou que «resulta do artigo 60.o, n.o 2, do [Regulamento REACH] que o facto de os efeitos negativos de uma substância associados à sua utilização poderem ser controlados de forma adequada não impede a sua identificação como substância que suscita uma elevada preocupação. Caso contrário, a possibilidade de autorizar uma substância cujos riscos podem ser adequadamente controlados, nos termos da disposição em causa, seria desprovida de alcance tal como afirma a ECHA».

108. Nos n.os 68 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral confirmou esta apreciação.

109. Resulta dos acórdãos impugnados que esta apreciação foi realizada com o objetivo de explicitar a economia do procedimento de autorização, incluindo a sua primeira etapa que, como já ficou explicado, consiste em identificar as substâncias que suscitam uma elevada preocupação, em particular à luz do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH.

110. Embora o artigo 60.o, n.o 2, do Regulamento REACH não se aplique às substâncias para as quais não pode ser determinado nenhum DNEL, o que é o caso do HHPA e do MHHPA, os n.os 61 e 68 dos acórdãos impugnados não se referem especificamente às substâncias em causa, mas visam explicar, de modo geral, a articulação entre a primeira etapa que consiste em identificar as substâncias e a terceira, relativa à concessão das autorizações. Por isso, independentemente da aplicação concreta do artigo 60.o, n.o 2, do Regulamento REACH às substâncias em causa nos presentes recursos, é perfeitamente correto afirmar, como fez o Tribunal Geral, que a adoção de medidas de gestão dos riscos não impede a identificação de uma substância como substância que suscita uma elevada preocupação, nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH. Aliás, na minha opinião, é até possível ser mais categórico e afirmar que a etapa que consiste em identificar estas substâncias é uma etapa prévia indispensável à que consiste em verificar e avaliar os riscos que estas substâncias colocam.

111. Acresce que, contrariamente ao que as recorrentes insinuam, o facto de não ser possível determinar um DNEL para uma determinada substância não significa que seja necessário proceder a uma avaliação dos riscos ou que seja necessário tomar em consideração medidas de gestão dos riscos antes ou no momento da identificação dessa substância para efeitos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH.

112. Proponho, portanto, que o terceiro fundamento invocado pelas recorrentes seja julgado improcedente.

D –    Quanto ao quarto fundamento, deduzido de alegados erros de direito na apreciação dos argumentos respeitantes à inexistência de exposição do consumidor ou do trabalhador ao HHPA e ao MHHPA, que levaram a uma aplicação errada do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH

1.      Resumo dos argumentos das partes

113. As recorrentes recordam que, nos n.os 67 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral não acolheu a sua argumentação relativa à inexistência de risco suscitada pelo HHPA e pelo MHHPA em virtude da fraca exposição dos trabalhadores e dos consumidores a estas substâncias precisando que não podia ser excluída toda e qualquer exposição dos consumidores e dos trabalhadores ao HHPA e ao MHHPA. Segundo as recorrentes, esta análise afasta‑se da jurisprudência segundo a qual o «risco zero» não existe no contexto da avaliação dos riscos que aplica o princípio da precaução (25). Alegam que o Tribunal Geral se apoiou, portanto, num critério jurídico errado para recusar os seus argumentos relativos à inexistência de exposição dos consumidores e dos trabalhadores ao HHPA e ao MHHPA.

114. Segundo a ECHA, o Tribunal Geral não se referiu ao «risco zero». Acresce que os acórdãos impugnados não sugerem que os recorrentes deviam provar a existência do risco zero.

115. A Comissão sustenta designadamente que a avaliação da exposição do consumidor ou do trabalhador a uma substância faz parte da avaliação dos riscos. Ora, não sendo exigida tal avaliação na fase da identificação de uma substância como substância que suscita uma elevada preocupação, a inexistência de exposição do consumidor ou do trabalhador não tinha pertinência para essa identificação.

2.      Apreciação

116. Há que recordar que, no Tribunal Geral, as recorrentes alegaram nomeadamente que, em virtude dos programas de vigilância dos produtos e das prescrições legais aplicáveis, o HHPA e o MHHPA são utilizados em sistemas fechados que previnem a exposição e asseguram um risco de exposição muito limitado que se aproxima do risco zero (26).

117. Nos n.os 67 dos acórdãos impugnados, o Tribunal Geral afastou esta tese, sublinhando, em primeiro lugar, que, «mesmo segundo a argumentação das recorrentes, não se pode excluir a exposição dos consumidores e dos trabalhadores ao HHPA e ao MHHPA em todos os casos.».

118. Resulta dos n.os 68 dos acórdãos impugnados e dos seus n.os 69 a 73 que o Tribunal Geral, em segundo lugar, recusou a tomada em conta das medidas de gestão dos riscos invocadas pelas recorrentes com base nos argumentos que já analisei a propósito do primeiro e terceiro fundamentos destes recursos e que proponho também que sejam julgados improcedentes. Com efeito, os n.os 68 dos acórdãos impugnados são iniciados com o membro de frase «mesmo admitindo que todos os utilizadores [do HHPA e] do MHHPA pusessem em prática medidas eficazes de gestão dos riscos», o que implica, implícita mas necessariamente, que as apreciações feitas nos n.os 67 dos acórdãos impugnados sejam «absorvidas» ou, noutros termos, se tornem subsidiárias em relação às apreciações feitas nos n.os 68 a 73 dos referidos acórdãos.

119. Por conseguinte, ao criticarem os n.os 67 dos acórdãos impugnados, as recorrentes deduzem um fundamento contra uma apreciação subsidiária do Tribunal Geral. Tais críticas são irrelevantes, visto que, mesmo admitindo que fossem fundadas, não teriam influência no dispositivo dos acórdãos impugnados e não poderiam, portanto, implicar a sua anulação.

120. Em todo o caso, o Tribunal Geral não exigiu às recorrentes que demonstrassem o «risco zero», pois que a avaliação dos riscos e a tomada em consideração das medidas de gestão dos riscos não são exigidas na fase da identificação de substâncias, nos termos do artigo 57.o, alínea f), do Regulamento REACH, como o Tribunal Geral decidiu acertadamente, em substância, nos n.os 68 a 73 dos acórdãos impugnados.

121. Por conseguinte, sugiro que o quarto fundamento seja julgado improcedente.

122. Por todas as considerações precedentes, proponho que seja negado provimento aos recursos.

VII – Quanto às despesas

123. Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas.

124. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável ao processo que tenha por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

125. Tendo a ECHA pedido a condenação das recorrentes nos dois processos, devem estas ser condenadas a pagar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela ECHA.

126. Nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Nos termos do artigo 140.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode decidir que um interveniente diferente dos mencionados no artigo 140.o, n.o 1, deste regulamento suporte as suas próprias despesas.

127. Tendo a Comissão e o Reino dos Países Baixos sido intervenientes nos litígios, devem suportar as suas próprias despesas. Proponho também que a New Japan Chemical, a REACh ChemAdvice e a Sitre, que se constituíram intervenientes em apoio das recorrentes no processo no Tribunal de Justiça, suportem as suas próprias despesas.

VIII – Conclusão

128. À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que decida do modo seguinte:

–        é negado provimento aos recursos;

–        a Polynt SpA, no processo C‑323/15 P, e a Hitachi Chemical Europe GmbH e a Polynt SpA, no processo C‑324/15 P, são condenadas nas despesas;

–        a Comissão Europeia, o Reino dos Países Baixos, a New Japan Chemical, a REACh ChemAdvice GmbH e a Sitre Srl suportam as suas próprias despesas.


1 —      Língua original: francês.


2 —      JO 2006, L 396, p. 1.


3 —      JO 2008, L 353, p. 1.


4 —      Estas substâncias são utilizadas nomeadamente como endurecedores para materiais isolantes à base de resina epoxídicas. A resina epoxídica é frequentemente utilizada na indústria de produção de equipamentos e de sistemas elétricos, especialmente no isolamento dos equipamentos sujeitos a alta tensão no transporte e distribuição de eletricidade, incluindo o isolamento dos geradores de energia eólica e dos díodos emissores de luz [light‑emitting diode (LED)].


5 —      A Sitre era recorrente nos dois processos no Tribunal Geral.


6 —      V. ponto 1 do Anexo I do Regulamento REACH.


7 —      V. ponto 5 do Anexo I do Regulamento REACH.


8 —      V. ponto 6 do Anexo I do Regulamento REACH.


9 —      V. acórdãos de 10 de setembro de 2015, FCD e FMB (C‑106/14, EU:C:2015:576, n.o 32), e de 17 de março de 2016, Canadian Oil Company Sweden e Rantén (C‑472/14, EU:C:2016:171, n.o 25).


10 —      V. acórdão de 10 de setembro de 2015, FCD e FMB (C‑106/14, EU:C:2015:576, n.o 34).


11 —      O Anexo XIII do referido regulamento enumera os critérios de identificação das substâncias PBT assim como das substâncias vPvP.


12 —      V., designadamente, acórdãos de 2 de abril de 1998, EMU Tabac e o. (C‑296/95, EU:C:1998:152, n.o 36), e de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen (C‑51/14, EU:C:2015:380, n.o 34).


13 —      V., designadamente, as versões em línguas espanhola [«que suscitan un grado di preocupación equivalente al que suscitan otras sustancias enumeradas en las letras a) a e)»], alemã («die ebenso besorgniserregend sind wie diejenigen anderer in den Buchstaben a bis e aufgeführter Stoffe»), inglesa [«which give rise to an equivalent level of concern to those of other substances listed in points a) to e)»], italiana [«che danno adito ad un livello di preoccupazione a quella suscitata dalle altre sostanze di cui alle lettere da a) a e)] e finlandesa («jotka antavat aihetta samantasoiseen huoleen kuin muiden a‑e alakohdassa lueteltujen aineiden vaikutukset»).


14 —      V., também, ponto 1.3.1 do Anexo I do Regulamento REACH.


15 —      O considerando 115 do Regulamento REACH precisa que «[o]s recursos deverão concentrar‑se nas substâncias que suscitem maiores preocupações. Por conseguinte, deverão ser inscritas […] as substâncias que cumpram os critérios de classificação como [substâncias CMR] sensibilizantes respiratórios; no que respeita a outros efeitos, a inscrição das substâncias deverá ser feita caso a caso».


16 —      Deve realçar‑se a este respeito que o guia da ECHA para a preparação de um dossiê Anexo XV relativo à identificação de substâncias que suscitam elevada preocupação enuncia os elementos científicos e técnicos que podem ser utilizados para demonstrar que uma substância suscita um nível de preocupação equivalente às substâncias CMR. Segundo este guia, as «preocupações relativamente às substâncias que apresentam propriedades cancerígenas, mutagénicas e tóxicas para a reprodução decorrem de diversos fatores (a gravidade dos efeitos, a natureza frequentemente irreversível dos efeitos, as consequências para a sociedade e as dificuldades para efetuar uma avaliação dos riscos baseada na concentração da substância) que devem ser tomados em conta para determinar se uma substância apresenta um nível de preocupação equivalente [à substância] CMR (categoria 1 ou 2)». Por isso, como sublinha a ECHA nas suas respostas às questões do Tribunal de Justiça, estes fatores estão ligados à avaliação dos perigos na aceção dos pontos 1 a 4 do Anexo I do Regulamento REACH.


17 —      O sublinhado é meu.


18 —      Apoia também esta tese o facto de, contrariamente ao dossiê relativo à identificação de substâncias que suscitam preocupações equivalentes, o dossiê relativo às propostas de restrições dever, segundo o Anexo XV do Regulamento REACH, conter tanto a avaliação dos perigos como a avaliação dos riscos da substância em causa.


19 —      Nos termos do artigo 60.o, n.o 4, do Regulamento REACH.


20 —      V. considerando 12 e artigo 55.o do Regulamento REACH.


21 —      V., neste sentido, despachos de 26 de janeiro de 2007, Righini/Comissão (C‑57/06 P, EU:C:2007:65, n.os 62 e 63), e de 13 de março de 2007, Arizona Chemical e o./Comissão (C‑150/06 P, não publicado, EU:C:2007:164, n.o 47 e jurisprudência referida).


22 —      As recorrentes referem‑se a este respeito ao acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 209 a 212).


23 —      O sublinhado é meu.


24 —      Com efeito, segundo jurisprudência constante, as críticas dirigidas contra fundamentos ad abundantiam são consideradas irrelevantes. V., designadamente, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Hungria/Comissão (C‑31/13 P, EU:C:2014:70, n.o 82).


25 —      As recorrentes referem‑se a este respeito ao acórdão de 11 de setembro de 2002, Pfizer Animal Health/Conselho (T‑13/99, EU:T:2002:209, n.o 145).


26 —      V. resumo da sua argumentação nos n.os 65 dos acórdãos impugnados.