Language of document : ECLI:EU:T:2010:69

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

4 de Março de 2010 (*)

«Dumping – Importações de calçado com a parte superior de couro natural originário da China e do Vietname – Estatuto de empresa que opera em economia de mercado – Amostragem – Falta de colaboração – Direitos de defesa – Prejuízo – Dever de fundamentação»

No processo T‑409/06,

Sun Sang Kong Yuen Shoes Factory (Hui Yang) Corp. Ltd, com sede em Hui Yang City (China), representada por I. MacVay, solicitor, R. Thompson, QC, e K. Beal, barrister,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por J.‑P. Hix, na qualidade de agente, assistido por G. Berrisch, advogado,

recorrido,

apoiado pela

Comissão Europeia, representada por H. van Vliet e T. Scharf, na qualidade de agentes,

pela

Confédération européenne de l’industrie de la chaussure (CEC), com sede em Bruxelas, representada, inicialmente, por P. Vlaemminck, G. Zonnekeyn e S. Verhulst e, mais tarde, por Vlaemminck e A. Hubert, advogados,

e pela

BA.LA. di Lanciotti Vittorio & C. Sas, com sede em Monte Urano (Itália), e dezasseis outras intervenientes cujos nomes figuram em anexo, representadas por G. Celona, P. Tabellini e C. Cavaliere, advogados,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial do Regulamento (CE) n.° 1472/2006 do Conselho, de 5 de Outubro de 2006, que institui um direito antidumping definitivo e estabelece a cobrança definitiva do direito provisório instituído sobre as importações de determinado tipo de calçado com a parte superior de couro natural originário da República Popular da China e do Vietname (JO L 275, p. 1), na medida em que diz respeito à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, S. Papasavvas (relator) e A. Dittrich, juízes,

secretário: C. Kantza, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Fevereiro de 2009,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 1.°, n.os 1, 2 e 4, do Regulamento (CE) n.° 384/96 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objecto de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996, L 56, p. 1), conforme alterado, (a seguir «regulamento de base») dispõe:

«1.      Qualquer produto objecto de dumping pode ser sujeito a um direito anti‑dumping sempre que a sua introdução em livre prática na Comunidade causar prejuízo.

2.      Um produto é objecto de dumping se o seu preço de exportação para a Comunidade for inferior ao preço comparável de um produto similar, no decurso de operações comerciais normais, estabelecido para o país de exportação.

[…]

4.      Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘produto similar’ um produto idêntico, ou seja, análogo em todos os aspectos ao produto considerado, ou, quando não exista tal produto, um outro produto que, embora não sendo análogo em todos os aspectos, apresente características muito semelhantes às do produto considerado.»

2        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do regulamento de base «[o] valor normal baseia‑se habitualmente nos preços pagos ou a pagar, no decurso de operações comerciais normais, por clientes independentes no país de exportação».

3        Quanto aos requisitos para a concessão do tratamento de empresa que opera em economia de mercado (a seguir «TEM»), o artigo 2.°, n.° 7, alínea b), do regulamento de base prevê:

«Nos inquéritos antidumping relativos a importações originárias da República Popular da China […] o valor normal será determinado de acordo com o disposto nos n.os 1 a 6, caso se prove, com base em pedidos devidamente fundamentados, apresentados por um ou mais produtores objecto de inquérito […], a prevalência de condições de economia de mercado para esse produtor ou produtores no que se refere ao fabrico e à venda do produto similar em causa. Se não for este o caso, aplicar‑se‑ão as regras definidas na alínea a).»

4        Nos termos do artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base:

«Uma queixa apresentada com base [no artigo 2.°, n.° 7, alínea b)] deve ser feita por escrito e conter prova bastante de que o produtor opera em condições de economia de mercado, ou seja se:

–        as decisões das empresas relativas aos preços, aos custos e aos factores de produção, incluindo, por exemplo, matérias‑primas, ao custo das tecnologias e da mão‑de‑obra, à produção, vendas e investimento, serem adoptadas em resposta a sinais do mercado que reflictam a oferta e a procura e sem uma interferência significativa do Estado a este respeito e […] os custos dos principais factores de produção reflectirem substancialmente valores do mercado,

[…]

A determinação de se os produtores obedecem aos critérios anteriores é efectuada dentro de três meses a contar do início do inquérito, após consulta específica ao Comité Consultivo e depois de ter sido dada oportunidade à indústria comunitária de se pronunciar. Esta determinação permanece em vigor durante toda a investigação.»

5        Nos termos do artigo 9.°, n.° 5, segundo parágrafo, e do artigo 9.°, n.° 6, do regulamento de base:

«5. […]

No entanto, sempre que seja aplicável o disposto no n.° 7, alínea a), do artigo 2.°, deve ser especificada uma taxa individual do direito para os exportadores que possam demonstrar, com base em pedidos devidamente fundamentados, que:

a)      No caso de firmas total ou parcialmente detidas por estrangeiros ou de empresas comuns (joint‑ventures), podem repatriar livremente o capital e os lucros;

b)      Os preços de exportação e as quantidades exportadas, bem como as condições de venda, são determinados livremente;

c)      A maioria do capital pertence efectivamente a particulares, que os funcionários do Estado que desempenham funções no Conselho de Administração da empresa ou ocupem uma posição‑chave a nível da gestão são minoritários ou que a empresa é suficientemente independente da intervenção do Estado;

d)      As conversões das taxas de câmbio são realizadas à taxa de mercado; e

e)      A intervenção do Estado não é de molde a permitir a evasão de medidas, no caso de se concederem individualmente aos exportadores diferentes taxas dos direitos;

6.      Quando a Comissão tiver limitado o seu exame nos termos do artigo 17.°, qualquer direito antidumping aplicado a importações de exportadores ou de produtores que se tenham dado a conhecer, como previsto no artigo 17.°, mas que não foram incluídos no exame, não poderá exceder a margem de dumping média ponderada estabelecida para as partes incluídas na amostra. […] Os direitos individuais serão aplicados às importações de qualquer exportador ou produtor a quem tenha sido concedido tratamento individual, como previsto no artigo 17.°»

6        O artigo 2.°, n.os 8 e 9, primeiro parágrafo, do regulamento de base dispõe:

«8.      O preço de exportação é o preço efectivamente pago ou a pagar pelo produto vendido pelo país de exportação para a Comunidade.

9.      Quando não houver preço de exportação [… ele] pode ser calculado com base no preço a que os produtos importados são revendidos pela primeira vez a um comprador independente ou, [se os produtos não forem revendidos a um comprador] ou [se] não forem revendidos no mesmo estado em que foram importados, noutra base razoável.»

7        O artigo 2.°, n.° 10, primeiro parágrafo, do regulamento de base dispõe:

«10.      O preço de exportação e o valor normal serão comparados de modo equitativo. Esta comparação será efectuada no mesmo estádio comercial, relativamente a vendas efectuadas em datas tão próximas quanto possível e tendo devidamente em conta outras diferenças que afectem a comparabilidade dos preços. Quando o valor normal e o preço de exportação estabelecidos não possam ser directamente comparados proceder‑se‑á, para cada caso e em função das respectivas particularidades, aos devidos ajustamentos, que devem ter em conta as diferenças nos factores que se alegue e demonstre que influenciam os preços e a sua comparabilidade […]»

8        Nos termos do artigo 2.°, n.° 11, do regulamento de base:

«Sob reserva das disposições pertinentes que regem a comparação equitativa, a existência de margens de dumping durante o período de inquérito será normalmente estabelecida com base numa comparação entre um valor normal médio ponderado e uma média ponderada dos preços de todas as transacções de exportação para a Comunidade ou com base numa comparação entre os valores normais individuais e os preços de exportação individuais para a Comunidade, numa base transacção a transacção. Contudo, um valor normal determinado com base numa média ponderada poderá ser comparado com preços de todas as transacções de exportação para a Comunidade individualmente consideradas caso exista um(a) estrutura dos preços de exportação que divirja de forma significativa consoante o comprador, a região ou o período e se os métodos enunciados no primeiro período do presente número não reflectirem a dimensão efectiva do dumping praticado. O presente número não obsta ao recurso à amostragem, em conformidade com o artigo 17.°»

9        Quanto à determinação da existência de um prejuízo, o artigo 3.°, n.os 2, 3 e 6, do regulamento de base prevê:

«2.      A determinação da existência de prejuízo deve basear‑se em elementos de prova positivos e incluir um exame objectivo a) do volume das importações objecto de dumping e do seu efeito nos preços dos produtos similares no mercado comunitário e b) da repercussão dessas importações na indústria comunitária.

3.      […] Relativamente aos efeitos nos preços das importações objecto de dumping, verificar‑se‑á se houve uma subcotação importante dos preços provocada pelas importações objecto de dumping em relação aos preços de um produto similar da indústria comunitária ou se, por outro lado, essas importações tiveram como efeito depreciar significativamente os preços ou impedir aumentos significativos de preços que, de outro modo, teriam ocorrido. Nenhum destes elementos, considerados isoladamente ou em conjunto, constitui necessariamente uma indicação determinante.

[…]

6.      É necessário demonstrar, através de todos os elementos de prova relevantes apresentados em conformidade com o n.° 2, que as importações objecto de dumping estão a causar prejuízo na acepção do presente regulamento. Concretamente, tal facto implicará a demonstração de que o volume e/ou os níveis de preços identificados nos termos do n.° 3 se repercutem na indústria comunitária conforme disposto no n.° 5 e de que esta repercussão pode ser classificada de importante.»

10      Segundo o artigo 9.°, n.° 4, último período, do regulamento de base, «[o] montante do direito antidumping não excederá a margem de dumping estabelecida, devendo, no entanto, ser inferior à margem de dumping, caso um direito inferior seja suficiente para eliminar o prejuízo para a indústria comunitária».

11      Quanto à técnica consistente em recorrer à amostragem, o artigo 17.°, n.os 1 e 3, do regulamento de base dispõe:

«1.      Nos casos em que o número de autores da denúncia, exportadores ou importadores, tipos de produtos ou transacções for elevado, o inquérito pode limitar‑se a um número razoável de partes, produtos ou transacções, recorrendo‑se a uma amostragem estatisticamente válida com base nas informações disponíveis aquando da selecção, ou com base no volume mais representativo da produção, vendas ou exportações sobre o qual possa razoavelmente incidir o inquérito no prazo disponível.

[…]

3.      Nos casos em que o exame seja limitado em conformidade com o presente artigo, será, no entanto, calculada uma margem de dumping individual para qualquer exportador ou produtor que não tenha inicialmente sido seleccionado e que tenha apresentado as informações necessárias nos prazos previstos no presente regulamento, excepto se o número de exportadores ou produtores for de tal modo elevado que torne os exames individuais demasiado morosos e impeça a conclusão do inquérito num prazo razoável.»

12      Nos termos do artigo 18.°, n.os 1, 3, 4 e 6, do regulamento de base:

«1.      Quando uma parte interessada recusar o acesso às informações necessárias ou não as facultar nos prazos previstos no presente regulamento, ou impedir de forma significativa o inquérito, podem ser estabelecidas, com base nos dados disponíveis, conclusões preliminares ou finais, positivas ou negativas. Quando se verificar que uma parte interessada prestou informações falsas ou erróneas, tais informações não serão tidas em conta, e poderão ser utilizados os dados disponíveis. As partes interessadas devem ser informadas das consequências da não colaboração.

[…]

3.      Ainda que as informações fornecidas por uma parte interessada não sejam ideais em todos os aspectos não deverão ser ignoradas, desde que as eventuais deficiências não dificultem indevidamente a obtenção de conclusões suficientemente exactas, as informações tenham sido transmitidas em tempo útil e sejam verificáveis, e a parte interessada tenha procedido da melhor forma dentro das suas possibilidades.

4.      Caso os elementos de prova ou as informações não sejam aceites, a parte que as forneceu será imediatamente informada das razões que levaram à sua rejeição e terá a possibilidade de fornecer explicações complementares no prazo fixado. Caso as explicações não sejam consideradas satisfatórias, as razões da rejeição desses elementos de prova ou das informações serão divulgadas e constar das conclusões publicadas.

[…]

6.      Se uma parte interessada não colaborar ou se colaborar apenas parcialmente, estando, desse modo, a ocultar informações pertinentes, o resultado poderá ser menos favorável para essa parte do que se tivesse efectivamente colaborado.»

13      Segundo o Anexo II, ponto 3, do Acordo sobre a aplicação do artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (GATT) (JO L 336, p. 103, a seguir «código antidumping de 1994» que figura no Anexo I A do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC) (JO 1994, L 336, p. 3):

«3.      Para o estabelecimento das determinações, deveriam ser tomadas em consideração todas as informações susceptíveis de verificação, correctamente apresentadas a fim de poderem ser utilizadas no inquérito sem dificuldades de maior, comunicadas em tempo útil e, se for caso disso, fornecidas através do suporte ou linguagem informática pedidos pelas autoridades. […]»

14      O artigo 20.°, n.os 1, 2, 4 e 5, do regulamento de base dispõe:

«1.      Os autores de denúncia, os importadores, os exportadores, as associações representativas e os representantes do país de exportação podem requerer a divulgação das informações sobre os factos e considerações essenciais, com base nos quais foram instituídas as medidas provisórias. Os pedidos de divulgação devem ser apresentados por escrito imediatamente a seguir à instituição das medidas provisórias, devendo a divulgação ser efectuada por escrito o mais cedo possível após o pedido.

2.      As partes referidas no n.° 1 podem solicitar a divulgação final dos factos e considerações essenciais com base nos quais se tenciona recomendar a instituição de medidas definitivas, ou o encerramento de um inquérito ou processo sem instituição de medidas, devendo ser conferida uma especial atenção à divulgação de quaisquer factos ou considerações diferentes dos utilizados para as medidas provisórias.

[…]

4.      A divulgação final, que terá devidamente em conta a protecção de informações confidenciais, será efectuada por escrito no mais curto prazo, normalmente o mais tardar um mês antes da decisão definitiva ou da apresentação pela Comissão de qualquer proposta de instituição de medidas definitivas nos termos do artigo 9.° Caso a Comissão não esteja em posição de divulgar determinados factos ou considerações nesse momento, estes serão divulgados o mais brevemente possível após essa data. A divulgação não prejudicará qualquer decisão posterior que possa vir a ser tomada pela Comissão ou pelo Conselho, mas caso tal decisão se baseie em factos ou considerações diferentes, estes devem ser divulgados o mais cedo possível.

5.      As observações apresentadas depois da divulgação final só serão tomadas em consideração se forem recebidas no prazo fixado pela Comissão para cada caso, que será de pelo menos dez dias, tendo devidamente em conta a urgência da questão.»

 Antecedentes do litígio e regulamento impugnado

15      A recorrente, a Sun Sang Kong Yuen Shoes Factory (Hui Yang) Corp. Ltd, é uma sociedade produtora e exportadora de calçado estabelecida em 2000 na China.

16      As importações de calçado proveniente da China que é incluído em certas classes da Nomenclatura Combinada estavam sujeitas a um regime de contingentes quantitativos que expirou em 1 de Janeiro de 2005.

17      Na sequência de uma denúncia apresentada em 30 de Maio de 2005 pela Confédération européenne de l’industrie de la chaussure (CEC), a Comissão das Comunidades Europeias deu início a um processo antidumping respeitante às importações de determinado tipo de calçado com a parte superior de couro natural originário da China e do Vietname. O aviso de início desse processo foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 7 de Julho de 2005 (JO C 166, p. 14, a seguir «aviso de início de processo»).

18      Tendo em conta o elevado número de partes em causa, foi previsto, no ponto 5.1, alínea a), do aviso de início de processo, recorrer à técnica de amostragem, em conformidade com o disposto no artigo 17.° do regulamento de base. Além disso, no ponto 5.1, alínea b), do aviso de início de processo, a Comissão precisou que, a fim de obter as informações que considerava necessárias para o inquérito, enviaria questionários, nomeadamente, aos produtores‑exportadores chineses e vietnamitas incluídos nas amostras bem como às autoridades dos países exportadores em causa.

19      A recorrente entrou em contacto com a Comissão fornecendo‑lhe, em 23 e 25 de Julho de 2005, as informações requeridas pelo ponto 5.1, alíneas a), i), e e), do aviso de início de processo a fim de fazer parte da amostra dos exportadores‑produtores que essa instituição tencionava constituir segundo o disposto no artigo 17.° do regulamento de base e a para lhe ser concedido o TEM ou, caso tal não acontecesse, beneficiar de um tratamento individual (a seguir «TI»).

20      Tendo sido escolhida para fazer parte da amostra dos produtores‑exportadores chineses, a recorrente foi convidada a responder ao questionário da Comissão o mais tardar até 12 de Setembro de 2005, data em que comunicou a sua resposta ao referido questionário.

21      A Comissão efectuou uma inspecção nas instalações da recorrente entre 4 e 7 de Outubro de 2005. Por correio electrónico de 21 de Outubro de 2005, a recorrente apresentou à Comissão uma lista final das suas vendas no mercado comunitário, que menciona cada uma das transacções.

22      Por telecópia de 12 de Dezembro de 2005, a Comissão comunicou à recorrente as suas conclusões preliminares relativas ao seu pedido de TEM/TI. Quanto ao critério relativo às decisões das empresas (v. n.° 4 supra), a Comissão salientou que, no que respeita às vendas, a recorrente era obrigada, pelos seus estatutos e pela sua licença comercial, a exportar a totalidade da sua produção e que não tinha feito qualquer diligência para alterar essa situação. Daí resulta que a recorrente estava sujeita a uma intervenção significativa do Estado, que, pela via da licença comercial, limitava a sua actividade apenas à exportação. Além disso, quanto ao mesmo critério, a Comissão salientou que, no que diz respeito ao repatriamento dos lucros, a recorrente não podia proceder a esse repatriamento sem autorização administrativa prévia. Nestas condições, e não obstante o facto de a recorrente satisfazer os outros critérios enunciados no artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base, a Comissão propôs indeferir o pedido de TEM em questão.

23      A Comissão convidou a recorrente a transmitir‑lhe os seus eventuais comentários sobre esse documento até 19 de Dezembro de 2005, data em que esta comunicou as suas observações. No respeitante à exportação da totalidade da sua produção, a recorrente sublinhou que procedia por sua própria iniciativa e que se baseava em considerações de «conveniência administrativa» relativas à sua qualidade de sujeito passivo de IVA bem como na circunstância de que os seus produtos eram destinados exclusivamente aos mercados comunitário e dos Estados Unidos. Além disso, a recorrente apresentou um atestado do serviço do comércio externo e da cooperação económica do distrito de Hui Yang da cidade de Hui Zhou (província de Guangdong, China), segundo o qual era livre de alterar os seus estatutos quanto ao destino da sua produção, sem que as autoridades chinesas impusessem restrições a este respeito. No que diz respeito ao repatriamento dos lucros, a recorrente sublinhou que o processo de autorização administrativa era puramente formal, dado que tem somente por objecto controlar a validade da respectiva documentação, isto é, a relativa à verificação dos lucros, ao pagamento dos respectivos impostos, ao facto de a administração da sociedade ter efectivamente decidido a distribuição dos lucros, etc. Como prova das suas alegações, a recorrente apresentou uma circular da administração chinesa bem como um parecer jurídico aduzindo precisões sobre a aplicação da circular em questão.

24      A Comissão respondeu por telecópia de 23 de Fevereiro de 2006, comunicando a sua recusa de modificar a sua apreciação inicial. No que respeita ao destino da produção da recorrente, a Comissão sublinhou que as observações apresentadas não punham em causa o facto de, durante o período de inquérito, lhe ser proibido vender no mercado chinês e que qualquer mudança dessa situação seria submetida à autorização prévia do Estado. Quanto ao repatriamento dos lucros, a Comissão reconheceu, à luz das explicações da recorrente a esse propósito, que o respectivo procedimento administrativo não implicava uma intervenção significativa do Estado na acepção do artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base. No entanto, tendo em conta as conclusões relativas ao destino da produção da recorrente, a Comissão manteve que esta não satisfazia o critério em questão. Portanto, o TEM foi‑lhe recusado.

25      Por telecópia de 24 de Fevereiro de 2006, a Comissão informou a recorrente que lhe tinha sido impossível estabelecer uma amostra representativa de transacções relativas a vendas no mercado comunitário a fim de calcular os preços de exportação bem como os preços cif, fronteira comunitária. Essa impossibilidade fora devida ao facto de os dados da lista das vendas da recorrente no mercado comunitário, transacção a transacção por ela fornecida, serem substancialmente sobreavaliados em relação aos valores totais reais, circunstância que foi confirmada pela recorrente. Nestas condições, as margens de dumping foram calculadas segundo os dados disponíveis em conformidade com o disposto no artigo 18.° de do regulamento de base.

26      A Comissão convidou a recorrente a transmitir‑lhe os seus eventuais comentários sobre esse documento até 6 de Março de 2006, data em que esta formulou as suas observações. A este propósito, a recorrente sublinhou que as críticas da Comissão eram formuladas de maneira de tal forma vaga que não lhe era possível compreender em que é que consistia a sobreavaliação em questão. Além disso, a recorrente nunca confirmara a existência de uma sobreavaliação, explicara em várias ocasiões que as suas exportações se efectuavam pela via de empresas de comercialização independentes e que era por esse facto impossível conhecer o destino final do produto em todos os casos. Além disso, todas as vendas da recorrente são efectuadas franco a bordo, de forma que não estava na posse dos dados relativos aos preços cif, fronteira comunitária. A Comissão não evocara inexactidões na altura inspecção no local nem contestara a exactidão dos dados coligidos. Nestas condições, a recorrente opôs‑se à aplicação do artigo 18.° do regulamento de base para efeitos do cálculo do preço de exportação ou da margem de dumping.

27      Em 23 de Março de 2006, a Comissão aprovou o Regulamento (CE) n.° 553/2006, que institui um direito antidumping provisório sobre as importações de determinado tipo de calçado com a parte superior de couro natural originário da República Popular da China e do Vietname (JO L 98, p. 3, a seguir «regulamento provisório»).

28      Segundo o considerando 9 do regulamento provisório, o inquérito sobre o dumping e o prejuízo cobriu o período compreendido entre 1 de Abril de 2004 e 31 de Março de 2005 (a seguir «período de inquérito»). A análise dos elementos úteis para a avaliação do prejuízo incidiu sobre o período compreendido entre 1 de Janeiro de 2001 e 31 de Março de 2005 (a seguir «período considerado»).

29      Tendo em conta a necessidade de determinar um valor normal para os produtores exportadores chineses e vietnamitas que pudessem não vir a beneficiar do TEM, procedeu‑se a uma inspecção com vista a estabelecer o valor normal com base nos dados referentes a um país análogo, neste caso, a República Federativa do Brasil, nas instalações de três empresas brasileiras (considerando 8 do regulamento provisório).

30      Quanto ao produto em causa, resulta dos considerandos 10, 11, 40 e 41 do regulamento provisório que este engloba essencialmente as sandálias e chinelas, as botas e botins e sapatos de uso corrente todos fabricados com a parte superior em couro natural ou reconstituído. Resulta, além disso, dos considerandos 12 a 31 do regulamento provisório que a Comissão excluiu da definição do produto em causa o calçado de desporto que exige tecnologia especial (Special Technology Athletic Footwear) e que a referida definição incluiu o calçado para criança.

31      Quanto ao produto similar, a Comissão concluiu, no considerando 46 do regulamento provisório, que o produto em causa e o calçado com parte superior de couro natural fabricado e vendido no mercado interno da China e do Vietname, bem como o calçado com parte superior de couro natural produzido e vendido na Comunidade pela indústria comunitária eram similares do ponto de vista das suas características físicas e técnicas essenciais e das suas utilizações e permutáveis na percepção dos utilizadores. Portanto segundo o considerando 52 do regulamento provisório, todos os tipos de calçado com parte superior de couro natural ou reconstituído produzido e vendidos nos países em causa e no Brasil e os produzidos e vendidos pela indústria comunitária no mercado da Comunidade eram similares aos exportados dos países em causa para a Comunidade.

32      Resulta do considerando 57 do regulamento provisório que, no quadro da determinação do dumping, a Comissão recorreu à técnica de amostragem. Para esse efeito, escolheu uma amostra que compreende treze produtores‑exportadores chineses que representam mais de 20% do volume das exportações chinesas para a Comunidade. Segundo o considerando 8, alínea c), do regulamento provisório, a recorrente é a décima primeira empresa da lista dos produtores‑exportadores chineses que fazem parte da amostra.

33      Segundo o considerando 69 do regulamento provisório, à recorrente foi recusado o TEM pela razão de que não preenchia o primeiro critério relativo à tomada de decisões sem intervenção significativa do Estado (v., n.os 22 a 24 supra).

34      Quanto ao pedido de TI, a Comissão salientou, no considerando 94 do regulamento provisório, que a obrigação de uma empresa exportar a totalidade ou parte da sua produção implicava igualmente que esta não satisfazia o critério enunciado no artigo 9.°, n.° 5, segundo parágrafo, alínea b), do regulamento de base (v. n.° 5 supra).

35      Quanto ao preço de exportação, a Comissão expôs, no considerando 130 do regulamento provisório que, nos casos em que as exportações para a Comunidade foram efectuadas por intermédio de empresas de comercialização independentes, os preços de exportação foram estabelecidos com base nos preços do produto vendido para exportação às empresas de comercialização pelos produtores em causa, em conformidade com o disposto no artigo 2.°, n.° 9, do regulamento de base (v. n.° 6 supra).

36      Segundo o considerando 131 do regulamento provisório, a comparação entre o valor normal e o preço de exportação foi efectuada no estádio à saída da fábrica. A fim de assegurar uma comparação equitativa, foram tidas devidamente em conta, sob a forma de ajustamentos, as diferenças que influenciam os preços e a respectiva comparabilidade, em conformidade com o artigo 2.°, n.° 10, do regulamento de base (considerando 132 do regulamento provisório).

37      Quanto ao prejuízo, a Comissão examinou, nomeadamente, a subcotação dos preços de importação. Para esse efeito, os preços cif de exportação, fronteira comunitária, após desalfandegamento, foram sobreajustados para ter em conta os custos suportados na Comunidade pelos importadores, tais como os relativos à concepção, à selecção das matérias, etc. e foram comparados com os preços da indústria comunitária no estádio à saída da fábrica e no mesmo estádio comercial. Essa comparação deu lugar a uma margem de subcotação de 12,8% para o calçado originário da China (considerandos 167 e 168 do regulamento provisório).

38      Por carta de 7 de Abril de 2006, a Comissão transmitiu à recorrente, nos termos do artigo 14.°, n.° 2, e do artigo 20.°, n.° 1, do regulamento de base, respectivamente, uma cópia do regulamento provisório e um documento com informações sobre os pormenores que suportam os factos e considerações essenciais com base nos quais os direitos antidumping provisórios foram impostos (a seguir «documento de divulgação intermédio»). A Comissão convidou a recorrente a transmitir‑lhe os seus eventuais comentários sobre esses documentos até 8 de Maio de 2006.

39      Por correio electrónico de 27 de Abril de 2006, a recorrente queixou‑se do carácter lacunoso das informações que figuram no documento de divulgação intermédio pondo o acento nos dados relativos aos ajustamentos dos preços para efeitos do cálculo do dumping e da subcotação. A recorrente reiterou essas críticas nas suas observações escritas de 8 de Maio de 2006.

40      Por correio electrónico de 16 de Maio de 2006, a recorrente sublinhou, nomeadamente, que o ajustamento do seu preço de exportação de 15% a título de despesas de investigação e de desenvolvimento era inferior às despesas reais efectuadas para esse efeito, dado que não tomava em conta os encargos e as margens importantes das empresas de comercialização por intermédio das quais alguns produtores chineses encaminhavam a sua produção para o mercado comunitário.

41      Por telecópia de 7 de Julho de 2006, a Comissão transmitiu à recorrente, em aplicação do artigo 20.°, n.os 2 a 4, do regulamento de base, um documento de divulgação final sobre os factos e considerações essenciais que fundamentam a proposta de impor direitos antidumping definitivos.

42      No título H desse documento, a Comissão expôs as suas considerações quanto às medidas antidumping definitivas que seriam propostas ao Conselho da União Europeia. Quanto ao tipo de medidas, a Comissão salientou, em primeiro lugar, que compromissos da parte dos produtores de não venderem abaixo do nível de preço que eliminava o prejuízo importante que sofria a indústria comunitária, não constituíam medidas adequadas e, em segundo lugar, que havia que aplicar um sistema de direitos diferidos (pontos 278 a 291 do documento de divulgação final).

43      No que respeita ao sistema de direitos diferidos, a Comissão salientou que o volume das importações teve um efeito prejudicial importante na indústria comunitária a partir de 1 de Janeiro de 2005, data da extinção do regime de contingentes (v. n.° 16 supra). Com efeito, durante os três primeiros meses do ano de 2005, incluídos no período de inquérito (v. n.° 28 supra), a indústria comunitária conheceu, proporcionalmente, o declínio mais significativo no decurso do período considerado no que diz respeito a vários indicadores económicos, tais como a rentabilidade, os preços de venda, as quotas de mercado, as vendas, o emprego e a produção. Nestas condições, a Comissão dedicou atenção especial ao elemento quantitativo das práticas de dumping na determinação da existência de um prejuízo. Assim, considerou que só as importações que ultrapassavam um certo volume estavam na origem de um prejuízo e que, não era necessária por isso, uma intervenção sob a forma de direitos ad valorem para restabelecer condições de concorrência leal. Portanto, os direitos antidumping deviam ser unicamente aplicados às quantidades de produtos importados para além de um determinado volume anual. No caso em apreço, tal sistema de direitos diferidos seria adequado para efeitos da eliminação do prejuízo, na medida em que tomaria em conta os efeitos do regime de contingentes e em que equilibraria os interesses das partes interessadas. Seria, portanto, às importações efectuadas para além de um limiar de 140 milhões de pares de sapatos por ano provenientes da China que os direitos antidumping propostos deveriam aplicar‑se. Esse volume reflectia a apreciação da Comissão sobre as importações provenientes da China em 2005, tendo em conta as quantidades importadas em 2004 (pontos 285 a 287 e 291 do documento de divulgação final).

44      Assim, a Comissão propôs a imposição de um direito antidumping definitivo, igual à margem de eliminação do prejuízo, às importações efectuadas para além do limiar de 140 milhões de pares de sapatos por ano originários da China. Essa margem era estabelecida ao nível da subcotação dos preços de referência, a saber, 23% (ponto 293 do documento de divulgação final).

45      A Comissão convidou a recorrente a transmitir‑lhe os seus comentários sobre o documento de divulgação final até 17 de Julho de 2006.

46      Por carta de 13 de Julho de 2006, a recorrente apresentou à Comissão cópia da sua licença comercial bem como da decisão que altera o seu objecto estatutário, segundo a qual os seus produtos seriam doravante destinados tanto à exportação como ao mercado chinês. Por carta de 22 de Agosto de 2006, a Comissão recusou retroceder quanto à questão da concessão do TEM pela razão de que o prazo previsto para esse efeito tinha expirado.

47      Por carta de 28 de Julho de 2006, a Comissão enviou à recorrente um documento de divulgação final adicional. Segundo os seus dois primeiros parágrafos, esse documento tinha por objecto informar as partes interessadas de uma mudança em relação à configuração dos direitos antidumping definitivos que seriam propostos. A Direcção Geral (DG) «Comércio» da Comissão examinara as observações formuladas por algumas partes interessadas quanto ao sistema de direitos diferidos inicialmente contemplado (v. n.os 42 a 44 supra). Por intermédio desse documento, a Comissão abandonou a ideia de tal sistema. No quadro da sua nova abordagem, a Comissão sublinhou que o aumento verdadeiramente prejudicial das importações tinha tido lugar durante o ano de 2004, e isto até ao fim do período de inquérito, e que 2005 tinha sido o primeiro ano durante o qual as importações de calçado proveniente da China já não estavam submetidas a um regime de contingentes. Além disso, a Comissão estabeleceu um volume de importações não prejudicial baseando‑se nas importações originárias da China e do Vietname em 2003, concretamente, 109 milhões de pares de sapatos. Em conformidade com essa nova abordagem, o impacto económico desse volume devia ser tomado em consideração na determinação do nível de eliminação do prejuízo. Assim, por um lado, o nível de eliminação do prejuízo foi diminuído a fim de ter em conta o volume de importações não prejudicial e, por outro, os direitos definitivos foram aplicados a partir do primeiro par importado. Segundo esse método, que prevê quatro etapas expostas nesse documento, a Comissão concluiu, quanto às importações provenientes da China, com base na «regra do direito inferior», pela imposição de um direito antidumping definitivo igual ao nível requerido para a eliminação do prejuízo, na ocorrência, 16,5%.

48      Para efeitos da formalização dessa nova proposta, a Comissão anexou à carta de 28 de Julho de 2006 os pontos que devem figurar no novo título H do documento de divulgação final e substituir os que figuram no título correspondente deste último (v. n.° 42 supra). A Comissão expôs, nos pontos 278 e 279 que devem figurar no novo título H do documento de divulgação final, que só as exportações que excedam um certo volume antes da extinção do regime de contingentes podiam causar prejuízo importante, de modo que, no quadro da determinação do nível de eliminação do prejuízo com base nos resultados do período de inquérito, o facto de determinadas quantidades importadas não terem causado prejuízo devia ser tomado em consideração. Por conseguinte, as quantidades que não causavam prejuízo importante deviam ser tomadas em consideração na determinação do nível de eliminação do prejuízo. No ponto 280 do mesmo documento, a Comissão expôs o método que tinha sido aplicado.

49      A recorrente transmitiu os seus comentários sobre o documento de divulgação final adicional em 2 de Agosto de 2006.

50      Em 5 de Outubro de 2006, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 1472/2006 que institui um direito antidumping definitivo e estabelece a cobrança definitiva do direito provisório instituído sobre as importações de determinado tipo de calçado com a parte superior de couro natural originário da República Popular da China e do Vietname (JO L 275, p. 1, a seguir «regulamento impugnado»). Por virtude do regulamento impugnado, o Conselho instituiu um direito antidumping definitivo sobre as importações de calçado com a parte superior de couro natural ou reconstituído, com a exclusão do calçado para desporto, do calçado de tecnologia especial, das pantufas e outro calçado de interior e do calçado com biqueira protectora originário da China e classificado em vários códigos da Nomenclatura Combinada (artigo 1.° do regulamento impugnado). A taxa do direito antidumping definitivo aplicável ao preço líquido, franco‑fronteira comunitária, foi estabelecida, para o calçado procedente da produção das recorrentes, não desalfandegado, em 16,5%. Segundo o artigo 3.° do regulamento impugnado, esta vigorava durante dois anos.

51      Quanto à definição do produto similar, o Conselho confirmou, nos considerandos 40 e 41 do regulamento impugnado, as apreciações formuladas pela Comissão no considerando 52 do regulamento provisório (v. n.° 31 supra).

52      Segundo o considerando 77 do regulamento impugnado, a apresentação, por dois produtores‑exportadores chineses dos estatutos alterados, em que já não estão previstas restrições das vendas, foi demasiado tardia para poder ser levada em consideração. Com efeito, não restava tempo suficiente para proceder a uma verificação em conformidade com o artigo 16.°, n.° 1, do regulamento de base. De qualquer forma, essas restrições não constituíram a única razão da recusa do TEM em relação a essas empresas.

53      Assim, a conclusão negativa extraída no regulamento provisório quanto à concessão do TEM à recorrente foi confirmada no considerando 78 do regulamento impugnado.

54      Em relação ao pedido de TI, o Conselho confirmou, no considerando 83 do regulamento impugnado, a conclusão negativa a que tinha chegado a Comissão no considerando 94 do regulamento provisório (v. n.° 34 supra).

55      Quanto ao preço de exportação e à sua comparação com o valor normal, o Conselho confirmou, nos considerandos 123 e 138 do regulamento impugnado, as apreciações da Comissão que figuram nos considerandos 128 a 133 do regulamento provisório (v. n.os 35 e 36 supra).

56      Relativamente ao nível necessário de direitos para a eliminação do prejuízo ocasionado pelas importações provenientes da China, o Conselho expôs nos considerandos 296 a 301 do regulamento impugnado, reproduzindo os pontos 275 a 280 que figuram no título H do documento de divulgação final e anexados ao documento de divulgação final adicional (v. n.° 47 supra), que havia que ter em conta as particularidades do presente processo, e nomeadamente a existência do regime de contingentes até 1 de Janeiro de 2005. Tendo o regime de contingentes impedido a indústria comunitária de sofrer um prejuízo importante, quando o crescimento das importações após a extinção desse regime teve um efeito prejudicial particularmente sensível, o Conselho considerou que só as importações que ultrapassassem um certo volume antes da supressão do regime de contingentes podiam causar um prejuízo importante. Por conseguinte, o limiar de prejuízo, determinado com base nos resultados do período de inquérito, devia tomar em consideração o facto de determinados volumes de importações não terem causado prejuízo importante. Essa operação, que foi baseada no valor dos volumes importados em 2003, acarretou, em relação às importações provenientes da China, um limiar de prejuízo de 16,5% em vez do limiar de 23% que teria sido aplicado, segundo o considerando 295 do regulamento impugnado, se o Conselho não tivesse tido em conta as particularidades do presente processo.

 Tramitação processual e pedidos das partes

57      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de Dezembro de 2006, a recorrente interpôs o presente recurso.

58      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de Abril de 2007, a Comissão pediu que fosse autorizada a intervir no presente processo em apoio dos pedidos do Conselho. Por carta de 4 de Outubro de 2007, a Comissão informou o Tribunal Geral que renunciava à apresentação de articulado de intervenção, mas participaria na audiência.

59      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de Abril de 2007, a CEC pediu que fosse autorizada a intervir no presente processo em apoio dos pedidos do Conselho.

60      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de Abril de 2007, a Provincia di Ascoli Piceno (Itália), a Comune di Monte Urano (Itália), a sociedade BA.LA. di Lanciotti Vittorio & C. Sas e dezasseis outras intervenientes cujos nomes figuram em anexo (a seguir «produtores italianos» pediram que fossem autorizados a intervir no presente processo em apoio dos pedidos do Conselho.

61      Por despacho de 4 de Setembro de 2007, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral deferiu os pedidos de intervenção formulados pela Comissão, pela CEC e pelos produtores italianos. Em contrapartida, os pedidos da Provincia di Ascoli Piceno e da Comune di Monte Urano foram indeferidos.

62      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal Geral, o juiz relator foi afectado à Oitava Secção, à qual, por conseguinte, o presente processo foi distribuído.

63      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 4 de Outubro de 2007, a Provincia di Ascoli Piceno e a Comune di Monte Urano interpuseram, nos termos do artigo 57.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, recurso pelo qual pediam a anulação do despacho de 4 de Setembro de 2007 na medida em que o Tribunal Geral indeferiu os seus pedidos de intervenção. Por despacho de 25 de Janeiro de 2008 [C‑461/07 P(I), Provincia di Ascoli Piceno e Comune di Monte Urano/Conselho, não publicado na Colectânea], o presidente do Tribunal de Justiça negou provimento a esse recurso.

64      A CEC e os produtores italianos apresentaram os seus articulados de intervenção em 15 e 18 de Outubro de 2007 respectivamente.

65      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral decidiu iniciar a fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo, a recorrente, o Conselho e a Comissão foram convidados a responder por escrito a várias questões.

66      Por cartas recebidas em 2 de Fevereiro de 2009, essas partes concordaram com as medidas de organização tomadas pelo Tribunal Geral.

67      Por carta de 17 de Fevereiro de 2009, o Conselho pediu que algumas partes das respostas da recorrente relativas ao segundo fundamento bem como os documentos que lhe estavam anexados, fossem desentranhadas dos autos, pela razão de que as referidas respostas não estão relacionadas com as questões colocadas, mas constituíam fundamentos novos.

68      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 18 de Fevereiro de 2009.

69      Na audiência, o Tribunal Geral pediu à recorrente que apresentasse um documento e fornecesse uma informação por escrito. A recorrente acedeu a esses pedidos por carta de 25 de Fevereiro de 2009.

70      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o regulamento impugnado na medida em que lhe diz respeito;

–        condenar o Conselho nas despesas.

71      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível ou negar‑lhe provimento;

–        condenar a recorrente nas despesas.

72      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

73      A CEC e os produtores italianos concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

74      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca seis fundamentos relativos respectivamente:

–        à violação do artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base;

–        à violação do artigo 18.° do regulamento de base;

–        à violação do artigo 3.° do regulamento de base;

–        à violação do artigo 20.° do regulamento de base, à violação dos direitos de defesa e à falta de fundamentação no que se refere ao prejuízo sofrido pela indústria comunitária;

–        a um erro de direito e a um erro manifesto de apreciação no que se refere ao prejuízo sofrido pela indústria comunitária;

–        à violação do artigo 2.°, n.° 10, do regulamento de base e a um erro manifesto de apreciação no que diz respeito à comparação entre o preço de exportação e o valor normal.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base

 Argumentos das partes

75      A recorrente contesta a apreciação da Comissão segundo a qual o primeiro critério enunciado no artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base não estava preenchido no seu caso. Sublinha, a este propósito, que as provas documentais fornecidas durante o procedimento administrativo demonstram que tinha a liberdade de decidir a comercialização dos seus produtos no mercado nacional ou para a exportação. Com efeito, a obrigação de apresentar um pedido para obter uma licença comercial e para a alterar existe para efeitos de registo e não prova, portanto, uma interferência significativa do Estado na acepção do artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base. Além disso, a recorrente explicara à Comissão que o facto de a totalidade da sua produção ser destinada à exportação fazia parte da sua própria opção comercial (v. n.os 22 e 23 supra).

76      A Comissão violou, além disso, o princípio da igualdade de tratamento ao conceder o TEM a uma outra empresa da amostra, a Foshan City Nanhai Golden Step Industrial Co., Ltd (a seguir «Golden Step»), quando nada justifica essa diferença de tratamento.

77      A recorrente recorda ter fornecido à Comissão, em 13 de Julho de 2006, isto é, antes do termo do prazo estabelecido para formular as observações sobre o documento de divulgação final, as mesmas provas que as produzidas pela Golden Step, a concretamente, uma cópia da sua licença comercial e dos seus estatutos alterados que demonstram que já não estava vinculada a uma obrigação de exportação (v. n.° 46 supra). A recusa da Comissão de examinar essas provas constitui uma violação do artigo 20.°, n.° 5, do regulamento de base bem como dos princípios da boa administração e da igualdade de tratamento, dado que a Golden Step produzira também elementos de prova após o termo do prazo fixado para a formulação dos comentários sobre o documento de divulgação intermédio (v. n.° 38 supra). Além disso, o regulamento de base não prevê prazo para a produção de provas relativas a alterações de circunstâncias. Por outro lado, a Comissão não respeitou o prazo de três meses previsto no artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base para decidir sobre o pedido de TEM da recorrente.

78      A apreciação formulada no considerando 77 do regulamento impugnado, segundo a qual não apreciação das informações em questão era devida à impossibilidade de proceder a uma verificação em conformidade com o disposto no artigo 16.°, n.° 1, do regulamento de base (v. n.° 52 supra) é errada. Com efeito, em primeiro lugar, decorreram mais de três meses, entre 13 de Julho (data da produção das provas adicionais) e 5 de Outubro de 2006 (data da aprovação do regulamento impugnado), em segundo lugar, nenhuma verificação foi efectuada no que respeita às provas da mesma natureza produzidas pela Golden Step, em terceiro lugar, a recorrente só foi informada de que a Comissão estava disposta a aceitar provas adicionais em 7 de Julho de 2006 e, em quarto lugar, foi precisamente em resposta às verificações efectuadas no quadro de uma inspecção que a recorrente apresentou os elementos de prova em causa. Resulta, por outro lado, da jurisprudência que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação quando tem de decidir da tomada em conta de elementos comunicados após o termo dos prazos estabelecidos.

79      O argumento segundo o qual, pressupondo que deveria ter sido concedido à recorrente o TEM, o prazo de que dispunha a Comissão era insuficiente para efeitos de proceder ao cálculo do valor normal, não pode proceder. Com efeito, essa consideração não pode justificar, à luz do artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base, a recusa de conceder esse tratamento. Além disso, os dados relativos aos custos de produção da recorrente já tinham sido fornecidos no quadro do questionário antidumping e verificados durante a inspecção no local da Comissão. Além disso, tal como foi salientado no n.° 78 supra, decorreram três meses entre a apresentação das últimas informações sobre o destino da produção da recorrente e a aprovação do regulamento impugnado.

80      A recorrente contesta o argumento do Conselho segundo o qual a rejeição do segundo fundamento acarreta a rejeição do primeiro. Com efeito, mesmo que fosse julgado que não colaborou no que diz respeito ao cálculo do preço de exportação, o valor normal poderia ter sido calculado com base nos elementos resultantes da sua própria contabilidade, de forma que lhe fosse fixada uma margem de dumping individual. Além disso, a recorrente forneceu incontestavelmente todas as informações que lhe foram pedidas, de forma que o artigo 18.°, n.° 6, não pode ser aplicado. Esta última disposição tem por efeito privar um operador económico que teve informações pertinentes da possibilidade de se queixar do facto de que a sua falta de colaboração lhe acarretou consequências desfavoráveis. Portanto, nenhuma disposição nem prática pode privar a recorrente do TEM se preencher os requisitos para dele beneficiar.

81      Daí resulta que a decisão da Comissão de recusar conceder o TEM à recorrente está viciada por um erro manifesto de apreciação e viola, por isso, o artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base.

82      O Conselho, apoiado pela Comissão, contesta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal Geral

83      Resulta do considerando 125 do regulamento impugnado que «[e]m relação às empresas que não cumpriram os critérios para beneficiar do [TEM], foi calculada uma margem de dumping média ponderada», que «esta margem de dumping média ponderada aplica‑se às empresas não incluídas na amostra» e que, «como a cooperação foi elevada, aplicou‑se também a mesma margem de dumping a todos os demais produtores‑exportadores chineses». Além disso, o Conselho indicou no considerando 146 do regulamento impugnado, que «o nível de colaboração foi elevado e, consequentemente, em coerência com a prática habitual, considerou‑se adequado estabelecer a margem de dumping para os produtores‑exportadores que não colaboraram no inquérito ao nível da margem de dumping média ponderada estabelecida para os produtores‑exportadores dos países em causa que colaboraram e foram incluídos na amostra». Resulta, assim, da leitura conjunta destas disposições, cuja legalidade não foi contestada perante o Tribunal Geral, que, na hipótese de a recorrente ter obtido o TEM, mas não ter sido considerada como tendo colaborado, as instituições, de qualquer forma, atribuíram‑lhe a margem de dumping média ponderada que foi estabelecida para os produtores‑exportadores que estavam incluídos na amostra, em razão da sua falta de colaboração. Daqui resulta que, mesmo pressupondo que fosse sem razão que as instituições recusaram o TEM à recorrente, esse erro não pode ter influência determinante quanto ao resultado se o Tribunal Geral confirmar a apreciação das instituições segundo a qual a recorrente não colaborou no inquérito. Por conseguinte, se o Tribunal rejeitar o segundo fundamento que põe em causa a apreciação das instituições nesse aspecto, um erro eventualmente cometido pelas instituições quanto à concessão do TEM não pode ter influência determinante sobre a margem de dumping aplicada à recorrente e, portanto, não pode chegar para justificar a anulação do regulamento impugnado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 14 de Maio de 2002, Graphischer Maschinenbau/Comissão, T‑126/99, Colect., p. II‑2427, n.° 49).

84      Há, portanto, que examinar, antes de mais, o segundo fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 18.° do regulamento de base

 Argumentos das partes

85      A recorrente sustenta que a Comissão aplicou de forma incorrecta o artigo 18.°, n.° 1, do regulamento de base, conjugado com o Anexo II, ponto 3, do código antidumping de 1994 (v. n.os 12 e 13 supra). Com efeito, como a recorrente explicou na carta de 6 de Março de 2006 (v. n.° 26 supra), o raciocínio que a Comissão seguiu na sua comunicação de 24 de Fevereiro de 2006 (v. n.° 25 supra) não justifica a aplicação dessa disposição. Nestas circunstâncias, a Comissão violou igualmente os artigos 18.°, n.os 3 e 4, do regulamento de base.

86      Quanto a estas últimas disposições, a recorrente sublinha que, ao informá‑la mais de quatro meses após a visita inspecção no local da falta de fiabilidade da lista das suas vendas no mercado comunitário, transacção a transacção, lista que forneceu na altura dessa inspecção, a Comissão não respeitou as exigências dessas disposições.

87      A resposta inicial ao questionário antidumping, apresentada pela recorrente em 12 de Setembro de 2005, relata as exportações efectuadas durante o período de inquérito com destino ao mercado comunitário que ascendem a [confidencial] (1) pares de sapatos. Trata‑se do número correcto aceite pela Comissão durante a inspecção. A diferença entre esse número e o de [confidencial] pares de sapatos exportados, mencionado no documento apresentado pela recorrente em 19 e Setembro de 2005, resulta, em primeiro lugar, da inclusão, neste último, de [confidencial] pares de sapatos não destinados ao mercado comunitário, em segundo lugar, do facto de a recorrente não conhecer o destino final da totalidade da sua produção, dado que exporta por intermédio de empresas de comercialização independentes e, em terceiro lugar, da inclusão, na referida lista, de vendas de calçado não incluído na definição do produto em causa.

88      No fim de várias verificações que visavam definir, segundo toda a probabilidade, o destino final das exportações pertinentes e a excluir as vendas dos outros produtos que não as do produto em causa, a recorrente apresentou uma lista final em 21 de Outubro de 2005, isto é, antes do termo do prazo estabelecido para a comunicação de elementos corrigidos após a inspecção.

89      Quanto ao desenrolar dessa inspecção, os agentes da Comissão constituíram, no primeiro dia, uma amostra de 21 transacções (das quais 12 incidiam sobre o produto em causa) e examinaram, no dia seguinte, os documentos que a elas se reportam. Além disso, escolheram 13 transacções relativas a vendas de exportação para o mercado comunitário a fim de verificar os preços de exportação na base dos documentos que a elas se reportam. Os preços de exportação verificados revelaram‑se correctos. É, portanto, inexacto que o Conselho sustente que os agentes da Comissão não puderam constituir e verificar uma amostra de transacções durante a visita. Além disso, resulta do que precede que nenhuma verificação era necessária após a apresentação da lista final de 21 de Outubro de 2005 (v. n.os 21 e 88 supra), dado que esse documento mais não faz que reiterar as vendas não destinadas ao mercado comunitário bem como as dos produtos incluídos na definição do produto em causa, isto é, dos elementos pertinentes, sem nada lhes acrescentar. Portanto, a verificação não foi de forma alguma viciada.

90      De qualquer forma, contrariamente ao que sustenta o Conselho, a recorrente não violou qualquer disposição do regulamento de base ao apresentar a lista final de 21 de Outubro de 2005. Mesmo pressupondo que os factos avançados pelo Conselho possam dar lugar à aplicação do artigo 18.°, n.° 1, do regulamento de base (quod non), não haveria qualquer razão para a Comissão não utilizar os preços de exportação (únicos elementos pertinentes) verificados no local e não contestados, dado que as críticas do Conselho dizem respeito apenas aos volumes de calçado exportado. Esses preços constituem os dados disponíveis para a Comissão na acepção do artigo 18.°, n.° 1, do regulamento de base.

91      Além disso, a Comissão não respondeu às observações formuladas pela recorrente na sua carta de 6 de Março de 2006 nem expôs a sua posição quanto às explicações dadas durante a inspecção, que permitiram esclarecer a totalidade das diferenças, validar todos os dados relativos aos preços e compreender as particularidades da cadeia de distribuição da recorrente. Assim, a Comissão não examinou essa lista com cuidado e imparcialidade.

92      A recorrente não foi informada durante a inspecção de que a Comissão não aceitaria novas correcções, embora tenha fornecido explicações à Comissão relativas à dificuldade de elaboração da lista final. Pelo contrário, resulta claramente do comportamento da Comissão que ela não excluíra examinar as listas corrigidas, diligência que ela, aliás, fizera a propósito de outros dados.

93      Quanto aos dados relativos ao preço cif, fronteira comunitária (v. n.os 25 e 26 supra), a recorrente sublinha ter explicado na altura do inquérito que a facturação das suas vendas se expressava em preço franco a bordo e não em preço cif, fronteira comunitária. A recorrente não está, portanto, em condições de fornecer dados relativos aos custos ocasionados entre a saída da fábrica e a chegada à fronteira comunitária, que compreendem a margem de lucro substancial realizada pelas empresas de comercialização independentes, cujo montante a recorrente não conhece. Foi porque estava na impossibilidade de obter os valores cif, fronteira comunitária, que a recorrente convidou a Comissão a aplicar os dados fiáveis fornecidos pelas empresas de comercialização independentes, relativos aos custos suportados entre a venda franco a bordo e a chegada à fronteira comunitária. Daí resulta que a recorrente agiu «da melhor forma dentro das suas possibilidades» para fornecer as informações que estavam à sua disposição, informações que a Comissão poderia ter completado para chegar a uma «conclusão suficientemente exacta».

94      O Conselho, apoiado pela Comissão, contesta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal Geral

95      Há que salientar que as partes estão em desacordo quanto aos factos relativos ao presente fundamento. Em particular, enquanto a recorrente alega que os agentes da Comissão puderam constituir uma amostra de vendas de exportação do produto em causa para o mercado comunitário, examinar a documentação que a elas se reporta e, finalmente, verificar os preços de exportação, o Conselho contesta‑o em grande parte. Este sustenta que os agentes da Comissão não puderam proceder a qualquer exame dos documentos relativos às exportações do produto em causa para o mercado comunitário durante a inspecção no local e, portanto, a nenhuma verificação dos preços de exportação.

96      A este propósito, deve observar‑se que o Conselho não contesta que os agentes da Comissão tenham efectivamente seleccionado, no primeiro dia da inspecção no local, uma amostra de vendas de exportação do produto em causa para o mercado comunitário. Isso explica‑se, segundo o Conselho, pelo facto de, nesse estádio, os agentes da Comissão não terem ainda estabelecido qual dos dois quadros apresentados pela recorrente, respectivamente em 12 e em 19 de Setembro de 2005, estava correcto. Portanto, se se tivesse revelado que a lista de 19 de Setembro de 2005, na base da qual se efectuara a verificação, estava correcta, os agentes da Comissão teriam procedido, no dia seguinte, à verificação da amostra constituída, tendo a recorrente entretanto recolhido todos os documentos que se reportam às transacções seleccionadas para amostra.

97      Há no entanto que salientar, à semelhança do Conselho, que a verificação de uma amostra de transacções para efeitos do cálculo do preço de exportação na base da totalidade das transacções incluídas na lista das vendas no mercado comunitário, transacção a transacção, não tem utilidade quando estiver demonstrado que essa lista inclui igualmente vendas de exportação que não devem nela figurar. Com efeito, embora esteja demonstrado que tal lista contém um volume substancial de vendas não identificadas, que ou incidem sobre produtos não incluídos na definição do produto em causa, ou não são exportações para o mercado comunitário, a verificação de uma amostra de vendas, mesmo que se revele concludente, não permite remediar a impossibilidade de utilizar a totalidade das transacções que figuram na lista devido ao seu carácter não fiável.

98      No caso em apreço, em primeiro lugar, não é contestado pelas partes que, na altura da inspecção, os agentes da Comissão não chegaram a acordo com os representantes da recorrente quanto ao volume total das exportações do produto em causa para o mercado comunitário ([confidencial] pares de sapatos). As partes estão igualmente de acordo quanto ao facto de esse volume ser procedente da contabilidade da recorrente. Portanto, há que reconhecer que os elementos fornecidos à Comissão em 19 de Setembro de 2005 ([confidencial] pares de sapatos; v. n.° 87 supra) davam conta de um volume de exportações sobreavaliado em cerca de 60% em comparação com as exportações reais do produto em causa para o mercado comunitário, sem que tenha sido possível identificar as exportações não pertinentes durante a inspecção. Além disso, há que recordar que a recorrente tinha já indicado, em 12 de Setembro de 2005, um terceiro número da ordem dos [confidencial] pares de sapatos. Assim, a despeito do facto de a recorrente estar na posse dos dados relativos ao volume total das suas exportações para o mercado comunitário, as listas que forneceu no decurso do procedimento continham informações incoerentes, que, além disso, não continham elementos que permitissem esclarecer as contradições verificadas. Finalmente, as explicações dadas pela recorrente durante o procedimento administrativo não permitiam explicar as diferenças verificadas de maneira convincente.

99      Em segundo lugar, em resposta a uma questão escrita do Tribunal, a Comissão salientou que, se a lista das vendas no mercado comunitário, transacção a transacção, que tinha sido apresentada pela recorrente antes ou durante a inspecção, não contivesse as disparidades verificadas, teria procedido ao cálculo do preço de exportação tendo em conta a totalidade das transacções que nela figuram. Essa lista teria sido presumida fiável se, para além da sua concordância com o volume total das exportações do produto em causa procedente da contabilidade da recorrente, a verificação de uma amostra de transacções tivesse ocorrido com sucesso.

100    Em terceiro lugar, há que salientar que os autos não contêm qualquer elemento que demonstre que os agentes da Comissão efectivamente verificaram os elementos relativos à amostra das vendas constituída na altura da inspecção. Os elementos em que se baseia a recorrente consistentes em anotações manuscritas dos agentes da Comissão à margem de certas transacções que fazem parte da lista das vendas da recorrente no mercado comunitário, transacção a transacção, provam, no máximo, que esses agentes escolheram essas vendas para a amostra, mas não que tenham verificado os documentos que se reportam a cada uma delas.

101    Em quarto lugar, não resulta dos autos que a Comissão tenha indicado quer na altura da inspecção no local, quer, posteriormente, que estava disposta a receber e a verificar uma lista das vendas no mercado comunitário, transacção a transacção, que correspondesse ao volume total correcto das exportações do produto em causa no mercado comunitário. A esse propósito, há que salientar que a comunicação invocada pela recorrente em apoio das suas alegações consiste numa mensagem electrónica com data de 13 de Outubro de 2005 dirigida pelo seu advogado a um membro do seu pessoal. Essa mensagem indica, em primeiro lugar, que um agente da Comissão aceitou prorrogar até 21 de Outubro de 2005 o prazo concedido para a apresentação de certos dados relativos ao cálculo do valor normal (custos de produção) e, em segundo lugar, que esse mesmo agente queria saber se a lista das vendas da recorrente no mercado comunitário, transacção a transacção, que estava à disposição da Comissão, era definitiva.

102    Excluído o facto de essa mensagem não emanar da Comissão, mas da recorrente, há que reconhecer que não indica que a Comissão tenha fixado um prazo que terminou em 21 de Outubro de 2005 para a apresentação de uma versão corrigida da lista das vendas no mercado comunitário, transacção a transacção. Além disso, a circunstância de a Comissão ter aceitado dados corrigidos relativos ao valor normal apresentados posteriormente à inspecção, tais como os custos de produção, não implica que essa instituição estivesse de forma geral pronta a aceitar dados corrigidos fornecidos após a inspecção no tocante a qualquer outro aspecto. Com efeito, como resulta das anotações manuscritas feitas durante a inspecção no quadro relativo aos custos de produção apresentados pela recorrente no âmbito da sua resposta ao questionário antidumping, os agentes da Comissão pediram‑lhe que procedesse a uma única correcção bem precisa, concretamente, adicionar um determinado montante suplementar a título de despesas efectuadas pela Sun Sang Kong Yuen (Hong Kong).

103    Em quinto lugar, há que sublinhar que o artigo 18.° do regulamento de base constitui a transposição para direito comunitário do conteúdo do ponto 6.8 bem como do Anexo II do código antidumping de 1994, à luz dos quais deve ser interpretado na medida do possível (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 24 de Setembro de 2008, Reliance Industries/Conselho e Comissão, T‑45/06, Colect., p. II‑2399, n.° 91). A este propósito, importa salientar que o recurso a dados disponíveis é justificado quando uma empresa recusa colaborar ou quando fornece uma informação falsa ou errónea, não exigindo o artigo 18.°, n.° 1, segundo período, do regulamento de base, um comportamento intencional.

104    Com efeito, a amplitude dos esforços desenvolvidos por uma parte interessada para comunicar certas informações não está necessariamente relacionada com a qualidade intrínseca das informações comunicadas, e, de qualquer forma, não é o único elemento determinante. Assim, se as informações pedidas não forem finalmente obtidas, a Comissão tem o direito de recorrer aos dados disponíveis quanto às informações pedidas (v., quanto ao ponto 6.8 do código antidumping de 1994, o Relatório do Grupo Especial organizado no quadro da OMC, intitulado «Egipto – Medidas antidumping definitivas aplicadas às barras de armadura em aço provenientes do Turquia» e adoptado em 1 de Outubro de 2002, ponto 7.242).

105    Essa apreciação é apoiada pelo artigo 18.°, n.° 3, do regulamento de base, segundo o qual, ainda que as informações fornecidas por uma parte interessada não sejam as ideais em todos os aspectos não deverão, mesmo assim, ser ignoradas, desde que as eventuais deficiências não dificultem indevidamente a obtenção de conclusões suficientemente exactas, as informações tenham sido transmitidas em tempo útil e sejam verificáveis, e a parte interessada tenha procedido da melhor forma dentro das suas possibilidades. O facto de ter agido da melhor forma dentro das possibilidades constitui, portanto, uma das condições que devem estar preenchidas para que a Comissão seja obrigada a tomar em conta informações deficientes. Ora, como resulta do n.° 98 supra, a despeito do facto de a recorrente estar na posse do volume total das suas exportações para o mercado comunitário, os dados que comunicou à Comissão no decurso do procedimento administrativo respeitantes às suas vendas de exportação permaneceram contraditórios, de forma que não pode ser considerada como tendo agido da melhor forma dentro das suas possibilidades.

106    Nestas condições, a Comissão não tinha a obrigação de tomar em conta, para efeitos de cálculo o preço de exportação, as listas de vendas no mercado comunitário, transacção a transacção, apresentadas pela recorrente antes da inspecção, uma vez que a utilização do conjunto dos dados que nelas figuram redundaria necessariamente num resultado errado (v. n.os 97 a 99 supra).

107    No que respeita à lista apresentada em 21 de Outubro de 2005, deve salientar‑se que, mesmo que as instituições tenham o direito de tomarem em consideração informações que lhes foram transmitidas fora dos prazos estabelecidos por elas próprias (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 13 de Julho de 2006, Shandong Reipu Biochemicals/Conselho, T‑413/03, Colect., p. II‑2243, n.° 67), a Comissão tinha o direito de recusar ter em conta essa lista, uma vez que a lista não podia ser verificada sem efectuar uma segunda inspecção.

108    A esse propósito, importa acrescentar que a Comissão não excedeu a sua margem de apreciação ao considerar que o cálculo do preço de exportação não podia efectuar‑se validamente com base nos dados disponíveis no momento da inspecção (v. n.os 97 a 99 supra). Essa apreciação implica que a Comissão tenha considerado que a lista fornecida após a referida inspecção não podia ser utilizada para efeitos de cálculo do preço de exportação por não terem sido verificadas as transacções seleccionadas para a amostra no local. Nestas circunstâncias, o facto de as transacções seleccionadas para a amostra figurarem na lista apresentada em 21 de Outubro de 2005 é irrelevante.

109    Tendo em conta as contradições importantes verificadas no que respeita às listas de vendas no mercado comunitário, transacção a transacção, apresentadas pela recorrente durante o procedimento administrativo, há que concluir que a recorrente não colaborou no tocante ao cálculo do seu preço de exportação na acepção do artigo 18.° do regulamento de base. Portanto, o segundo fundamento deve ser rejeitado.

110    Nestas condições, há que considerar que o erro alegado pela recorrente no quadro do primeiro fundamento não pode acarretar a ilegalidade do regulamento impugnado, uma vez que, mesmo que à recorrente fosse atribuído o TEM, as instituições ter‑lhe‑iam, de qualquer forma, imputado a margem média de dumping ponderada da amostra. Conclui‑se que o primeiro fundamento deve ser igualmente rejeitado.

111    Tendo em conta a rejeição do segundo fundamento, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre o pedido do Conselho de desentranhar dos autos certos elementos das respostas da recorrente às questões escritas do Tribunal (v. n.° 67 supra).

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 3.° do regulamento de base

 Argumentos das partes

112    Quanto à determinação do preço de exportação, a recorrente considera que o Conselho não teve em conta, no regulamento impugnado, o facto de ela vender os seus produtos a empresas de comercialização independentes que desempenham o papel de intermediário entre os produtores chineses e os distribuidores instalados no mercado comunitário.

113    Segundo a recorrente, as empresas de comercialização independentes, como a sociedade Pagoda, que é um comerciante intermediário em vendas da recorrente com destino ao mercado comunitário, suportam uma parte importante do custo de produção e de comercialização, nomeadamente em matéria de marketing, de organização das exportações e de investigação e de desenvolvimento. Esses custos, bem como as margens de lucro das empresas de comercialização, deveriam ter sido tomadas em conta para determinar o preço cif, fronteira comunitária, e, por isso, calcular a subcotação dos preços e o prejuízo resultante das exportações da recorrente

114    Apesar do facto de a Comissão conhecer o papel e as margens de lucro das empresas de comercialização de forma quantificada, não cumpriu a sua obrigação de proceder a um exame objectivo de todos os elementos pertinentes para efeitos da determinação da existência de prejuízo, em conformidade com o disposto no artigo 3.° do regulamento de base e do artigo 3.° do código antidumping de 1994. Ao não tomar em consideração a totalidade das despesas suportadas entre o preço fob da recorrente e o preço à chegada à fronteira comunitária, por um lado, e ao não tomar em conta as margens de lucro das empresas de comercialização independentes, tal como a Pagoda, por outro, a Comissão efectuou, portanto, um cálculo errado da margem de subcotação respeitante à recorrente. Um cálculo correcto teria conduzido à imposição de um direito antidumping mínimo, ou mesmo nulo.

115    Daqui resulta que, se tivesse sido concedido o TEM à recorrente, a tomada em conta dos elementos referidos supra poderia ter dado lugar a uma margem de prejuízo inferior à sua margem de dumping.

116    O Conselho contesta, em primeiro lugar, a admissibilidade do presente fundamento alegando que este fundamento não satisfaz as exigências do artigo 44.° do Regulamento de Processo, na medida em que nele não foram claramente expostos os factos em que assenta. Com efeito, trata‑se de um fundamento desprovido de argumentos coerentes e as afirmações que nele figuram não contradizem os factos apurados pelas instituições nem demonstram um erro da sua parte.

117    Em seguida, o Conselho alega que a recorrente não declarou que a razão pela qual nenhum preço de exportação tinha sido estabelecido em relação à recorrente residia na falta de uma lista fiável das suas vendas no mercado comunitário, transacção a transacção. Por isso, o seu preço à exportação não foi utilizado para calcular as margens de subcotação no que respeita às importações chinesas. Essas margens foram estabelecidas por referência aos preços de exportação das empresas que fazem parte da amostra e que colaboraram plenamente. Portanto, mesmo pressupondo que as instituições devessem ter majorado os preços de exportação da recorrente com a margem das empresas de comercialização intermediárias, essa conclusão não alteraria o resultado final.

 Apreciação do Tribunal Geral

118    Há que rejeitar de imediato a inadmissibilidade processual suscitada pelo Conselho e resumida no n.° 116 supra. Com efeito, a recorrente alegou claramente que a não tomada em conta da existência de empresas de comercialização, como a sociedade Pagoda, e, por isso, das margens de lucro por elas realizadas para efeitos do cálculo da margem de prejuízo, constituía uma violação do artigo 3.°, n.° 2, do regulamento de base, na medida em que essa disposição requer um exame objectivo da subcotação dos preços. Por outro lado, ao explicitar que as empresas de comercialização independentes realizam as suas margens de lucro antes da entrada dos produtos no território comunitário, a recorrente expôs a razão pela qual considerava que as instituições deveriam ter tido em conta as referidas margens no quadro do cálculo dos seus próprios preços de exportação se quisessem proceder a um cálculo objectivo dessa subcotação. A recorrente expôs, portanto, as suas críticas de forma suficientemente precisa para permitir ao Conselho compreender as omissões que lhe eram censuradas, bem como a sua importância no quadro do cálculo do prejuízo, e ao Tribunal Geral apreciar a procedência das alegações em questão.

119    No que respeita à procedência do fundamento, resulta dos n.os 112 a 115 supra que a recorrente critica a Comissão por não ter tomado em consideração as margens de lucro das sociedades de comercialização, e, em particular, da sociedade Pagoda, no cálculo do preço cif, fronteira comunitária, das suas exportações para efeitos do cálculo da subcotação dos preços.

120    A esse propósito, há que salientar que, como resulta do exame do segundo fundamento (v. n.os 95 a 110 supra), as instituições não excederam a sua margem de apreciação ao considerar que a lista das vendas no mercado comunitário, transacção a transacção, fornecida pela recorrente, não podia ser utilizada para efeitos de cálculo do preço de exportação dos produtos provenientes da sua produção. Portanto, mesmo pressupondo que as instituições devessem ter calculado a margem de subcotação dos preços tendo em conta a intervenção da empresa de comercialização Pagoda no cálculo dos preços cif, fronteira comunitária, da recorrente, isso não poderia ter tido qualquer incidência no cálculo da margem de subcotação. Com efeito, uma vez que o preço de exportação dos produtos da recorrente não foi utilizado para efeitos do cálculo da subcotação dos preços, a tomada em conta das margens de lucro realizadas pela sociedade Pagoda no quadro do encaminhamento dos referidos produtos para o mercado comunitário não é susceptível de afectar a margem de subcotação dos preços estabelecida com base nos preços de exportação das outras empresas da amostra que colaboraram plenamente.

121    Daí resulta que o terceiro fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 20.° do regulamento de base, à violação dos direitos de defesa e à falta de fundamentação

 Argumentos das partes

122    A recorrente alega que as instituições não lhe comunicaram de forma adequada a nova análise factual respeitante ao prejuízo sofrido pela indústria comunitária nem lhe proporcionaram a possibilidade de apresentar comentários sobre essa nova apreciação relativa à configuração dos direitos definitivos (v. n.os 41 a 48 supra). Além disso, a Comissão não explicou suficientemente as razões que impunham a mudança da sua análise e a utilização de dados diferentes dos contidos na sua primeira proposta.

123    Quando, no documento de divulgação final, a Comissão considerava que a importação de um volume de 140 milhões de pares de sapatos por ano não tinha efeito prejudicial para a indústria comunitária, diminuiu significativamente esse número para 41,5 milhões de pares no seu documento de divulgação final adicional de 28 de Julho de 2006, sem explicar as razões que justificam essa mudança que teve «o efeito perverso» de inverter, por intermédio de uma manipulação operada com base nos anos de referência, o valor dos direitos impostos entre a China e o Vietname. Quanto ao seu rácio económico, os contingentes instituídos por um sistema de direitos diferidos são destinados a fazer face às pressões resultantes do volume das importações que, todavia, não são consideradas ser provenientes de práticas desleais, ao passo que as medidas antidumping são concebidas para responder às práticas desleais de dumping. Atendendo a essas diferenças, o prazo de cinco dias concedido pela Comissão à recorrente para apresentar as suas observações sobre a nova proposta é insuficiente, facto de que a recorrente se queixou durante o procedimento administrativo.

124    O regulamento impugnado, no considerando 301 cuja última proposta da Comissão foi seguida, não comporta fundamentação suficiente face a esta divergência e não indica as razões que justificam a aplicação do novo método. Em contrapartida, o considerando 301 do regulamento impugnado limita‑se a reproduzir os termos do ponto 280 do documento de divulgação final adicional, que não contém mais informações. Além disso, o documento de divulgação final adicional não contém qualquer número ou cálculo que sirva de base ao método descrito no considerando 301 do regulamento impugnado e não permite explicar o recurso a anos, valores e volumes diferentes dos que tinham sido utilizados na primeira proposta. As instituições violaram, por outro lado, o artigo 20.° do regulamento de base, que exige a comunicação dos pormenores que suportam os factos e as considerações essenciais com base nos quais a Comissão entendeu propor a adopção das medidas definitivas. Com efeito, a apreciação factual que suporta a nova abordagem da Comissão não foi explicada nem justificada.

125    De resto, a Comissão violou os direitos de defesa da recorrente na medida em que não lhe permitiu fazer valer utilmente a sua posição sobre um número de questões importantes, como o carácter razoável da nova proposta, a exactidão e a pertinência dos factos e das circunstâncias alegados, os cálculos efectuados e os elementos apresentados pela Comissão em apoio das suas conclusões sobre o dumping e o prejuízo sofrido pela indústria comunitária. Com efeito, os dois sistemas são caracterizados por diferenças fundamentais na análise factual em que se baseiam. Essas diferenças deram lugar a consequências radicalmente opostas para os produtores chineses e vietnamitas sem que, mesmo assim, a Comissão tenha explicado como chegara a esse resultado ou tenha dado ocasião aos interessados de exercer os seus direitos de defesa.

126    A tentativa do Conselho de minimizar as diferenças entre as propostas expondo que o sistema adoptado tem em conta o facto de que só importações acima de certos limiares em volume causam prejuízo implica a imposição de direitos antidumping sobre importações que não causam prejuízo, o que é contrário ao artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base. O facto de a recorrente ter podido formular algumas observações em relação a esse sistema, num prazo inferior ao prazo mínimo de dez dias previsto no artigo 20.°, n.° 5, do regulamento de base, não pode, por outro lado, ser considerado contra ela nem pode remediar a insuficiência das informações fornecidas pela Comissão. Com efeito, a questão de saber se o prazo concedido pela Comissão era adequado para efeitos do respeito dos direitos de defesa da recorrente deve ser apreciada à luz da extensão da mudança no método adoptado pela Comissão bem como da inexistência de dados ou de explicações sobre a nova apreciação jurídica e factual. A esse propósito, a recorrente observa que, quando as instituições não proporcionam explicações adequadas sobre o método e a apreciação dos factos que efectuam, o facto de ter podido ter formulado alguns comentários é de valor limitado e não implica que tenham sido satisfeitas as exigências do artigo 20.° do regulamento de base, dos princípios gerais do direito comunitário e do direito da OMC. Além disso, a própria Comissão adoptou um calendário muito restritivo, facto que excluiu qualquer dilação do prazo concedido para formular comentários sobre o documento de divulgação final adicional. Além disso, as discussões que duraram vários meses incidiram sobre o sistema de direitos diferidos e não sobre o sistema finalmente adoptado.

127    A recorrente considera que, em razão das falhas do documento de divulgação final adicional e do prazo insuficiente concedido, não teve a possibilidade de expor à Comissão as razões pelas quais a abordagem adoptada era inadequada ou desrazoável nem de apresentar o seu ponto de vista sobre o método ou os dados quantitativos que suportam a proposta contida nesse documento.

128    Finalmente, a recorrente acrescenta que, se tivesse sido colocada de forma adequada em condições de formular comentários, teria avançado, em primeiro lugar, que o sistema proposto equivalia a uma violação do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base, na medida em que redunda na imposição de direitos antidumping a importações que não causam prejuízo, em segundo lugar, que a margem de prejuízo individual deveria ter sido calculada em relação a ela e, em terceiro lugar, que a última proposta da Comissão era desrazoável e desproporcionada, na medida em que a apreciação factual revista, que não foi explicada nem justificada, teve o «efeito perverso» de inverter o encargo respectivo das medidas antidumping entre a China e o Vietname.

129    O Conselho, apoiado pela Comissão e pela CEC, contesta os argumentos da recorrente.

 Apreciação do Tribunal Geral

130    Através do seu quarto fundamento, em primeiro lugar, a recorrente alega que as instituições violaram o artigo 20.° do regulamento de base pelo facto de a Comissão, por um lado, não ter comunicado os elementos em que baseou os cálculos efectuados no documento de divulgação final adicional e, por outro, não lhe concedeu um prazo suficiente e conforme ao disposto no n.° 5 do mesmo artigo para apresentar observações completas sobre a nova abordagem.

131    Em segundo lugar, a recorrente alega que as instituições não expuseram nem nos documentos de divulgação final ou de divulgação final adicional nem no regulamento impugnado os motivos que justificavam o método aplicado a fim de tomar em conta a existência de um volume de importações que não causa prejuízo e que consiste em diminuir a margem de prejuízo em vez de isentar as importações não prejudiciais da imposição de direitos antidumping. Estas circunstâncias constituem uma violação dos direitos de defesa da recorrente bem como falta de fundamentação.

132    A título preliminar, há que salientar que o artigo 20.° do regulamento de base prevê regras relativas ao exercício do direito das partes em causa, nomeadamente dos exportadores, a serem ouvidos, o qual constitui um dos direitos fundamentais reconhecidos pela ordem jurídica comunitária e comporta o direito de ser informado dos principais factos e considerações com base nos quais é encarada a hipótese de recomendar a instituição de direitos antidumping definitivos (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 1991, Al‑Jubail Fertilizer/Conselho, C‑49/88, Colect., p. I‑3187, n.° 15, e acórdão do Tribunal Geral de 19 de Novembro de 1998, Champion Stationery e o./Conselho, T‑147/97, Colect., p. II‑4137, n.° 55).

133    Nestas condições, há que interpretar os argumentos das recorrentes relativos à violação do artigo 20.° do regulamento de base como referindo‑se a uma violação dos seus direitos de defesa, como são consagrados pela ordem jurídica comunitária, inclusive por essa disposição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 21 de Novembro de 2002, Kundan e Tata/Conselho, T‑88/98, Colect., p. II‑4897, n.° 131).

134    A este propósito, há que recordar que as empresas envolvidas num inquérito que preceda a adopção de um regulamento antidumping devem ser colocadas em condições, no decurso do procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e circunstâncias alegados e sobre os elementos de prova invocados pela Comissão em apoio da sua apreciação sobre a existência de uma prática de dumping e do prejuízo que daí resultaria (acórdãos Al‑Jubail Fertilizer/Conselho, n.° 132 supra, n.° 17, e de 3 de Outubro de 2000, Industrie des poudres sphériques/Conselho, C‑458/98 P, Colect., p. I‑8147, n.° 99; acórdãos Champion Stationery e o./Conselho, n.° 132 supra, n.° 55, e Kundan e Tata/Conselho, n.° 133 supra, n.° 132).

135    Deve igualmente salientar‑se, neste contexto, que o carácter incompleto da divulgação final só leva à ilegalidade de um regulamento que institui direitos antidumping definitivos quando, devido a essa omissão, as partes interessadas não tiverem sido colocadas em condições de defenderem utilmente os seus interesses. Tal será nomeadamente o caso quando a omissão incide sobre factos ou considerações diferentes dos utilizados para as medidas provisórias, aos quais deve ser concedida uma especial atenção na divulgação final, segundo o artigo 20.°, n.° 2, do regulamento de base. Tal é igualmente o caso, por identidade de razões, quando a omissão incidir sobre factos ou considerações diferentes daqueles em que se baseia uma decisão tomada pela Comissão ou pelo Conselho posteriormente à comunicação do documento de divulgação final, como decorre do artigo 20.°, n.° 4, última frase, do regulamento de base.

136    No caso em apreço, como foi salientado nos n.os 42 a 44 supra, a Comissão preconizou, em primeiro lugar, no documento de divulgação final, um sistema de direitos diferidos, baseado no facto de só as importações de mais de 140 milhões de pares de sapatos por ano causarem um prejuízo na acepção do artigo 3.° do regulamento de base. Esta apreciação apoiava‑se na existência do regime de contingentes quantitativos até 1 de Janeiro de 2005, que teria impedido esse prejuízo, bem como num cálculo das quantidades que foram importadas da China em 2005. Segundo essa proposta, devia ser um direito antidumping definitivo aplicado às importações originárias da China para além de 140 milhões de pares de sapatos por ano. Esse direito era igual à margem de subcotação dos preços de referência, no caso 23%.

137    Todavia, como foi exposto nos n.os 47 e 48 supra, a Comissão alterou, no quadro do documento de divulgação final adicional, a sua proposta relativa à forma dos direitos necessária para a eliminação do prejuízo. Essa nova abordagem assentava igualmente na existência de um volume de importações que não causa prejuízo na acepção do artigo 3.° do regulamento de base. No entanto, segundo o documento de divulgação final adicional, tanto o método de cálculo desse volume de importações não prejudicial como o impacto desse volume sobre a forma dos direitos definitivos propostos diferiam dos evocados no documento de divulgação final.

138    Em particular, no documento de divulgação final adicional, em primeiro lugar, a Comissão recordou que a margem de subcotação dos preços de referência para as importações provenientes da China ascendia a 23%. Em segundo lugar, estabeleceu que o volume das importações provenientes desse país durante o período de inquérito ascendia a 38% das importações provenientes dos dois países em causa. Essa percentagem, aplicada à totalidade das importações provenientes da China e do Vietname em 2003 (109 milhões de pares de sapatos), correspondia a cerca de 41,5 milhões de pares de sapatos, volume que foi considerado não causar prejuízo à indústria comunitária. Em terceiro lugar, a Comissão considerou que esse volume representava 28,26% das importações provenientes da China em 2005. Finalmente, em quarto lugar, reduziu a margem de prejuízo inicialmente estabelecida (23%) de 28,26%, o que deu lugar a uma margem de prejuízo «ponderada» de 16,5%.

139    Resulta do que precede que as diferenças entre o método apresentado no documento de divulgação final e o apresentado no documento de divulgação final adicional são as seguintes. Em primeiro lugar, em vez de estabelecer o volume anual de importações não prejudicial ao nível das importações provenientes da China em 2005, a Comissão estabeleceu esse volume anual multiplicando os 109 milhões de pares de sapatos importados em 2003 por 38%. Trata‑se da percentagem que representavam as importações originárias desse país em relação ao conjunto das importações provenientes dos dois países em causa durante o período de inquérito. Em segundo lugar, em vez de isentar esse volume anual, qualificado de não prejudicial nos pontos 278 a 280 do documento de divulgação final adicional, da aplicação de um direito antidumping, a Comissão optou por ter em conta esse volume diminuindo o nível de eliminação do prejuízo e aplicando os direitos antidumping a partir do primeiro par importado.

140    A este propósito, deve reconhecer‑se que o facto de a Comissão ter alterado a sua análise na sequência dos comentários que as partes interessadas formularam sobre o documento de divulgação final não constitui, por si só, uma violação dos direitos de defesa. Com efeito, como resulta do artigo 20.°, n.° 4, última frase, do regulamento de base, o documento de divulgação final não constitui um obstáculo a qualquer decisão posterior da Comissão ou do Conselho. Essa disposição limita‑se a impor à Comissão o dever de comunicar, desde que possível, os factos e as considerações diferentes dos que apoiam a sua abordagem inicial contida no documento de divulgação final. É, com efeito, por intermédio dessa exposição que os interessados estão em condições de compreender os motivos que levaram as instituições a adoptar uma posição diferente.

141    Por conseguinte, para determinar se a Comissão respeitou os direitos das recorrentes que decorrem do artigo 20.°, n.° 4, última frase, do regulamento de base, há que verificar ainda se a Comissão lhe comunicou os factos e as considerações feitas para efeitos da nova análise sobre o prejuízo e sobre a forma das medidas requeridas para o eliminar, na medida em que diferiam das feitas no documento de divulgação final (v. n.° 135 supra).

142    A esse propósito, antes de mais, a Comissão expôs no documento de divulgação final adicional que a sua nova proposta permitia não fazer distinções entre as diferentes categorias de importadores.

143    Em seguida, quanto aos elementos na base dos quais a Comissão procedeu ao ajustamento da margem de prejuízo de 23 para 16,5%, é sem razão que a recorrente alega que não teve a eles acesso. Com efeito, o método descrito no n.° 138 supra respeitante ao ajustamento da margem de prejuízo tendo em conta um volume de importações não prejudicial figura no documento de divulgação final adicional. É verdade que esse documento não dá informação sobre o volume exacto das importações provenientes da China em 2005, que permitiria verificar que a percentagem de 28,26% corresponde à realidade. Todavia, dado que, segundo a Comissão, os 41,5 milhões de pares de sapatos representam 28,26% da totalidade das importações provenientes da China em 2005, pode daí deduzir‑se que essas importações ascenderam a 146,85 milhões de pares de sapatos. Esse cálculo foi retomado, aliás, pela própria recorrente no seu correio electrónico de 2 de Agosto de 2006 (v. n.° 49 supra).

144    Resulta das considerações que precedem que a Comissão comunicou à recorrente o raciocínio que seguiu para calcular a margem de prejuízo tendo em conta um volume de importações não prejudicial. A Comissão expôs a totalidade dos elementos quantificados que considerou pertinentes para esse efeito, de modo que os direitos de defesa da recorrente não foram violados nesse aspecto.

145    Há também que sublinhar, à semelhança do Conselho, que o fundamento da recorrente, como foi desenvolvido na petição, é relativo à violação dos seus direitos de defesa e não do artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base. Daqui resulta que a questão de saber se o sistema adoptado no regulamento impugnado é compatível com o artigo 1.°, n.° 1, do regulamento de base, na medida em que impõe direitos antidumping a importações inferiores ao limiar anual que foi considerado como não causando prejuízo, não foi submetida como tal à fiscalização do Tribunal.

146    Quanto ao prazo concedido, as partes estão de acordo quanto ao facto de que expirava em 2 de Agosto de 2006.

147    Concedendo à recorrente um prazo inferior a dez dias para comentar o documento de divulgação final adicional, a Comissão infringiu o artigo 20.°, n.° 5, do regulamento de base (v., neste sentido, acórdão Champion Stationery e o./Conselho, n.° 132 supra, n.° 80). Todavia, essa circunstância não pode, em si mesma, conduzir à anulação do regulamento impugnado. Com efeito, é necessário ainda demonstrar que o facto de dispor de um prazo inferior ao prazo legal foi de molde a afectar concretamente os seus direitos de defesa no quadro do processo em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 28 de Outubro de 2004, Shanghai Teraoka Electronic/Conselho, T‑35/01, Colect., p. II‑3663, n.° 331).

148    A este propósito, deve salientar‑se que a recorrente recordou, no quadro do seu correio electrónico de 2 de Agosto de 2006, os cálculos da Comissão e que apresentou um cálculo alternativo que chegou a um resultado diferente e, em sua opinião, equitativo. Portanto, a recorrente compreendeu o raciocínio da Comissão e esteve em condições de lhe propor uma outra abordagem sem pedir uma dilação do prazo concedido. Nestas condições, deve reconhecer‑se que esteve em condições de fazer valer utilmente o seu ponto de vista.

149    Daqui decorre que os direitos de defesa das recorrentes não foram violados.

150    Por identidade de razões, há que rejeitar a argumentação das recorrentes deduzida da falta de fundamentação no que respeita ao método aplicado para o cálculo do nível de eliminação do prejuízo. Com efeito, a fundamentação do regulamento impugnado deve ser apreciada tendo em conta, nomeadamente, as informações que foram comunicadas à recorrente e as observações que apresentou durante o procedimento administrativo (acórdão do Tribunal Geral de 15 de Dezembro de 1999, Petrotub e Republica/Conselho, T‑33/98 e T‑34/98, Colect., p. II‑3837, n.° 107).

151    No caso dos autos, como foi salientado no n.° 36 supra, os considerandos 296 a 301 do regulamento impugnado contêm as apreciações que levaram o Conselho à adopção do sistema finalmente aplicado. Por conseguinte, atento o facto de a Comissão ter comunicado à recorrente o raciocínio que seguiu para calcular a margem de prejuízo tendo em conta um volume de importações não prejudicial e de lhe ter exposto igualmente a totalidade dos elementos quantificados que considerou serem pertinentes para esse efeito (v. n.os 166 a 168 infra), há que concluir que o regulamento impugnado está suficientemente fundamentado do ponto de vista do direito.

152    Portanto, o quarto fundamento deve ser rejeitado.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro de direito e a um erro manifesto de apreciação no que respeita ao prejuízo sofrido pela indústria comunitária

 Argumentos das partes

153    A recorrente considera que a apreciação relativa ao prejuízo não é baseada num período suficientemente longo de importações normais e, por isso, não assenta em dados fiáveis e objectivos. Com efeito, dado que o período de inquérito se estende de 1 de Abril de 2004 a 31 de Março de 2005, a Comissão ficou convicta de que o aumento das importações após a extinção do regime de contingentes teve um efeito prejudicial particularmente sensível para a indústria comunitária tomando em conta apenas um período de três meses, concretamente, o primeiro trimestre de 2005. Os indícios manifestos da existência de um prejuízo importante em 2004 aos quais faz referência a Comissão no ponto 227 que figura no novo título H do documento de divulgação final adicional não significam que um prejuízo importante tenha efectivamente sido causado em 2004. A inexistência de prejuízo importante em 2004 é corroborada pelo facto de o aumento das importações desse ano ter sido fraco em comparação com 2003 e confirmada pelo ponto 285 do documento de divulgação final.

154    Ora, os três primeiros meses de 2005 constituem o período inicial de abertura de um mercado submetido durante mais de doze anos à aplicação de um regime de contingentes quantitativos rigoroso. Como a Comissão salientou no documento de divulgação final, esse período a seguir à extinção do regime de contingentes foi artificialmente falseado por expectativas ligadas a esse evento. Segundo a recorrente, o regulamento impugnado é, portanto, fundado em dados relativos a um curto período que não podia fornecer elementos fiáveis devido à derrogação dos contingentes. Daqui resulta que o Conselho violou o artigo 3.°, n.° 2, do regulamento de base. Além disso, nada prova que a Comissão tenha examinado os factores de prejuízo na totalidade do período considerado.

155    Finalmente, a recorrente recorda que o regime de contingentes não se destinava a impedir as consequências das importações que são objecto de dumping.

156    O Conselho, apoiado pela Comissão e pela CEC, contesta a procedência dos argumentos das recorrentes.

 Apreciação do Tribunal Geral

157    Em primeiro lugar, há que salientar que a instituição de direitos antidumping não constitui uma sanção de um comportamento anterior, mas uma medida de defesa e protecção contra a concorrência desleal resultante das práticas de dumping. Assim, é necessário levar a cabo o inquérito com base em informações tão actuais quanto possível a fim de poder fixar os direitos antidumping que são adequados à protecção da indústria comunitária contra as práticas de dumping (acórdão Industries des poudres sphériques/Conselho, n.° 134 supra, n.os 91 e 92, e acórdão do Tribunal Geral de 14 de Novembro de 2006, Nanjing Metalink/Conselho, T‑138/02, Colect., p. II 4347, n.° 60).

158    Assim, quando as instituições reconhecem que as importações de um produto sujeito até então a restrições quantitativas aumentam após a extinção das referidas restrições, podem ter em conta esse crescimento para efeitos da sua apreciação do prejuízo sofrido pela indústria comunitária.

159    Em segundo lugar, como o Conselho observa, a apreciação da Comissão que figura no n.° 283 do documento de divulgação final, segundo a qual o volume dos produtos importados aumentou após a extinção do regime de contingentes, não demonstra que as instituições se tenham fundado unicamente nesse elemento quantitativo para concluir pela existência de um prejuízo.

160    Finalmente, como resulta dos considerandos 162, 168 a 170, 187 a 206 e 216 a 240 do regulamento impugnado, as instituições tomaram em conta vários factores, respeitantes ao prejuízo e ao nexo de causalidade, relativos não só ao último trimestre do período de inquérito, mas também ao período considerado.

161    Daqui resulta que o quinto fundamento deve ser afastado.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do artigo 2.°, n.° 10, do regulamento de base e a um erro manifesto de apreciação respeitante à comparação entre o preço de exportação e o valor normal

 Argumentos das partes

162    A recorrente alega que, ao não proceder a uma comparação equitativa entre o preço de exportação e o valor normal, o Conselho violou o artigo 2.°, n.° 10, do regulamento de base. Com efeito, o método utilizado pela Comissão para efeitos de comparação dos diversos modelos de calçado deu origem a resultados falseados.

163    Em particular, a recorrente alega que a Comissão agrupou num único número de controlo de produto vários tipos de calçado que têm custos de produção e preços à saída da fábrica substancialmente diferentes. Assim, resultaram da comparação entre os preços de exportação e os preços pagos no mercado nacional «margens de dumping largamente falseadas».

164    No decurso do inquérito, a Comissão forneceu exemplos de um único número de controlo de produto que integra estilos muito diferentes de calçado, tais como «calçado de cerimónia», por um lado, e o calçado «mocassin», por outro. Ora, é evidente que esses tipos de calçado diferem quanto ao couro utilizado, ao processo de fabrico e à qualidade, o que conduz a preços diferentes. O aperfeiçoamento mínimo do sistema utilizado teria satisfeito as necessidades de uma comparação equitativa sem comprometer a eficácia do método. A Comissão recebera provas pormenorizadas durante o procedimento administrativo, que demonstram que vários tipos de calçado a preços muito diferentes eram agrupados sob o mesmo número de controlo de produto. Nestas condições, incumbia à Comissão aperfeiçoar o sistema e não à recorrente propor‑lhe um outro.

165    Quanto à tese defendida pelo Conselho a esse propósito no considerando 143 do regulamento impugnado, segundo a qual o importante era a aplicação coerente do sistema de números de controlo de produto, a recorrente replica que a aplicação coerente de um método incorrecto não permite remediar o seu carácter incorrecto, o qual é inerente à comparação de produtos não comparáveis do ponto de vista do consumidor. Além disso, nenhum processo de controlo adequado foi aplicado na matéria.

166    O argumento relativos aos ajustamentos alegadamente efectuados é inoperante, uma vez que os ajustamentos em questão não remediariam as consequências das falhas supramencionadas.

167    A título subsidiário, a recorrente alega que as conclusões do Conselho no considerando 143 do regulamento impugnado estão afectadas de falta de fundamentação, na medida em que as diferenças de preço verificadas foram justificadas apenas de forma hipotética sem serem escoradas por provas precisas.

168    Além disso, os elementos em que se baseiam essas conclusões não foram comunicados à recorrente, o que constitui uma violação dos seus direitos de defesa.

169    A recorrente acrescenta que a Comissão aplicou igualmente o sistema de números de controlo de produto para avaliar a subcotação dos preços e as percentagens de direito antidumping que permitem eliminar o prejuízo. Assim, a abordagem da Comissão é manifestamente incorrecta na medida em que redunda, por exemplo, na comparação entre o preço cif de um sapato chinês de tipo «mocassin» e o preço de um «sapato de cerimónia» italiano. Ora, esse método constitui um obstáculo a uma «avaliação objectiva e racional» dos factos pertinentes para determinar o prejuízo.

170    O Conselho, apoiado pela Comissão e pela CEC, contesta os argumentos da recorrente, em parte, por serem inadmissíveis e, em parte, por serem improcedentes. Quanto à admissibilidade dos argumentos da recorrente, alega que um fundamento baseado na remissão geral para os anexos da petição é inadmissível. Tal acontece com a argumentação relativa às observações apresentadas à Comissão durante o procedimento administrativo.

 Apreciação do Tribunal Geral

171    No que diz respeito à inadmissibilidade suscitada pelo Conselho, há que observar que a recorrente expôs as suas críticas de forma suficientemente precisa para permitir ao Conselho compreender as críticas formuladas contra o regulamento impugnado, bem como a sua importância no quadro do cálculo da margem de dumping e do prejuízo, e ao Tribunal apreciar a procedência das alegações em questão. Além disso, a remissão para anexos, tal como foi efectuada no caso em apreço, visa provar a procedência das alegações formuladas na petição, que é a função essencial dos anexos.

172    Quando o produto em causa contém uma larga gama de bens que apresentam disparidades consideráveis quanto às suas características e aos seus preços, pode afigurar‑se indispensável agrupá‑los em categorias mais ou menos homogéneas. Essa operação tem por objectivo, como alegam as partes, permitir uma comparação equitativa entre produtos comparáveis e evitar, assim, um cálculo errado da margem de dumping e do prejuízo devido a comparações inadaptadas.

173    Na ocorrência, a Comissão pediu aos operadores chineses, brasileiros e comunitários que constituíssem números de controlo dos seus produtos em função das características apresentadas no seguinte quadro:

Descrição dos domínios

Significado

 




Categoria de calçado

Indique a categoria de calçado. Escolha entre:

 
 

- calçado de uso corrente

A

 

- sandálias

B

 

- chinelas

C

 

- tamancos

D

 

- outro: calçado de família, mocassins, calçado entrançado, etc.

E




Tipo de consumidor

Indique o tipo de consumidor. Escolha entre:

 
 

- homem

A

 

- senhora

B

 

- unisexo

C

 

- criança

D



Tipo de

calçado

Indique o tipo de produto. Escolha entre:

 
 

- não cobrindo o tornozelo

A

 

- cobrindo o tornozelo, mas não a perna

B

 

- cobrindo o tornozelo e a perna

C




Material da sola exterior

Indique o material da sola exterior. Escolha entre:

 
 

- couro ou combinação de couro com outros materiais

1

 

- borracha, crepe ou cortiça

2

 

- PU (poliuretano) – PVC (policloreto de vinilo)

3

 

- madeira

4

 

- outro

5


Forro do

calçado

Indicar se o calçado tem forro. Escolha entre:

 
 

- com forro

1

 

- sem forro

2


174    Assim, a um sapato de uso corrente unissexo que não cobre o tornozelo, com uma sola exterior de borracha e com forro é atribuído o número de controlo de produto ACA21.

175    Quanto à determinação da margem de dumping, decorre do quadro anexado ao documento de divulgação final que figura na página 303 dos autos que a Comissão procedeu ao cálculo do valor normal para cada número de controlo de produto na base dos dados recolhidos no Brasil, Além disso, resulta do quadro que figura na página 302 dos autos que a Comissão comparou, em relação a cada número de controlo de produto, o valor normal ao preço de exportação e calculou uma margem de dumping que ascende a 28,95%.

176    No respeitante ao cálculo do prejuízo causado pelas exportações provenientes da China, resulta do quadro que figura na página 299 dos autos que a Comissão calculou um preço médio por par de sapatos incluído em cada número de controlo de produto a fim de o comparar com o preço de referência que devia obter a indústria comunitária realizando um lucro de 6% (v. considerando 292 do regulamento impugnado). A diferença positiva entre os dois preços constitui a subcotação dos preços de referência e, por isso, o prejuízo sofrido pela indústria comunitária, que foi calculado em 23% (v. n.° 56 supra).

177    No caso vertente, a recorrente afirma que os critérios utilizados para constituir as categorias em questão eram de tal forma vagos que tiveram por consequência o agrupamento, sob um único número de controlo de produtos, calçado muito diferente quanto às suas características e, por isso, quanto ao seu preço. Isto falseou tanto o cálculo da margem de dumping como o do prejuízo. A fim de provar as suas afirmações, a recorrente apresentou um quadro segundo o qual vários números de controlo de produto incluem calçado cuja disparidade dos preços é tal que os produtos correspondentes deixam de ser comparáveis. Esses dados são provenientes de cinco operadores chineses três dos quais fazem parte da amostra. Por exemplo, o número de controlo de produto AAB21 inclui, segundo as informações fornecidas pelo produtor n.° 4, calçado a um preço de 26,30 dólares dos Estados Unidos (USD) à saída da fábrica bem como calçado a 112,09 USD à saída da fábrica.

178    A esse propósito, deve salientar‑se que os números de controlo do produto são estabelecidos em função das características próprias de cada subcategoria de artigos incluídos na definição do produto em causa e não em função do preço de cada um desses artigos. Assim, o facto de um número de controlo de produto abranger produtos que têm um grande leque de preços não demonstra, por si só, que os critérios escolhidos para implementar esse sistema não sejam pertinentes.

179    Como o Conselho sublinha, a recorrente não explica quais eram as diferenças físicas entre o calçado vendido a preço elevado e o vendido a preço baixo, nem como essas diferenças poderiam ter sido tomadas em conta num sistema diferente. Além disso, como Conselho o salientou no considerando 143 do regulamento impugnado, as diferenças de preço podem ser devidas a diferentes factores, tais como as tendências da moda e a psicologia do mercado, que não põem necessariamente em causa a comparabilidade dos produtos dentro de um número de controlo de produto. A recorrente não provou, portanto, que o sistema orientado por cinco características que a Comissão concebeu fosse manifestamente inadequado.

180    Quanto ao argumento da recorrente relativo ao facto de o âmbito de aplicação relativo à categoria de calçado «E» (Outro) abranger ao mesmo tempo o «calçado de cerimónia» e o calçado «mocassin» (v. n.° 164 supra), há que salientar, à semelhança do Conselho, que esse âmbito só correspondia a cinco critérios utilizados para elaborar o sistema dos números de controlo de produto e que a recorrente demonstrou que as diferenças eram tão importantes que justificariam a criação de outras categorias de calçado para assegurar uma comparação equitativa.

181    Finalmente, quanto às críticas relativas à falta de fundamentação (v. n.° 167 supra), há que observar que, não existindo indícios de que as diferenças de preço provinham de diferenças físicas que o sistema de números de controlo de produto não teve suficientemente em conta, as instituições não eram obrigadas a explicar de forma mais pormenorizada as causas possíveis dessas diferenças.

182    Portanto, o sexto fundamento deve ser rejeitado e deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

183    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do Conselho.

184    Em conformidade com o disposto no artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, a Comissão, a CEC e os produtores italianos suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Sun Sang Kong Yuen Shoes Factory (Hui Yang) Corp. Ltd suportará as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pelo Conselho da União Europeia.

3)      A Comissão Europeia, a Confédération européenne de l’industrie de la chaussure (CEC), a BA.LA. di Lanciotti Vittorio & C. Sas e as outras dezasseis intervenientes cujos nomes figuram em anexo suportarão as suas próprias despesas.

Martins Ribeiro

Papasavvas

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de Março de 2010.

Assinaturas


Índice


Quadro jurídico

Antecedentes do litígio e regulamento impugnado

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 2.°, n.° 7, alínea c), do regulamento de base

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 18.° do regulamento de base

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 3.° do regulamento de base

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 20.° do regulamento de base, à violação dos direitos de defesa e à falta de fundamentação

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro de direito e a um erro manifesto de apreciação no que respeita ao prejuízo sofrido pela indústria comunitária

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do artigo 2.°, n.° 10, do regulamento de base e a um erro manifesto de apreciação respeitante à comparação entre o preço de exportação e o valor normal

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto às despesas


Anexo

Calzaturificio Elisabet Srl, com sede em Monte Urano (Itália),

Calzaturificio Iacovelli di Iacovelli Giuseppe & C. Snc, com sede em Monte Urano,

Calzaturificio Leopamy Srl, com sede em Monte Urano,

Calzaturificio Lunella Srl, com sede em Monte Urano,

Calzaturificio Mia Shoe Snc di Gattafoni Carlo & C., com sede em Monte Urano,

Calzaturificio Primitempi di Monaldi Geri, com sede em Monte Urano,

Calzaturificio R. G. di Rossi & Galie Srl, com sede em Monte Urano,

Calz. S. G. di Seghetta Giampiero e Sergio Snc, com sede em Monte Urano,

Carim Srl, com sede em Monte Urano,

Florens Shoes SpA, com sede em Monte Urano,

Gattafoni Shoe Snc di Gattafoni Giampaolo & C., com sede em Monte Urano,

Grif Srl, com sede em Monte Urano,

Missouri Srl, com sede em Monte Urano,

New Swing Srl, com sede em Monte Urano,

Podosan Medical Shoes di Cirilli Michela, com sede em Monte Urano,

Viviane Sas, com sede em Monte Urano.


* Língua do processo: inglês.


1 – Dados confidenciais ocultados.