Language of document : ECLI:EU:T:2018:103

Processo T292/15

Vakakis kai Synergates — Symvouloi gia Agrotiki Anaptixi AE Meleton, anteriormente Vakakis International — Symvouloi gia Agrotiki Anaptixi AE

contra

Comissão Europeia

«Responsabilidade extracontratual — Contratos públicos de serviços — Processo de concurso — Admissibilidade — Desvio de processo — Conflito de interesses — Dever de diligência — Perda de oportunidade»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção Alargada) de 28 de fevereiro de 2018

1.      Ação de indemnização — Requisitos de admissibilidade — Conhecimento oficioso

(Artigo 268.° TFUE)

2.      Ação de indemnização — Autonomia relativamente ao recurso de anulação — Limites — Ação em que se pretende obter o mesmo resultado que num recurso de anulação — Inadmissibilidade

(Artigos 263.° TFUE, 268.° TFUE e 340.°, segundo parágrafo, TFUE)

3.      Ação de indemnização — Autonomia relativamente ao recurso de anulação — Limites — Pedido de reparação dos danos sofridos por causa de irregularidades cometidas por uma instituição na qualidade de entidade adjudicante num concurso — Admissibilidade

(Artigos 263.° TFUE e 268.° TFUE; Regulamento n.° 1605/2002 do Conselho, artigo 103.°)

4.      Processo judicial — Petição inicial — Requisitos formais — Identificação do objeto do litígio — Exposição sumária dos fundamentos invocados

[Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, artigos 21.°, primeiro parágrafo, e 53.°, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 44.°, n.° 1, alínea c)]

5.      Processo judicial — Dedução de novos fundamentos no decurso da instância — Requisitos — Ampliação de um fundamento existente — Admissibilidade

(Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 84.°, n.° 1)

6.      Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Prejuízo — Nexo de causalidade — Falta de um dos requisitos — Improcedência total da ação de indemnização

(Artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE)

7.      Provedor de Justiça Europeu — Decisões — Caráter não vinculativo para o juiz da União

(Artigo 228.° TFUE)

8.      Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Norma jurídica que confere direitos aos particulares — Conceito — Direito a uma boa administração e dever de diligência — Inclusão — Princípio da proteção da confiança legítima — Inclusão

(Artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°)

9.      Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Norma jurídica que confere direitos aos particulares — Conceito — Princípio da igualdade de tratamento dos proponentes num contrato público — Inclusão

(Artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE; Regulamento n.° 1605/2002 do Conselho, artigos 89.°, n.° 1, e 94.°)

10.    Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Norma jurídica que confere direitos aos particulares — Conceito — Orientações da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE) para a gestão dos conflitos de interesses no serviço público — Exclusão

(Artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE)

11.    Direito da União Europeia — Princípios — Proteção da confiança legítima — Requisitos — Garantias precisas fornecidas pela Administração

12.    Recurso de anulação — Fundamentos — Violação da confiança legítima — Invocação por um proponente excluído num procedimento de adjudicação de um contrato público — Inexistência de garantias da entidade adjudicante quanto ao resultado do procedimento — Rejeição

(Artigo 263.° TFUE)

13.    Contratos públicos da União Europeia — Processo de concurso — Obrigação de respeitar o princípio da igualdade de tratamento dos proponentes — Alcance

(Regulamento n.° 1605/2002 do Conselho, artigo 89.°, n.° 1)

14.    Contratos públicos da União Europeia — Processo de concurso — Adjudicação dos contratos — Exclusão dos proponentes em situação de conflito de interesses — Pressupostos — Apreciação concreta da proposta e da situação do proponente — Necessidade de apurar um risco real e não eventual

(Regulamento n.° 1605/2002 do Conselho, artigo 94.°)

15.    Contratos públicos da União Europeia — Processo de concurso — Adjudicação dos contratos — Exclusão dos proponentes em situação de conflito de interesses — Obrigações da entidade adjudicante

[Regulamento n.° 1605/2002 do Conselho, artigo 94.°, alínea a)]

16.    Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Ilegalidade — Violação suficientemente caracterizada do direito da União — Inexistência de investigação da existência de um conflito de interesses de um proponente num processo de adjudicação de um contrato público, não obstante a existência de indícios a esse respeito — Inclusão

[Regulamento n.° 1605/2002 do Conselho, artigo 94.°, alínea a)]

17.    Processo judicial — Prova — Prova documental — Valor probatório — Apreciação pelo juiz da União — Critérios

(Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 85.°)

18.    Responsabilidade extracontratual — Requisitos — Dano real e certo causado por um ato ilegal — Danos resultantes de lucros cessantes sofridos por um proponente irregularmente excluído de um contrato público — Exclusão — Danos que consistem na perda da oportunidade de obter o contrato — Inclusão

(Artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE; Regulamento n.° 1605/2002 do Conselho, artigo 101.°)

19.    Responsabilidade extracontratual — Danos — Dano indemnizável — Despesas de advogado no processo no Provedor — Exclusão

(Artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE)

20.    Contratos públicos da União Europeia — Processo de concurso — Despesas em que incorreu um proponente — Direito a indemnização — Inexistência — Exceção — Violação do direito da União

(Artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE; Regulamento n.° 1605/2002 do Conselho, artigo 101.°)

21.    Responsabilidade extracontratual — Prejuízo — Reparação — Consideração da depreciação monetária — Juros compensatórios e de mora — Modalidades de cálculo

(Artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE)

22.    Responsabilidade extracontratual — Prejuízo — Avaliação — Inexistência de elementos que permitam ao juiz da União decidir no âmbito do acórdão que declara a existência de ilegalidades cometidas pela União — Remissão para uma fase posterior do processo para a determinação da indemnização

(Artigo 340.° TFUE)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 28)

2.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 29‑32)

3.      Dada a especificidade do contencioso dos contratos públicos da União, uma ação de indemnização para reparação dos danos alegadamente sofridos por um proponente excluído por causa de irregularidades que uma instituição que atua na qualidade de entidade adjudicante cometeu num concurso não tem o mesmo objeto nem os mesmos efeitos jurídicos e económicos de um recurso de anulação da decisão de exclusão da sua proposta e, consequentemente, não tem o efeito de eliminar os efeitos dessa decisão.

Com efeito, por um lado, há que lembrar que, embora o recurso de anulação vise sancionar a ilegalidade de um ato juridicamente vinculativo, a ação de indemnização, por seu turno, tem por objeto o pedido de reparação de um dano resultante de um ato ou de um comportamento ilícito imputável a uma instituição ou a um órgão da União. Ora, no caso, o recurso de anulação do proponente teria por objeto apenas a decisão de exclusão da sua proposta e a atribuição do contrato a outro proponente e, na medida em que fosse julgado procedente pelo juiz da União, só poderia ter como resultado a anulação dessa decisão. Em contrapartida, com a sua ação de indemnização, o proponente não pretende que seja eliminada essa decisão, mas sim obter uma indemnização do dano alegadamente resultante da sua adoção. O proponente não tenta, pois, com a presente ação de indemnização, obter um resultado comparável ou mesmo idêntico ao que se pretende com um recurso de anulação.

Por outro lado, um recurso de anulação e uma ação de indemnização não têm os mesmos efeitos jurídicos. Num recurso de anulação, a declaração da ilegalidade de um ato e, consequentemente, a parte decisória de um acórdão que o anula têm efeito ex tunc, ao passo que a declaração pelo juiz da União de que um ato constitui uma ilegalidade capaz de justificar a responsabilidade da União tem efeito ex nunc e, em princípio, não tem o efeito de eliminar retroativamente o fundamento jurídico desse ato. Em particular, no âmbito do contencioso dos contratos públicos da União, as circunstâncias a ter em conta para efeitos dos artigos 264.o e 266.o TFUE para executar um acórdão de anulação estão ligadas não só à disposição anulada e ao alcance desse acórdão mas também a outras circunstâncias, como a data da assinatura do contrato, a eventual execução do contrato ou a aplicação do artigo 103.o do Regulamento n.° 1605/2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias. Com efeito, não se pode excluir, depois de um acórdão que anula a decisão de atribuição de um contrato público, a possibilidade a instituição ser levada a pôr termo ao contrato em causa e a organizar um novo procedimento de concurso. Em contrapartida, um acórdão que declare a responsabilidade da União tem necessariamente por efeito o pagamento de uma indemnização ao demandante quando este tenha pedido essa reparação e não uma reparação em espécie.

(cf. n.os 35‑38)

4.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 46)

5.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 50)

6.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 62‑67, 159)

7.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 70)

8.      Em matéria de responsabilidade extracontratual da União, o princípio da boa administração e o artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devem ser qualificados de normas jurídicas que têm por objeto conferir direitos aos particulares. Com efeito, o princípio da boa administração e o referido artigo 41.o constituem a expressão de direitos específicos na aceção dessa disposição, a saber, o direito de os seus processos serem tratados imparcial e equitativamente e, portanto, a obrigação de a instituição competente analisar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes para o caso. Por outro lado, o princípio da proteção da confiança legítima é uma norma jurídica que confere direitos aos particulares.

(cf. n.os 79, 85)

9.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 80)

10.    V. texto da decisão.

(cf. n.° 86)

11.    V. texto da decisão.

(cf. n.° 89)

12.    Uma vez que a adjudicação de um contrato público se dá no termo de uma apreciação comparativa das propostas pela entidade adjudicante e nenhum proponente tem o direito de lhe serem adjudicados contratos automaticamente, um proponente excluído não pode invocar uma violação do princípio da proteção da confiança legítima na falta de esperanças que a entidade adjudicante lhe tenha incutido quanto ao resultado do procedimento de atribuição.

(cf. n.os 90‑92)

13.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 94‑96)

14.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 99, 100, 103)

15.    Em face de um risco de conflito de interesses no domínio dos contratos públicos, cabe à entidade adjudicante preparar e tomar, com toda a diligência necessária e com base em todos os dados relevantes, a sua decisão quanto ao que se segue no procedimento de adjudicação do contrato em causa. Essa obrigação resulta nomeadamente dos princípios da boa administração e da igualdade de tratamento, pois é obrigada a garantir em cada fase de um procedimento de concurso o respeito da igualdade de tratamento e, consequentemente, a igualdade de oportunidades a todos os proponentes.

Esse dever de diligência impõe‑se necessariamente à entidade adjudicante quando dispõe de informações relativas a um risco de conflito de interesses e deve, como no caso, apurar se esse risco se verifica ou não. Esse dever impõe‑se ainda com maior acuidade em circunstâncias em que, por um lado, o perito de uma sociedade membro de um consórcio proponente tenha sido chamado para efeitos da redação dos termos de referência do concurso e este surge como o autor do documento que contém os esses termos, desse modo criando um risco manifesto de conflito de interesses, e em que, por outro, vários outros candidatos alegaram no procedimento de concurso que essa situação constituía um conflito de interesses.

A esse respeito, a violação do dever de diligência por falta de um inquérito que permita excluir com certeza a existência de um conflito de interesses num procedimento de concurso vai igualmente contra o princípio da igualdade de tratamento entre proponentes.

(cf. n.os 106, 126, 127, 150)

16.    Tendo em conta que um conflito de interesses no procedimento de adjudicação de um contrato público prejudica a igualdade entre os proponentes, uma decisão de não excluir um candidato contra o qual foi feita uma alegação de conflito de interesses só pode ser adotada se a entidade adjudicante puder ter a certeza de que esse candidato não está nessa situação. Assim, o simples facto de uma Delegação da União não ter levado a cabo um inquérito rigoroso que permitisse rejeitar com certeza a existência de um risco manifesto de conflito de interesses alegado por vários proponentes constitui uma violação do princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 89.o do Regulamento n.° 1605/2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias, e, portanto, uma violação suficientemente caracterizada de normas jurídicas que têm por objeto conferir direitos aos particulares, tendo em conta a gravidade das consequências que um eventual conflito de interesses pode ter quanto ao resultado dos procedimentos de adjudicação de contratos públicos.

(cf. n.os 133, 152)

17.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 136, 137)

18.    Em matéria de responsabilidade extracontratual da União no domínio dos contratos públicos, os danos relativos a lucros cessantes e à perda de oportunidade não se confundem. Com efeito, os lucros cessantes dirigem‑se à indemnização pela perda do próprio contrato, ao passo que a perda de oportunidade se dirige a obter a compensação da perda de uma oportunidade de celebrar esse contrato.

No caso dos lucros cessantes, o dano resultante da perda de um ganho ou do lucro cessante não está constituído nem é atual, mas sim futuro e hipotético. Com efeito, o dano invocado a esse título pressupõe que, na falta de comportamentos ilícitos imputados à entidade adjudicante, o demandante cuja proposta foi excluída tinha direito à adjudicação do contrato público em causa. Ora, mesmo admitindo que o comité de avaliação tivesse proposto que lhe fosse adjudicado o contrato, a entidade adjudicante não está vinculada pela proposta do comité de avaliação, pois dispõe de um considerável poder de apreciação dos elementos a ter em consideração numa decisão de adjudicar um contrato. Além disso, resulta do artigo 101.o do Regulamento n.° 1605/2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias, que a entidade adjudicante pode, até à assinatura do contrato, renunciar ao contrato ou anular o procedimento de adjudicação do contrato, sem que os candidatos ou os proponentes possam reclamar qualquer indemnização.

Em contrapartida, quanto à perda de oportunidade, o facto de a entidade adjudicante dispor de uma ampla margem de apreciação na adjudicação do contrato não impede que o dano resultante da perda de uma oportunidade tenha caráter real e certo. A esse respeito, o facto de a entidade adjudicante nunca ser obrigada a adjudicar um contrato público não obsta à declaração da perda de uma oportunidade. Com efeito, embora isso afete a certeza de um proponente de ganhar o contrato, e, portanto, o dano respetivo, não pode prejudicar qualquer probabilidade de ganhar esse contrato e, portanto, a perda de uma oportunidade. De qualquer forma, embora seja certo que a entidade adjudicante pode sempre, até à assinatura do contrato, renunciar ao contrato ou anular o respetivo procedimento de adjudicação, sem que os candidatos ou proponentes possam reclamar qualquer indemnização, não é menos verdade que, quando essas hipóteses não se materializaram, o proponente excluído perde uma oportunidade de ganhar o contrato.

Por outro lado, quanto à perda de uma oportunidade de ganhar outros procedimentos de concurso, mesmo admitindo que o proponente excluído pudesse ter sofrido um dano por causa da perda de uma oportunidade de obter o contrato público em causa, isso não basta para dar origem a um dano real e certo resultante da perda de uma oportunidade de obter outros contratos públicos. Com efeito, num sistema de adjudicações públicas, como no caso, a entidade adjudicante dispõe de um considerável poder de apreciação numa decisão de atribuir um contrato. Consequentemente, não se pode presumir que esse proponente teria preenchido todos os requisitos de atribuição desses outros contratos. Esse dano deve, pois, ser considerado incerto e hipotético.

(cf. n.os 166, 179, 188, 189)

19.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 173, 174)

20.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 194‑196)

21.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 199, 200, 222, 223)

22.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 213, 221)