Language of document :

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

26 de janeiro de 2012 (*)

«Política social — Diretiva 1999/70/CE — Artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo — Contratos de trabalho a termo sucessivos — Razões objetivas suscetíveis de justificar a renovação de tais contratos — Regulamentação nacional que justifica o recurso a contratos a termo nos casos de substituição temporária — Necessidade permanente ou recorrente de pessoal de substituição — Ponderação de todas as circunstâncias que envolvem a renovação de contratos a termo sucessivos»

No processo C‑586/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Bundesarbeitsgericht (Alemanha), por decisão de 17 de novembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de dezembro de 2010, no processo

Bianca Kücük

contra

Land Nordrhein‑Westfalen,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues (presidente de secção), U. Lõhmus, A. Rosas, A. Ó Caoimh (relator) e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: N. Jääskinen,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de novembro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

―        em representação de B. Kücük, por H. Rust e B. Jaeger, Rechtsanwälte,

―        em representação do Land Nordrhein‑Westfalen, por T. Kade, Rechtsanwalt,

―        em representação do Governo alemão, por T. Henze e N. Graf Vitzthum, na qualidade de agentes,

―        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, na qualidade de agente,

―        em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e V. Kreuschitz, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «acordo‑quadro CTT»), que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO L 175, p. 43).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe B. Kücük ao seu empregador, o Land Nordrhein‑Westfalen (a seguir «Land»), relativamente à validade do último de uma série de contratos de trabalho a termo sucessivos celebrados entre a interessada e o Land.

 Quadro jurídico

 Regulamentação da União

3        A Diretiva 1999/70 tem por base o artigo 139.°, n.° 2, CE e tem como objetivo, nos termos do seu artigo 1.°, «a aplicação do acordo‑quadro [CTT], [que figura em anexo,] celebrado […] entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP)».

4        Nos termos do artigo 1.°, alínea b), do acordo‑quadro CTT, o seu objetivo consiste em «estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.»

5        O artigo 5.° do acordo‑quadro CTT, intitulado «Disposições para evitar os abusos», estabelece:

«1.      Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)      Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)      Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)      Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

2.      Os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definir em que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a)      Como sucessivos;

b)      Como celebrados sem termo.»

6        A Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (décima diretiva especial na aceção do n.° 1 do artigo 16.° da Diretiva 89/391/CEE) (JO L 348, p. 1), estabelece determinadas exigências mínimas de proteção dessas trabalhadoras.

7        No que diz respeito à licença de maternidade, a Diretiva 92/85 garante, no seu artigo 8.°, o direito a uma licença de maternidade de, pelo menos, catorze semanas consecutivas, incluindo um período obrigatório de, pelo menos, duas semanas.

8        O acordo‑quadro sobre a licença parental, celebrado em 14 de dezembro de 1995 (a seguir «acordo‑quadro sobre a licença parental»), que figura em anexo à Diretiva 96/34/CE do Conselho, de 3 de junho de 1996, relativa ao Acordo‑quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO L 145, p. 4), estabelece prescrições mínimas para facilitar a conciliação das responsabilidades profissionais e familiares dos trabalhadores com filhos.

9        A cláusula 2 do acordo‑quadro sobre a licença parental especifica:

«1.      Por força do presente acordo, e sob reserva do n.° 2 da presente cláusula, é concedido aos trabalhadores de ambos os sexos um direito individual à licença parental, com fundamento no nascimento ou na adoção de um filho, para dele poderem cuidar durante pelo menos três meses até uma determinada idade, que poderá ir até aos oito anos de idade, a definir pelos Estados‑Membros e/ou pelos parceiros sociais.

[...]

5.      No termo da licença parental, o trabalhador tem direito a ser reintegrado no seu posto de trabalho ou, em caso de impossibilidade, num trabalho equivalente ou similar, consoante o seu contrato ou a sua relação de trabalho.

[...]»

 Legislação nacional

10      O § 14 da Lei do contrato de trabalho a tempo parcial e dos contratos de trabalho a termo (Gesetz über Teilzeitarbeit und befristete Arbeitsverträge), de 21 de dezembro de 2000 (BGBl. 2000 I, p. 1966), conforme alterada pelo § 1 da Lei de 19 de abril de 2007 (BGBl. 2007 I, p. 538, a seguir «TzBfG»), intitulado «Possibilidade de limitar a duração dos contratos), dispõe:

«1.      A celebração de um contrato de trabalho a termo só é permitida quando for justificada por uma razão objetiva. Existe razão objetiva, em particular, quando

[...]

3.      o trabalhador seja contratado para substituir outro trabalhador,

[...]»

11      Em caso de invalidade do contrato de trabalho a termo, este é, em conformidade com o § 16 da TzBfG, requalificado como contrato de trabalho sem termo.

12      O § 21, n.° 1, da Lei do subsídio e da licença parentais (Gesetz zum Elterngeld und zur Elternzeit), de 5 de dezembro de 2006 (BGBl. 2006 I, p. 2748), conforme alterada, dispõe:

«Constitui razão objetiva justificativa da celebração de um contrato de trabalho a termo certo a contratação de um trabalhador para substituir outro trabalhador durante o período de vigência de uma proibição de trabalhar nos termos da lei da proteção da maternidade ou de gozo de uma licença parental ou de uma licença para educação de um filho prevista numa convenção coletiva, num acordo de empresa ou num contrato individual de trabalho, durante todos estes períodos somados ou em parte destes períodos.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      B. Kücük foi empregada pelo Land de 2 de julho de 1996 a 31 de dezembro de 2007, com base num total de treze contratos de trabalho a termo. Desempenhou o cargo de assistente de secretaria no secretariado do serviço de processos cíveis do Amtsgericht Köln (Tribunal Distrital de Colónia). Todos esses contratos a termo foram celebrados no contexto de licenças temporárias, incluindo licenças parentais de educação, e de licenças especiais gozadas por assistentes contratados por tempo indeterminado, visando assegurar a sua substituição.

14      Por petição apresentada em 18 de janeiro de 2008 no Arbeitsgericht Köln (Tribunal do Trabalho de Colónia), a recorrente no processo principal invocou a duração indeterminada das suas relações de trabalho para arguir a ilicitude do seu último contrato de trabalho, celebrado em 22 de dezembro de 2006 e que terminou em 31 de dezembro de 2007.

15      Segundo a recorrente no processo principal, esse contrato a termo não se podia fundamentar no § 14, n.° 1, ponto 3, da TzBfG, que refere uma razão objetiva, a saber, a substituição de outro trabalhador. Um total de treze contratos de trabalho a termo concluídos sucessivamente e sem interrupção durante um período de onze anos não poderá em caso algum corresponder a uma necessidade temporária de pessoal de substituição. A recorrente no processo principal sustenta que uma interpretação e uma aplicação do direito nacional de harmonia com as quais tal «cadeia de contratos a termo» deveria ser considerada lícita são incompatíveis com o disposto no artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro CTT. Pediu, portanto, ao Arbeitsgericht Köln que declarasse a não cessação da relação de trabalho entre as partes resultante do contrato a termo de 12 de dezembro de 2006, relativamente ao período compreendido ente 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2007.

16      O Arbeitsgericht Köln julgou improcedente o pedido da recorrente no processo principal. Ao recurso de apelação interposto pela interessada para o Landesarbeitsgericht (Tribunal Superior do Trabalho do Land) foi também negado provimento. Por consequência, a recorrente no processo principal interpôs recurso de «Revision» para o Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho).

17      Perante os órgãos jurisdicionais nacionais, o Land alegou que o caráter determinado da duração do contrato de trabalho contestado por B. Kücük se justificava com base no disposto no § 14, n.° 1, ponto 3, da TzBfG. Com efeito, as condições requeridas para que a substituição de outro trabalhador constitua uma razão objetiva é independente do número de contratos a termo sucessivamente concluídos. A interpretação e a aplicação da regulamentação alemã nesse sentido não são contrárias ao artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro CTT.

18      Na sua decisão, o órgão jurisdicional de reenvio explica, no tocante ao § 14, n.° 1, ponto 3, da TzBfG, que o que caracteriza uma substituição e lhe permanece inerente tem a ver com o facto de a substituição ser temporária e de ter por objetivo a execução das tarefas pelo substituto, isto para satisfazer uma necessidade limitada no tempo. Esse órgão jurisdicional expõe, além disso, que, no direito alemão, a justificação do recurso a um contrato a termo em caso de substituição de um trabalhador reside no facto de o empregador estar já juridicamente vinculado ao trabalhador temporariamente impedido de prestar o seu trabalho e de contar com o seu regresso. Essa justificação implica que o empregador preveja a cessação da necessidade de pessoal de substituição a partir do regresso do trabalhador substituído.

19      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto à qualificação de uma necessidade de pessoal de substituição como razão objetiva na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT. Pergunta, por um lado, se o facto de essa necessidade ser permanente ou frequente e de poder igualmente ser assegurada por contratos sem termo não exclui que uma substituição constitua uma razão objetiva. Por outro lado, o referido órgão jurisdicional pede ao Tribunal de Justiça que lhe avance esclarecimentos sobre a questão de saber se, e de que forma, os órgãos jurisdicionais nacionais, no quadro do controlo que lhes incumbe do recurso eventualmente abusivo à substituição de outro trabalhador como razão que justifica a celebração de um contrato de trabalho a termo, devem ter em conta o número e a duração dos contratos de trabalho a termo já celebrados no passado com o mesmo trabalhador. Acrescenta, a esse propósito, que, por jurisprudência recente, o Bundesarbeitsgericht excluiu que o número variável de contratos a termo reforce o controlo jurídico da razão objetiva.

20      À luz do que precede, o Bundesarbeitsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Viola o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro [CTT] em anexo à Diretiva 1999/70 […], uma disposição de direito nacional como o § 14, n.° 1, [ponto 3], da [TzBfG], que prevê que existe uma razão objetiva para a renovação repetida de um contrato de trabalho a termo no caso de o trabalhador ser contratado para substituir outro trabalhador, quando é interpretada e aplicada no sentido de que essa razão objetiva também se verifica caso haja uma necessidade [de pessoal] de substituição estável, apesar de essa necessidade de substituição [de pessoal] também poder ser satisfeita através da contratação sem termo do trabalhador em causa, o qual substituiria o trabalhador que então se encontrasse regularmente ausente, mas o empregador se reserva o direito de decidir, caso a caso, como reagir à ausência em concreto de cada trabalhador?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

A interpretação e aplicação, descritas na primeira questão, de uma disposição nacional como o § 14, n.° 1, […] ponto 3, da TzBfG, nas circunstâncias descritas na primeira questão, [violam] igualmente o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro [CTT] [em anexo à Diretiva 1999/70], quando o legislador nacional, através de uma disposição como o § 21, n.° 1, [da Lei do subsídio e da licença parentais (conforme alterada)] — que regula as razões objetivas para a substituição de trabalhadores que justificam a celebração de contratos de trabalho a termo —, prossegue o objetivo de política social de facilitar a concessão pelos empregadores e o gozo pelos trabalhadores de licenças especiais, por exemplo, por motivos de proteção da maternidade ou de assistência a filhos?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

21      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a necessidade temporária de pessoal de substituição prevista por uma regulamentação nacional, tal como a que está em causa no processo principal, pode constituir uma razão objetiva na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT, se se verificar igualmente que essa necessidade de pessoal de substituição é, na realidade, permanente ou recorrente e puder igualmente ser assegurada pelo recrutamento de um trabalhador em regime de contrato sem termo; pergunta ainda se, na apreciação da questão de saber se a renovação dos contratos ou das relações de trabalho a termo é justificada por razões objetivas referidas por esse artigo, há que tomar em conta o número e a duração cumulativa dos contratos ou das relações de trabalho desse tipo concluídos no passado com o mesmo empregador.

22      O Land sustenta que a substituição temporária de um trabalhador se baseia em razões objetivas referidas no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT. A ausência temporária do trabalhador a substituir implicará uma necessidade transitória de contratar mais um trabalhador, que só será necessário durante o período em que falta mão de obra. A existência de uma necessidade permanente de uma certa amplitude de pessoal de substituição não pode, segundo o Land, implicar a invalidade de um contrato a termo por motivo de substituição, nos termos do disposto no § 14, n.° 1, ponto 3, da TzBfG. Com efeito, importa verificar a razão objetiva invocada em cada caso concreto de substituição e não excluir os casos de substituições permanentes, frequentes e repetidas. Se a validade de um determinado contrato de trabalho a termo dependesse disso, o empregador seria obrigado a constituir uma reserva permanente de pessoal, o que só seria realizável em grandes empresas. Segundo o Land, a liberdade de gestão do empregador deve ser preservada, devendo este decidir da oportunidade e das modalidades de recurso a tal reserva para fazer face a uma necessidade recorrente de pessoal de substituição.

23      Os Governos alemão e polaco invocam igualmente a margem de apreciação de que gozam os empregadores por força do acordo‑quadro CTT e sustentam que o direito da União permite justificar um contrato de trabalho a termo para efeitos de substituição em caso de necessidade recorrente de pessoal de substituição. Essa situação distingue‑se claramente da «necessidade permanente e durável», uma vez que os impedimentos dos trabalhadores substituídos são limitados no tempo. Estes últimos gozam do direito de voltar ao seu posto de trabalho, direito que o empregador será obrigado a respeitar.

24      A recorrente no processo principal não apresentou observações escritas.

25      Deve recordar‑se que o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro CTT tem por objeto implementar um dos objetivos prosseguidos por este acordo‑quadro, ou seja, regular o recurso aos contratos ou às relações laborais a termo sucessivos, considerado como uma fonte potencial de abusos em detrimento dos trabalhadores, prevendo um certo número de normas de proteção mínima destinadas a evitar a precarização da situação dos trabalhadores assalariados (v. acórdãos de 4 de julho de 2006, Adeneler e o., C‑212/04, Colet., p. I‑6057, n.° 63, e de 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, Colet., p. I‑3071, n.° 73).

26      Assim, essa disposição do acordo‑quadro CTT impõe aos Estados‑Membros, com o objetivo de prevenir a utilização abusiva de contratos de trabalho ou relações laborais a termo sucessivos, a adoção efetiva e coerciva de, pelo menos, uma das medidas que ela enumera, sempre que o seu direito interno não preveja medidas legais equivalentes. As medidas assim enumeradas no n.° 1, alíneas a) a c), do referido artigo, no total de três, referem‑se, respetivamente, a razões objetivas que justificam a renovação desses contratos ou relações laborais, à duração máxima total desses contratos de trabalho ou relações laborais sucessivos e ao número de renovações dos mesmos (v. acórdão Angelidaki e o., já referido, n.° 74, e despacho de 1 de outubro de 2010, Affatato, C‑3/10, n.os 43, 44 e jurisprudência referida).

27      No tocante ao conceito de razão objetiva que figura no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT, o Tribunal de Justiça julgou já no sentido de que esse conceito deve ser entendido como visando circunstâncias precisas e concretas que caracterizam uma determinada atividade e, portanto, suscetíveis de justificar, nesse contexto específico, a utilização de contratos de trabalho a termo sucessivos. Essas circunstâncias podem resultar, nomeadamente, da natureza particular das tarefas para a realização das quais esses contratos foram celebrados e das características inerentes a essas tarefas ou, tal sendo o caso, da prossecução de um objetivo legítimo de política social de um Estado‑Membro (acórdão Angelidaki e o., já referido, n.° 96 e jurisprudência referida).

28      Em contrapartida, uma disposição nacional que se limitasse a autorizar, de forma geral e abstrata, através de uma norma legislativa ou regulamentar, o recurso a contratos de trabalho a termo sucessivos não seria conforme com as exigências tal como especificadas no número anterior do presente acórdão (acórdão Angelidaki e o., já referido, n.° 97 e jurisprudência referida).

29      Com efeito, tal disposição, de natureza puramente formal, não permite destacar critérios objetivos e transparentes para verificar se a renovação desses contratos corresponde efetivamente a uma verdadeira necessidade, é de molde a atingir o objetivo prosseguido e é necessária para esse efeito. Tal disposição comporta, portanto, um risco real de provocar um recurso abusivo a esse tipo de contratos e não é, por isso, compatível com o objetivo e o efeito útil do acordo‑quadro CTT (v., neste sentido, acórdão Angelidaki e o., já referido, n.os 98, 100 e jurisprudência referida).

30      Deve, no entanto, salientar‑se que uma disposição como a que está em causa no processo principal, que permite a renovação de contratos a termo para substituir outros assalariados que se encontrem momentaneamente na impossibilidade de exercer as suas funções, não é, em si, contrária ao acordo‑quadro CTT. Com efeito, a substituição temporária de outro assalariado a fim de satisfazer, no essencial, necessidades provisórias do empregador em termos de pessoal pode, em princípio, constituir uma razão objetiva na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), deste acordo‑quadro (v., neste sentido, acórdão Angelidaki e o., já referido, n.° 102).

31      Com efeito, numa administração que tem elevados efetivos de pessoal, tal como o Land, é inevitável que substituições temporárias sejam frequentemente necessárias devido, nomeadamente, à indisponibilidade de empregados que estejam de baixa por doença, no gozo de licenças de maternidade ou de licenças parentais ou outras. A substituição temporária de trabalhadores nessas circunstâncias pode constituir uma razão objetiva na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT, que justifica quer o caráter determinado da duração dos contratos celebrados com o pessoal de substituição quer a renovação desses contratos devido ao surgimento de necessidades, sem prejuízo do cumprimento das exigências fixadas pelo acordo‑quadro CTT quanto a essa matéria.

32      Esta conclusão impõe‑se por maioria de razão quando a regulamentação nacional que justifica a renovação de contratos a termo em caso de substituição temporária prossegue igualmente objetivos reconhecidos como sendo objetivos legítimos de política social. Com efeito, como resulta do n.° 27 do presente acórdão, o conceito de razão objetiva que figura no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT engloba a prossecução de tais objetivos.

33      Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, medidas com vista a proteger a gravidez e a maternidade, bem como a permitir aos homens e às mulheres conciliar as suas obrigações profissionais e familiares, prosseguem objetivos legítimos de política social (v., neste sentido, acórdãos de 17 de junho de 1998, Hill e Stapleton, C‑243/95, Colet., p. I‑3739, n.° 42, e de 18 de novembro de 2004, Sass, C‑284/02, Colet., p. I‑11143, n.os 32 e 33). A legitimidade desses objetivos é igualmente atestada pelas disposições da Diretiva 92/85 ou pelas do acordo‑quadro sobre a licença parental.

34      Todavia, deve sublinhar‑se que, se bem que a razão objetiva prevista por uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal possa, em princípio, ser admitida, as autoridades competentes devem, como resulta do n.° 27 do presente acórdão, velar por que a aplicação concreta dessa razão objetiva, tendo em conta as particularidades da atividade em causa e as condições do seu exercício, seja conforme com as exigências do acordo‑quadro CTT. Quando da aplicação da disposição em causa do direito nacional, essas autoridades devem, portanto, estar em condições de destacar critérios objetivos e transparentes para verificar se a renovação desses contratos corresponde efetivamente a uma verdadeira necessidade e é de molde a atingir o objetivo prosseguido e necessária para esse efeito.

35      No caso em apreço, a Comissão Europeia sustenta que a renovação repetida de uma relação de trabalho e a celebração de numerosos contratos a termo sucessivos, bem como a duração do período durante o qual o trabalhador em causa esteve já empregado no quadro de tais contratos, demonstram a existência de um abuso na aceção do artigo 5.° do acordo‑quadro CTT. Segundo a Comissão, a celebração de vários contratos a termo sucessivos, nomeadamente num período consideravelmente longo, tende a demonstrar que a prestação requerida do trabalhador em causa não constitui uma simples necessidade temporária.

36      A este propósito, deve recordar‑se que o Tribunal de Justiça julgou já no sentido de que a renovação de contratos e de relações laborais a termo para cobrir necessidades que têm, de facto, um caráter não provisório, mas, bem pelo contrário, permanente e durável, não é justificada na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT (v., neste sentido, acórdão Angelidaki e o., já referido, n.° 103).

37      Com efeito, essa utilização dos contratos ou relações laborais a termo iria diretamente contra a premissa na qual se funda o acordo‑quadro CTT, a saber, de que os contratos de trabalho sem termo constituem a forma comum das relações de trabalho, mesmo que os contratos a termo constituam uma característica do emprego em certos setores ou para determinadas ocupações e atividades (v. acórdão Adeneler e o., já referido, n.° 61).

38      Todavia, como alega, no essencial, o Governo polaco, a mera circunstância de serem celebrados contratos de trabalho a termo com vista a cobrir uma necessidade permanente ou recorrente do empregador em matéria de pessoal de substituição não é suficiente, enquanto tal, para concluir que esses contratos, individualmente considerados, não foram celebrados para assegurar uma substituição de caráter temporário. Ainda que a substituição cubra uma necessidade permanente, porque o trabalhador recrutado em regime de contrato de trabalho a termo executa tarefas bem definidas que fazem parte das atividades habituais do empregador ou da empresa, não é menos verdade que a necessidade de pessoal de substituição permanece temporária, na medida em que se presume que o trabalhador substituído retomará a sua atividade no fim da licença, pois essa era a razão pela qual o trabalhador substituído estava temporariamente impedido de executar essas tarefas.

39      Cabe a todas as autoridades do Estado‑Membro em causa assegurar, no quadro das suas respetivas competências, a observância do disposto no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT, verificando concretamente que a renovação de sucessivos contratos ou relações laborais a termo visa cobrir necessidades provisórias e que uma disposição como o § 14, n.° 1, ponto 3, da TzBfG não é utilizada, de facto, para satisfazer necessidades permanentes e duráveis do empregador em matéria de pessoal (v., por analogia, acórdão Angelidaki e o., já referido, n.° 106).

40      Como alegou a Comissão, incumbe a essas autoridades examinar, em cada caso, todas as circunstâncias da situação em apreço, tomando em consideração, nomeadamente, o número dos referidos contratos sucessivos celebrados com a mesma pessoa ou para a realização de um mesmo trabalho, a fim de excluir que contratos ou relações laborais a termo, mesmo concluídos ostensivamente para cobrir uma necessidade de pessoal de substituição, sejam utilizados de forma abusiva pelos empregadores (v., neste sentido, despacho de 12 de junho de 2008, Vassilakis e o., C‑364/07, n.° 116, e acórdão Angelidaki e o., já referido, n.° 157). Mesmo que a apreciação da razão objetiva avançada se deva referir à renovação do último contrato de trabalho celebrado, a existência, o número e a duração de contratos sucessivos desse tipo celebrados no passado com o mesmo empregador podem revelar‑se pertinentes no quadro desse exame global.

41      A este propósito, há que reconhecer que o facto de o número ou a duração dos contratos a termo serem objeto das medidas preventivas previstas no artigo 5.°, n.° 1, alíneas b) e c), do acordo‑quadro CTT não implica que esses elementos não possam ter nenhuma incidência na apreciação das razões objetivas previstas nesse artigo 5.°, n.° 1, alínea a), invocadas para justificar a renovação de contratos a termo sucessivos.

42      Contrariamente ao que sustenta o Governo alemão, tal interpretação do artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro CTT de forma alguma constitui obstáculo à escolha dos meios que essa disposição deixa aos Estados‑Membros.

43      Com efeito, como alega a Comissão, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo conjunto das medidas adotadas em virtude do artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro CTT, é necessário que, mesmo em presença de uma razão objetiva que justifica, em princípio, o recurso a contratos ou relações laborais a termo sucessivos, as autoridades competentes tenham em conta, quando tal for necessário, todas as circunstâncias que rodeiam a renovação desses contratos ou dessas relações laborais, desde que as referidas circunstâncias possam revelar indícios do abuso que esse artigo visa evitar.

44      Na audiência, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça, o Land e o Governo alemão reconheceram a possível existência de circunstâncias em que um empregador será obrigado a tomar em conta a natureza e a duração dos contratos a termo celebrados com um empregado.

45      Uma vez que o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro CTT é aplicável unicamente aos contratos ou relações laborais a termo sucessivos (v., neste sentido, acórdão de 22 de novembro de 2005, Mangold, C‑144/04, Colet., p. I‑9981, n.os 41 e 42), afigura‑se lógico que a existência de uma sucessão de contratos ou de relações laborais a termo seja um elemento pertinente a considerar em relação a todas as medidas tomadas com fundamento nesse artigo.

46      No quadro da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se o facto de a necessidade de pessoal de substituição ser, na realidade, permanente ou recorrente e de um empregador poder igualmente responder a essa necessidade pelo recrutamento de um trabalhador em regime de contrato sem termo não significa que a necessidade de pessoal de substituição não constitua uma razão objetiva na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT.

47      A este respeito, deve recordar‑se que, nos termos do n.° 10 das considerações gerais do referido acordo‑quadro, cabe aos Estados‑Membros e aos parceiros sociais definir detalhadamente as modalidades de aplicação dos princípios e prescrições nele enunciados, para garantir a sua conformidade com o direito e/ou as práticas nacionais e assegurar que sejam devidamente levadas em conta as particularidades das situações concretas (acórdãos, já referidos, Adeneler e o., n.° 68, e Angelidaki e o., n.° 71).

48      Daqui decorre, como alegaram os Governos alemão e polaco, que os Estados‑Membros dispõem, por força do artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro CTT, de uma margem de apreciação para atingir o objetivo visado por esse artigo, mesmo que essa margem de apreciação esteja sujeita à condição de que eles garantam o resultado imposto pelo direito da União, como resulta não apenas do artigo 288.°, terceiro parágrafo, TFUE mas também do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/70, interpretado à luz do seu décimo sétimo considerando (v. acórdão Angelidaki e o., já referido, n.° 80 e jurisprudência referida).

49      Essa margem de apreciação resulta igualmente do artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro CTT quando reconhece aos Estados‑Membros a faculdade de ter em conta as necessidades particulares relativas aos setores específicos de atividades e/ou às categorias de trabalhadores em causa, desde que isso seja objetivamente justificado (acórdão de 7 de setembro de 2006, Marrosu e Sardino, C‑53/04, Colet., p. I‑7213, n.° 45).

50      O simples facto de uma necessidade de pessoal de substituição poder ser satisfeita pela conclusão de contratos sem termo não implica que um empregador que decida recorrer a contratos a termo para responder a carências temporárias em matéria de efetivos, mesmo que estas se manifestem de maneira recorrente ou mesmo permanente, aja de forma abusiva, em violação do artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro CTT e da regulamentação nacional que transpõe este artigo.

51      Como resulta do n.° 43 do presente acórdão, a existência de uma razão objetiva na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT exclui, em princípio, a existência de um abuso, salvo se um exame global das circunstâncias que rodeiam a renovação dos contratos ou das relações laborais a termo em causa revelar que as prestações requeridas do trabalhador não correspondem a uma simples necessidade temporária.

52      Além disso, o Tribunal de Justiça já salientou que o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT não estabelece uma obrigação geral de os Estados‑Membros preverem a conversão em contratos sem termo dos contratos de trabalho a termo, nem prescreve as condições precisas em que se pode fazer uso dos últimos, deixando um certo poder de apreciação na matéria aos Estados‑Membros (acórdãos, já referidos, Adeneler e o., n.° 91; Marrosu e Sardino, n.° 47; e Angelidaki e o., n.os 145 e 183).

53      Assim, o artigo 5.°, n.° 2, alínea b), do referido acordo‑quadro limita‑se a prever que os referidos Estados podem, «sempre que tal seja necessário», determinar em que condições os contratos ou as relações de trabalho a termo podem ser considerados «celebrados sem termo».

54      Exigir automaticamente a celebração de contratos sem termo quando a dimensão da empresa ou da entidade em causa e a composição do seu pessoal impliquem que o empregador seja confrontado com a necessidade recorrente ou permanente de pessoal de substituição iria para além dos objetivos prosseguidos pelo acordo‑quadro CTT e pela Diretiva 1999/70 e ignoraria a margem de apreciação deixada por estes aos Estados‑Membros e, se for esse o caso, aos parceiros sociais.

55      Tendo em conta as considerações precedentes, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, nas circunstâncias do caso em apreço no processo principal, empregar um trabalhador durante um período de onze anos, com base em treze contratos a termo sucessivos, é conforme com o artigo 5.°, n.° 1, do acordo‑quadro CTT.

56      Deve, por isso, responder‑se à primeira questão que o artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT deve ser interpretado no sentido de que a necessidade temporária de pessoal de substituição, prevista por uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, pode, em princípio, constituir uma razão objetiva na aceção do referido artigo. O simples facto de um empregador ser obrigado a recorrer a substituições temporárias de forma recorrente, ou mesmo permanente, e de essas substituições poderem igualmente ser asseguradas pelo recrutamento de trabalhadores em regime de contratos de trabalho sem termo não significa que não exista uma razão objetiva na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro CTT ou que exista um abuso na aceção deste artigo. Todavia, na apreciação da questão de saber se a renovação dos contratos ou das relações de trabalho a termo é justificada por tal razão objetiva, as autoridades dos Estados‑Membros, no quadro das suas respetivas competências, devem tomar em conta todas as circunstâncias da causa, incluindo o número e a duração cumulativa dos contratos ou das relações de trabalho a termo celebrados no passado com o mesmo empregador.

 Quanto à segunda questão

57      Tendo a segunda questão sido apresentada unicamente em caso de ser dada uma resposta afirmativa à primeira questão, não há que lhe responder.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo, deve ser interpretado no sentido de que a necessidade temporária de pessoal de substituição, prevista por uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, pode, em princípio, constituir uma razão objetiva na aceção do referido artigo. O simples facto de um empregador ser obrigado a recorrer a substituições temporárias de forma recorrente, ou mesmo permanente, e de essas substituições poderem igualmente ser asseguradas pelo recrutamento de trabalhadores em regime de contratos de trabalho sem termo não significa que não exista uma razão objetiva na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do referido acordo‑quadro ou que exista um abuso na aceção deste artigo. Todavia, na apreciação da questão de saber se a renovação dos contratos ou das relações de trabalho a termo é justificada por tal razão objetiva, as autoridades dos Estados‑Membros, no quadro das suas respetivas competências, devem tomar em conta todas as circunstâncias da causa, incluindo o número e a duração cumulativa dos contratos ou das relações de trabalho a termo celebrados no passado com o mesmo empregador.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.