Language of document : ECLI:EU:T:2008:585

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção alargada)

17 de Dezembro de 2008 (*)

«Auxílios de Estado – Acordos celebrados pela Região da Valónia e pelo Brussels South Charleroi Airport com a companhia aérea Ryanair – Existência de uma vantagem económica – Aplicação do critério do investidor privado em economia de mercado»

No processo T‑196/04,

Ryanair Ltd, com sede em Dublim (Irlanda), representada, inicialmente, por D. Gleeson, A. Collins, SC, V. Power e D. McCann, solicitors, posteriormente, por V. Power, D. McCann, solicitors, J. Swift, QC, J. Holmes, barrister, e G. Berrisch, advogado,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por N. Khan, na qualidade de agente,

recorrida,

apoiada por

Association of European Airlines (AEA), representada por S. Völcker, F. Louis e J. Heithecker, advogados,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2004/393/CE da Comissão, de 12 de Fevereiro de 2004, relativa às vantagens concedidas pela Região da Valónia e pelo Brussels South Charleroi Airport à companhia aérea Ryanair por ocasião da sua instalação em Charleroi (JO L 137, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Oitava Secção alargada),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, D. Šváby, S. Papasavvas, N. Wahl (relator) e A. Dittrich, juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Março de 2008,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, Ryanair Ltd, é a primeira e a mais importante companhia aérea de baixos preços da Europa. Foi pioneira do modelo comercial denominado «low cost» na Europa, que consiste em minimizar os custos e em maximizar a eficiência em todos os domínios da sua actividade a fim de propor os preços mais baixos em cada mercado e desta forma atrair grande número de passageiros.

2        A Ryanair começou as suas operações a partir do aeroporto de Charleroi (Bélgica) em Maio de 1997 pela abertura de uma ligação aérea com destino a Dublim.

3        No decurso do ano de 2000, foram estabelecidas negociações relativamente à instalação pela Ryanair da sua primeira base continental em Charleroi.

4        No início do mês de Novembro de 2001, a Ryanair celebrou dois acordos distintos (a seguir «acordos controvertidos»), um com a Região da Valónia, proprietária do aeroporto de Charleroi, o outro com o Brussels South Charleroi Airport (BSCA), empresa pública controlada pela Região da Valónia que, desde 4 de Julho de 1991, gere e explora esse aeroporto na qualidade de concessionário.

5        Em conformidade com os termos do primeiro acordo, a Região da Valónia, além de uma alteração das horas de abertura do aeroporto, concedeu à Ryanair uma redução de cerca de 50% nas taxas de aterragem em relação ao nível regulamentar e comprometeu‑se a indemnizar a Ryanair por qualquer perda de lucro resultante directa ou indirectamente de uma modificação por decreto ou por regulamento de quaisquer taxas aeroportuárias ou dos horários de abertura do aeroporto.

6        Nos termos do segundo acordo, a Ryanair comprometeu‑se a basear entre dois e quatro aviões no aeroporto de Charleroi e a efectuar, por um período de quinze anos, um mínimo de três rotações por dia e por avião. Comprometeu‑se, por outro lado, no caso de efectuar uma «retirada importante» do aeroporto, a reembolsar a totalidade ou uma parte dos pagamentos efectuados pelo BSCA (v. n.os 7 e 9 a seguir).

7        Quanto ao BSCA, comprometeu‑se a contribuir para os custos suportados pela Ryanair para a instalação da sua base. Essa contribuição decompunha‑se do seguinte modo:

–        um pagamento que pode ascender a 250 000 euros para despesas de hotel e de climatização do pessoal da Ryanair;

–        um pagamento de 160 000 euros por nova rota aberta no limite de três rotas no máximo por avião baseado em Charleroi, ou seja, um máximo de 1 920 000 euros;

–        um pagamento de 768 000 euros a título de despesas de recrutamento e de treino do pessoal de navegação afectado aos novos destinos servidos pelo aeroporto de Charleroi;

–        um pagamento de 4 000 euros para a compra de equipamentos de escritório;

–        uma disponibilização «a custo mínimo ou nulo» de diversos locais para uso técnico ou para escritórios.

8        Por outro lado, por força desse acordo, o BSCA factura um euro por passageiro à Ryanair pela prestação dos serviços de assistência em escala, em vez dos dez euros correspondentes à tarifa fixada para os outros utilizadores.

9        Por último, o BSCA e a Ryanair criaram uma sociedade comum, a Promocy, cujo objectivo é financiar a promoção das actividades da Ryanair em Charleroi e a do aeroporto de Charleroi. Ambas as partes assumiram o compromisso de participar nas mesmas proporções no funcionamento da Promocy, por um lado, através de uma entrada de capital de 62 500 euros com vista a constituir o capital social e, por outro, através de uma contribuição anual para o orçamento da Promocy equivalente a quatro euros por passageiro na partida.

10      Essas medidas não foram notificadas à Comissão.

11      Após de ter recebido queixas e na sequência de informações publicadas na imprensa, a Comissão informou o Reino da Bélgica, por carta de 11 de Dezembro de 2002 [SG (2002) D/233141], da sua decisão de abrir o procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE contra essas medidas. Além disso, através da publicação dessa decisão no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 25 de Janeiro de 2003 (JO C 18, p. 3), convidou os interessados a apresentar observações sobre as medidas controvertidas.

12      Foi depois de ter analisado os comentários das partes interessadas e do Reino da Bélgica que a Comissão adoptou, em 12 de Fevereiro de 2004, a Decisão 2004/393/CE, relativa às vantagens concedidas pela Região da Valónia e pelo Brussels South Charleroi Airport à companhia aérea Ryanair por ocasião da sua instalação em Charleroi (JO L 137, p. 1) (a seguir «decisão impugnada»).

 Decisão impugnada

13      Na decisão impugnada, em primeiro lugar, a Comissão, após uma descrição do procedimento administrativo seguido (considerandos 1 a 6), procede a uma breve resenha dos factos e da apreciação contida na decisão de abrir o procedimento formal de investigação (considerandos 7 a 15). Em seguida, expõe as observações das partes interessadas (considerandos 16 a 75) e os comentários do Reino da Bélgica (considerandos 76 a 136).

14      No quadro da apreciação propriamente dita das medidas controvertidas, em primeiro lugar, a Comissão considera a existência de um auxílio na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE (considerandos 137 a 250).

15      A este propósito, não aplica à Região da Valónia o princípio do investidor privado em economia de mercado. Considera, em substância, que a fixação das taxas de aterragem faz parte da competência legislativa e regulamentar da Região da Valónia e não de uma actividade económica susceptível de ser analisada à luz do princípio do investidor privado em economia de mercado. Em vez de agir no quadro das suas prerrogativas de poder público, a Região da Valónia, na opinião da Comissão, comportou‑se de maneira ilegal e discriminatória ao conceder à Ryanair, por um período de quinze anos e através de um contrato de direito privado, uma redução do nível das taxas aeroportuárias que não era concedida às outras companhias aéreas. A Comissão conclui que a redução das taxas aeroportuárias e a garantia de indemnização constituem uma vantagem na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE (considerandos 139 a 160).

16      Em contrapartida, a Comissão, apesar das dificuldades de aplicação, aprecia se o critério do investidor privado pode ser considerado satisfeito quanto às medidas tomadas pelo BSCA (considerandos 161 a 170). Tendo considerado que o BSCA não tinha agido em conformidade com o princípio do investidor privado em economia de mercado, a Comissão decidiu que as vantagens concedidas pelo BCSA à Ryanair constituem vantagens na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE (considerandos 161 a 238). Salienta, nomeadamente, que, no momento em que tomou a sua decisão de investimento, «o BSCA não procedeu a uma análise coerente com todas as hipóteses do contrato previsto com a Ryanair e exclusivamente com o referido contrato». Agindo assim, o BSCA assumiu riscos que não teria assumido um investidor privado actuando em economia de mercado. Esses riscos têm a ver tanto com os dados intrínsecos do plano de actividades como com os dados relativos às relações entre o BSCA e a Região da Valónia (considerandos 184 e 185).

17      Estando satisfeitos, segundo a Comissão, os outros critérios constitutivos de um auxílio, a saber, os relativos à especificidade (considerandos 239 a 242), à transferência de recursos estatais em benefício da Ryanair (considerandos 243 a 246) e à afectação das trocas comerciais intracomunitárias e da concorrência (considerandos 247 a 249), concluiu que «as vantagens concedidas à Ryanair pela Região da Valónia e pelo BSCA constituem auxílios estatais».

18      A Comissão salienta, em particular, que as vantagens em causa, as fornecidas pelo BSCA ou as fornecidas pela Região da Valónia, foram concedidas unicamente à Ryanair e são, portanto, específicas. Indica, além disso, que essas vantagens, que foram concedidas directamente pela Região da Valónia sob a forma de garantia de indemnização (que implicam eventualmente, uma mobilização dos recursos regionais) e de redução das taxas de aterragem (que implica um lucro cessante para o Estado) e, indirectamente pela mobilização dos recursos do BSCA, implicam a transferência de recursos estatais em proveito da Ryanair. Precisa, por último, que as referidas vantagens, concedidas sob a forma de o Estado assumir custos de exploração que incumbem normalmente a uma companhia aérea, falseiam não só a concorrência numa ou em várias rotas e num determinado segmento de mercado, mas toda a rede servida pela Ryanair.

19      Em segundo lugar, a Comissão examina se esses auxílios podem ser declarados compatíveis com fundamento nas derrogações previstas pelo Tratado CE. No essencial, chega à conclusão de que os auxílios concedidos pela Região da Valónia são incompatíveis com o mercado comum. Os descontos concedidos à Ryanair são discriminatórios, contrários ao direito belga e ao princípio da proporcionalidade (considerandos 263 a 266).

20      Quanto aos auxílios pagos pelo BSCA, a Comissão considera compatíveis com o mercado comum os auxílios à abertura de novas linhas cujo montante não exceda 50% dos custos de arranque e cujo período seja inferior a 5 anos. Para lá destes limites, exige a recuperação dos auxílios pagos à Ryanair pelo BSCA (considerandos 267 a 344).

21      Por fim, a Comissão recorda as suas orientações políticas em matéria de financiamentos dos aeroportos e ligações aéreas (345 a 356).

22      O dispositivo da decisão impugnada está assim redigido:

« Artigo 1.°

O auxílio concedido [pelo Reino da] Bélgica através do contrato celebrado em 6 de Novembro de 2001 entre a Região da Valónia e a Ryanair, sob a forma de uma redução do montante das taxas aeroportuárias de aterragem superior à tarifa oficial estabelecida no artigo 3.° do decreto do Governo da Região da Valónia, de 16 de Julho de 1998, que fixa as taxas a cobrar pela utilização dos aeroportos sob a jurisdição da Região da Valónia, e de descontos gerais estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo 7.° do referido decreto, é incompatível com o mercado comum, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 87.° do Tratado.

Artigo 2.°

O auxílio concedido [pelo Reino da] Bélgica através do contrato celebrado em 2 de Novembro de 2001 entre a empresa Brussels South Charleroi Airport (BSCA) e a companhia aérea Ryanair, sob a forma de descontos sobre os preços dos serviços de assistência em escala relativamente à tarifa oficial do aeroporto, é incompatível com o mercado comum, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 87.° do Tratado.

[O Reino da] Bélgica determinará o montante dos auxílios a recuperar através do cálculo da diferença entre os custos de exploração suportados pelo BSCA associados aos serviços de assistência em escala prestados à Ryanair e o preço facturado à companhia aérea. Enquanto não for atingido o limiar de dois milhões de passageiros previsto na Directiva 96/67/CE, [o Reino da] Bélgica pode deduzir do montante assim obtido os eventuais lucros que as outras actividades estritamente comerciais do BSCA tenham proporcionado ao aeroporto.

Artigo 3.°

[O Reino da] Bélgica assegurará a anulação das garantias de indemnização concedidas através do contrato de 6 de Novembro de 2001 pela Região da Valónia em caso de prejuízos sofridos pela Ryanair devido à utilização, pela Região da Valónia, das suas prerrogativas regulamentares. A Região da Valónia goza da discricionariedade necessária face à Ryanair e a outras companhias aéreas para fixar as taxas aeroportuárias, os horários de abertura do aeroporto ou adoptar outras disposições de natureza regulamentar.

Artigo 4.°

Os restantes auxílios concedidos pelo BSCA, nomeadamente sob a forma de contribuição 'marketing', incentivos 'one‑shot' e disponibilização de escritórios são declarados compatíveis com o mercado comum na qualidade de auxílios ao arranque de novas linhas, sob reserva das seguintes condições:

1.      As contribuições devem referir‑se à abertura de uma nova linha e terão uma duração limitada. Tendo em conta os destinos intra‑europeus abrangidos, esta duração não será superior a um período de cinco anos posterior à abertura de uma linha. Não poderão ser concedidas tais contribuições se a abertura da linha se destinar a substituir outra linha da Ryanair encerrada nos cinco anos anteriores. Doravante, não poderão igualmente ser concedidos tais auxílios para uma linha que a Ryanair venha a assegurar em substituição de outra linha que servisse anteriormente a partir de outro aeroporto situado na mesma zona de atracção económica ou de população;

2.      As contribuições 'marketing', actualmente fixadas em 4 euros por passageiro, deverão ser justificadas através de um plano de desenvolvimento elaborado pela Ryanair e validado a priori pelo BSCA para cada linha relevante. O plano especificará os custos incorridos e elegíveis que deverão estar directamente associados à promoção da linha com o objectivo de a tornar viável sem auxílios depois de transcorrido um período inicial de cinco anos. O BSCA deverá igualmente validar a posteriori os custos de arranque efectivamente incorridos por cada linha aérea no final do período de cinco anos. Para o efeito, se necessário, o BSCA poderá ser assistido por um revisor de contas independente;

3.      A parte destas contribuições já paga pelo BSCA deve ser objecto de um exercício semelhante para validar os auxílios, com base nos mesmos princípios;

4.      As contribuições 'one‑shot' fixas, pagas no momento da instalação da Ryanair em Charleroi ou da abertura de cada linha devem ser objecto de recuperação, excepto no que se refere à parte que [o Reino da] Bélgica puder justificar como estando directamente associada aos custos incorridos pela Ryanair na plataforma aeroportuária de Charleroi e apresentando um carácter proporcional e de incentivo;

5.      O conjunto dos auxílios concedidos a uma nova linha nunca poderá ser superior a 50% dos custos de arranque, 'marketing' e 'one‑shot', cumulados nos dois destinos em causa, designadamente Charleroi. Da mesma forma, as contribuições pagas relativamente a um destino não podem ser superiores a 50% dos custos efectivos relativos a esse destino. Nestas avaliações, será concedida uma atenção especial às linhas que ligam Charleroi a um grande aeroporto, como os que se inscrevem nas categorias A e B definidas no parecer de prospectiva do Comité das Regiões, de 2 de Julho de 2003, sobre 'As capacidades aeroportuárias dos aeroportos regionais', e/ou a um aeroporto coordenado ou totalmente coordenado na acepção do Regulamento (CEE) n.° 95/93;

6.      As contribuições pagas pelo BSCA que, no final do período de arranque de cinco anos, sejam superiores aos critérios assim estabelecidos deverão ser reembolsadas pela Ryanair;

7.      As verbas eventualmente pagas para a linha Dublin‑Charleroi por força dos [acordos controvertidos] serão objecto de recuperação;

8.      [O Reino da] Bélgica instituirá um regime de auxílios não discriminatório destinado a assegurar a igualdade de tratamento das companhias aéreas que desejam lançar novos serviços aéreos com partida do aeroporto de Charleroi, em conformidade com os critérios objectivos estabelecidos na presente decisão.

[…] »

 Tramitação processual e pedidos das partes

23      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Maio de 2004, a recorrente interpôs o presente recurso.

24      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Novembro de 2004, a Association of European Airlines (AEA) pediu para intervir no presente processo em apoio da Comissão.

25      Por carta registada em 14 de Janeiro de 2005 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a recorrente pediu que, em conformidade com o disposto no artigo 116.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, certos elementos confidenciais fossem excluídos da comunicação dos actos processuais à interveniente e apresentou, para efeitos dessa comunicação, uma versão não confidencial dos articulados ou documentos em questão.

26      Por despacho de 20 de Abril de 2005, o presidente da Quarta Secção do Tribunal admitiu a intervenção da AEA e suspendeu a decisão quanto à procedência do pedido de tratamento confidencial. A interveniente apresentou um articulado e as outras partes apresentaram observações sobre este nos prazos estabelecidos. A interveniente informou o Tribunal de que não colocava objecções ao pedido de confidencialidade.

27      Em aplicação do disposto no artigo 14.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e sob proposta da Quarta Secção, o Tribunal decidiu, ouvidas as partes em conformidade com o disposto no artigo 51.° do referido regulamento, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

28      A composição das Secções do Tribunal de Primeira Instância foi alterada, tendo o juiz‑relator sido afectado à Oitava Secção alargada, à qual, por conseguinte, o presente processo foi atribuído.

29      Com base em relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Oitava Secção alargada) decidiu dar início à fase oral e, a título de medidas de organização do processo, convidou as partes principais a responder por escrito a certas questões, o que estas fizeram nos prazos estabelecidos.

30      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal de Primeira Instância na audiência de 12 de Março de 2008.

31      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

32      A Comissão e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

33      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos. O primeiro é relativo à violação do dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE. No seu segundo fundamento, contesta a qualificação de auxílios estatais das medidas em causa e invoca, a este respeito, uma violação do artigo 87.°, n.° 1, CE.

34      O Tribunal considera que deve ser examinado, em primeiro lugar, o segundo fundamento. No quadro desse fundamento, a recorrente censura especialmente a Comissão por não ter aplicado ou ter aplicado erradamente o princípio do investidor privado em economia de mercado, que é o critério adequado para avaliar se medidas são auxílios, ao conjunto das medidas controvertidas e avança a este respeito diversas alegações. Apresenta, em substância, vários argumentos deduzidos da circunstância de a Comissão, em primeiro lugar, não ter tomado em consideração no quadro do exame das medidas controvertidas o facto de a Região da Valónia e do BSCA deverem ser considerados como uma só e mesma entidade, em segundo lugar, o facto de ter cometido um erro ao recusar aplicar o princípio do investidor privado em economia de mercado às medidas tomadas pela Região da Valónia e, em terceiro lugar, o facto de ter aplicado erradamente o referido princípio ao BSCA.

35      Antes de abordar o exame deste fundamento, o Tribunal considera oportuno fazer, a título preliminar, um certo número de precisões quanto ao conceito de auxílio estatal, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, e quanto à natureza e ao alcance da fiscalização que deve ser efectuada no caso em apreço.

 Observações preliminares

36      A qualificação de auxílio, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, requer que todos os requisitos previstos nesta disposição estejam preenchidos. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou por meio de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder‑se uma vantagem ao seu beneficiário favorecendo certas empresas ou certas produções. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Fevereiro de 2006, Le Levant 001 e o./Comissão, T‑34/02, Colect., p. II‑267, n.° 110, e a jurisprudência citada).

37      No caso vertente, deve ser reconhecido que só o requisito relativo à existência de uma vantagem é contestada pela recorrente.

38      A este propósito, resulta da jurisprudência que o termo «auxílio», na acepção dessa disposição, designa necessariamente vantagens concedidas directa ou indirectamente por meio de recursos estatais ou que constituam um encargo suplementar para o Estado ou para os organismos designados ou instituídos para esse efeito por este (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1998, Viscido e o., C‑52/97 a C‑54/97, Colect., p. I‑2629, n.° 13, e de 22 de Novembro de 2001, Ferring, C‑53/00, Colect., p. I‑9067, n.° 16).

39      Tem sido julgado, nomeadamente, que, para apreciar se uma medida estatal constitui um auxílio, deve determinar‑se se a empresa beneficiária recebe uma vantagem económica que não teria obtido em condições normais de mercado (acórdãos de 11 de Julho de 1996, SFEI e o., C‑39/94, Colect., p. I‑3547, n.° 60, e de 29 de Abril de 1999, Espanha/Comissão, C‑342/96, Colect., p. I‑2459, n.° 41).

40      Finalmente deve salientar‑se que, uma vez que o conceito de auxílio, como é definido no Tratado, tem carácter jurídico e que deve ser interpretado com base em elementos objectivos, o juiz comunitário deve, em princípio e tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio submetido à sua apreciação como o carácter técnico ou complexo das apreciações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização completa sobre a questão de saber se uma medida entra no âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2000, França/Ladbroke Racing e Comissão, C‑83/98 P, Colect., p. I‑3271, n.° 25, e do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Outubro de 2002, Linde/Comissão, T‑98/00, Colect., p. II‑3961, n.° 40).

41      Em contrapartida, deve recordar‑se que a apreciação, pela Comissão, da questão de saber se uma medida satisfaz o critério do operador privado em economia de mercado implica uma apreciação económica complexa. A Comissão, quando adopta um acto que implica tal apreciação, goza de um amplo poder de apreciação e a fiscalização jurisdicional limita‑se à verificação do respeito das regras de processo e de fundamentação, da ausência de erro de direito, da exactidão material dos factos retidos e da ausência de erro manifesto na apreciação desses factos, bem como da ausência de desvio de poder. Em especial, não compete ao Tribunal substituir a apreciação económica do autor da decisão pela sua (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Abril de 2002, DSG/Comissão, C‑323/00 P, Colect., p. I‑3919, n.° 43, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 2002, HAMSA/Comissão, T‑152/99, Colect., p. II‑3049, n.° 127, e a jurisprudência citada).

42      É à luz destes princípios que há que examinar os argumentos das partes e, em primeiro lugar, a questão relativa à aplicabilidade do princípio do investidor privado em economia de mercado às medidas tomadas pela Região da Valónia.

 Quanto à aplicabilidade do princípio do investidor privado em economia de mercado às medidas tomadas pela Região da Valónia

43      A recorrente sustenta, no essencial, antes de mais, que o BSCA e a Região da Valónia constituíam uma só e mesma entidade económica. Portanto, acordado devia ser‑lhes aplicado conjuntamente o princípio do investidor privado em economia de mercado. Com efeito, em sua opinião, os acordos controvertidos tinham sido projectados pelas partes como um só e mesmo conjunto de medidas financeiras. Compete à Comissão considerar as medidas ligadas como fazendo parte de um só e mesmo conjunto, para efeitos de examinar se constituem auxílios estatais.

44      Sustenta, além disso, que, partindo do pressuposto de que a abordagem dualista adoptada pela Comissão foi motivada pelo facto de o princípio do investidor privado em economia de mercado não poder ser aplicado à Região da Valónia, foi erradamente que a Comissão concluiu, para excluir a sua aplicação, que esta não agia no caso em apreço como operador económico, mas na qualidade de autoridade reguladora.

45      O Tribunal considera que deve ser apreciado, antes de mais, se a Região da Valónia e o BSCA deviam ser considerados como uma só e mesma entidade económica para efeitos do exame das medidas controvertidas e, sendo caso disso, ser examinado se, não obstante a existência de uma identidade de interesses entre a Região da Valónia e o BSCA, a Comissão pôde com razão excluir a aplicação do princípio do investidor privado em economia de mercado às vantagens concedidas pela Região da Valónia considerando que a sua intervenção provinha, no caso em apreço, de prerrogativas de poder público.

 Quanto à existência de uma entidade jurídica única «Região da Valónia‑BSCA »

–       Argumentos das partes

46      A recorrente alega que a Comissão, para efeitos da qualificação das medidas controvertidas, considerou que a Região da Valónia e o BSCA eram entidades distintas. Essa diferenciação é artificial dado que a Região da Valónia controla o BSCA, com o qual constitui uma entidade económica. Em seguida, essa diferenciação tem importantes consequências quanto ao fundo da análise, uma vez que permitiu à Comissão qualificar de auxílio as vantagens proporcionadas pela Região da Valónia sem recorrer ao princípio do investidor privado em economia de mercado.

47      A recorrente precisa que o capital do BSCA é detido, directa ou indirectamente [através da Société wallonne des aéroports (Sowaer) e da Société de développement et de participation du bassin de Charleroi (Sambrinvest)], em mais de 95% pela Região da Valónia. Por outro lado, todos os membros do conselho de administração do BSCA são nomeados pela Região da Valónia, perante a qual eles são responsáveis. A recorrente alega igualmente que, ao longo das negociações que precederam a celebração dos acordos controvertidos, a Região da Valónia e o BSCA agiram da mesma forma que uma sociedade‑mãe e a sua filial.

48      Na medida em que o aeroporto de Charleroi é detido pela Região da Valónia, deve considerar‑se que esta e o BSCA formam uma só e mesma entidade no que respeita às suas «acções» em relação ao aeroporto.

49      Portanto, a abordagem da Comissão é artificial, pois nega os vínculos estreitos existentes entre as Região da Valónia e o BSCA. Nas suas qualidades respectivas de proprietário e de entidade que explora o aeroporto de Charleroi, estes operam, na opinião da recorrente, como uma entidade económica única. Por isso, a Comissão deveria ter examinado conjuntamente as medidas que tomaram em relação à Ryanair (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Outubro de 2004, Pollmeier Malchow/Comissão, T‑137/02, Colect., p. II‑3541, n.° 50, apoiando‑se no acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1984, Hydrotherm Gerätebau, 170/83, Recueil, p. 2999, n.° 11, bem como, por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 2000, DSG/Comissão, T‑234/95, Colect., p. II‑2603, n.° 124). Se a Comissão tivesse seguido essa via, as suas críticas em relação ao plano de actividades do BSCA não teriam razão de ser.

50      A recorrente sublinha, a este propósito, que a afirmação, que figura nos considerandos 153 e 161 da decisão impugnada, segundo a qual existia um certo grau de confusão no que respeita aos respectivos papéis da Região da Valónia e do BSCA, revela uma unidade de comportamento.

51      A Comissão afirma que estas alegações são inoperantes; a aplicação global do princípio do investidor privado em economia de mercado à Região da Valónia e ao BSCA não é susceptível de pôr em causa o bem‑fundado da decisão impugnada. Com efeito, a Comissão tomou em consideração os acordos celebrados tanto com a Região da Valónia como com o BSCA, quando analisou o plano de actividades. Avaliou as vantagens decorrentes da redução concedida às taxas de aterragem à luz do princípio do investidor privado em economia de mercado. A Comissão afirma ter posto suficientemente em destaque as debilidades intrínsecas do plano de actividades. Assim, a qualidade de proprietário do aeroporto da Região da Valónia não tem qualquer incidência sobre esta análise, em particular no que respeita à tomada a cargo por esta dos custos dos serviços de manutenção e de incêndio e ao limite máximo das contribuições do BSCA para o fundo ambiental. Do mesmo modo, considerar a Região da Valónia e o BSCA como uma só e mesma entidade não teve o mínimo impacto no rendimento previsto pelo plano de actividades, dado que a redução das taxas de aterragem não trazia qualquer vantagem para a Região da Valónia.

52      Na tréplica, a Comissão juntou aos autos novos elementos das autoridades da Valónia que confortam a apreciação segundo a qual, mesmo equiparando a Região da Valónia a um investidor privado, o rendimento previsto era insuficiente à luz do princípio do investidor privado em economia de mercado.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

53      Há que recordar que, como resulta dos autos, o BSCA é uma empresa pública controlada pela Região da Valónia. O seu capital é, em grande parte, composto por capitais públicos. Mais precisamente, e na opinião da própria Comissão, a Região da Valónia detinha directa ou indirectamente, à época dos factos, 96,28% das participações sociais do BSCA. Em 2 de Novembro de 2001, foi assinado um contrato entre o BSCA e a Ryanair que prevê obrigações recíprocas.

54      A Região da Valónia é proprietária da infra‑estrutura aeroportuária de Charleroi. Celebrou, em 6 de Novembro de 2001, um acordo com a Ryanair, nos termos do qual se comprometia a conceder‑lhe um desconto nas taxas de aterragem e uma indemnização em caso de perdas que a referida companhia viesse a sofrer na sequência de uma modificação, por decreto ou regulamento, das taxas aeroportuárias ou dos horários de abertura do aeroporto de Charleroi. Há que sublinhar que esse acordo apenas prevê, como a Comissão aliás indicou no ponto 21 da carta que convida os interessados a apresentar observações sobre as medidas controvertidas, (v. ponto 11 supra), compromissos da Região da Valónia em relação à Ryanair.

55      A Comissão reconheceu, tanto na decisão de abertura do procedimento como na decisão impugnada, as ligações económicas e jurídicas que unem a Região da Valónia ao BSCA e, em particular, o facto de o BSCA ser uma entidade economicamente dependente da Região da Valónia.

56      Com efeito, a Comissão indicou, no ponto 80 da carta que convida os interessados a apresentar observações em relação às medidas controvertidas (v. n.° 11 supra), no que respeita à aplicabilidade do princípio do investidor privado em economia de mercado no caso em apreço, que «[o]s papéis da Região [da Valónia] enquanto autoridade pública e do BSCA enquanto empresa aeroportuária [tinham] sido largamente confundidos, o que torna[va] muito difícil a aplicação desse princípio». Nessa carta, a Comissão salientou igualmente, no ponto 101, que «[a] influência dominante da Região da Valónia sobre o BSCA se [verificava], em primeiro lugar, na estrutura do accionistas» e que «[o] modo de organização do BSCA, segundo os seus estatutos de 2001, reserva[va] o controlo da sociedade aos accionistas da categoria A, isto é, à Região da [Valónia] e às suas sociedades especializadas». Finalmente, a Comissão insistiu no facto de que «[a] influência dominante da Região da Valónia sobre o BSCA [era] inegável quando se considera a forma como as autoridades desenharam o seu ambiente global desde a sua criação em 1991».

57      A conclusão segundo a qual a Região da Valónia e o BSCA mantêm laços estreitos resulta igualmente da decisão impugnada. A Comissão indicou, assim, que a estrutura financeira do BSCA estava estreitamente apoiada na da Região da Valónia (v., nomeadamente, considerandos 161 a 166 e considerando 237 da decisão impugnada), em particular, no tocante à tomada a cargo, nos termos da concessão, dos custos dos serviços de manutenção e de incêndio (v. considerandos 208 a 216 da decisão impugnada). Salientou, igualmente, na parte consagrada ao exame da existência de uma transferência de recursos estatais no caso em apreço, que «o BSCA [era] uma empresa pública [que a Região da Valónia controlava], a qual exerc[ia] sobre ele uma influência dominante [e que lhe eram] imputadas as medidas em apreço» (v. considerando 246 da decisão impugnada).

58      Apesar destas diversas considerações, a Comissão apreciou as medidas em causa em separado consoante tivessem sido concedidas pela Região da Valónia ou pelo BSCA.

59      Ora, no quadro da aplicação do critério do investidor privado, é necessário considerar a transacção comercial no seu conjunto com vista a verificar se a entidade estatal e a entidade controlada por esta, consideradas em conjunto, se comportaram como operadores racionais em economia de mercado. Com efeito, a Comissão tem a obrigação de ter em conta, na avaliação das medidas controvertidas, todos os elementos pertinentes e o seu contexto (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, Colect., p. II‑435, n.° 270), incluindo os relativos à situação da ou das autoridades que tomaram as medidas controvertidas.

60      Deste modo, contrariamente ao que afirma a Comissão, os laços económicos entre a Região da Valónia e o BSCA são desprovidos de pertinência, na medida em que não pode excluir‑se a priori que a Região da Valónia participou não somente na actividade exercida pelo BSCA (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o., C‑222/04, Colect., p. I‑289, n.° 112), mas também que obteve uma contrapartida financeira pela concessão das medidas controvertidas.

61      No caso em apreço, deve, portanto, concluir‑se que a Região da Valónia e o BSCA deviam ser consideradas uma só e a mesma entidade para efeitos da aplicação do princípio do investidor privado em economia de mercado. Resta igualmente examinar se foi com razão que a Comissão recusou aplicar o princípio do investidor privado em economia de mercado às medidas tomadas pela Região da Valónia em razão do papel especificamente desempenhado por esta, concretamente, do seu alegado papel de entidade reguladora.

 Quanto à equiparação da Região da Valónia a uma autoridade legislativa ou reguladora e quanto à exclusão da aplicação do princípio do investidor privado em economia de mercado às medidas tomadas por esta

–       Argumentos das partes

62      A recorrente não concorda com a recusa da Comissão de examinar as medidas concedidas pela Região da Valónia à luz do princípio do investidor privado em economia de mercado. Refuta a fundamentação invocada a este propósito pela Comissão (considerandos 139 a 160 da decisão impugnada), segundo a qual a Região da Valónia não exercia uma actividade económica quando lhe concedeu uma redução das taxas de aterragem e uma garantia de indemnização, mas exercia as suas prerrogativas de poder público recorrendo às suas competências legislativas e regulamentares.

63      Em primeiro lugar, esta fundamentação é contrária à jurisprudência. A recorrente sustenta que a aplicação do princípio do investidor privado em economia de mercado depende da natureza da actividade económica afectada pelas medidas estatais e não da qualidade do órgão que toma as medidas ou dos meios que acciona para proporcionar uma vantagem económica a uma empresa. A recorrente especifica que, embora o princípio do investidor privado em economia de mercado possa não ser aplicável quando uma autoridade pública age no exercício das suas prerrogativas de poder público, nomeadamente, quando impõe taxas ou encargos sociais (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2003, Freskot, C‑355/00, Colect., p. I‑5263, n.os 55 a 58 e 80 a 87), pode, inversamente, ser aplicável numa situação em que autoridades públicas cobram uma taxa parafiscal.

64      No caso em apreço, na decisão impugnada, a Comissão limita‑se a reproduzir as disposições legais por força das quais a Região da Valónia pode determinar as taxas aeroportuárias. Nada permite, todavia, compreender por que razão a Comissão considerou que a Região da Valónia não agira na qualidade de proprietária do aeroporto, mas na qualidade de autoridade reguladora.

65      A recorrente lembra, por outro lado, ter alegado no decurso do procedimento administrativo que a interferência da Comissão na política de definição dos preços do aeroporto de Charleroi equivale a fazer uma discriminação entre aeroportos públicos e privados contrária a artigo 295.° CE. Em resposta a este argumento, a Comissão referiu, no considerando 157 da decisão impugnada, que «a Região da Valónia teria podido decidir que incumbia ao BSCA fixar uma taxa pelos serviços prestados aos utilizadores, em conformidade com determinados princípios e condições». Ora, segundo a Comissão, se a Região da Valónia tivesse agido dessa forma, a fixação pelo BSCA das taxas de aterragem teria constituído uma actividade comercial e não o exercício de poderes reguladores. Deveria, portanto, ser objecto de uma apreciação segundo o princípio do investidor privado em economia de mercado. A recorrente sustenta, no entanto, no que respeita à natureza das actividades em questão e, portanto, à aplicação do princípio do investidor em economia de mercado, que tais actividades não se transformam de «reguladoras» em «comerciais» ou «económicas» simplesmente porque são confiadas por um governo regional a uma empresa pública que lhe pertence e controla.

66      Quanto especificamente à redução das taxas de aterragem, a recorrente alega que a disponibilização de instalações aeroportuárias em benefício de transportadoras aéreas constitui uma actividade económica regida pelo direito comunitário da concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Março de 2001, Portugal/Comissão, C‑163/99, Colect., p. I‑2613, n.° 45, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Aéroports de Paris/Comissão T‑128/98, Colect., p. II‑3929, n.os 108 a 124). A concessão de descontos sobre as taxas de aterragem a fim de atrair novos clientes é uma prática corrente no sector [auxílio estatal NN 109/98, Reino Unido (Manchester Airport), 14 de Junho de 1999, n.° 8].

67      A recorrente recorda que a Comissão apoiou o seu raciocínio no facto de ser a única companhia instalada em Charleroi a ter beneficiado de uma redução sobre as taxas de aterragem e de uma garantia de indemnização. A Comissão deduzira daí que «[o] artigo 87.° do Tratado [era] por conseguinte aplicável, caso o benefício decorrente da concessão de uma derrogação ao regime tarifário de direito comum não se justifi[asse] por razões económicas objectivas.» (considerando 140 da decisão impugnada).

68      Ora, segundo a recorrente, este raciocínio é errado por várias razões. Em primeiro lugar, as condições oferecidas à Ryanair não são o resultado de uma «derrogação» concedida unilateralmente pelas autoridades públicas mas o resultado de uma negociação comercial. A Ryanair sublinha que o nível de redução que conseguiu obter (cerca de 36%) excede a margem de redução (entre 5 e 25%) que a Região da Valónia pode, normalmente, conceder em conformidade com as disposições regulamentares locais. Em segundo lugar, as reduções concedidas à Ryanair são justificadas por considerações económicas objectivas evidentes. A fim de melhorar a sua actividade, o aeroporto de Charleroi contactou várias companhias aéreas. A Ryanair foi, finalmente, a única a assumir o risco de prestar serviços aéreos regulares a partir desse aeroporto. Em razão dos compromissos assumidos, a situação da Ryanair não era da mesma ordem que a das outras transportadoras aéreas então presentes em Charleroi. Como contrapartida pela redução de preços, a Ryanair comprometeu‑se a multiplicar por sete o volume total de passageiros anualmente transportados a partir do aeroporto, que era então da ordem das 20 000 pessoas. A Ryanair assumiu o risco de ser a primeira companhia a oferecer o transporte de tão grande volume de passageiros e a tornar‑se, assim, o principal operador desse aeroporto regional, sub‑explorado e pouco conhecido. Tendo em conta a duração do seu compromisso, a Ryanair renunciou igualmente à possibilidade de se retirar de Charleroi na hipótese de a rentabilidade da sua actividade se revelar insuficiente. Em terceiro lugar, as modificações adoptadas pela Região da Valónia em benefício da Ryanair não são selectivas nem limitadas, mas acessíveis a qualquer terceiro, em condições não discriminatórias. O acordo celebrado com o BSCA prevê expressamente que «nada no presente contrato impede o BSCA de negociar com outras companhias aéreas ou de aceitar aviões de outras companhias» (ponto 4.2 do referido acordo). Além disso, a Região da Valónia confirmou por comunicado de imprensa em Julho de 2001 que as vantagens concedidas à Ryanair são acessíveis a outras companhias que desejem desenvolver uma actividade comparável.

69      A recorrente alega que a garantia de indemnização oferecida pela Região da Valónia para reparação de eventuais mudanças na sua legislação, também não constitui um auxílio estatal. Trata‑se de um acordo de natureza comercial, equiparável a uma «cláusula de estabilização», conforme às práticas do sector. Com efeito, não seria razoável que a Ryanair se comprometesse por um período tão longo e assumisse riscos comerciais tão importantes sem obter, em contrapartida, a garantia por parte da Região da Valónia de que não modificaria os termos do acordo sem compensações indemnizatórias. Impedir a Região da Valónia de concluir tais compromissos equivaleria a privá‑la de um meio de acção à disposição de outros operadores comerciais. A recorrente sublinha que a garantia de indemnização é de aplicação limitada e não restringe de forma alguma a competência legislativa soberana da Região da Valónia. Trata‑se, portanto, apenas de um compromisso comercial destinado a assegurar a perenidade da operação económica projectada.

70      Em segundo lugar, a abordagem feita pela Comissão é incoerente. A este propósito, a recorrente sublinha uma contradição: a Comissão, por um lado, declarou o princípio do investidor privado em economia de mercado inaplicável à Região da Valónia e, por outro, tomou em consideração as vantagens concedidas por esta para efeitos de apreciar a viabilidade do plano de actividades do BSCA à luz desse princípio. Ao imputar à Região da Valónia as vantagens resultantes dos descontos nas taxas de aterragem e da garantia de indemnização, a Comissão conseguiu contornar a aplicação do princípio do investidor privado em economia de mercado e as dificuldades de análise que ele implica.

71      A Comissão refuta estas alegações.

72      Em primeiro lugar, a Comissão contesta a interpretação da jurisprudência feita pela recorrente. Considera que o acórdão Freskot, n.° 63 supra, conforta a decisão impugnada. Lembra que o Tribunal de Justiça considerou que a contribuição para um regime de seguro agrícola obrigatório não constituía um «serviço» na acepção do Tratado, designadamente porque o encargo cobrado no âmbito desse regime «possuía, fundamentalmente, a natureza de um encargo imposto pelo legislador», porque «[era] cobrado pela administração fiscal», porque «as características desse encargo, inclusive o seu valor, também são determinadas pelo legislador» e porque «cab[ia] aos ministros competentes decidir de uma eventual adaptação do seu montante» Essas apreciações são directamente transponíveis para o caso em apreço.

73      Em segundo lugar, a Comissão lembra que, na decisão impugnada, aplicou, pela primeira vez, o princípio do investidor privado em economia de mercado a um auxílio relativo a um aeroporto. Sustenta que o princípio do investidor privado em economia de mercado é incompatível com as suas orientações de 10 de Dezembro de 1994 relativas à aplicação dos artigos 87.° CE e 88.° CE e do artigo 61.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) aos auxílios de Estado no sector da aviação (JO C 350, p. 5), segundo as quais os investimentos públicos em infra‑estruturas aeroportuárias constituem uma medida de política económica geral. Ora, o Estado não pode agir simultaneamente como poder público e como investidor privado. A Comissão considera que a distinção operada entre a infra‑estrutura aeroportuária e a sua gestão é conforme com a abordagem dualista da análise dos auxílios estatais no sector aéreo que consiste em distinguir as infra‑estruturas aeroportuárias dos serviços aeroportuários.

74      Em terceiro lugar, a Comissão sublinha uma contradição na argumentação da recorrente. Lembra que não a censura por não ter tido em conta o custo dos investimentos requeridos da parte da Região da Valónia com vista a melhorar a infra‑estrutura aeroportuária e por fazer face ao aumento do tráfego resultante da implantação da Ryanair. Esses investimentos são pesados (93 milhões de euros no tocante unicamente aos directamente ligados à execução do plano de actividades). É ilógico censurar a Comissão por não ter aplicado o princípio do investidor privado em economia de mercado à Região da Valónia quando a decisão impugnada não incide sobre os investimentos de infra‑estruturas desta última. Se esses custos de infra‑estruturas devessem ser integrados na avaliação a título do princípio do investidor privado em economia de mercado, fariam aumentar as insuficiências do plano de actividades.

75      A Comissão convida o Tribunal a pedir à recorrente que retire os fundamentos deduzidos da análise das medidas tomadas pela Região da Valónia ou que explique por que razão esta, enquanto investidor em economia de mercado, realizou os investimentos necessários à execução do plano de actividades, que prove que foi cometido um erro manifesto de apreciação a este respeito na decisão impugnada.

76      Finalmente, a Comissão considera que a questão de saber se o valor do aeroporto devia ser tomado em consideração foi na verdade mencionada na petição, mas de uma maneira demasiado lacónica para poder considerar‑se que os desenvolvimentos consagrados a essa questão na réplica não deviam ser interpretados como fundamentos novos, inadmissíveis nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.

77      Quanto, mais precisamente, à redução das taxas de aterragem, a Comissão considera que a fixação das taxas de aterragem para o acesso às infra‑estruturas faz parte do exercício de prerrogativas de poder público. O Reino da Bélgica não contestou que a concessão de descontos à tarifa das taxas de aterragem necessitava da aprovação de um acto legislativo. Ora, no caso em apreço, a análise revelou que a Região da Valónia não agiu em conformidade com o direito aplicável, nem respeitou as suas competências ao conceder um desconto à Ryanair através de um contrato.

78      Estes elementos são confortados pela ligação indissociável que existe entre as taxas de aterragem e o fundo ambiental criado pela Região da Valónia e para o qual o BSCA contribui. O desenvolvimento do aeroporto tem consequências nefastas no ambiente que a Região da Valónia não pode ignorar. O fundo para o ambiente visa satisfazer esse objectivo. Isso demonstra, segundo a Comissão, que a fixação das taxas de aterragem é uma actividade regulamentar.

79      Segundo a Comissão, a Região da Valónia contornou os obstáculos regulamentares ao celebrar um contrato que prevê, em benefício exclusivo da Ryanair, um desconto sobre as taxas aeroportuárias. Se a gestão tivesse sido concedida a uma empresa privada, a Ryanair não poderia ter obtido uma redução dos encargos comparável àquela de que beneficiou.

80      A Comissão considera que a garantia de indemnização ilustra o facto de a Região da Valónia não ter agido como uma empresa mas como uma autoridade pública no uso do seu poder de regulação para enquadrar uma actividade económica. Uma empresa não estaria em condições de conceder tal garantia e não teria de qualquer forma sentido a sua necessidade. Essa garantia não está relacionada com modificações unilaterais do contrato, que são, de qualquer forma, excluídas, uma vez que o contrato com a Ryanair não previa essa possibilidade. Decorre directamente dos poderes de regulamentação da Região da Valónia, que não são abrangidos pelo princípio do investidor privado em economia de mercado, como o prova o artigo do acordo celebrado entre a Ryanair e a Região da Valónia.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

81      Deve recordar‑se que o acordo celebrado entre a Região da Valónia e a Ryanair prevê, por um lado, um desconto nas taxas de aterragem e, por outro, uma garantia de indemnização em caso de modificação das horas de abertura do aeroporto ou do nível das «taxas» aeroportuárias.

82      A Comissão declara no considerando 160 da decisão impugnada o seguinte:

«A Comissão conclui [...] que o princípio do investidor privado numa economia de mercado não é aplicável ao comportamento da Região da Valónia e que a redução das taxas aeroportuárias e a garantia de indemnização constituem uma vantagem na acepção do n.° 1 do artigo 87.° do Tratado. Estas vantagens permitem à Ryanair diminuir os seus custos de exploração. »

83      Para chegar a esta conclusão, a Comissão teve em conta os seguintes elementos:

–        a fixação das taxas aeroportuárias é da competência legislativa e regulamentar da Região da Valónia (considerando 144 da decisão impugnada);

–        ao fixar o nível das taxas aeroportuárias devidas pelos clientes pela utilização dos aeroportos da Valónia, a Região da Valónia enquadra uma actividade económica, mas não age como uma empresa (considerandos 145 e 158 da decisão impugnada);

–        os «encargos aeroportuários» fixados pela Região da Valónia permitem o financiamento de uma transferência de determinados recursos: são afectados até 65% ao concessionário do aeroporto (BSCA) e até 35% a um fundo para o ambiente (146 a 150 da decisão impugnada);

–        A Região da Valónia infringiu as disposições regulamentares nacionais aplicáveis ao conceder um desconto à Ryanair através de um contrato de direito privado e colocou‑se, assim, numa situação de «confusão de poderes» (considerandos 151 a 153 da decisão impugnada);

–        A afirmação da recorrente segundo a qual a decisão impugnada equivale a operar uma discriminação entre os «aeroportos privados» e os «aeroportos públicos» não é fundada, tendo em conta os diversos modos de fixação das taxas existentes na Europa (considerandos 154 a 159 da decisão impugnada).

84      Antes de examinar a procedência destes fundamentos, o Tribunal considera importante recordar que, para efeitos de determinar se uma medida estatal constitui uma vantagem na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, deve estabelecer‑se uma distinção entre as obrigações que o Estado deve assumir enquanto empresa que exerce uma actividade económica e os deveres que lhe podem incumbir enquanto poder público (v., neste sentido, quanto à distinção que deve fazer‑se entre a situação em que a autoridade que procede ao auxílio age como accionista de uma sociedade e a situação em que age na qualidade de autoridade pública, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C‑278/92 a C‑280/92, Colect., p. I‑4103, n.° 22, e de 28 de Janeiro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑334/99, Colect, p. I‑1139, n.° 134).

85      Embora, no caso de o Estado agir na qualidade de empresa que opera como investidor privado, seja necessário analisar o seu comportamento à luz do princípio do investidor privado em economia de mercado, a aplicação do referido princípio deve ser excluída na hipótese de agir como poder público. Com efeito, nesta última hipótese, o comportamento do Estado nunca pode ser comparado ao de um operador ou de um investidor privado em economia de mercado.

86      Devemos, portanto, pronunciar‑nos sobre a natureza económica ou não das actividades visadas no acaso em apreço.

87      A este propósito, resulta da jurisprudência que constitui uma actividade económica qualquer actividade consistente em oferecer bens ou serviços num dado mercado (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália, 118/85, Colect., p. 2599, n.° 7, e acórdão Aéroports de Paris/Comissão, n.° 66 supra, n.° 107).

88      Ora, contrariamente ao que a Comissão declarou no considerando 145 da decisão impugnada, deve considerar‑se que a região da Valónia agiu no quadro de actividades de natureza económica. Com efeito, a fixação do montante das taxas de aterragem, bem como a garantia de indemnização a ela ligada, é uma actividade directamente conexa com a gestão das infra‑estruturas aeroportuárias, que constitui uma actividade económica (v., neste sentido, acórdão Aéroports de Paris/Comissão, n.° 66 supra, n.os 107 a 109, 121, 122 e 125).

89      Importa, quanto a este ponto, salientar que os encargos aeroportuários fixados pela Região da Valónia devem ser considerados uma remuneração das prestações de serviços fornecidos no aeroporto de Charleroi, não obstante o facto, evocado pela Comissão no considerando 147 da decisão impugnada, de o vínculo directo e manifesto existente entre o nível dos encargos e o serviço prestado aos utilizadores ser reduzido.

90      Contrariamente à situação objecto do acórdão Freskot, n.° 63 supra, os encargos aeroportuários devem ser analisados como a contrapartida de serviços prestados pelo proprietário ou pelo concessionário do aeroporto. A própria Comissão admite, nos considerandos 147 a 149 da decisão impugnada, que, tanto no caso em apreço como na sua prática decisória anterior, era adequado considerar os referidos encargos como «taxas» e não como «impostos».

91      Também, a disponibilização às companhias aéreas, por uma autoridade pública, de instalações aeroportuárias, bem como a sua gestão, mediante o pagamento de uma taxa cujo valor é fixado livremente por esta, podem ser qualificadas de actividades de natureza económica sendo tais actividades efectivamente executadas no domínio público, não sendo abrangidos, apenas por esse facto, pelo exercício de prerrogativas de poder público. Com efeito, essas actividades não estão ligadas, pela sua natureza, pelo seu objecto e pelas regras a que estão submetidas, ao exercício de prerrogativas que são tipicamente prerrogativas de poder público (v., a contrario, acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 1994, SAT Fluggesellschaft, C‑364/92, Colect., p. I‑43, n.° 30).

92      A circunstância de a Região da Valónia ser uma autoridade pública e de ser proprietária de instalações aeroportuárias que fazem parte do domínio público não poderia assim excluir por si só que, no caso em apreço, possa ser considerada uma entidade que exerce uma actividade económica (v., neste sentido, acórdão Aéroports de Paris/Comissão, n.° 66 supra, n.° 109).

93      A este propósito, a Comissão reconheceu, na audiência, que o proprietário de um aeroporto público pode ao mesmo tempo agir como regulador e como investidor privado. Referiu, além disso, que, se o BSCA não tivesse agido na qualidade de intermediário entre a Região da Valónia, enquanto proprietária do aeroporto de Charleroi, e a Ryanair, enquanto cliente do referido aeroporto, teria sido possível considerar a Região da Valónia como um investidor privado em economia de mercado. A Comissão sublinha, todavia, que, no caso em apreço, a Região da Valónia agiu apenas enquanto entidade reguladora fazendo uso dos seus poderes regulamentares e fiscais. Salienta nomeadamente que, à época dos factos, os poderes da Região da Valónia em matéria de fixação de taxas aeroportuárias, designadamente as taxas de aterragem das aeronaves, únicas visadas no caso em apreço, estavam previstos pelo Decreto do Governo da Valónia de 16 de Julho de 1998 que fixa as taxas a cobrar pela utilização dos aeroportos que estão sob a jurisdição da Região da Valónia (Moniteur belge de 15 de Setembro de 1998, , p.  29491), alterado pelo Decreto do Governo da Valónia de 22 de Março de 2001 (Moniteur belge de 10 de Abril de 2001 p. 11845). Por força do artigo 8 desse decreto, incumbe a uma comissão consultiva dos utilizadores, composta por um representante do ministro responsável pelos transportes, dois representantes da sociedade concessionária do aeroporto, um representante da direcção‑geral dos transportes do Ministério do Equipamento e dos Transportes e por um representante dos utilizadores do aeroporto, emitir um parecer sobre os projectos de modificação do sistema de taxas. Estes elementos são reveladores do exercício de prerrogativas de poder público.

94      O Tribunal considera, todavia, que essa argumentação não pode proceder na medida em que não põe em causa o facto de a actividade visada no caso concreto, concretamente, a fixação das taxas aeroportuárias, estar estreitamente ligada à utilização e à gestão do aeroporto de Charleroi, actividade que deve ser qualificada de económica.

95      Há que salientar, a este propósito, que a Comissão declarou, no considerando 156 da decisão impugnada, o seguinte:

«Um aeroporto desempenha sempre uma função de utilidade pública, o que explica que esteja geralmente subordinado a determinadas formas de regulamentação, ainda que seja propriedade e/ou gerido por um empresa privada. Os gestores privados de aeroportos podem estar sujeitos a essa regulamentação e as suas competências de fixação das taxas são frequentemente determinadas pelas disposições de entidades reguladoras nacionais devido à sua posição de monopólio. A posição de força dos aeroportos relativamente aos seus utilizadores pode assim ser determinada pelas entidades reguladoras nacionais que fixam níveis de taxas a não exceder ('price caps'). Afirmar que um aeroporto privado tem a liberdade de fixar as suas taxas sem estar subordinado a determinadas formas de regulamentação é, em todo o caso, inexacto.»

96      Assim, a Comissão, embora recusando aplicar o princípio do investidor privado em economia de mercado às medidas tomadas pela Região da Valónia, tendo em conta a natureza regulamentar dos poderes que exerce, a própria Comissão salientou que um aeroporto era geralmente sujeito a certas formas de regulação, e isto precisando «mesmo que seja propriedade e/ou gerido por uma empresa privada». Por consequência, o fundamento relativo à existência de diferentes modos de fixação das taxas aeroportuárias pode, por si só, excluir a aplicação do princípio do investidor privado em economia de mercado às vantagens concedidas pela Região da Valónia.

97      Por outro lado, a alegação segundo a qual a Região da Valónia infringiu disposições regulamentares nacionais aplicáveis ao conceder um desconto à Ryanair através de um contrato de direito privado, colocando‑se assim numa situação de «confusão de poderes» (considerandos 151 a 153 da decisão impugnada), também não pode ser acolhida.

98      Com efeito, cabia à Comissão distinguir no seu exame das medidas controvertidas as actividades de natureza económica das que fazem parte stricto sensu de prerrogativas de poder público. De resto, a conformidade com o direito nacional do comportamento de quem concede um auxílio não é um elemento que deva ser tomado em conta para resolver a questão de saber se agiu em conformidade com o princípio do investidor privado em economia de mercado ou concedeu uma vantagem económica contrária ao disposto no artigo 87.°, n.° 1, CE. O facto de uma actividade corresponder juridicamente a uma derrogação a uma tabela prevista numa disposição regulamentar não permite considerar que essa actividade deva ser qualificada de não económica.

99      A Comissão não pode basear‑se, em apoio da abordagem adoptada na decisão impugnada, nas orientações relativas à aplicação dos artigos 87.° CE e 88.° CE e do artigo 61.° do Acordo EEE aos auxílios de Estado no sector da aviação. Com efeito, essas orientações limitam‑se a prever que «(a) construção ou expansão de projectos de infra‑estruturas [...] representa uma medida geral de política económica que não pode ser controlada pela Comissão ao abrigo das regras do Tratado em matéria de auxílios de Estado», indicando, no entanto, que «a Comissão pode avaliar actividades desenvolvidas nos aeroportos que possam beneficiar companhias aéreas directa ou indirectamente». Longe de confortar a posição da Comissão, essas orientações recordam que a exploração de aeroportos e a fixação das taxas com ela relacionada, mesmo por organismos públicos, constituem uma actividade económica para efeitos do direito da concorrência.

100    Além disso, importa assinalar que a própria Comissão, ao indicar que «a Região da Valónia poderia ter decidido que incumbia ao BSCA fixar uma taxa pelos serviços prestados aos utilizadores, em conformidade com determinados princípios e condições» (v. considerando 157 da decisão impugnada) ou ainda ao admitir que um sistema de descontos promocionais dos encargos aeroportuários não era em si contrário ao direito comunitário (considerando 159 da decisão impugnada) reconhece que o facto de conceder uma redução das taxas aeroportuárias e uma garantia de indemnização como as que estão em causa no caso em apreço não se enquadra no exercício de prerrogativas de poder público.

101    Por si só, a circunstância de, no caso vertente, a Região da Valónia dispor de poderes de natureza regulamentar em matéria de fixação das taxas aeroportuárias não exclui que o exame de um sistema de descontos das referidas taxas deva efectuar‑se à luz do princípio do investidor privado em economia de mercado, uma vez que tal sistema pode ser aplicado por um operador privado.

102    Tendo em conta todas estas considerações, há que concluir que a recusa da Comissão de examinar conjuntamente as vantagens concedidas pela Região da Valónia e pelo BSCA e de aplicar o princípio do investidor privado em economia de mercado às medidas tomadas pela Região da Valónia, apesar dos laços económicos que unem essas duas entidades, padece de um erro de direito.

103    Uma vez que a apreciação global das medidas em causa exigia uma aplicação do princípio do investidor privado em economia de mercado, não só às medidas tomadas pelo BSCA mas também às medidas tomadas pela Região da Valónia, não há que examinar a última parte do fundamento relativo à aplicação errada do princípio do investidor privado em economia de mercado ao BSCA. Com efeito, não se pode excluir que a aplicação do referido princípio ao conjunto constituído pela Região da Valónia e pelo BSCA tivesse chegado a resultados diferentes.

104    O argumento da Comissão segundo o qual uma reavaliação de todas as medidas controvertidas à luz do princípio do investidor privado em economia de mercado teria chegado a resultados ainda mais desfavoráveis para a recorrente não pode proceder. Com efeito, como indica a recorrente, o exame separado das medidas controvertidas, consoante tenham sido concedidas pela Região da Valónia ou pelo BSCA, afectou substancialmente a análise da Comissão na medida em que permitiu a esta última qualificar de auxílios estatais as medidas tomadas pela Região da Valónia sem recorrer ao princípio do investidor privado em economia de mercado. Ora, decorre da jurisprudência citada no n.° 41 supra que a aplicação do princípio do investidor privado em economia de mercado ao conjunto da transacção implica um exame e apreciações económicas complexas que não cabe ao Tribunal efectuar. A este respeito, importa recordar que, no quadro do contencioso de anulação, o Tribunal se pronuncia sobre a legalidade das apreciações feitas pela Comissão na decisão recorrida. Não cabe ao Tribunal, no quadro de tal contencioso, reavaliar o carácter avisado de um investimento e pronunciar‑se sobre a questão de saber se um investidor privado seria levado a fazer o investimento planeado no momento da adopção da decisão impugnada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Alitalia/Comissão, T‑296/97, Colect., p. II‑3871, n.° 170, e a jurisprudência citada).

105    Por conseguinte, tendo em conta o erro de direito cometido pela Comissão, há que dar provimento aos pedidos da recorrente e anular a decisão impugnada, sem que seja necessário examinar os argumentos em apoio do primeiro fundamento.

 Quanto às despesas

106    Por força do disposto no artigo 87,°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

107    Em conformidade com o disposto no artigo 87.°, n.° 4, terceiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a interveniente suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL (Oitava Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão 2004/393/CE da Comissão, de 12 de Fevereiro de 2004, relativa às vantagens concedidas pela Região da Valónia e pelo Brussels South Charleroi Airport à companhia aérea Ryanair por ocasião da sua instalação em Charleroi, é anulada.

2)      A Comissão é condenada a suportar as suas próprias despesas bem como as da Ryanair Ltd.

3)      A Association of European Airlines (AEA) suportará as suas próprias despesas.

Martins Ribeiro

Šváby

Papasavvas

Wahl

 

      Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Dezembro de 2008.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.