Language of document : ECLI:EU:C:2023:1013

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de dezembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União Europeia — Artigos 21.o e 45.o TFUE — Direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União no território dos Estados‑Membros — Trabalhador que adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento mantendo a sua nacionalidade de origem — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 3.o — Titulares — Artigo 2.o, ponto 2, alínea d) — Membros da família — Ascendentes diretos a cargo de um trabalhador cidadão da União — Artigo 7.o, n.o 1, alíneas a) e d) — Direito de residência por mais de três meses — Conservação do estatuto de pessoa a cargo no Estado‑Membro de acolhimento — Artigo 14.o, n.o 2 — Conservação do direito de residência — Regulamento (UE) n.o 492/2011 — Artigo 7.o, n.o 2 — Igualdade de tratamento — Vantagens sociais — Prestações de assistência social — Sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento»

No processo C‑488/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda), por Decisão de 27 de julho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de agosto de 2021, no processo

GV

contra

Chief Appeals Officer,

Social Welfare Appeals Office,

The Minister for Employment Affairs and Social Protection,

Irlanda,

The Attorney General,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, A. Prechal, E. Regan, F. Biltgen e N. Piçarra, presidentes de secção, S. Rodin, P. G. Xuereb, L. S. Rossi, A. Kumin (relator), N. Wahl, I. Ziemele, D. Gratsias e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogada‑geral: T. Ćapeta,

secretária: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de outubro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de GV, por D. Shortall, SC, P. Brazil, BL, e S. Kirwan, solicitor,

–        em representação do Chief Appeals Officer, do Social Welfare Appeals Office, do Minister for Employment Affairs and Social Protection, da Irlanda e do Attorney General, por M. Browne, Chief State Solicitor, A. Delaney e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por N. J. Travers, SC, e A. Carroll, BL,

–        em representação do Governo Checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Dinamarquês, por M. Jespersen, C. Maertens, V. Pasternak Jørgensen, M. Søndahl Wolff e Y. T. Thyregod Kollberg, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller, R. Kanitz e N. Scheffel, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por E. Montaguti e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 16 de fevereiro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77, e retificações no JO 2004, L 229, p. 35, no JO 2005, L 197, p., 34, e no JO 2007, L 204, p. 28).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe GV ao Chief Appeals Officer (Diretor do Gabinete de Recursos, Irlanda), ao Social Welfare Appeals Officer (Gabinete de Recursos em Matéria de Segurança Social, Irlanda), ao Minister for Employment Affairs and Social Protection (Ministro do Emprego e dos Assuntos Sociais, Irlanda), à Irlanda e ao Attorney General (Procurador‑Geral, Irlanda), a respeito da concessão de um subsídio de invalidez a GV (a seguir «subsídio de invalidez»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento (CE) n.o 883/2004

3        O título III do Regulamento (CE) n.o 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social (JO 2004, L 166, p. 1, e retificações no JO 2004, L 200, p. 1, bem como no JO 2007, L 204, p. 30, a seguir «Regulamento n.o 883/2004»), contém um capítulo 9, intitulado «Prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo». Neste capítulo, o artigo 70.o deste regulamento, sob a epígrafe «Disposições gerais», prevê:

«1.      O presente artigo aplica‑se às prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo concedidas nos termos de uma legislação que, devido ao seu âmbito de aplicação pessoal, aos seus objetivos e/ou condições de aquisição de direito, tenha características tanto de legislação de segurança social referida no n.o 1 do artigo 3.o, como de legislação de assistência social.

2.      Para efeitos do presente capítulo, a expressão “prestações pecuniárias especiais de caráter não contributivo” designa as prestações:

[…]

c)      Que sejam inscritas no anexo X.

[…]»

4        O anexo X do referido regulamento, que enumera as «[p]restações pecuniárias especiais de caráter não contributivo», na aceção do artigo 70.o, n.o 2, alínea c), do mesmo regulamento, prevê, em relação à Irlanda, que estas prestações englobam o «subsídio de invalidez (Lei consolidada da segurança social, de 2005, parte III, capítulo 10)».

 Regulamento (UE) n.o 492/2011

5        O artigo 7.o do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União (JO 2011, L 141, p. 1), prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      O trabalhador nacional de um Estado‑Membro não pode ser sujeito no território de outro Estado‑Membro, em razão da sua nacionalidade, a um tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2.      O trabalhador referido no n.o 1 beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.»

 Diretiva 2004/38

6        Nos termos dos considerandos 3 e 5 da Diretiva 2004/38:

«(3)      A cidadania da União [Europeia] deverá ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros quando estes exercerem o seu direito de livre circulação e residência. É, pois, necessário codificar e rever os instrumentos comunitários em vigor que tratam separadamente a situação dos trabalhadores assalariados, dos trabalhadores não assalariados, assim como dos estudantes e de outras pessoas não ativas, a fim de simplificar e reforçar o direito de livre circulação e residência de todos os cidadãos da União.

[…]

(5)      O direito de todos os cidadãos da União circularem e residirem livremente no território dos Estados‑Membros implica, para que possa ser exercido em condições objetivas de liberdade e de dignidade, que este seja igualmente concedido aos membros das suas famílias, independentemente da sua nacionalidade […]»

7        O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê, no seu ponto 2, alínea d):

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

2)      “Membro da família”:

[…]

d)      Os ascendentes diretos que estejam a cargo […]»

8        O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Titulares», prevê, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2 do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

9        O capítulo III da Diretiva 2004/38, intitulado «Direito de residência», abrange os artigos 7.o a 14.o da mesma.

10      O artigo 7.o, sob a epígrafe «Direito de residência por mais de três meses», dispõe, no seu n.o 1:

«Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

a)      Exerça uma atividade assalariada ou não assalariada no Estado‑Membro de acolhimento; ou

b)      Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento; […]

c)      -      esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, reconhecido ou financiado por um Estado‑Membro de acolhimento com base na sua legislação ou prática administrativa, com o objetivo principal de frequentar um curso, inclusive de formação profissional, e

–        disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, e garanta à autoridade nacional competente, por meio de declaração ou outros meios à sua escolha, que dispõe de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os membros da sua família a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência; ou

d)      Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).»

11      O artigo 14.o desta diretiva, sob a epígrafe «Conservação do direito de residência», prevê, no seu n.o 2:

«Os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência a que se referem os artigos 7.o, 12.o e 13.o enquanto preencherem as condições neles estabelecidas.

Em casos específicos em que haja dúvidas razoáveis quanto a saber se um cidadão da União ou os membros da sua família preenchem as condições a que se referem os artigos 7.o, 12.o e 13.o, os Estados‑Membros podem verificar se tais condições são preenchidas. Esta verificação não é feita sistematicamente».

12      O artigo 16.o, n.o 1, da referida diretiva, que figura no seu capítulo IV, intitulado «Direito de residência permanente», dispõe:

«Os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, têm direito de residência permanente no mesmo. Este direito não está sujeito às condições previstas no capítulo III.»

 Direito irlandês

 Regulamento de 2015

13      A regulamentação irlandesa que transpõe a Diretiva 2004/38 consta dos European Communities (Free Movement of Persons) Regulations 2015 [Regulamento de 2015 relativo às Comunidades Europeias (Livre Circulação de Pessoas)], que substituíram, a partir de 1 de fevereiro de 2016, os European Communities (Free Movement of Persons) (n.o 2) Regulations 2006 [Regulamento de 2006 relativo às Comunidades Europeias (Livre Circulação de Pessoas) (n.o 2)], de 18 de dezembro de 2006 (a seguir «Regulamento de 2015»).

14      O artigo 3.o, n.o 5, alínea b), do Regulamento de 2015 define «membro reconhecido da família do cidadão da União» do seguinte modo:

«i)      o cônjuge ou parceiro em união de facto do cidadão da União,

ii)      os descendentes diretos do cidadão da União ou do seu cônjuge ou parceiro, e que:

I)      tenham idade inferior a 21 anos, ou

II)      estejam a cargo do cidadão da União ou do seu cônjuge ou parceiro, ou

iii)      os ascendentes diretos que estejam a cargo do cidadão da União ou do seu cônjuge ou parceiro.»

15      O direito de residir na Irlanda está consagrado no artigo 6.o deste regulamento, concretamente no seu n.o 3, alínea a), que enuncia:

«Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no Estado por período superior a três meses, desde que:

i)      exerça no Estado uma atividade assalariada ou não assalariada;

ii)      disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, para não se tornar numa sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento para si próprio e para os membros da sua família; ou

iii)      esteja inscrito num estabelecimento de ensino reconhecido ou financiado pelo Estado com o objetivo principal de frequentar um curso e disponha de uma cobertura extensa de seguro de doença para si próprio e para os membros da sua família e demonstre ao Ministro, por meio de uma declaração ou de outra via, que dispõe de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, para não se tornar numa sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado; ou

iv)      sem prejuízo do disposto no n.o 4, seja membro da família de um cidadão da União que preenche um ou mais dos requisitos previstos nas alíneas i), ii) ou iii)».

16      O artigo 11.o, n.o 1, do referido regulamento enuncia os requisitos de conservação do direito de residência na Irlanda. Esta disposição prevê:

«Qualquer pessoa que resida no Estado ao abrigo dos artigos 6.o, 9.o ou 10.o tem o direito de continuar a residir desde que cumpra as disposições relevantes do artigo em causa e não se torne numa sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado.»

 Lei de 2005

17      A secção 210.o, n.os 1 e 9, da Social Welfare Consolidation Act 2005 (Lei Consolidada de 2005 relativa à Segurança Social, a seguir «Lei de 2005») dispõe:

«1.      Sem prejuízo das disposições da presente lei, é concedido um subsídio (“subsídio de invalidez”) à pessoa:

a)      que tenha atingido a idade de 16 anos, mas que não tenha atingido a idade da reforma;

b)      que, em razão de uma incapacidade específica, esteja consideravelmente impedida de exercer uma atividade profissional (designada, no presente capítulo, de “atividade profissional adequada”), que seria adequada à sua idade, experiência e qualificações caso não sofresse da incapacidade, independentemente de beneficiar, ou não, de um serviço de formação para pessoas com incapacidade ao abrigo da secção 68 do Health Act, 1970 [Lei de 1970 relativa à Saúde,].

c)      cujos meios de subsistência semanais, sem prejuízo do disposto na subsecção 2, não excedam o montante do subsídio de invalidez (incluindo eventuais aumentos) que lhe seria concedido ao abrigo do capítulo 10 caso não dispusesse de meios de subsistência.

[…]

9.      Uma pessoa só tem direito a receber um subsídio de invalidez ao abrigo da presente secção se residir habitualmente no território do Estado.»

18      Nos termos da secção 246, n.os 1 e 5, da Lei de 2005:

«1. O requisito de residência habitual no território do Estado, previsto em cada uma das disposições referidas no n.o 3, significa que:

a)      a pessoa tem de residir habitualmente no território do Estado à data em que apresenta o pedido e após essa data, para conservar o direito ao subsídio requerido;

b)      a pessoa exerce uma atividade assalariada ou não assalariada e reside no território do Estado ao abrigo do disposto no artigo 7.o da Diretiva 2004/38 […];

c)      a pessoa é membro da família de uma das pessoas referidas na alínea b) […]

[…]

5.      Não obstante o disposto nos n.os 1 a 4, e sem prejuízo do disposto no n.o 9, a pessoa que não é titular de um direito de residência no território do Estado não é considerada, para efeitos da presente lei, residente habitual no território do Estado.

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19      GV, nacional romena, é mãe de AC. Esta última, que também tem nacionalidade romena, reside e trabalha na Irlanda, tendo adquirido igualmente a nacionalidade irlandesa por naturalização.

20      Entre 2009 e 2016, GV residiu na Irlanda em várias ocasiões, após cada uma das quais regressou à Roménia ou a Espanha. Além disso, dependia financeiramente da sua filha, que lhe enviava dinheiro regularmente.

21      GV reside na Irlanda com a filha desde 2017. Em 28 de setembro de 2017, pediu que lhe fosse concedido o subsídio de invalidez ao abrigo da Lei de 2005, devido à deterioração do seu estado de saúde em resultado de uma artrite.

22      O órgão jurisdicional de reenvio assinala que este subsídio, cujo objetivo é proteger os seus beneficiários contra a pobreza, consiste numa prestação de assistência social que é concedida sem que o interessado tenha de pagar previamente contribuições à segurança social. Além disso, resulta da decisão de reenvio que o interessado tem de preencher determinados requisitos para poder beneficiar do subsídio, isto é, requisitos relacionados com a sua idade, incapacidade e recursos. Por outro lado, o direito irlandês exclui a concessão deste subsídio às pessoas que não residam habitualmente na Irlanda, como é o caso das pessoas que não têm o direito de residir neste Estado‑Membro. Por último, este órgão jurisdicional salienta que o subsídio de invalidez constitui uma «prestação pecuniária especial de caráter não contributivo» na aceção do Regulamento n.o 883/2004.

23      O pedido de subsídio de invalidez apresentado por GV foi indeferido por Decisão de 27 de fevereiro de 2018. O recurso apresentado por GV contra esta decisão foi também indeferido por Decisão de 12 de fevereiro de 2019. O fundamento de indeferimento, tanto do pedido como do recurso, foi que GV não era titular de um direito de residência na Irlanda.

24      A Decisão de 12 de fevereiro de 2019 foi objeto de reapreciação na sequência de um pedido apresentado em nome de GV por uma organização não governamental. O Appeals Officer (Funcionário Encarregado dos Recursos, Irlanda) concluiu, por Decisão de 2 de julho de 2019, que GV, enquanto ascendente direto a cargo de um cidadão da União, que trabalha na Irlanda, era titular de um direito de residência, mas não tinha direito a prestações de assistência social.

25      Foi apresentado um pedido de revisão ao Diretor do Gabinete de Recursos. Este último confirmou, por Decisão de 23 de julho de 2019, que GV não tinha direito ao subsídio de invalidez, visto que, caso este lhe fosse concedido, se tornaria numa sobrecarga não razoável para o regime de segurança social nacional, na aceção do artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento de 2015, pelo que perderia o direito de residência.

26      GV interpôs recurso daquela decisão para o High Court (Tribunal Superior, Irlanda), que anulou a Decisão de 23 de julho de 2019 por Acórdão de 29 de maio de 2020. Este tribunal declarou, no acórdão em causa, designadamente, que o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento de 2015 era incompatível com a Diretiva 2004/38, na parte em que sujeita o direito de residência de um membro da família de um cidadão irlandês, como é o caso de GV, à condição de esse membro não se tornar numa sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado. No entender do referido tribunal, quando, à data em que o membro da família se reúne ao cidadão da União em causa, se conclui que esse membro está a cargo do cidadão da União, não se exige que o mesmo permaneça a cargo do referido cidadão da União para poder continuar a beneficiar de um direito de residência no Estado‑Membro de acolhimento.

27      O Diretor do Gabinete de Recursos e o Ministro do Emprego e dos Assuntos Sociais interpuseram recurso do referido acórdão para o Court of Appeal (Tribunal de Recurso, Irlanda), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

28      Decorre da decisão de reenvio que, no entender do Ministro do Emprego e dos Assuntos Sociais, o conceito de «membro da família», na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2004/38, exige que o membro da família fique a cargo do cidadão da União em causa enquanto é invocado o direito de residência derivado. Assim, quando a relação de dependência entre o membro da família e o cidadão da União cessa, nomeadamente, devido ao pagamento de uma prestação de assistência social como o subsídio de invalidez, o referido membro da família, que passará então a depender financeiramente do regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento, deixa de poder beneficiar deste direito de residência. Esta interpretação é, por um lado, corroborada tanto pela redação daquela disposição como pela do artigo 14.o, n.o 2, da diretiva e, por outro, não é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça.

29      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que GV alega, pelo contrário, essencialmente, que o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento de 2015 é ilegal, na parte em que prevê que o membro da família de um cidadão da União que é um trabalhador assalariado, que beneficia de um direito de residência derivado baseado na sua dependência em relação a este trabalhador assalariado, só pode beneficiar de uma prestação de assistência social se não constituir uma «sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado», quando este requisito não consta do artigo 7.o da Diretiva 2004/38. Segundo GV, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de «dependência» confirma o seu entendimento. Além disso, os argumentos invocados pelo Ministro do Emprego e dos Assuntos Sociais violam o seu direito à igualdade de tratamento, garantido pelo artigo 24.o, n.o 1, desta diretiva.

30      Foi neste contexto que o Court of Appeal (Tribunal de Recurso) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O direito de residência derivado de um ascendente direto de um trabalhador cidadão da União, nos termos do artigo 7.o, n.o [1, alínea d)], da Diretiva [2004/38], está sujeito à contínua dependência desse ascendente em relação ao trabalhador?

2.      A Diretiva [2004/38] opõe‑se a que um Estado‑Membro de acolhimento limite o acesso a uma prestação de assistência social por parte de um membro da família de um trabalhador cidadão da União que beneficia de um direito de residência derivado por estar a cargo desse trabalhador, quando o acesso a tal prestação significa que já não está a cargo desse trabalhador?

3.      A Diretiva [2004/38] opõe‑se a que um Estado‑Membro de acolhimento limite o acesso a uma prestação de assistência social por parte de um membro da família de um trabalhador cidadão da União que beneficia de um direito de residência derivado por estar a cargo desse trabalhador, com o fundamento de que o pagamento da prestação fará com que o membro da família em causa se torne uma sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado?»

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

31      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de março de 2023, na sequência da apresentação das conclusões da advogada‑geral, os recorridos no processo principal requereram a reabertura da fase oral do processo, em aplicação do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

32      Em apoio do seu pedido, os recorridos no processo principal alegam, em substância, que, nas suas conclusões, a advogada‑geral, ao propor a adoção de uma interpretação ampla do conceito de «dependência», nos termos do artigo 2.o, ponto 2, alínea d), e do artigo 7.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2004/38, isto é, no sentido de que este conceito remete para a necessidade de um «apoio afetivo» e, por conseguinte, para necessidades não materiais e, em particular, financeiras, excedeu os limites do objeto do litígio no processo principal e, consequentemente, sugeriu uma decisão ultra petita.

33      Os recorridos alegam ainda que a questão de saber se o referido conceito pode abranger, total ou parcialmente, uma dependência de natureza afetiva não foi discutida nem durante a fase escrita do processo nem na audiência. Logo, o processo seria resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

34      A este respeito, importa recordar que, por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, o advogado‑geral apresenta publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre os processos que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado nem pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que este baseia essas conclusões (Acórdão de 12 de maio de 2022, Schneider Electric e o., C‑556/20, EU:C:2022:378, n.o 30 e jurisprudência referida).

35      Além disso, o Tribunal de Justiça esclareceu que o desacordo de um interessado referido no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este examina nas mesmas, não pode constituir, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 12 de maio de 2022, Schneider Electric e o., C‑556/20, EU:C:2022:378, n.o 32 e jurisprudência referida).

36      É certo que o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

37      No entanto, o Tribunal de Justiça dispõe, no presente caso, de todos os elementos necessários para decidir e o processo não tem de ser resolvido com base num argumento que não foi debatido nas fases escrita e oral do processo. A este respeito, cumpre realçar que a questão do alcance do conceito de «dependência», na aceção do artigo 2.o, ponto 2, alínea d), e do artigo 7.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2004/38, nomeadamente a questão de saber se esta dependência pode ser de natureza afetiva, foi especificamente discutida na audiência.

38      Acresce que o pedido de reabertura da fase oral do processo não contém nenhum facto novo que possa ter influência determinante na decisão que o Tribunal de Justiça é chamado a proferir neste processo.

39      Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera, ouvida a advogada‑geral, que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

40      A título preliminar, há que salientar que, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua questão à interpretação da Diretiva 2004/38, tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido, quer esse órgão jurisdicional lhes tenha ou não feito referência no enunciado da sua questão (Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes, C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 28 e jurisprudência referida).

41      No presente caso, resulta da decisão de reenvio que AC, nacional romena e filha de GV, adquiriu a nacionalidade irlandesa em 2016 por naturalização, após ter exercido a sua liberdade de circulação residindo e trabalhando na Irlanda.

42      A este título, importa recordar que os eventuais direitos conferidos pela Diretiva 2004/38 aos membros da família de um cidadão da União que são, eles próprios, nacionais de um Estado‑Membro e que acompanham este cidadão da União ou que a ele se reúnem são, além dos direitos autónomos que lhes assistem ao abrigo desta diretiva em razão da sua própria qualidade de cidadãos da União, derivados dos direitos de que o referido cidadão da União goza devido ao exercício da sua liberdade de circulação (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes, C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 32 e jurisprudência referida).

43      No entanto, a Diretiva 2004/38 regula apenas os requisitos de entrada e de residência de um cidadão da União em Estados‑Membros diferentes daquele de que é nacional. Com efeito, uma vez que, por força de um princípio de direito internacional, um Estado‑Membro não pode recusar aos seus próprios nacionais o direito de entrar e de residir no seu território e que, portanto, estes gozam aí de um direito de residência incondicional, esta diretiva não se destina a regular a residência de um cidadão da União no Estado‑Membro de que é nacional. Por conseguinte, tendo em conta a jurisprudência recordada no número anterior do presente acórdão, a referida diretiva também não se destina a conferir, no território desse Estado‑Membro, um direito de residência derivado aos membros da família desse cidadão da União (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes, C‑165/16, EU:C:2017:862, n.os 33 e 37 e jurisprudência referida).

44      Resulta do exposto que, no presente caso, a partir do momento em que AC adquiriu a nacionalidade irlandesa por naturalização, a Diretiva 2004/38 deixou, em princípio, de poder regular o seu direito de residência na Irlanda e o direito de residência derivado de que beneficiam, se for o caso, os membros da sua família, como GV, na aceção do artigo 2.o, ponto 2, da diretiva.

45      Não obstante, o Tribunal de Justiça declarou que a situação de um nacional de um Estado‑Membro, que exerceu a sua liberdade de circulação entrando e residindo legalmente no território de outro Estado‑Membro, não pode ser equiparada a uma situação puramente interna pelo simples facto de esse nacional, quando dessa residência, ter adquirido a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento além da sua nacionalidade de origem. O Tribunal de Justiça concluiu do exposto que o efeito útil dos direitos conferidos aos cidadãos da União no artigo 21.o, n.o 1, TFUE exige que um cidadão da União que se encontre nessa situação possa continuar a gozar, no Estado‑Membro de acolhimento, dos direitos decorrentes desta disposição, após ter adquirido a nacionalidade desse Estado‑Membro, eventualmente além da sua nacionalidade de origem, e, particularmente, possa ter uma vida familiar normal no referido Estado‑Membro, beneficiando aí da presença, a seu lado, dos membros da sua família (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes, C‑165/16, EU:C:2017:862, n.os 49, 52 e 53).

46      O artigo 21.o, n.o 1, TFUE, que enuncia de modo geral o direito de qualquer cidadão da União de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, encontra expressão específica, nomeadamente, no artigo 45.o TFUE, relativo à liberdade de circulação dos trabalhadores [v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2021, MH e ILA (Direitos a pensão em caso de insolvência), C‑168/20, EU:C:2021:907, n.o 61 e jurisprudência referida].

47      Daqui resulta que o efeito útil dos direitos conferidos aos trabalhadores da União pelo artigo 45.o, n.o 1, TFUE exige que um membro da família de um trabalhador cidadão da União que, depois de ter exercido a sua liberdade de circulação residindo e trabalhando no Estado‑Membro de acolhimento, adquiriu a nacionalidade deste Estado‑Membro, possa beneficiar de um direito de residência derivado.

48      No que se refere às condições de concessão do direito de residência derivado do membro da família, estas não devem ser mais estritas do que as previstas na Diretiva 2004/38 para a concessão de um direito de residência da mesma natureza a um membro da família de um cidadão da União que exerceu o seu direito de livre circulação estabelecendo‑se num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional. Com efeito, mesmo que esta diretiva não abranja uma situação como a exposta no n.o 45 do presente acórdão, deve ser aplicada por analogia a essa situação (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2017, Lounes, C‑165/16, EU:C:2017:862, n.o 61 e jurisprudência referida).

49      Além disso, importa recordar que o artigo 45.o, n.o 2, TFUE prevê que a livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados‑Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho. No domínio específico da concessão de vantagens sociais, esta disposição é concretizada pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, que prevê que o trabalhador nacional de um Estado‑Membro beneficia, no território dos outros Estados‑Membros dos quais não é nacional, das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, Jobcenter Krefeld, C‑181/19, EU:C:2020:794, n.os 44 e 78).

50      Ora, decorre, mutatis mutandis, da jurisprudência referida nos n.os 45 e 48 do presente acórdão que o facto de um nacional de um Estado‑Membro, que entrou e reside noutro Estado‑Membro, adquirir, posteriormente, a nacionalidade deste último Estado‑Membro, além da sua nacionalidade de origem, não pode implicar que fique privado do direito à igualdade de tratamento, ao abrigo do artigo 45.o, n.o 2, TFUE, conforme concretizado pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, e que os requisitos relativos à concessão de vantagens sociais não devam ser mais estritos do que os previstos nesta última disposição.

51      É à luz das considerações que precedem que cumpre responder às questões submetidas, as quais, dado o contexto, devem ser entendidas no sentido de que têm por objeto a interpretação do artigo 45.o TFUE, conforme concretizado pelo direito derivado.

52      A este título, resulta da decisão de reenvio que é facto assente que GV era uma ascendente direta a cargo de uma trabalhadora cidadã da União, isto é, AC, tanto no momento em que se reuniu a esta trabalhadora no Estado‑Membro em causa como no momento em que pediu a concessão de um subsídio de invalidez. Contudo, o ministro do Emprego e dos Assuntos Sociais considera, em substância, que o pagamento deste subsídio a GV levaria a que esta deixasse de estar a cargo da sua filha, passando a estar a cargo do regime de segurança social irlandês. Consequentemente, uma vez que GV já não preencheria o requisito previsto no artigo 2.o, ponto 2, alínea d), da Diretiva 2004/38, perderia o seu direito de residência derivado no Estado‑Membro de acolhimento, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 1, do Regulamento de 2015, que sujeita a conservação do direito de residência derivado de um ascendente direto, nomeadamente, à condição do mesmo não se tornar numa sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento.

53      É neste contexto que, com as suas questões prejudiciais, que devem ser apreciadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 45.o TFUE, conforme concretizado pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, lido em conjugação com a Diretiva 2004/38, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que permite que as autoridades deste Estado‑Membro recusem conceder uma prestação de assistência social a um ascendente direto que, no momento da apresentação do pedido relativo a esta prestação, está a cargo de um trabalhador cidadão da União, ou inclusivamente lhe retirem o direito de residência superior a três meses, com o fundamento de que a concessão da prestação teria por efeito que esse membro da família deixaria de estar a cargo do trabalhador cidadão da União e se tornaria assim numa sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do referido Estado‑Membro.

54      Em primeiro lugar, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2004/38, que deve ser aplicado por analogia, como resulta da jurisprudência referida no n.o 48 do presente acórdão, é titular de um direito de residência por período superior a três meses um «membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c)», deste artigo 7.o

55      O conceito de «membro da família», utilizado no artigo 7.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2004/38, que deve ser aplicado por analogia, é definido no artigo 2.o, ponto 2, desta diretiva e refere‑se, nomeadamente, na alínea d), aos «ascendentes diretos que estejam a cargo».

56      Por conseguinte, resulta de uma leitura conjugada do artigo 2.o, ponto 2, alínea d), e do artigo 7.o, n.o 1, alíneas a) e d), da Diretiva 2004/38 que os ascendentes diretos de um trabalhador cidadão da União beneficiam de um direito de residência derivado por período superior a três meses quando estejam «a cargo» deste trabalhador.

57      No que respeita a este requisito, o Tribunal de Justiça esclareceu que a situação de dependência deve existir, no país de proveniência do membro da família em causa, no momento em que este pede para se juntar ao cidadão da União de quem está a cargo (Acórdão de 16 de janeiro de 2014, Reyes, C‑423/12, EU:C:2014:16, n.o 30 e jurisprudência referida).

58      No entanto, como a advogada‑geral salientou, em substância, no n.o 44 das suas conclusões, o Tribunal de Justiça foi convidado, no processo que deu origem à jurisprudência referida no número anterior do presente acórdão, a pronunciar‑se sobre as condições a preencher no momento em que o interessado pede para beneficiar de um direito de residência derivado no Estado‑Membro de acolhimento, e não sobre as condições que o interessado tem de preencher para conservar este direito.

59      Importa recordar, em relação a este último aspeto, que o artigo 14.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Conservação do direito de residência», prevê, no seu n.o 2, primeiro parágrafo, que os cidadãos da União e os membros das suas famílias têm o direito de residência, conforme previsto, nomeadamente, no artigo 7.o desta diretiva, enquanto preencherem as condições estabelecidas neste artigo 7.o

60      Assim, resulta deste artigo 14.o, n.o 2, lido em conjugação com o artigo 2.o, ponto 2, alínea d), e o artigo 7.o, n.o 1, alíneas a) e d), da Diretiva 2004/38, que um ascendente direto de um trabalhador cidadão da União beneficia de um direito de residência derivado enquanto estiver a cargo deste trabalhador, e até que este ascendente, tendo residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, possa invocar um direito de residência permanente ao abrigo do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38.

61      Esta interpretação é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o conceito de «titular», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, implica que a qualidade de titular, apesar de ter sido adquirida em momento anterior, pode ser perdida posteriormente se deixarem de estar reunidas as condições a que se refere este artigo 3.o, n.o 1, nomeadamente as que figuram no artigo 2.o, ponto 2, desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2019, Chenchooliah, C‑94/18, EU:C:2019:693, n.o 62 e jurisprudência referida).

62      No presente caso, é facto assente que GV estava a cargo da sua filha, isto é, AC, tanto no momento em que a ela se reuniu como no momento em que pediu a concessão do subsídio de invalidez. Consequentemente, quando apresentou este pedido, GV preenchia o requisito para beneficiar, enquanto «membro da família», de um direito de residência derivado, em conformidade com a Diretiva 2004/38.

63      Em segundo lugar, como resulta dos n.os 49 e 50 do presente acórdão, um trabalhador cidadão da União beneficia, incluindo numa situação como a de AC, que adquiriu, durante a sua residência no Estado‑Membro de acolhimento, a nacionalidade deste último, além da sua nacionalidade de origem, do direito à igualdade de tratamento, ao abrigo do artigo 45.o, n.o 2, TFUE, conforme concretizado pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011.

64      No que se refere ao conceito de «vantagens sociais» na aceção deste artigo 7.o, n.o 2, o Tribunal de Justiça esclareceu que o mesmo engloba todas as vantagens que, ligadas ou não a um contrato de trabalho, são geralmente reconhecidas aos trabalhadores nacionais, em razão principalmente da sua qualidade objetiva de trabalhadores ou pelo simples facto de residirem no território nacional, e cujo alargamento aos trabalhadores nacionais de outros Estados‑Membros se afigura assim apto a facilitar a sua mobilidade no interior da União e, por conseguinte, a sua integração no Estado‑Membro de acolhimento (Acórdão de 6 de outubro de 2020, Jobcenter Krefeld, C‑181/19, EU:C:2020:794, n.o 41 e jurisprudência referida).

65      Este conceito pode incluir prestações de assistência social que também estão abrangidas pelo âmbito de aplicação específico do Regulamento n.o 883/2004, entre as quais, como refere o órgão jurisdicional de reenvio, o subsídio de invalidez (v., por analogia, Acórdão de 27 de maio de 1993, Schmid, C‑310/91, EU:C:1993:221, n.o 17 e jurisprudência referida).

66      Além disso, importa salientar que uma prestação de assistência social, como o subsídio de invalidez concedido a um ascendente direto, constitui para o trabalhador migrante uma «vantagem social», na aceção do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, quando este ascendente direto está a cargo deste trabalhador, na aceção do artigo 2.o, ponto 2, alínea d), da Diretiva 2004/38 (v., por analogia, Acórdão de 18 de junho de 1987, Lebon, 316/85, EU:C:1987:302, n.os 12 e 13). Por outro lado, o referido ascendente direto a cargo, enquanto beneficiário indireto da igualdade de tratamento concedida ao referido trabalhador, pode invocar o referido artigo 7.o, n.o 2, para obter este subsídio quando, ao abrigo do direito nacional, este subsídio é concedido diretamente a tais ascendentes (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 1992, Bernini, C‑3/90, EU:C:1992:89, n.o 26, e de 14 de dezembro de 2016, Bragança Linares Verruga e o., C‑238/15, EU:C:2016:949, n.o 40).

67      Com efeito, como a advogada‑geral assinalou no n.o 106 das suas conclusões, estaríamos perante uma violação da igualdade de tratamento do trabalhador migrante se um ascendente direto, embora estando a cargo de um trabalhador que exerceu o seu direito à livre circulação, não pudesse beneficiar de uma prestação de assistência social, que constitui uma «vantagem social» para o trabalhador migrante, da qual podem beneficiar os ascendentes diretos a cargo dos trabalhadores nacionais do Estado‑Membro de acolhimento.

68      O referido artigo 7.o, n.o 2, protege, deste modo, o trabalhador migrante e os membros da sua família, incluindo os referidos no artigo 2.o, ponto 2, alínea d), da Diretiva 2004/38, contra as discriminações a que poderiam estar sujeitos no Estado‑Membro de acolhimento.

69      Daqui resulta que a qualidade de ascendente «a cargo» na aceção do artigo 2.o, ponto 2, alínea d), da Diretiva 2004/38 não pode ser afetada pela concessão de uma prestação de assistência social no Estado‑Membro de acolhimento. Com efeito, uma solução contrária equivaleria a admitir que a concessão de semelhante prestação poderia implicar que o interessado perdesse a sua qualidade de membro da família a cargo e, consequentemente, justificar a retirada dessa prestação, ou mesmo que este perdesse o seu direito de residência. Na prática, tal solução impediria o membro da família a cargo de requerer esta prestação, violando assim a igualdade de tratamento reconhecida ao trabalhador migrante (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 1987, Lebon, 316/85, EU:C:1987:302, n.o 20).

70      O artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, lido em conjugação com o artigo 2.o, ponto 2, alínea d), o artigo 7.o, n.o 1, alíneas a) e d), e o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, contribui assim para realizar o objetivo prosseguido por este regulamento, que consiste em favorecer a livre circulação dos trabalhadores, uma vez que permite criar condições ótimas para a integração dos membros da família dos cidadãos da União que fizeram uso desta liberdade e exerceram uma atividade profissional no Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, Jobcenter Krefeld, C‑181/19, EU:C:2020:794, n.o 51).

71      A este respeito, importa sublinhar que um trabalhador migrante, com as contribuições fiscais que paga ao Estado‑Membro de acolhimento no âmbito da atividade assalariada que aí exerce, contribui para o financiamento das políticas sociais deste Estado‑Membro e, consequentemente, deve beneficiar delas nas mesmas condições que os trabalhadores nacionais. Por conseguinte, o objetivo que consiste em evitar um encargo financeiro desrazoável para o Estado‑Membro de acolhimento não pode justificar uma desigualdade de tratamento entre os trabalhadores migrantes e os trabalhadores nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2012, Comissão/Países Baixos, C‑542/09, EU:C:2012:346, n.os 66 e 69).

72      Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 45.o TFUE, conforme concretizado pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 492/2011, lido em conjugação com o artigo 2.o, ponto 2, alínea d), o artigo 7.o, n.o 1, alíneas a) e d), e o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado‑Membro que permite que as autoridades deste Estado‑Membro recusem conceder uma prestação de assistência social a um ascendente direto que, no momento da apresentação do pedido relativo a esta prestação, está a cargo de um trabalhador cidadão da União, ou inclusivamente lhe retirem o direito de residência superior a três meses, com o fundamento de que a concessão da referida prestação teria por efeito que esse membro da família deixaria de estar a cargo do trabalhador cidadão da União e se tornaria assim numa sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do referido Estado‑Membro.

 Quanto às despesas

73      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 45.o TFUE, conforme concretizado pelo artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (UE) n.o 492/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2011, relativo à livre circulação dos trabalhadores na União, lido em conjugação com o artigo 2.o, ponto 2, alínea d), o artigo 7.o, n.o 1, alíneas a) e d), e o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos EstadosMembros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE,

deve ser interpretado no sentido em que:

se opõe à regulamentação de um EstadoMembro que permite que as autoridades deste EstadoMembro recusem conceder uma prestação de assistência social a um ascendente direto que, no momento da apresentação do pedido relativo a esta prestação, está a cargo de um trabalhador cidadão da União, ou inclusivamente lhe retirem o direito de residência superior a três meses, com o fundamento de que a concessão da referida prestação teria por efeito que esse membro da família deixaria de estar a cargo do trabalhador cidadão da União e se tornaria assim numa sobrecarga não razoável para o regime de segurança social do referido EstadoMembro.

Assinaturas



*      Língua do processo: inglês.