Language of document : ECLI:EU:C:2023:1015

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

21 de dezembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Artigo 267.o TFUE — Conceito de “órgão jurisdicional” — Critérios — Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público) do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal, Polónia) — Reenvio prejudicial apresentado por uma formação de julgamento que não tem a qualidade de tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei ‑ Inadmissibilidade»

No processo C‑718/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Najwyższy (Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych) [Supremo Tribunal (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público), Polónia], por Decisão de 20 de outubro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de novembro de 2021, no processo

L. G.

contra

Krajowa Rada Sądownictwa,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Prechal (relatora), K. Jürimäe, C. Lycourgos, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, presidentes de secção, M. Ilešič, S. Rodin, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, D. Gratsias, M. L. Arastey Sahún e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: C. Di Bella, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de novembro de 2022,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de L. G., pelo próprio,

–        em representação da Krajowa Rada Sądownictwa, por A. Dalkowska, J. Kołodziej‑Michałowicz, D. Pawełczyk‑Woicka e P. Styrna,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Belga, por C. Pochet, M. Jacobs, L. van den Broeck e M. van Regemorter, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Dinamarquês, por V. Pasternak Jørgensen e M. Søndahl Wolff, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman e P. P. Huurnink, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por K. Herrmann e P. J. O. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe L. G. ao Krajowa Rada Sądownictwa (Conselho Nacional da Magistratura, Polónia) (a seguir «KRS»), a respeito de uma decisão de não conhecimento do mérito do pedido de autorização para continuar a exercer as funções de juiz depois de atingir a idade normal de aposentação, apresentado por L. G.

 Quadro jurídico

 Constituição

3        O artigo 10.o da Konstytucja Rzeczypospolitej Polskiej (Constituição da República da Polónia, a seguir «Constituição») enuncia:

«1.      O regime político da República da Polónia tem por fundamento a separação e o equilíbrio entre os poderes legislativo, executivo e judicial.

2.      O Sejm [(Dieta, Polónia)] e o Senat [(Senado, Polónia)] exercem o poder legislativo. O Presidente da República e o Conselho de Ministros exercem o poder executivo. Os tribunais exercem o poder judicial.»

4        O artigo 45.o, n.o 1, da Constituição prevê:

«Todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa e publicamente, sem atraso excessivo, por um tribunal competente, independente e imparcial.»

5        O artigo 60.o da Constituição dispõe:

«Os cidadãos polacos que gozem plenamente dos seus direitos cívicos têm o direito de aceder, em condições de igualdade, às funções públicas.»

6        Nos termos do artigo 77.o, n.o 2, da Constituição:

«A lei não pode impedir a ninguém o acesso à via judicial para fazer valer as suas liberdades e direitos que tenham sido violados.»

7        O artigo 179.o da Constituição dispõe:

«Os juízes são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta [do KRS], por tempo indeterminado.»

8        O artigo 186.o, n.o 1, da Constituição prevê:

«O [KRS] garante a independência dos tribunais e dos juízes.»

9        O artigo 187.o da Constituição enuncia:

«1.      O [KRS] é composto:

1)      Pelo primeiro presidente do Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal, Polónia)], pelo ministro da justiça, pelo presidente do Naczelny Sąd Administracyjny [(Supremo Tribunal Administrativo, Polónia)] e por uma pessoa designada pelo Presidente da República,

2)      Por quinze membros eleitos de entre os juízes do Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)], dos tribunais comuns, dos tribunais administrativos e dos tribunais militares,

3)      Por quatro membros eleitos pelo Sejm [(Dieta)] de entre os deputados e dois membros eleitos pelo Senat [(Senado)] de entre os senadores.

[…]

3.      O mandato dos membros eleitos [do KRS] tem a duração de quatro anos.

4.      O regime, o domínio da atividade, o modo de trabalho [do KRS] e o modo de eleição dos seus membros são definidos pela lei.»

 Lei do Supremo Tribunal

10      A ustawa o Sądzie Najwyższym (Lei do Supremo Tribunal), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 5), entrou em vigor a 3 de abril de 2018. Posteriormente, foi alterada várias vezes.

11      A Lei do Supremo Tribunal instituiu, nomeadamente, no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), duas novas secções denominadas, respetivamente, Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público) e Izba Dyscyplinarna (Secção Disciplinar).

12      Nos termos do artigo 26.o, n.o 1, da Lei do Supremo Tribunal:

«São da competência da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público os recursos extraordinários, os litígios em matéria eleitoral e as impugnações da validade de um referendo nacional ou de um referendo constitucional, a declaração da validade das eleições e dos referendos, os outros processos de direito público, incluindo o contencioso da proteção da concorrência, da regulação da energia, das telecomunicações e do transporte ferroviário, bem como os recursos que tenham por objeto as decisões do Przewodniczący Krajowej Rady Radiofonii i Telewizji [(presidente do Conselho Nacional de Radiotelevisão, Polónia)] ou que questionem a duração excessiva dos processos que corram nos órgãos jurisdicionais comuns e militares, bem como no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)].»

 Lei relativa ao KRS

13      Nos termos do artigo 9.o bis da ustawa o Krajowej Radzie Sądownictwa (Lei relativa ao Conselho Nacional da Magistratura), de 12 de maio de 2011 (Dz. U. de 2011, posição 714), conforme alterada pela ustawa o zmianie ustawy o Krajowej Radzie Sądownictwa oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei relativa ao Conselho Nacional da Magistratura e algumas outras leis), de 8 de dezembro de 2017 (Dz. U. de 2018, posição 3), que entrou em vigor a 17 de janeiro de 2018, e pela ustawa o zmianie ustawy — Prawo o ustroju sądów powszechnych oraz niektórych innych ustaw (Lei que altera a Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns e algumas outras leis), de 20 de julho de 2018 (Dz. U. de 2018, posição 1443), que entrou em vigor a 27 de julho de 2018 (a seguir «Lei relativa ao KRS»):

«1.      O Sejm [(Dieta)] elege, de entre os juízes do Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)], dos tribunais comuns, dos tribunais administrativos e dos tribunais militares, quinze membros [do KRS] para um mandato conjunto de quatro anos.

[…]

3.      O mandato conjunto dos novos membros [do KRS], eleitos de entre os juízes, tem início no dia seguinte ao dia da sua eleição. Os membros cessantes [do KRS] desempenharão as suas funções até ao dia em que tem início o mandato conjunto dos novos membros [do KRS].»

14      O artigo 37.o, n.o 1, da Lei relativa ao KRS dispõe:

«Se vários candidatos tiverem concorrido a um lugar de juiz, [o KRS] examina e avalia conjuntamente todas as candidaturas apresentadas. Nessa situação, [o KRS] adota uma resolução que inclua as suas decisões quanto à apresentação de uma proposta de nomeação para o lugar de juiz, a respeito de todos os candidatos.»

15      O artigo 43.o, n.o 2, da Lei relativa ao KRS prevê:

«Se a resolução não for impugnada por todos os participantes no processo a que se refere o artigo 37.o, n.o 1, esta torna‑se definitiva no que respeita à parte que inclui a decisão de não apresentação da proposta de nomeação para as funções de juiz dos participantes que não tenham interposto recurso, sem prejuízo do disposto no artigo 44.o, n.o 1 ter

16      A disposição transitória constante do artigo 6.o da Lei de 8 de dezembro de 2017, que altera a Lei relativa ao Conselho Nacional da Magistratura e algumas outras leis, tem a seguinte redação:

«O mandato dos membros [do KRS] referidos no artigo 187.o, n.o 1, ponto 2, da [Constituição], eleitos com base nas atuais disposições, deve durar até ao dia anterior ao início do mandato dos novos membros [do KRS], mas não deverá exceder os 90 dias a contar da data de entrada em vigor da presente lei, salvo se tiver cessado previamente devido ao seu termo.»

17      O artigo 44.o da Lei relativa ao KRS enunciava:

«1.      Qualquer participante no processo pode interpor recurso para o Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)] com fundamento na ilegalidade da resolução [do KRS], salvo se disposições distintas dispuserem em sentido contrário. […]

bis.      Nos processos individuais relativos a uma nomeação para a função de juiz no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)], é possível interpor recurso para o Naczelny Sąd Administracyjny [(Supremo Tribunal Administrativo)]. Nesses processos, não é possível interpor recurso para o [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)]. O recurso para o [Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo)] não pode assentar num fundamento relativo à avaliação inadequada do cumprimento, pelos candidatos, dos critérios tidos em consideração na tomada de decisão quanto à apresentação da proposta de nomeação para o lugar de juiz no [Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal)].

ter.      Se nenhum dos participantes no processo impugnar a resolução referida no artigo 37.o, n.o 1, nos processos individuais relativos à nomeação para o lugar de juiz no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)], a referida resolução torna‑se definitiva, na parte relativa à decisão de apresentar a proposta de nomeação para o lugar de juiz no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)], bem como na parte relativa à decisão de não apresentar uma proposta de nomeação para o lugar de juiz nesse mesmo Tribunal, quanto aos participantes no processo que não tenham interposto recurso.

[…]

4.      Nos processos individuais relativos à nomeação para a função de juiz no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)], a anulação, pelo Naczelny Sąd Administracyjny [(Supremo Tribunal Administrativo)], da resolução [do KRS] relativa à não apresentação da proposta de nomeação para o lugar de juiz no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)] equivale à admissão da candidatura do participante no processo que interpôs recurso, para um lugar vago de juiz no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)], lugar para o qual, à data de prolação da decisão do Naczelny Sąd Administracyjny [(Supremo Tribunal Administrativo)], o processo no [KRS] não tenha terminado, ou, na falta desse processo, para o próximo lugar vago de juiz no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)] que seja objeto de publicação.»

18      O n.o 1 bis. do artigo 44.o da Lei relativa ao KRS foi aditado pela Lei de 8 de dezembro de 2017, que altera a Lei relativa ao Conselho Nacional da Magistratura e algumas outras leis, e os n.os 1 ter e 4 foram aditados pela Lei de 20 de julho de 2018, que altera a Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns e algumas outras leis. Antes da introdução destas alterações, os recursos referidos no n.o 1 bis. eram interpostos para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), em conformidade com o n.o 1 deste artigo 44.o

19      Por Acórdão de 25 de março de 2019, o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional, Polónia) declarou a incompatibilidade com a Constituição do artigo 44.o, n.o 1 bis. da Lei relativa ao KRS, com o fundamento, em substância, de que a competência atribuída ao Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) pelo n.o 1 bis. não se justificava pela natureza dos processos em causa, pelas características organizacionais do referido tribunal ou pelo procedimento por este aplicado. Nesse acórdão, o Trybunał Konstytucyjny (Tribunal Constitucional) indicou igualmente que essa declaração de inconstitucionalidade «implica[va] necessariamente o arquivamento de todos os processos judiciais pendentes com base na disposição revogada».

20      Subsequentemente, o artigo 44.o da Lei relativa ao KRS foi alterado pela ustawa o zmianie ustawy o Krajowej Radzie Sądownictwa oraz ustawy — Prawo o ustroju sądów administracyjnych (Lei que altera a Lei relativa ao Conselho Nacional de Magistratura e a Lei relativa à Organização dos Tribunais Administrativos), de 26 de abril de 2019 (Dz. U. de 2019, posição 914), que entrou em vigor a 23 de maio de 2019. O n.o 1 deste artigo 44.o tem atualmente a seguinte redação:

«Qualquer participante no processo pode interpor recurso para o Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)] invocando a ilegalidade da resolução [do KRS], salvo se disposições distintas dispuserem em sentido contrário. Não é possível interpor recurso nos processos individuais relativos à nomeação para a função de juiz no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)].»

21      Por outro lado, o artigo 3.o da referida Lei de 26 de abril de 2019 prevê que «[o]s recursos das resoluções [do KRS] em processos individuais relativos à nomeação para a função de juiz no Sąd Najwyższy [(Supremo Tribunal)], interpostos mas não julgados antes da entrada em vigor da presente lei, são objeto, de pleno direito, de uma decisão de não conhecimento do mérito».

 Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns

22      O artigo 69.o da ustawa — Prawo o ustroju sądów powszechnych (Lei Relativa à Organização dos Tribunais Comuns), de 27 de julho de 2001 (Dz. U. n.o 98, posição 1070), na versão aplicável aos factos no processo principal, dispõe:

«1.      Os juízes reformam‑se no dia em que completam 65 anos de idade, salvo se submeterem [ao KRS], com uma antecedência máxima de doze meses e mínima de seis meses em relação à data em que completam a referida idade, uma declaração na qual indicam a sua vontade de continuar a exercer as suas funções, bem como um atestado, emitido de acordo com os requisitos aplicáveis aos candidatos à magistratura judicial, que certifique que a sua saúde lhe permite exercer as suas funções.

[…]

1b.      O [KRS] pode autorizar um juiz a continuar a exercer as suas funções se a manutenção nessas funções corresponder a um interesse legítimo da administração da justiça ou a um interesse social significativo, atendendo aos imperativos de utilização racional dos membros do pessoal dos tribunais de direito comum e às necessidades resultantes do volume de trabalho dos diferentes órgãos jurisdicionais. […]

[…]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23      Por carta de 30 de dezembro de 2020, L. G., juiz no Sąd Okręgowy w K. (Tribunal Regional de K., Polónia), informou o KRS da sua vontade de continuar a exercer funções depois de 12 de junho de 2021, data em que completaria 65 anos de idade.

24      Por resolução de 18 de fevereiro de 2022, o KRS decidiu não conhecer do pedido de L. G. após ter verificado que este tinha sido apresentado após o termo do prazo de caducidade previsto no artigo 69.o, n.o 1, da Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns.

25      L. G. interpôs recurso desta resolução para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

26      Foi nestas circunstâncias que o Sąd Najwyższy (Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych) [Supremo Tribunal (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público)] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, [TUE], opõe‑se a uma disposição do direito nacional, como o artigo 69.o, [n.o] 1b, primeiro período, da [Lei relativa à Organização dos Tribunais Comuns], que subordina a eficácia da declaração da intenção do juiz de se manter em funções após ter atingido a idade de aposentação ao consentimento de outra autoridade?

2)      O artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, [TUE], opõe‑se à interpretação de uma disposição nacional segundo a qual a declaração tardia da intenção do juiz de se manter em funções após ter atingido a idade de aposentação é ineficaz, independentemente das circunstâncias do incumprimento do prazo e do significado desse incumprimento para o processo de manutenção em funções do mesmo juiz?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

27      Uma vez que a Comissão levantou dúvidas, nas suas observações escritas, quanto à qualidade de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, da formação de julgamento da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) que apresentou o presente pedido de decisão prejudicial, o Tribunal de Justiça convidou todas as partes interessadas a debater esta matéria na audiência.

28      Por Despacho de 3 de novembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de novembro de 2022, a instância de reenvio apresentou diversos elementos que, em seu entender, são suscetíveis de confirmar que possui tal qualidade. Além disso, o KRS e o Governo Polaco também apresentaram elementos semelhantes aos invocados por essa instância, que foram debatidos durante a audiência perante o Tribunal de Justiça.

29      Por último, foi dada às partes interessadas, depois da audiência, a possibilidade de formularem, por escrito, observações complementares quanto aos elementos constantes do Despacho da instância de reenvio de 3 de novembro de 2022. L. G., o KRS, os Governos Belga e Neerlandês e a Comissão fizeram uso desta faculdade.

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

30      A Comissão manifestou dúvidas quanto à questão de saber se a instância de reenvio, no presente caso uma formação de julgamento da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) (a seguir «Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público») constituída por três juízes desta secção, preenche os requisitos decorrentes do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, em especial, o relativo à existência de um órgão jurisdicional previamente estabelecido por lei, que são exigidos à instância de reenvio para que possa revestir a qualidade de «órgão jurisdicional» na aceção do artigo 267.o TFUE.

31      Resulta das observações escritas da Comissão que as hesitações que alimenta a este respeito se prendem, mais precisamente, por um lado, com a circunstância de a nomeação, em 10 de outubro de 2018, pelo presidente da República da Polónia, dos três membros em causa da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público ter ocorrido com base em propostas que constam da Resolução n.o 331/2018 adotada em 28 de agosto de 2018 pelo KRS (a seguir «Resolução n.o 331/2018»), a saber, um órgão cuja independência foi posta em causa por diversas vezes, incluindo em vários acórdãos recentes do Tribunal de Justiça. Por outro lado, é pacífico, como decorre nomeadamente do Acórdão de 6 de outubro de 2021, W.Ż. (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público do Supremo Tribunal ‑ Nomeação) (C‑487/19, a seguir «Acórdão W.Ż.», EU:C:2021:798), que, quando essas nomeações ocorreram, a referida resolução era objeto de recurso interposto perante o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo), que tinha, por Despacho de 27 de setembro de 2018, suspendido a sua executoriedade.

32      A este respeito, a Comissão salienta que, no Acórdão de 8 de novembro de 2021, Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia (CE:ECHR:2021:1108JUD004986819) (a seguir «Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia»), o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos concluiu pela existência de uma violação do requisito relativo ao «tribunal […] estabelecido pela lei» enunciado no artigo 6.o, n.o 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma a 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), devido ao processo que conduziu, com base na Resolução n.o 331/2018, à nomeação dos membros de duas formações de julgamento de três juízes da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público. Acrescenta que uma dessas formações incluía um dos juízes que exerce funções na instância de reenvio que apresentou o presente pedido de decisão prejudicial.

33      Por outro lado, a Comissão alega que, na sequência do Acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recurso) (C‑824/18, a seguir «Acórdão A. B. e o.», EU:C:2021:153), a Resolução n.o 331/2018 foi anulada pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) por Acórdão de 21 de setembro de 2021.

34      L. G. e os Governos Belga e Neerlandês partilham, em substância, das dúvidas da Comissão.

35      Por seu turno, no seu Despacho de 3 de novembro de 2022 mencionado no n.o 28 do presente acórdão, a instância de reenvio fez referência ao facto de o Despacho do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) de 27 de setembro de 2018, que suspendeu a executoriedade da Resolução n.o 331/2018, não ter sido notificado ao presidente da República da Polónia nem às pessoas cuja nomeação para o lugar de juiz na Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público era proposta nesta resolução, uma vez que os interessados não eram, efetivamente, partes do litígio pendente nesse órgão jurisdicional. Por outro lado, em 28 de setembro de 2018, só foi publicado o dispositivo desse despacho do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo), que indicava que a executoriedade da Resolução n.o 331/2018 era suspensa «na sua parte impugnada», e que os fundamentos do referido despacho só foram tornados públicos em 19 de outubro de 2018, ou seja, nove dias após a nomeação dos interessados.

36      Ora, segundo a instância de reenvio, à luz das disposições nacionais em vigor aquando da interposição do recurso da Resolução n.o 331/2018 perante o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo), nada permitia pressupor que este recurso pudesse levar a que as propostas de nomeação dos candidatos aprovados pelo KRS nessa resolução fossem postas em causa nem, portanto, obstar à respetiva nomeação pelo Presidente da República da Polónia. Com efeito, nos termos do artigo 44.o, n.o 1 ter, da Lei relativa ao KRS, na sua versão então em vigor, se a resolução não fosse contestada por todos os participantes no processo, tornava‑se definitiva e, consequentemente, executória quanto à parte que incluía as propostas de nomeação para a função de juiz do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Além disso, no momento em que ocorreu a nomeação dos juízes que compõem a instância de reenvio, ainda não tinha sido intentado qualquer processo para efeitos de declaração de uma eventual incompatibilidade desta disposição nacional com o direito da União, uma vez que só foram submetidas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça a este respeito em 22 de novembro de 2018 no processo C‑824/18, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal ‑ Recurso).

37      Quanto ao Acórdão do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) de 21 de setembro de 2021, precisa expressamente que os seus efeitos não incidem sobre a validade e a eficácia dos atos presidenciais de nomeação para os lugares de juiz em causa, uma vez que tais atos não estão sujeitos a fiscalização jurisdicional.

38      Por último, no que respeita à circunstância de os juízes em causa terem sido nomeados para a Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público com base numa resolução do KRS na sua nova composição resultante da aplicação do artigo 9.o bis da Lei relativa ao KRS, a instância de reenvio considera que esta circunstância não basta para imputar a esses juízes ou à formação de julgamento em que exercem funções uma falta de independência, como resulta tanto da jurisprudência do Tribunal de Justiça como da do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo).

39      O Governo Polaco e o KRS partilham, em substância, das posições expostas pela instância de reenvio.

40      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para apreciar se um organismo de reenvio tem a natureza de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, questão que é unicamente do âmbito do direito da União, e, portanto, para apreciar se o pedido de decisão prejudicial é admissível, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de elementos, como a origem legal desse organismo, a sua permanência, o caráter vinculativo da sua jurisdição, a natureza contraditória do seu processo, a aplicação, pelo organismo em causa, das regras de direito, bem como a sua independência (Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank, C‑132/20, EU:C:2022:235, n.o 66 e jurisprudência referida).

41      O Tribunal de Justiça já salientou que o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), enquanto tal, cumpre as exigências assim recordadas e precisou, a este respeito, que, na medida em que um pedido de decisão prejudicial emana de um órgão jurisdicional nacional, se deve presumir que este cumpre essas exigências independentemente da sua composição concreta (v., neste sentido, Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank, C‑132/20, EU:C:2022:235, n.os 68 e 69).

42      Com efeito, resulta de jurisprudência constante que, no âmbito de um processo prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, não cabe ao Tribunal de Justiça, tendo em conta a repartição de funções entre este e o órgão jurisdicional nacional, verificar se a decisão de reenvio foi tomada em conformidade com as regras nacionais de organização e de processo judiciárias. O Tribunal de Justiça deve, portanto, ater‑se à decisão de reenvio que emana de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, enquanto tal decisão não tiver sido revogada no quadro das vias processuais previstas eventualmente pelo direito nacional (Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank, C‑132/20, EU:C:2022:235, n.o 70 e jurisprudência referida).

43      O Tribunal de Justiça tem igualmente em conta, neste contexto, que a pedra angular do sistema jurisdicional instituído pelos Tratados é constituída pelo processo de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE que, ao instaurar um diálogo de juiz para juiz entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros, tem por objetivo assegurar a unidade de interpretação do direito da União, permitindo assim assegurar a sua coerência, o seu pleno efeito e a sua autonomia, bem como, em última instância, o caráter próprio do direito instituído pelos Tratados (Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank, C‑132/20, EU:C:2022:235, n.o 71 e jurisprudência referida).

44      No entanto, o Tribunal de Justiça precisou igualmente, no que respeita a uma formação de julgamento composta por um juiz singular, que a presunção recordada no n.o 41 do presente acórdão pode ser ilidida quando uma decisão judicial definitiva proferida por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro ou um órgão jurisdicional internacional leve a considerar que o juiz que constitui o órgão jurisdicional de reenvio não tem a qualidade de tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido à luz do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (Acórdão de 29 de março de 2022, Getin Noble Bank, C‑132/20, EU:C:2022:235, n.o 72).

45      A este respeito, há que salientar, desde já, que o Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e o Acórdão do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) de 21 de setembro de 2021, invocados pela Comissão, emanam respetivamente de um órgão jurisdicional internacional e de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro e são ambos definitivos. Além disso, estes acórdãos dizem especificamente respeito às circunstâncias em que os juízes da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público foram nomeados com base na Resolução n.o 331/2018.

46      Nestas circunstâncias, importa, no caso vertente, examinar se as conclusões e as apreciações efetuadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, em conjugação com as efetuadas pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) no seu Acórdão de 21 de setembro de 2021, são de natureza a levar o Tribunal de Justiça, ao qual cabe, exclusivamente, interpretar o direito da União, a considerar, à luz da sua própria jurisprudência, que a formação de julgamento da Secção Extraordinária e dos Processos de Direito Público que lhe submeteu um pedido de decisão prejudicial no presente processo não tem a qualidade de órgão jurisdicional independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, conjugado com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, e, consequentemente, que essa formação não preenche os requisitos recordados no n.o 40 do presente acórdão para poder ser qualificada de «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE.

47      Em primeiro lugar, no que respeita ao Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos começou por relembrar, nos n.os 272 a 280 desse acórdão, a sua jurisprudência segundo a qual o conceito de tribunal «estabelecido pela lei», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, cujo objetivo é, nomeadamente, preservar o poder judicial de qualquer influência externa irregular que emana, especialmente, do poder executivo, mas igualmente do poder legislativo, ou mesmo do próprio poder judicial, abrange a observância das regras nacionais que regulam a nomeação dos juízes, as quais devem ser redigidas em termos inequívocos. Recordou igualmente que resultava dessa jurisprudência que este conceito mantém laços muito estreitos com as garantias de «independência» e de «imparcialidade», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH. Com efeito, tais exigências têm, em comum, por objetivo o respeito dos princípios fundamentais da prevalência do direito e da separação de poderes, de modo que o exame sob o prisma do requisito relativo ao «tribunal […] estabelecido pela lei» deve sistematicamente verificar se a irregularidade alegada num determinado processo é de uma gravidade tal que tenha violado esses princípios e comprometido a independência do órgão jurisdicional em questão.

48      Em apoio da sua declaração da existência de uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH no referido processo, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos salientou, em substância, nos n.os 281 a 338 do Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, que as nomeações dos membros que compunham as formações de julgamento em causa da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público foram efetuadas em manifesta violação das regras nacionais fundamentais que regulavam o processo de nomeação dos juízes. Fundamentou essa conclusão, nomeadamente, em diversas decisões adotadas pelo Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), a saber, um Acórdão de 5 de dezembro de 2019 proferido pela Secção do Trabalho e dos Seguros Sociais desse órgão jurisdicional e uma Resolução de 23 de janeiro de 2020 adotada conjuntamente pela Secção Cível, pela Secção Criminal e pela Secção do Trabalho e dos Seguros Sociais do referido órgão jurisdicional, ambos tomados na sequência do Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de novembro de 2019, A. K. e o. (Independência da Secção Disciplinar do Supremo Tribunal) (C‑585/18, C‑624/18 e C‑625/18, EU:C:2019:982), bem como o Despacho de 21 de maio de 2019 pelo qual o mesmo órgão jurisdicional nacional submeteu ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial no processo que deu origem ao Acórdão W.Ż.

49      A este respeito, por um lado, conforme decorre dos n.os 309 a 312 e 320 do Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos salientou a inexistência de garantias suficientes de independência, em relação aos poderes legislativo e executivo, do KRS na sua nova composição resultante da aplicação do artigo 9.o bis da Lei relativa ao KRS. Daí deduziu que a nomeação dos juízes em causa para a Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público, com base na Resolução n.o 331/2018, tinha sido efetuada em violação dos princípios constitucionais que regulavam o funcionamento do KRS, como os princípios da separação de poderes e da independência do poder judicial, pelo que esses juízes não podiam ser considerados independentes e imparciais.

50      Por outro lado, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos fez referência, nos n.os 321 a 338 da Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, ao facto de a nomeação desses mesmos juízes pelo Presidente da República da Polónia ter ocorrido apesar de a executoriedade da Resolução n.o 331/2018, que continha as propostas de nomeação dos interessados para os lugares a preencher na Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público, ter sido suspensa por Despacho do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) de 27 de setembro de 2018.

51      A este último respeito, decorre do Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, em especial, dos seus n.os 330 e 338, que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou, nomeadamente, que as nomeações efetuadas em tais circunstâncias refletiam, por parte do poder executivo, uma profunda negação da autoridade, da independência e do papel do poder judicial e visavam deliberadamente impedir o curso efetivo da justiça, pelo que deviam ser consideradas constitutivas de uma violação flagrante do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH e eram manifestamente incompatíveis com o princípio do Estado de direito.

52      Nos n.os 331 a 333 do mesmo acórdão, o referido órgão jurisdicional sublinhou, além disso, que a gravidade desta violação era, no caso em apreço, ainda mais evidente tendo em conta a importância fundamental e o caráter sensível das competências atribuídas à Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público.

53      Embora seja verdade que, dos seis juízes que compunham as formações de julgamento da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público em causa nos processos que deram origem ao Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, apenas um exerce funções na formação de julgamento dessa secção que submeteu o presente pedido de decisão prejudicial, decorre, todavia, claramente da fundamentação desse acórdão que as apreciações do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos são indistintamente aplicáveis a todos os juízes da referida secção que foram nela nomeados em circunstâncias análogas e, em especial, com base na Resolução n.o 331/2018.

54      Em segundo lugar, no que respeita ao Acórdão do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) de 21 de setembro de 2021, importa observar que, através desse acórdão, proferido na sequência do Acórdão A. B. e o., o referido órgão jurisdicional nacional anulou a Resolução n.o 331/2018, incluindo na parte que propôs a nomeação dos juízes a que se refere o número anterior, baseando‑se, nomeadamente, em conclusões e apreciações que coincidiam em larga medida com as constantes do Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, bem como nas decisões do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) mencionadas no n.o 48 do presente acórdão.

55      Além disso, nas secções 7.1. a 7.6. do Acórdão de 21 de setembro de 2021, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) declarou, por um lado, que as alterações introduzidas no artigo 44.o da Lei relativa ao KRS pelas leis de 8 de dezembro de 2017 e 20 de julho de 2018 mencionadas no n.o 18 do presente acórdão tinham, num primeiro momento, privado de eficácia os recursos até então interpostos contra as resoluções do KRS que propunham candidatos à nomeação para os lugares de juiz no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Salientou, por outro lado, que, apesar de estar a conhecer de uma série de recursos desta natureza, o referido artigo 44.o tinha, num segundo momento, sido novamente alterado pela Lei de 26 de abril de 2019 mencionada nos n.os 20 e 21 do presente acórdão, o que tinha tido por efeito excluir que tais recursos pudessem ainda ser interpostos no futuro, e que esta última lei tinha previsto que os recursos assim pendentes no Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) seriam objeto, de pleno direito, de uma decisão de não conhecimento do mérito.

56      No que respeita a estas alterações legislativas, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) considerou que, apreciadas no seu contexto factual e jurídico, tinham tido manifestamente por objeto impedir que um órgão jurisdicional pudesse examinar em que medida a conjugação de diferentes fatores podia ter tido como consequência o não preenchimento pelos juízes recentemente nomeados para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), sob proposta do KRS na sua nova composição, dos requisitos decorrentes do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, e, no que se refere às alterações introduzidas pela Lei de 26 de abril de 2019, impedir que o Tribunal de Justiça pudesse pronunciar‑se a este respeito. O Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) considerou igualmente que essas circunstâncias eram suscetíveis de gerar dúvidas sistemáticas nos particulares quanto ao facto de os juízes assim nomeados satisfazerem esses requisitos.

57      Quanto aos elementos constitutivos do contexto jurídico e factual evocado no número anterior e no âmbito do qual ocorreram as referidas alterações legislativas, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) referiu‑se, como resulta das secções 7.5 e 7.6 do seu Acórdão de 21 de setembro de 2021, a um conjunto de fatores. A este respeito, esse órgão jurisdicional sublinhou, primeiro, que, em resultado da Lei de 8 de dezembro de 2017, o mandato dos membros do KRS então em funções tinha sido encurtado e que a composição desse órgão tinha sido reformulada, tendo por consequência um aumento considerável da influência dos poderes legislativo e executivo no mesmo. Segundo, salientou que esta reformulação da composição do KRS tinha ocorrido num momento em que estava previsto a curto prazo preencher um número muito elevado de lugares no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Terceiro, fez referência à existência de dúvidas e de falta de transparência quanto às condições em que tinha decorrido o processo de nomeação dos membros do novo KRS e declarou que, tendo em conta, simultaneamente, a composição concreta desse órgão e a atividade efetivamente desenvolvida pelo mesmo, este último tinha deixado de ser independente dos poderes legislativo e executivo. Quarto, sublinhou que as alterações legislativas mencionadas no n.o 55 do presente acórdão apenas diziam respeito às resoluções do KRS que propunham candidatos à nomeação para lugares de juiz no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) e não às que propunham candidatos à nomeação para lugares de juiz noutros órgãos jurisdicionais nacionais.

58      À luz da própria jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à interpretação do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, as conclusões e apreciações efetuadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, bem como pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) no seu Acórdão de 21 de setembro de 2021, conforme descritas nos n.os 47 a 57 do presente acórdão, levam a considerar que a formação de julgamento da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público que apresentou o presente pedido de decisão prejudicial não tem, devido às regras que presidiram à nomeação dos juízes que a compõem, a qualidade de tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, na aceção das referidas disposições do direito da União, pelo que essa formação não constitui um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE.

59      A este respeito, importa recordar os laços indissociáveis que, nos próprios termos do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, existem, para efeitos do direito fundamental a um processo equitativo, na aceção desta disposição, entre as garantias de independência e de imparcialidade dos juízes, bem como de acesso a um tribunal previamente estabelecido por lei [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 55].

60      No que diz respeito, mais concretamente, ao processo de nomeação dos juízes, o Tribunal de Justiça declarou que, tendo em conta as consequências fundamentais que esse processo implica para o bom funcionamento e a legitimidade do poder judicial num Estado democrático regido pelo primado do direito, tal processo constitui necessariamente um elemento inerente ao conceito de «tribunal previamente estabelecido por lei», na aceção do artigo 47.o da Carta, precisando‑se que a independência de um tribunal, na aceção desta disposição, é apreciada, nomeadamente, pelo modo como os seus membros foram nomeados [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 57 e jurisprudência referida].

61      Com efeito, como decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, as garantias de independência e de imparcialidade exigidas pelo direito da União postulam a existência de regras, no que respeita aos órgãos jurisdicionais chamados a interpretar ou aplicar o direito da União, designadamente as relativas à composição da instância e à nomeação dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto (Acórdão W.Ż., n.os 109 e 128 e jurisprudência referida). Esta exigência de independência dos órgãos jurisdicionais, que é inerente à missão de julgar, faz parte do conteúdo essencial do direito a uma tutela jurisdicional efetiva e do direito fundamental a um processo equitativo, que reveste uma importância crucial enquanto garante da proteção de todos os direitos que o direito da União confere aos litigantes e da preservação dos valores comuns aos Estados‑Membros, enunciados no artigo 2.o TUE, designadamente do valor do Estado de direito [Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 58 e jurisprudência referida].

62      A este respeito, importa, antes de mais, recordar que, no Acórdão W.Ż., o Tribunal de Justiça declarou, no contexto de um processo em que estava em causa uma decisão adotada pela Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público em formação de juiz singular, que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE deve ser interpretado no sentido de que essa formação não pode ser considerada um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido pela lei, na aceção desta disposição, se resultar do conjunto das condições e circunstâncias em que decorreu o processo de nomeação desse juiz singular que a nomeação ocorreu em violação manifesta de regras fundamentais que fazem parte integrante do estabelecimento e do funcionamento do sistema judicial em causa e que a integridade do resultado a que conduziu o referido processo seja posta em perigo ao suscitar dúvidas legítimas, no espírito dos particulares, quanto à independência e à imparcialidade do juiz em questão.

63      Ora, no caso em apreço, há que salientar, em primeiro lugar, que, como decorre do n.o 146 do Acórdão W.Ż., à semelhança das apreciações do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) mencionadas, respetivamente, nos n.os 49 e 57 do presente acórdão, entre tais condições e circunstâncias figura o facto de os juízes que compõem a formação de reenvio da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público, que submeteu as questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça no presente processo, terem sido nomeados para a secção sob proposta do KRS na sua nova composição resultante da aplicação do artigo 9.o bis da Lei relativa ao KRS. No referido n.o 146, à semelhança desses dois outros órgãos jurisdicionais, o Tribunal de Justiça fez, mais precisamente, referência, a este respeito, ao facto de o mandato em curso de alguns dos membros que compunham até então o KRS, cuja duração devia ser de quatro anos nos termos do artigo 187.o, n.o 3, da Constituição, ter sido reduzido, bem como à circunstância de, ao abrigo do referido artigo 9.o bis, os quinze membros do KRS com a qualidade de juízes, que tinham sido anteriormente eleitos pelos seus pares, terem sido, no que respeita ao novo KRS, eleitos pelo Sejm (Dieta), com a consequência de 23 dos 25 membros que compunham esse órgão terem sido designados pelos poderes executivo e legislativo polacos ou serem membros dos referidos poderes.

64      É certo que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a circunstância de um órgão, como um conselho nacional da magistratura, envolvido no processo de nomeação dos juízes ser, de forma preponderante, composto por membros escolhidos pelo poder legislativo não pode, por si só, levar a que se questione a qualidade de tribunal previamente estabelecido por lei e a independência dos juízes nomeados no termo do referido processo. Todavia, de acordo com esta jurisprudência, tal não é o caso se essa mesma circunstância, conjugada com outros elementos pertinentes e com as condições em que foram feitas essas escolhas, conduzir a que se gerem tais dúvidas [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.os 74 e 75 e jurisprudência referida].

65      Ora, a este respeito, o Tribunal de Justiça já sublinhou várias vezes que as alterações legislativas mencionadas no n.o 63 do presente acórdão ocorreram concomitantemente à adoção, pela Lei de 8 de dezembro de 2017, de uma reforma substancial do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), incluindo, nomeadamente, a criação, nesse órgão jurisdicional, de duas novas secções, a saber, a Secção Disciplinar e a Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público, bem como a redução da idade de aposentação dos juízes do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal). Como salientou igualmente o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) no seu Acórdão de 21 de setembro de 2021, estas alterações ocorreram, portanto, num momento em que muitos lugares de juiz no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), declarados vagos ou criados de novo, seriam em breve providos [v., neste sentido, Acórdãos de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.os 106 e 107 e jurisprudência referida, e W.Ż., n.o 150].

66      Em segundo lugar, há também que ter em conta que, como decorre do artigo 26.o, n.o 1, da Lei sobre o Supremo Tribunal e conforme salientado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, foram atribuídas à Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público, assim criada ex nihilo no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), cujos juízes foram todos nomeados sob proposta do KRS na sua nova composição, competências em matérias particularmente sensíveis, como o contencioso eleitoral e o relativo à realização de referendos, os outros processos de direito público, designadamente os enumerados nessa disposição, ou ainda os recursos extraordinários de anulação de decisões definitivas proferidas pelos tribunais comuns ou por outras secções do Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal).

67      Em terceiro lugar, importa sublinhar que, paralelamente às alterações legislativas mencionadas no n.o 63 do presente acórdão, as regras constantes do artigo 44.o da Lei relativa ao KRS, em matéria de recursos jurisdicionais de resoluções do KRS que propõem candidatos à nomeação para lugares de juiz no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), foram, num primeiro momento, substancialmente alteradas, como decorre dos n.os 17 e 18 deste acórdão.

68      Chamado a pronunciar‑se sobre alterações desta natureza, o Tribunal de Justiça sublinhou o caráter problemático de disposições que eliminam totalmente a efetividade dos recursos judiciais deste tipo até então existentes, particularmente quando a adoção das mesmas, considerada juntamente com outros elementos pertinentes que caracterizam o processo de nomeação para lugares de um órgão jurisdicional supremo nacional num dado contexto jurídico‑factual nacional, pode gerar dúvidas sistémicas, no espírito dos particulares, quanto à independência e à imparcialidade dos juízes nomeados em resultado desse processo (v., neste sentido, Acórdão A. B. e o., n.o 156).

69      Ora, antes de mais, à semelhança do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) no seu Acórdão de 21 de setembro de 2021, o Tribunal de Justiça salientou, a este respeito, que um recurso como o previsto no artigo 44.o, n.os 1 bis a 4, da Lei relativa ao KRS, com a redação dada pelas Leis de 8 de dezembro de 2017 e de 20 de julho de 2018, era desprovido de efetividade real, dando assim apenas a aparência de um recurso judicial. Em seguida, o Tribunal de Justiça sublinhou que as restrições introduzidas por estas últimas leis diziam unicamente respeito aos recursos interpostos contra resoluções do KRS relativas à apresentação de candidaturas a lugares de juiz no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), ao passo que as resoluções do KRS relativas à apresentação de candidaturas a lugares de juiz nos outros órgãos jurisdicionais nacionais continuavam, por seu lado, sujeitas ao regime de fiscalização jurisdicional geral anteriormente em vigor. Por último, o Tribunal de Justiça declarou que as referidas alterações legislativas foram introduzidas, como já foi salientado no n.o 65 do presente acórdão, pouco tempo antes de o KRS, na sua nova composição, ser chamado a pronunciar‑se sobre as candidaturas apresentadas para preencher vários lugares de juiz no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) declarados vagos ou criados de novo (v., neste sentido, Acórdão A. B. e o., n.os 157, 162 e 164).

70      Em quarto lugar, nos n.os 138 e 139 do Acórdão W.Ż., o Tribunal de Justiça salientou igualmente que, quando ocorreu a nomeação, com base na Resolução n.o 331/2018, do membro da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público em causa no processo que deu origem a esse acórdão, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo), que conhecia de um recurso de anulação desta resolução, tinha ordenado, em 27 de setembro de 2018, a suspensão da sua execução. Ora, esta mesma circunstância, também realçada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, verifica‑se no que respeita à nomeação dos três membros que fazem parte da formação de julgamento da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público que apresentou o presente pedido de decisão prejudicial.

71      A este respeito, é certo que a instância de reenvio alegou, no seu Despacho de 3 de novembro de 2022, que o Despacho do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) de 27 de setembro de 2018 não tinha sido notificado nem aos candidatos ao lugar de juiz na Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público aprovados pelo KRS na sua Resolução n.o 331/2018, nem ao Presidente da República da Polónia, pelo facto de estes não terem a qualidade de partes no litígio então pendente no Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo). Afirmou igualmente que os fundamentos deste último despacho não tinham sido imediatamente tornados públicos.

72      No entanto, como confirmam, no caso vertente, as indicações prestadas ao Tribunal de Justiça por L G. e pela Comissão, e conforme decorre igualmente das apreciações do Tribunal Europeu dos Direitos ‑Humanos no Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, quando a nomeação dos três juízes do reenvio para a Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público ocorreu, não podia ser ignorado, nomeadamente pelo Presidente da República da Polónia, que os efeitos desta resolução tinham sido suspensos por uma decisão judicial definitiva do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo).

73      Assim, o facto de proceder, com urgência e sem esperar que se tome conhecimento da fundamentação do Despacho do Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) de 27 de setembro de 2018, às nomeações em causa com base na Resolução n.o 331/2018, que, no entanto, tinha sido suspensa por esse despacho, violou gravemente o princípio da separação de poderes que caracteriza o funcionamento de um Estado de direito (v., neste sentido, Acórdão W.Ż., n.o 127), conforme declarou igualmente o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia.

74      Em quinto lugar, quando o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) conhecia do recurso de anulação da Resolução n.o 331/2018 e tinha suspendido a instância nesse litígio enquanto aguardava o acórdão do Tribunal de Justiça no processo C‑824/18, A. B. e o., o legislador polaco adotou a Lei de 26 de abril de 2019, mencionada nos n.os 20 e 21 do presente acórdão.

75      Ora, no que respeita às alterações introduzidas por esta lei, o Tribunal de Justiça já declarou, nos n.os 137 e 138 do Acórdão A. B. e o., que, especialmente quando consideradas conjuntamente com todos os outros elementos de contextualização mencionados nos n.os 99 a 105 e 130 a 135 desse acórdão, tais alterações são suscetíveis de sugerir que o poder legislativo polaco agiu, neste caso, com o intuito específico de impedir qualquer possibilidade de se exercer uma fiscalização jurisdicional das resoluções do KRS que propuseram a nomeação de juízes para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), o que, entretanto foi confirmado pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) no seu Acórdão de 21 de setembro de 2021, como decorre do n.o 56 do presente acórdão.

76      Em sexto e último lugar, há que ter em conta o facto de a Resolução n.o 331/2018 ter sido anulada pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) no seu Acórdão de 21 de setembro de 2021, tendo, nomeadamente, como resulta da secção 10 desse acórdão, em consideração as conclusões e apreciações evocadas nos n.os 55 a 57 do presente acórdão. Ora, embora seja verdade, como sublinhou a instância de reenvio no seu Despacho de 3 de novembro de 2022, que os efeitos do referido Acórdão de 21 de setembro de 2021 não incidem sobre a validade e a eficácia dos atos presidenciais de nomeação para os lugares de juiz em causa, há, no entanto, que recordar, à semelhança do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no n.o 288 do Acórdão Dolińska‑Ficek e Ozimek c. Polónia, que, por força do artigo 179.o da Constituição, o ato pelo qual o KRS propõe a nomeação de um candidato para um lugar de juiz no Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal) constitui uma condição sine qua non para que esse candidato possa ser nomeado para esse lugar pelo Presidente da República da Polónia [Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 101 e jurisprudência referida].

77      Decorre do exposto que, considerados conjuntamente, todos os elementos, tanto sistémicos como circunstanciais, mencionados nos n.os 47 a 57 do presente acórdão, por um lado, e nos n.os 62 a 76 deste acórdão, por outro, que caracterizaram a nomeação, na Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público, dos três juízes que constituem a instância de reenvio no presente processo têm por consequência que esta não tem a qualidade de tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido pela lei, na aceção do artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, lido à luz do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta. Com efeito, a conjugação de todos estes elementos pode gerar dúvidas legítimas, no espírito dos particulares, quanto à impermeabilidade dos interessados e da formação de julgamento na qual exercem funções a elementos externos, em especial, a influências diretas ou indiretas dos poderes legislativo e executivo nacionais, e quanto à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto. Os referidos elementos são, assim, suscetíveis de conduzir a uma falta de aparência de independência ou de imparcialidade desses juízes e dessa instância, que poderia pôr em causa a confiança que a justiça deve inspirar aos particulares numa sociedade democrática e num Estado de direito.

78      Nestas circunstâncias, a presunção recordada no n.o 41 do presente acórdão deve ser considerada ilidida e, consequentemente, há que declarar que a formação de julgamento da Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público que apresentou ao Tribunal de Justiça o presente pedido de decisão prejudicial não constitui um «órgão jurisdicional», na aceção do artigo 267.o TFUE, pelo que este pedido deve ser declarado inadmissível.

 Quanto às despesas

79      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Sąd Najwyższy (Izba Kontroli Nadzwyczajnej i Spraw Publicznych) [Supremo Tribunal (Secção de Fiscalização Extraordinária e dos Processos de Direito Público), Polónia], por Decisão de 20 de outubro de 2021, é inadmissível.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.