Language of document : ECLI:EU:C:2023:561

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

13 de julho de 2023 (*)

Índice



«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Regulamento (CE) n.o 139/2004 — Controlo das concentrações de empresas — Serviços de telecomunicações móveis — Decisão que declara uma concentração incompatível com o mercado interno — Mercado oligopolístico — Entrave significativo a uma concorrência efetiva — Efeitos não coordenados — Nível de prova — Margem de apreciação da Comissão Europeia em matéria económica — Limites da fiscalização jurisdicional — Orientações sobre as concentrações horizontais — Fatores pertinentes para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva — Conceitos de “força concorrencial importante” e de “concorrentes próximos” — Proximidade da concorrência entre as partes na concentração — Análise quantitativa dos efeitos da concentração projetada sobre os preços — Ganhos de eficiência — Desvirtuação — Alegação suscitada oficiosamente pelo Tribunal Geral da União Europeia — Anulação»

No processo C‑376/20 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 7 de agosto de 2020,

Comissão Europeia, representada inicialmente por G. Conte, M. Farley, J. Szczodrowski e C. Urraca Caviedes, e em seguida por F. Castillo de la Torre, G. Conte, M. Farley, J. Szczodrowski e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiada por:

Órgão de Fiscalização da EFTA, representado inicialmente por C. Simpson, M. Sánchez Rydelski e C. Zatschler, e em seguida por C. Simpson e M. Sánchez Rydelski, na qualidade de agentes,

interveniente no presente recurso,

sendo as outras partes no processo:

CK Telecoms UK Investments Ltd, com sede em Londres (Reino Unido), representada inicialmente por J. Aitken, K. Asakura, A. Coe, M. Davis, S. Prichard, solicitors, O. W. Brouwer, advocaat, B. Kennelly, SC, A. Müller, advocate, e T. Wessely, Rechtsanwalt, e em seguida por J. Aitken, K. Asakura, A. Coe, M. Davis, solicitors, O. W. Brouwer, advocaat, B. Kennelly, SC, A. Müller, advocate, e T. Wessely, Rechtsanwalt,

recorrente em primeira instância,

Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por S. Brandon, e em seguida por F. Shibli, na qualidade de agentes,

EE Ltd, com sede em Hatfield (Reino Unido),

intervenientes em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev (relator), A. Prechal, M. Safjan, P. G. Xuereb, D. Gratsias e M. L. Arastey Sahún, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, S. Rodin, F. Biltgen, J. Passer e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: M. Longar, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de junho de 2022,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 20 de outubro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Comissão Europeia pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 28 de maio de 2020, CK Telecoms UK Investments/Comissão (T‑399/16, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2020:217), pelo qual este anulou a Decisão C(2016) 2796 final da Comissão, de 11 de maio de 2016, que declara uma concentração incompatível com o mercado interno (processo COMP/M.7612 — Hutchison 3G UK/Telefónica UK), publicada sob a forma de resumo no Jornal Oficial da União Europeia de 29 de setembro de 2016 (JO 2016, C 357, p. 15, a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

 Regulamento (CE) n.o 139/2004

2        Os considerandos 5, 6, 24, 25, 28 e 29 do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas («Regulamento das Concentrações Comunitárias») (JO 2004, L 24, p. 1), enunciam:

«(5)      […] [É] necessário garantir que o processo de reestruturação não acarrete um prejuízo duradouro para a concorrência. O direito comunitário deverá, consequentemente, conter normas aplicáveis às concentrações suscetíveis de entravar de modo significativo uma concorrência efetiva no mercado comum ou numa parte substancial deste último.

(6)      Impõe‑se, por conseguinte, a criação de um instrumento jurídico específico que permita um controlo eficaz de todas as concentrações em função do seu efeito sobre e estrutura da concorrência na Comunidade e que seja o único aplicável às referidas concentrações. O Regulamento (CEE) n.o 4064/89 [do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO 1989, L 395, p. 1),] permitiu desenvolver uma política comunitária neste domínio. Todavia, é conveniente que hoje, à luz da experiência adquirida, se proceda à reformulação deste regulamento a fim de prever disposições adaptadas aos desafios de um mercado mais integrado e de um futuro alargamento da União Europeia. Em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade consagrados no artigo 5.o [TFUE], o presente regulamento não excede o necessário para atingir o objetivo de garantir que a concorrência não seja falseada no mercado comum, em conformidade com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência.

[…]

(24)      Por forma a garantir um regime de concorrência não falseada no mercado comum, na prossecução de uma política conduzida em conformidade com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência, o presente regulamento deverá permitir o controlo efetivo de todas as concentrações em função dos seus efeitos na concorrência na Comunidade. Por conseguinte, o Regulamento [n.o 4064/89] estabeleceu o princípio segundo o qual as concentrações de dimensão comunitária que criam ou reforçam uma posição dominante de que resulta um entrave significativo da concorrência efetiva no mercado comum ou numa parte substancial deste deverão ser declaradas incompatíveis com o mercado comum.

(25)      Tendo em conta as consequências que podem advir das concentrações em estruturas de mercado oligopolísticas, é ainda mais necessário preservar a concorrência nesses mercados. Muitos mercados oligopolísticos apresentam um nível saudável de concorrência. No entanto, em certas circunstâncias, as concentrações que impliquem a eliminação de importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente, bem como uma redução da pressão concorrencial nos concorrentes remanescentes, podem, mesmo na ausência da possibilidade de coordenação entre os membros do oligopólio, resultar num entrave significativo a uma concorrência efetiva. No entanto, até à data os tribunais comunitários não interpretaram expressamente o Regulamento [n.o 4064/89] como exigindo que as concentrações deem origem a esses efeitos não coordenados para serem declaradas incompatíveis com o mercado comum. Como tal, no interesse da certeza jurídica, deverá ficar claro que o presente regulamento permite o controlo efetivo de todas essas concentrações, uma vez que estabelece que qualquer concentração que entrave significativamente a concorrência efetiva, no mercado comum ou numa parte substancial deste, deverá ser declarada incompatível com o mercado comum. A noção de “entrave significativo a uma concorrência efetiva” que consta dos n.os 3 e 4 do artigo 2.o deverá ser interpretada como abrangendo, para além dos casos em que é aplicável o conceito de posição dominante, apenas os efeitos anti‑concorrência de uma concentração resultantes do comportamento não concertado de empresas que não teriam uma posição dominante no mercado em questão.

[…]

(28)      Por forma a clarificar e explicar a apreciação das concentrações por parte da Comissão nos termos do presente regulamento, é adequado que a Comissão publique orientações que proporcionem um quadro económico sólido para a apreciação das concentrações, com vista a determinar se podem ou não ser declaradas compatíveis com o mercado comum.

(29)      Por forma a determinar os efeitos de uma concentração na concorrência no mercado comum é adequado tomar em consideração as alegações de eventuais e fundamentados ganhos de eficiência apresentadas pelas empresas em causa. É possível que os ganhos de eficiência resultantes da concentração compensem os efeitos sobre a concorrência e, em especial, o potencial efeito negativo sobre os consumidores que poderia de outra forma ter e que, por conseguinte, a concentração não entrave significativamente a concorrência efetiva, no mercado comum ou numa parte substancial deste, em particular em resultado da criação ou do reforço de uma posição dominante. A Comissão deverá publicar orientações sobre as condições em que pode tomar em consideração tais ganhos de eficiência na apreciação de uma concentração.»

3        O artigo 2.o deste regulamento, com a epígrafe «Apreciação das concentrações», dispõe:

1.      As concentrações abrangidas pelo presente regulamento devem ser apreciadas de acordo com os objetivos do presente regulamento e com as disposições que se seguem, com vista a estabelecer se são ou não compatíveis com o mercado comum.

Nessa apreciação, a Comissão deve ter em conta:

a)      A necessidade de preservar e desenvolver uma concorrência efetiva no mercado comum, atendendo, nomeadamente, à estrutura de todos os mercados em causa e à concorrência real ou potencial de empresas situadas no interior ou no exterior da Comunidade;

b)      A posição que as empresas em causa ocupam no mercado e o seu poder económico e financeiro, as possibilidades de escolha de fornecedores e utilizadores, o seu acesso às fontes de abastecimento e aos mercados de escoamento, a existência, de direito ou de facto, de barreiras à entrada no mercado, a evolução da oferta e da procura dos produtos e serviços em questão, os interesses dos consumidores intermédios e finais, bem como a evolução do progresso técnico e económico, desde que tal evolução seja vantajosa para os consumidores e não constitua um obstáculo à concorrência.

2.      Devem ser declaradas compatíveis com o mercado comum as concentrações que não entravem significativamente uma concorrência efetiva, no mercado comum ou numa parte substancial deste, em particular em resultado da criação ou do reforço de uma posição dominante.

3.      Devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as concentrações que entravem significativamente uma concorrência efetiva, no mercado comum ou numa parte substancial deste, em particular em resultado da criação ou do reforço de uma posição dominante.

4.      Na medida em que a criação de uma empresa comum que constitua uma concentração na aceção do artigo 3.o tenha por objeto ou efeito a coordenação do comportamento concorrencial de empresas que se mantêm independentes, essa coordenação deve ser apreciada segundo os critérios previstos nos n.os 1 e 3 do artigo [101.o TFUE], a fim de determinar se a operação é ou não compatível com o mercado comum.

5.      Nessa apreciação, a Comissão deve ter em conta designadamente:

—      a presença significativa e simultânea de duas ou mais empresas fundadoras no mesmo mercado da empresa comum, num mercado situado a montante ou a jusante desse mercado ou num mercado vizinho estreitamente ligado a esse mercado,

—      a possibilidade de as empresas em causa, em virtude da coordenação diretamente resultante da criação da empresa comum, eliminarem a concorrência em relação a uma parte significativa dos produtos ou serviços em causa.»

4        O artigo 3.o do referido regulamento, com a epígrafe «Definição de concentração», enuncia, no seu n.o 1, alínea b):

«Realiza‑se uma operação de concentração quando uma mudança de controlo duradoura resulta da:

[…]

b)      Aquisição por uma ou mais pessoas, que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa, ou por uma ou mais empresas por compra de partes de capital ou de elementos do ativo, por via contratual ou por qualquer outro meio, do controlo direto ou indireto do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.»

5        O artigo 4.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Notificação prévia das concentrações e remessa anterior à notificação a pedido das partes notificantes», prevê, no seu n.o 1, primeiro parágrafo:

«As concentrações de dimensão comunitária abrangidas pelo presente regulamento devem ser notificadas à Comissão antes da sua realização e após a conclusão do acordo, o anúncio da oferta pública de aquisição ou a aquisição de uma participação de controlo.»

6        O artigo 6.o do Regulamento n.o 139/2004, com a epígrafe «Análise da notificação e início do processo», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      A Comissão procede à análise da notificação logo após a sua receção.

a)      Se a Comissão chegar à conclusão de que a concentração notificada não é abrangida pelo presente regulamento, fará constar esse facto por via de decisão.

b)      Se a Comissão verificar que a concentração notificada, apesar de abrangida pelo presente regulamento, não suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá não se opor a essa concentração e declará‑la‑á compatível com o mercado comum.

Presumir‑se‑á que a decisão que declara uma concentração compatível abrange igualmente as restrições diretamente relacionadas com a realização da concentração e a ela necessárias.

c)      Sem prejuízo do n.o 2, se a Comissão verificar que a concentração notificada é abrangida pelo presente regulamento e suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao processo. Sem prejuízo do artigo 9.o, estes processos são encerrados por via de decisão, de acordo com os n.os 1 a 4 do artigo 8.o, a menos que as empresas em causa tenham demonstrado a contento da Comissão que abandonaram a concentração.

2.      Se a Comissão verificar que, na sequência das alterações introduzidas pelas empresas em causa, uma concentração notificada deixou de suscitar sérias dúvidas na aceção da alínea c) do n.o 1, declarará a concentração compatível com o mercado comum nos termos da alínea b) do n.o 1.

A Comissão pode acompanhar a sua decisão tomada nos termos da alínea b) do n.o 1 de condições e obrigações destinadas a garantir que as empresas em causa cumprem os compromissos perante ela assumidos para tornar a concentração compatível com o mercado comum.»

7        O artigo 7.o deste regulamento, com a epígrafe «Suspensão da concentração», enuncia, no seu n.o 1:

«Uma concentração de dimensão comunitária […] não pode ter lugar nem antes de ser notificada nem antes de ter sido declarada compatível com o mercado comum por uma decisão tomada nos termos da alínea b) do n.o 1 do artigo 6.o, ou dos n.os 1 ou 2 do artigo 8.o, ou com base na presunção prevista no n.o 6 do artigo 10.o»

8        O artigo 8.o do referido regulamento, com a epígrafe «Poderes de decisão da Comissão», prevê, nos seus n.os 1 a 3:

«1.      Quando verifique que uma concentração notificada corresponde ao critério definido no n.o 2 do artigo 2.o e, nos casos previstos no n.o 4 do artigo 2.o, aos critérios do n.o 3 do artigo [101.o TFUE], a Comissão tomará uma decisão que declara a concentração compatível com o mercado comum.

Presumir‑se‑á que a decisão que declara uma concentração compatível abrange as restrições diretamente relacionadas com a realização da concentração e a ela necessárias.

2.      Quando verifique que, após as alterações introduzidas pelas empresas em causa, uma concentração notificada corresponde ao critério definido no n.o 2 do artigo 2.o e, nos casos previstos no n.o 4 do artigo 2.o, aos critérios do n.o 3 do artigo [101.o TFUE], a Comissão tomará uma decisão que declara a concentração compatível com o mercado comum.

A Comissão pode acompanhar a sua decisão de condições e obrigações destinadas a garantir que as empresas em causa cumprem os compromissos perante ela assumidos para tornar a concentração compatível com o mercado comum.

Presumir‑se‑á que a decisão que declara uma concentração compatível abrange as restrições diretamente relacionadas com a realização da concentração e a ela necessárias.

3.      Quando verifique que uma concentração corresponde ao critério definido no n.o 3 do artigo 2.o ou, nos casos previstos no n.o 4 do artigo 2.o, não preenche os critérios do n.o 3 do artigo [101.o TFUE], a Comissão tomará uma decisão que declara a concentração incompatível com o mercado comum.»

9        O artigo 10.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Prazos para o início do processo e para as decisões», dispõe, no seu n.o 6:

«Se a Comissão não tomar qualquer decisão nos termos das alíneas b) ou c) do n.o 1 do artigo 6.o ou nos termos dos n.os 1, 2 ou 3 do artigo 8.o, nos prazos fixados, respetivamente, nos n.os 1 e 3, presumir‑se‑á que a concentração é declarada compatível com o mercado comum […]»

10      O artigo 21.o do Regulamento n.o 139/2004, com a epígrafe «Aplicação do regulamento e competência», prevê, no seu n.o 2:

«Sob reserva do controlo do Tribunal de Justiça, a Comissão tem competência exclusiva para tomar as decisões previstas no presente regulamento.»

 Regulamento n.o 802/2004

11      O artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 802/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, de execução do Regulamento n.o 139/2004 (JO 2004, L 133, p. 1, e retificação JO 2004, L 172, p. 9), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1269/2013 da Comissão, de 5 de dezembro de 2013 (JO 2013, L 336, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 802/2004»), prevê que, para efeitos do controlo das concentrações, as notificações serão apresentadas na forma indicada no formulário CO que consta do anexo I deste regulamento.

12      A secção 9 deste anexo I, intitulada «Ganhos de eficácia», tem a seguinte redação:

«Se desejar que a Comissão considere especificamente desde o início […] em que medida os ganhos de eficiência resultantes da concentração são suscetíveis de reforçar a capacidade e o incentivo da nova entidade para se comportar de forma favorável à concorrência em benefício dos consumidores, forneça uma descrição e documentos de apoio relativamente a cada ganho de eficiência (incluindo economias de custos, introdução de novos produtos e melhorias a nível do serviço ou dos produtos) que as partes preveem irá resultar da concentração projetada no que se refere a qualquer produto relevante […].

Para cada ganho de eficiência alegado, forneça:

i)      uma explicação circunstanciada da forma como a concentração projetada permitirá que a nova entidade obtenha o ganho de eficiência. Especifique as medidas que as partes preveem tomar para alcançar os ganhos de eficiência, os riscos envolvidos e o tempo e custos necessários;

ii)      sempre que razoavelmente possível, uma quantificação do ganho de eficiência e uma explicação circunstanciada do método de cálculo utilizado. Quando relevante, forneça uma estimativa da importância dos ganhos de eficiência relacionados com a introdução de novos produtos ou melhorias de qualidade. No que se refere aos ganhos de eficiência que proporcionam economias de custos, apresente separadamente as economias de custos únicos e fixos, as economias de custos fixos e recorrentes e as economias de custos variáveis (em euros por unidade e em euros por ano);

iii)      a medida em que os clientes são suscetíveis de beneficiar do ganho de eficiência e uma explicação pormenorizada dos elementos em que se baseia esta conclusão; e ainda

iv)      a razão por que a parte ou as partes não podem alcançar um ganho de eficiência de nível semelhante através de outros meios que não a concentração projetada e de uma forma que não seja suscetível de suscitar preocupações em matéria de concorrência.»

 Orientações sobre as concentrações horizontais

13      A Comunicação da Comissão, intitulada «Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do Regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas» (JO 2004, C 31, p. 5; a seguir «Orientações sobre as concentrações horizontais»), numa secção relativa aos efeitos não coordenados, enuncia:

«Efeitos não coordenados […]

24.      De uma concentração podem resultar entraves significativos à concorrência efetiva num mercado se forem eliminadas pressões concorrenciais importantes sobre um ou mais vendedores que, consequentemente, beneficiam de um aumento de poder de mercado. O efeito mais direto da concentração será a eliminação da concorrência entre as empresas objeto da concentração. Por exemplo, se antes da concentração uma das empresas objeto da concentração tivesse aumentado os seus preços, teria perdido algumas das suas vendas a favor da outra empresa na concentração. A concentração suprime esta pressão concorrencial específica. As empresas que não participam na concentração e que se encontram no mesmo mercado podem também beneficiar da redução da pressão concorrencial resultante da concentração, uma vez que o aumento dos preços das empresas na concentração pode fazer deslocar uma parte da procura para as empresas rivais que, por seu turno, poderão considerar lucrativo aumentar os preços […]. A redução destas pressões concorrenciais poderá levar a aumentos de preços significativos no mercado relevante.

25.      Normalmente, de uma concentração que der origem a tais efeitos não coordenados resultam entraves significativos à concorrência efetiva no mercado, em especial através da criação ou reforço da posição dominante de uma única empresa que, normalmente, teria uma quota de mercado significativamente superior à do seu concorrente mais próximo, após a concentração. Além disso, as concentrações realizadas em mercados oligopolísticos […], que implicam a eliminação de importantes pressões concorrenciais que anteriormente as partes na concentração exerciam mutuamente, juntamente com uma redução da pressão concorrencial sobre os restantes concorrentes podem, mesmo quando existem poucas probabilidades de coordenação entre os membros do oligopólio, resultar também num entrave significativo à concorrência. O Regulamento das Concentrações esclarece que todas as concentrações que derem origem a tais efeitos não coordenados devem também ser declaradas incompatíveis com o mercado comum […].

26.      Diversos fatores, que considerados separadamente não são necessariamente decisivos, poderão influenciar a probabilidade de uma concentração ter efeitos não coordenados significativos. Não é necessário que todos estes fatores estejam presentes para que tais efeitos sejam prováveis e esta lista também não deve ser considerada exaustiva.

As empresas na concentração têm elevadas quotas de mercado

27.      Quanto mais elevada for a quota de mercado, mais probabilidades existem de que uma empresa possua poder de mercado. Quanto maior for a cumulação de quotas de mercado, mais probabilidades existem de que uma concentração provoque um aumento significativo do poder de mercado. Quanto maior for o aumento da base de vendas em que são obtidas margens mais elevadas após um aumento de preços, maiores probabilidades existem de que as empresas na concentração considerem que esse aumento de preços é lucrativo, apesar da redução da produção que o acompanha. Embora as quotas de mercado e a cumulação de quotas de mercado forneçam apenas uma primeira indicação acerca do poder de mercado e dos aumentos do poder de mercado, constituem normalmente fatores importantes no âmbito da apreciação […].

As empresas que participam na concentração são concorrentes próximos

28.      Os produtos num mercado relevante podem ser diferenciados […], pelo que alguns produtos são substitutos mais próximos do que outros […]. Quanto mais elevado for o grau de substituibilidade entre os produtos das empresas na concentração, maiores probabilidades existem de que essas empresas aumentem os preços de forma significativa […]. Por exemplo, uma concentração entre dois fabricantes que oferecem produtos considerados por um número significativo de clientes como as suas primeira e segunda escolhas poderá provocar um aumento de preços significativo. Desta forma, o facto de a rivalidade entre as partes ter sido uma importante fonte de concorrência no mercado pode constituir um fator determinante na análise […]. A existência de elevadas margens antes da concentração […] poderá igualmente tornar mais prováveis aumentos de preços significativos. São maiores as probabilidades de limitação do incentivo das empresas na concentração para aumentarem os preços quando as empresas rivais produzem substitutos próximos dos produtos das empresas na concentração do que quando oferecem substitutos menos próximos […]. Por conseguinte, é menos provável que de uma concentração resultem entraves significativos à concorrência efetiva, em especial através da criação ou reforço de uma posição dominante, quando existe um elevado grau de substituibilidade entre os produtos das empresas na concentração e os produtos fornecidos pelos fabricantes rivais.

29.      Quando existem dados disponíveis, o grau de substituibilidade pode ser avaliado através de inquéritos sobre as preferências dos consumidores, análises dos padrões de compra, estimativas das elasticidades cruzadas de preços dos produtos em causa […] ou dos rácios de transferência […]. Nos mercados sujeitos à realização de concursos poderá ser possível avaliar em que medida as propostas apresentadas por uma das partes na concentração têm, ao longo do tempo, sido limitadas através da presença da outra parte na concentração […].

30.      Nalguns mercados poderá revelar‑se relativamente fácil e não demasiado oneroso para as empresas que neles desenvolvem atividades reposicionarem os seus produtos ou alargarem a sua carteira de produtos. A Comissão analisa, em especial, se a possibilidade de reposicionamento ou de extensão da linha de produtos por parte dos concorrentes ou por parte das empresas na concentração é suscetível de influenciar o incentivo da entidade resultante da concentração para aumentar os preços. Contudo, o reposicionamento de um produto ou a extensão da linha de produtos implica frequentemente riscos e elevados custos irrecuperáveis […] e poderá ser menos lucrativo do que a linha de produtos existente.

[…]

A concentração elimina uma força concorrencial importante

37.      Algumas empresas exercem maior influência sobre o processo concorrencial do que as suas quotas de mercado ou avaliações semelhantes poderiam sugerir. Uma concentração que envolva uma empresa deste tipo poderá alterar a dinâmica concorrencial de forma significativa e anticoncorrencial, em especial quando o mercado já se encontra concentrado […]. Por exemplo, uma empresa poderá ser um participante recente no mercado, prevendo‑se que, no futuro, venha a exercer uma pressão concorrencial significativa sobre as outras empresas no mercado.

38.      Nos mercados em que a inovação constitui uma força concorrencial importante, uma concentração poderá aumentar a capacidade e o incentivo para as empresas introduzirem outras inovações no mercado, aumentando, assim, a pressão concorrencial exercida sobre os rivais para inovarem nesse mercado. Em alternativa, a concorrência efetiva poderá ser entravada de forma significativa devido a uma concentração entre duas importantes empresas inovadoras, por exemplo, entre duas empresas com produtos prontos a serem comercializados num determinado mercado de produtos. Da mesma forma, uma empresa com uma quota de mercado relativamente reduzida poderá, todavia, constituir uma força concorrencial importante se possuir produtos promissores prontos a serem comercializados […]»

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

14      Os antecedentes do litígio estão expostos nos n.os 1 a 25 do acórdão recorrido e podem ser resumidos do seguinte modo.

15      Em 11 de setembro de 2015, a Comissão recebeu a notificação, nos termos do artigo 4.o do Regulamento n.o 139/2004, de um projeto de concentração (a seguir «concentração projetada») pelo qual a CK Hutchison Holdings Ltd, por intermédio da sua filial indireta Hutchison 3G UK Investments, atual CK Telecoms UK Investments Ltd (a seguir «CK Telecoms»), devia adquirir, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, o controlo exclusivo da Telefónica Europe (a seguir «O2»).

16      À época havia quatro operadores de rede móvel no mercado retalhista dos serviços de telecomunicações móveis no Reino Unido (a seguir «mercado retalhista»), a saber, a EE Ltd, uma filial da BT Group plc, adquirida por esta última em 2016 (a seguir «BT/EE»), a O2, a Vodafone e a Hutchison 3G UK Ltd (a seguir «Three»), uma filial indireta da CK Hutchison Holdings, cujas quotas de mercado em termos de assinantes eram aproximadamente entre 30 % e 40 %, entre 20 % e 30 %, entre 10 % e 20 % e entre 10 % e 20 %, respetivamente. Na sequência da concentração projetada, a Three e a O2 passariam a representar aproximadamente entre 30 % e 40 % do mercado retalhista e poderiam tornar‑se, assim, o principal operador nesse mercado, à frente do antigo operador histórico BT/EE e da Vodafone.

17      O mercado retalhista incluía igualmente vários operadores de redes móveis virtuais que não eram proprietários de uma rede móvel, como a Tesco Mobile, uma sociedade detida em partes iguais pela Tesco e pela O2, a Virgin Mobile e a TalkTalk. Estes operadores tinham celebrado acordos com operadores de rede móvel para terem acesso às suas redes a preços grossistas. O mercado retalhista contava ainda com revendedores e retalhistas independentes, como a Dixons.

18      Uma característica deste mercado era o facto de a BT/EE e a Three, por um lado, e a Vodafone e a O2, por outro, terem celebrado acordos de partilha de rede, respetivamente denominados MBNL e Beacon, que lhes permitiam partilhar os custos de implantação das suas redes, continuando a concorrer entre si no mercado retalhista.

19      Em 2 de outubro de 2015, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pediu à Comissão, por intermédio da Competition and Markets Authority (Autoridade da Concorrência e dos Mercados, Reino Unido), que a concentração projetada lhe fosse remetida, com base no artigo 9.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 139/2004. O Reino Unido alegava que a concentração podia entravar significativamente a concorrência no mercado retalhista, bem como no mercado grossista do acesso e da originação de chamadas nas redes móveis públicas no Reino Unido (a seguir «mercado grossista»). Além disso, o Reino Unido sustentava estar melhor colocado para tratar a referida concentração.

20      Com a Decisão C(2015) 8534 final da Comissão, de 4 de dezembro de 2015, relativa ao artigo 9.o do Regulamento n.o 139/2004 no processo M.7612 Hutchison 3G UK/Telefónica UK, esse pedido de remessa foi indeferido. Em apoio dessa decisão, a Comissão invocou, nomeadamente, a necessidade de fazer prova de coerência e uniformidade na apreciação das concentrações no setor das telecomunicações em diferentes Estados‑Membros, bem como a experiência considerável que tinha adquirido na apreciação das concentrações nos mercados europeus de telecomunicações móveis.

21      Por ter sérias dúvidas quanto à compatibilidade da concentração projetada com o mercado interno, a Comissão, em 30 de outubro de 2015, decidiu dar início ao processo previsto no artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004.

22      Em 4 de fevereiro de 2016, a Comissão emitiu uma comunicação de objeções. Em 26 de fevereiro de 2016, a CK Telecoms apresentou as suas observações escritas sobre essa comunicação de objeções.

23      Em 2 de março de 2016, para resolver os problemas de concorrência expostos na comunicação de objeções, a CK Telecoms apresentou uma primeira série de compromissos.

24      A pedido da CK Telecoms, foi realizada uma audição em 7 de março de 2016.

25      Em 15 de março de 2016, a recorrente apresentou compromissos alterados (a seguir «segunda série de compromissos»).

26      Em 17 e 23 de março de 2016, a Comissão enviou à CK Telecoms cartas nas quais revelava novos elementos de prova que figuravam no seu processo e corroboravam as conclusões preliminares da comunicação de objeções. Em 29 de março e 4 de abril de 2016, a CK Telecoms apresentou observações escritas em resposta a essas cartas.

27      Em 6 de abril de 2016, a CK Telecoms apresentou uma terceira série de compromissos.

28      Em 27 de abril de 2016, o Comité Consultivo em matéria de concentrações emitiu um parecer favorável sobre o projeto de decisão da Comissão.

29      Em 11 de maio de 2016, a Comissão adotou a decisão controvertida, que assenta na identificação de dois mercados relevantes, a saber, o mercado retalhista e o mercado grossista.

30      A Comissão desenvolveu três teorias do prejuízo, que assentam todas na existência de efeitos não coordenados num mercado oligopolístico.

31      A primeira teoria do prejuízo é relativa à existência de efeitos não coordenados no mercado retalhista resultantes da eliminação de importantes pressões concorrenciais. Em substância, segundo a Comissão, a forte diminuição da concorrência que teria resultado da concentração projetada levaria verosimilmente a um aumento dos preços dos serviços de telecomunicações móveis no Reino Unido e a uma limitação da escolha para os consumidores.

32      A segunda teoria do prejuízo diz respeito à existência de efeitos não coordenados no mercado retalhista ligados à partilha de rede. Segundo a Comissão, a concentração projetada seria suscetível de influenciar negativamente a qualidade dos serviços para os consumidores do Reino Unido ao entravar o desenvolvimento da infraestrutura de rede móvel no Reino Unido.

33      A terceira teoria do prejuízo é relativa à existência de efeitos não coordenados resultantes da eliminação de importantes pressões concorrenciais no mercado grossista. Neste mercado, os quatro operadores de rede móvel prestam serviços de alojamento aos operadores que não são proprietários de uma rede móvel que, por sua vez, propõem serviços retalhistas aos assinantes. Particularmente, segundo a decisão controvertida, a concentração projetada comportava o risco de ter efeitos não coordenados significativos no mercado grossista resultantes de uma redução do número de operadores de rede móvel de quatro para três, da eliminação da Three enquanto «força concorrencial importante», da eliminação das importantes pressões concorrenciais que anteriormente as partes exerciam mutuamente e de uma redução da pressão concorrencial sobre os restantes atores.

34      Quanto aos ganhos de eficiência alegados pela CK Telecoms, a Comissão entende que não eram nem verificáveis, nem específicos da concentração, nem suscetíveis de beneficiar os consumidores.

35      Na última secção da decisão controvertida, a Comissão examinou os compromissos propostos pela CK Telecoms. Considerou, em substância, que a segunda e a terceira séries de compromissos não eliminariam, ou não eliminariam completamente, todos os problemas de concorrência identificados.

36      Consequentemente, a Comissão declarou a concentração projetada incompatível com o mercado interno.

 Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

37      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de julho de 2016, a CK Telecoms interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida.

38      A CK Telecoms invocou cinco fundamentos de recurso.

39      O primeiro e o quarto fundamentos diziam respeito à primeira e à terceira teorias do prejuízo, relativas à supressão da concorrência entre a Three e a O2, respetivamente, no mercado retalhista e no mercado grossista. O segundo fundamento referia‑se à avaliação do cenário contrafactual feita pela Comissão, na qual assentava a avaliação dos mercados retalhista e grossista. O terceiro fundamento referia‑se à segunda teoria do prejuízo respeitante ao mercado retalhista, relativa à partilha de rede, e aos compromissos relativos a essa partilha. O quinto fundamento referia‑se aos outros compromissos propostos pela CK Telecoms.

40      O Tribunal Geral examinou, num primeiro momento, sucessivamente o primeiro, o terceiro e o quarto fundamentos e, num segundo momento, o segundo e o quinto fundamentos.

41      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral começou por julgar procedente, em substância, a primeira parte do primeiro fundamento, relativa à intensidade da fiscalização jurisdicional em matéria de concentrações, ao quadro jurídico aplicável na sequência da adoção do Regulamento n.o 139/2004, ao ónus da prova e às exigências de prova que incumbem à Comissão quando tem de provar um entrave significativo a uma concorrência efetiva, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 3, deste regulamento. Além disso, acolheu a segunda parte do primeiro fundamento, relativa à qualificação da Three de «força concorrencial importante», bem como a terceira e a quinta partes deste fundamento, relativas, respetivamente, à avaliação da proximidade da concorrência e à avaliação dos efeitos quantitativos da concentração projetada sobre os preços. O Tribunal Geral acolheu ainda a argumentação da CK Telecoms inserida na sétima parte do referido fundamento, segundo a qual a Comissão não precisou, na sua decisão, com que base concluiu que os pretensos entraves à concorrência resultantes da concentração seriam significativos. Em seguida, julgou procedentes a primeira, terceira, quarta, quinta e sexta partes do terceiro fundamento, relativamente a erros em relação aos efeitos horizontais não coordenados produzidos pela partilha de rede. Por último, o Tribunal Geral acolheu as três primeiras partes do quarto fundamento a respeito dos efeitos não coordenados no mercado grossista. Consequentemente, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida.

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

42      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 7 de agosto de 2020, a Comissão interpôs o presente recurso.

43      Por requerimento separado apresentado na mesma data, a Comissão pediu ao Tribunal de Justiça que, em relação à EE, uma das duas partes intervenientes em primeira instância, concedesse tratamento confidencial a certos trechos deste recurso que continham informações abrangidas pelo sigilo comercial e correspondiam a informações para as quais o Tribunal Geral tinha concedido tratamento confidencial. Por Despacho de 1 de outubro de 2020, Comissão/CK Telecoms UK Investments (C‑376/20 P, EU:C:2020:789), o presidente do Tribunal de Justiça deferiu este pedido. Assim, apenas foi notificada à BT/EE uma versão não confidencial do referido recurso.

44      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 20 de novembro de 2020, a CK Telecoms pediu ao Tribunal de Justiça que, em relação à EE, concedesse tratamento confidencial a certas informações constantes da sua contestação que estavam abrangidas pelo sigilo comercial, e, a esse título, não deviam ser comunicadas à sua concorrente EE, e que correspondiam a informações para as quais o Tribunal Geral tinha concedido tratamento confidencial em relação à EE. Por Despacho de 26 de janeiro de 2021, Comissão/CK Telecoms UK Investments (C‑376/20 P, EU:C:2021:81), o presidente do Tribunal de Justiça concedeu, em relação à EE, tratamento confidencial a esse articulado, tendo‑lhe sido notificada apenas uma versão não confidencial do mesmo.

45      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 24 de março de 2021 com base no artigo 40.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 130.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 190.o, n.o 1, deste regulamento, o Órgão de Fiscalização da EFTA pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por Despacho de 4 de junho de 2021, Comissão/CK Telecoms UK Investments (C‑376/20 P, EU:C:2021:488), o presidente do Tribunal de Justiça deferiu este pedido, autorizando‑o a apresentar observações na audiência de alegações. Foi notificada a esta autoridade uma cópia de todos os atos processuais.

46      Na sequência de um pedido da Comissão de 12 de fevereiro de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça autorizou‑a a apresentar réplica.

47      Após a apresentação da tréplica da CK Telecoms, a fase escrita do presente processo foi encerrada em 19 de maio de 2021.

 Pedidos das partes

48      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        remeter o processo ao Tribunal Geral;

–        condenar a CK Telecoms nas despesas do presente recurso; e

–        reservar para final a decisão quanto às despesas do processo em primeira instância.

49      A CK Telecoms pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso e

–        condenar a Comissão e os intervenientes nas despesas no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça.

 Quanto ao presente recurso

50      A Comissão invoca cinco fundamentos de recurso. O primeiro é relativo a um erro de direito na medida em que o Tribunal Geral aplicou uma exigência de prova mais estrita do que a que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de concentrações. O segundo fundamento baseia‑se numa interpretação errada do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004. O terceiro fundamento é relativo ao facto de o Tribunal Geral ter excedido os limites da fiscalização jurisdicional ao interpretar os conceitos de «força concorrencial importante» e de «concorrentes próximos», adotado uma interpretação errada destes conceitos e desvirtuado tanto a decisão controvertida como a contestação da Comissão. O quarto fundamento baseia‑se numa desvirtuação da argumentação da Comissão relativa à análise quantitativa dos efeitos da concentração projetada sobre os preços e em erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral na sua apreciação dessa análise e, o quinto fundamento, no facto de o Tribunal Geral não ter apreciado todos os fatores pertinentes. O sexto fundamento é relativo a erros a respeito da partilha de rede.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentação das partes

51      Com o seu primeiro fundamento, a Comissão alega que, ao considerar, no n.o 118 do acórdão recorrido, que ela está obrigada a apresentar provas suficientes para demonstrar, com uma probabilidade séria, a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva, o Tribunal Geral aplicou uma exigência de prova particularmente elevada, que vai além da que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de controlo das concentrações, e, deste modo, cometeu um erro de direito. Este erro levou o Tribunal Geral a declarar, nos n.os 119, 172, 216, 268, 281 e 396 do acórdão recorrido, que a Comissão não fez prova juridicamente bastante de que a concentração provocaria um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

52      A este respeito, resulta do n.o 52 do Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392), que, quando é submetida à sua apreciação uma operação de concentração, a Comissão está, em princípio, obrigada a tomar posição quer no sentido de autorizar essa operação quer no sentido de a proibir, consoante a apreciação que faz da evolução económica atribuível à concentração notificada cuja probabilidade é mais elevada.

53      Ora, o nível de prova exigido pelo Tribunal Geral no n.o 118 do acórdão recorrido para demonstrar a eventual existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva confere necessariamente um caráter assimétrico à exigência de prova que pode ser deduzida do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004, uma vez que esta disposição não estabelece uma presunção geral de compatibilidade nem uma presunção geral de incompatibilidade de uma concentração notificada com o mercado interno.

54      A CK Telecoms responde, em primeiro lugar, que o primeiro fundamento é inoperante.

55      Com efeito, resulta nomeadamente do acórdão recorrido que a Comissão cometeu erros de direito relativos à interpretação dos conceitos de «força concorrencial importante» e de «concorrentes próximos» numa fase da sua apreciação anterior ao exame dos elementos de prova que a levaram a concluir pela existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Por conseguinte, estes erros não são afetados pelo nível de prova pretensamente errado exigido pelo Tribunal Geral.

56      Além disso, a Comissão não demonstrou que um nível de prova menos elevado do que o exigido pelo Tribunal Geral teria conduzido a um resultado diferente.

57      Em segundo lugar, a CK Telecoms sustenta que o nível de prova exigido pelo Tribunal de Geral é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

58      Alega que, no Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2008:392), o Tribunal de Justiça não seguiu as conclusões da advogada‑geral J. Kokott e não adotou a «ponderação das probabilidades» como nível de prova exigido para concluir pela existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

59      Esse nível de prova implica que basta que a Comissão se baseie em elementos de prova que não sejam particularmente coerentes ou sólidos para demonstrar que a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva é mais provável do que improvável.

60      Ora, resulta dos n.os 27, 39, 41 e 45 do Acórdão de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval (C‑12/03 P, EU:C:2005:87), que, para declarar um entrave significativo a uma concorrência efetiva, as provas devem ser sólidas para convencer da justeza da tese que figura numa decisão em matéria de controlo das concentrações, o que pressupõe que se verifique a exatidão material, a fiabilidade e a coerência dessas provas.

61      A CK Telecoms alega que, embora a Comissão deva aplicar o mesmo nível de prova tanto para autorizar como para proibir uma concentração, não é menos verdade que o facto de se impor a esta instituição um nível de prova mais elevado do que a simples «ponderação das probabilidades» para demonstrar a eventual existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva não viola a neutralidade estabelecida no artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004.

62      Nestas condições, a CK Telecoms alega que, ao remeter, no n.o 118 do acórdão recorrido, para uma leitura a contrario dos n.os 209 a 211 das Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala (C‑413/06 P, EU:C:2007:790), e ao considerar que a exigência de prova aplicável à Comissão era mais estrita do que a simples «ponderação das probabilidades», o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

63      Quanto à argumentação da CK Telecoms segundo a qual este primeiro fundamento é inoperante, importa salientar que resulta, nomeadamente, dos n.os 119, 172, 216, 281, 282, 372 e 396 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral se pronunciou sobre a eventual existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva, recorrendo, nomeadamente, aos conceitos de «força concorrencial importante» e de «concorrentes próximos», tendo em conta o nível de prova enunciado no n.o 118 desse acórdão. Assim, independentemente da questão de saber se, como alega a Comissão no âmbito do seu terceiro fundamento, a interpretação destes conceitos enferma de erros de direito, esta instituição pode igualmente criticar utilmente o Tribunal Geral por ter exigido um nível de prova mais elevado do que o que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de concentrações.

64      Por outro lado, o argumento da CK Telecoms segundo o qual a Comissão não demonstrou que um nível de prova diferente do aplicado pelo Tribunal Geral teria conduzido a um resultado diferente deve ser rejeitado. Com efeito, por um lado, é em princípio à CK Telecoms que incumbe demonstrar que o primeiro fundamento é inoperante. Ora, por outro lado, uma vez que, como resulta dos n.os 118 e 119 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral aplicou a exigência de uma probabilidade séria da existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva a todos os elementos de prova por si examinados, não se pode excluir a priori que a aplicação de um nível de prova menos exigente poderia ter conduzido à improcedência do recurso em primeira instância.

65      Consequentemente, há que rejeitar a argumentação da CK Telecoms relativa ao caráter inoperante do primeiro fundamento e examinar o mérito deste fundamento.

66      A este respeito, importa recordar que resulta, nomeadamente, do considerando 5 do Regulamento n.o 139/2004 que este visa garantir que as reestruturações das empresas não acarretem um prejuízo duradouro para a concorrência.

67      Além disso, recorde‑se que, por um lado, o artigo 2.o, n.o 2, deste regulamento prevê que uma operação de concentração que não entrave significativamente uma concorrência efetiva deve ser declarada compatível com o mercado interno. Por outro lado, resulta do artigo 2.o, n.o 3, do referido regulamento que, na hipótese inversa, uma operação de concentração que produza esse efeito deve ser declarada incompatível com o mercado interno.

68      Consequentemente, o legislador da União previu, no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, que, quando a Comissão verifique que uma concentração notificada corresponde ao critério definido no artigo 2.o, n.o 2, deste regulamento, a Comissão tomará uma decisão que declara essa concentração compatível com o mercado interno. Em contrapartida, como resulta do artigo 8.o, n.o 3, do referido regulamento, quando verifique que uma concentração corresponde ao critério definido no artigo 2.o, n.o 3, do mesmo regulamento, a Comissão tomará uma decisão que declara a referida concentração incompatível com o mercado interno.

69      Por conseguinte, decorre da redação tanto do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004 como do seu artigo 8.o, n.os 1 e 3, que estas disposições revestem caráter simétrico no que respeita às exigências de prova impostas à Comissão para demonstrar que uma concentração notificada entravaria ou não de forma significativa uma concorrência efetiva e deve, assim, ser declarada incompatível ou compatível com o mercado interno.

70      A este respeito, importa salientar, em primeiro lugar, que não resulta dos termos destas disposições que o Regulamento n.o 139/2004 impõe exigências de prova diferentes em matérias de decisões que autorizam uma operação de concentração, por um lado, e de decisões que proíbem essa operação, por outro (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 46).

71      Neste contexto, não se pode deduzir deste regulamento nenhuma presunção geral de compatibilidade ou de incompatibilidade de uma operação de concentração notificada com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 48).

72      Embora o artigo 10.o, n.o 6, do referido regulamento preveja, é certo, que uma operação de concentração notificada é declarada compatível com o mercado interno se a Comissão não tomar uma decisão sobre a compatibilidade dessa operação nos prazos fixados, não é menos verdade que esta disposição, por um lado, é uma expressão específica do imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do regulamento e, por outro, constitui uma exceção à economia geral do regulamento segundo a qual a Comissão decide expressamente sobre as operações de concentração que lhe são notificadas (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 49).

73      Nestas condições, há que considerar que a Comissão não é obrigada a dar cumprimento a exigências de prova mais estritas em matéria de decisões que proíbem operações de concentração do que em matéria de decisões que autorizam essas operações (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 51).

74      Daqui resulta que as exigências em matéria de administração da prova, incluindo o nível de prova, não variam consoante o tipo de decisão adotada pela Comissão em matéria de controlo das concentrações.

75      Em segundo lugar, resulta da jurisprudência que as decisões da Comissão sobre a compatibilidade das operações de concentração com o mercado interno devem ser fundamentadas com elementos suficientemente significativos e concordantes (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 50 e jurisprudência referida).

76      É certo que o Tribunal de Justiça declarou que, no contexto da análise de uma operação de concentração de tipo «conglomerado», a qualidade dos elementos de prova apresentados pela Comissão para demonstrar a necessidade de uma decisão que declara essa operação incompatível com o mercado interno é especialmente importante (Acórdão de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 44).

77      No entanto, o Tribunal de Justiça precisou que esta jurisprudência reflete simplesmente a função essencial da prova, que é convencer da procedência de uma tese ou, como em matéria de controlo das operações de concentração, alicerçar as apreciações subjacentes às decisões da Comissão (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 41, e de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 51 e jurisprudência referida). Por conseguinte, as exigências específicas relativas à qualidade dos elementos de prova não têm, em princípio, influência no nível de prova exigido.

78      A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que a complexidade intrínseca de uma tese de entrave à concorrência formulada relativamente a uma operação de concentração notificada constitui um elemento que há que ter em conta quando se aprecia a plausibilidade das diversas consequências dessa operação, para identificar aquela cuja probabilidade é mais elevada, mas essa complexidade não tem, enquanto tal, influência no nível de prova exigido (Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 51).

79      Por conseguinte, como salientou, em substância, a advogada‑geral no n.o 59 das suas conclusões, há que declarar que o nível de prova, para efeitos da aplicação do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004, não varia em função do tipo de operação de concentração examinada pela Comissão nem em função da complexidade intrínseca de uma tese de entrave à concorrência formulada relativamente a uma concentração notificada.

80      Em terceiro e último lugar, resulta do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, que impõe que uma concentração seja notificada antes da sua realização, e do artigo 7.o, n.o 1, deste regulamento, que prevê a obrigação de não realizar essa concentração antes da sua notificação e da sua autorização, que o referido regulamento instaura um sistema de controlo preventivo das concentrações.

81      Consequentemente, este controlo distingue‑se do controlo ex post dos acordos entre empresas, das decisões de associações de empresas e das práticas concertadas referidos no artigo 101.o TFUE, bem como dos abusos de posição dominante referidos no artigo 102.o TFUE.

82      No âmbito do exercício deste controlo ex ante das concentrações, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação em matéria económica, para efeitos da aplicação das regras substantivas do Regulamento n.o 139/2004, particularmente do seu artigo 2.o (Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 144), uma vez que procede a análises económicas prospetivas destinadas a determinar a probabilidade de certas evoluções do mercado relevante num lapso de tempo previsível.

83      Ora, estas análises prospetivas, que na maior parte das vezes são complexas, são necessariamente mais incertas do que as análises ex post.

84      Com efeito, a análise prospetiva necessária em matéria de controlo das operações de concentração, que consiste em examinar de que modo essa operação de concentração pode alterar os parâmetros da concorrência nos mercados afetados, para verificar se daí resultaria um entrave significativo a uma concorrência efetiva, exige que se imaginem os vários encadeamentos de causa e efeito, para ter em conta aquele cuja probabilidade é mais elevada (Acórdãos de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 43; de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 47; e de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service, C‑265/17 P, EU:C:2019:23, n.o 32). Esta análise prospetiva enquadra‑se na margem de apreciação em matéria económica de que a Comissão dispõe para efeitos da aplicação das regras substantivas do Regulamento n.o 139/2004, particularmente do seu artigo 2.o, que justifica que a fiscalização pelo juiz da União de uma decisão da Comissão em matéria de operações de concentração se limite à verificação da exatidão material dos factos e à inexistência de erros manifestos de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 144 e jurisprudência referida).

85      É verdade que essa análise deve ser efetuada com grande atenção, uma vez que se trata não de examinar acontecimentos do passado, a respeito dos quais se dispõe frequentemente de numerosos elementos que permitem compreender as suas causas, nem mesmo acontecimentos presentes, mas sim prever os acontecimentos que se produzirão no futuro, segundo uma probabilidade mais ou menos forte, se não for adotada nenhuma decisão que proíba ou que precise as condições da concentração projetada (v., neste sentido, Acórdão de 15 de fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, EU:C:2005:87, n.o 42).

86      No entanto, a natureza prospetiva da análise económica que a Comissão deve efetuar opõe‑se a que esta instituição, para demonstrar que uma concentração criaria entraves ou, pelo contrário, não criaria entraves significativos a uma concorrência efetiva, seja obrigada a respeitar um nível de prova particularmente elevado.

87      Nestas condições, tendo em conta, nomeadamente, a estrutura simétrica do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004 e o caráter prospetivo das análises económicas da Comissão em matéria de controlo das concentrações, há que considerar que, para declarar que uma operação de concentração é incompatível ou compatível com o mercado interno, basta que a Comissão demonstre, através de elementos suficientemente significativos e concordantes, que é mais provável do que improvável que a concentração em causa entravaria ou não de maneira significativa uma concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial deste.

88      Por conseguinte, ao considerar, no n.o 118 do acórdão recorrido, que a Comissão está obrigada a demonstrar, com «uma probabilidade séria, a existência de entraves significativos» a uma concorrência efetiva na sequência da concentração e que «a exigência de prova aplicável no caso em apreço é, consequentemente, mais estrita do que aquela em virtude da qual um entrave significativo a uma concorrência efetiva seria “mais provável do que improvável”», o Tribunal Geral aplicou uma exigência de prova que não decorre do Regulamento n.o 139/2004, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, e cometeu assim um erro de direito.

89      Por conseguinte, há que julgar procedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento

90      O segundo fundamento divide‑se em duas partes, nas quais a Comissão contesta a interpretação que o Tribunal Geral fez do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 no acórdão recorrido.

 Quanto à primeira parte

–       Argumentos das partes

91      Com a primeira parte do seu segundo fundamento, a Comissão sustenta que, no n.o 90 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral equiparou os requisitos exigidos para considerar que uma concentração pode produzir efeitos não coordenados aos exigidos para demonstrar a existência de uma posição dominante.

92      A Comissão precisa que não contesta que o grau de prejuízo exigido para demonstrar um eventual entrave significativo a uma concorrência efetiva em razão de efeitos não coordenados é o mesmo que o exigido para demonstrar esse entrave em razão da criação ou do reforço de uma posição dominante. Dito isto, com a expressão «por si mesma», utilizada no n.o 90 do acórdão recorrido em associação com a expressão «entidade resultante da concentração», o Tribunal Geral considerou que a Comissão só pode proibir uma concentração se puder demonstrar que essa entidade beneficiará de um poder de mercado equivalente ao que assegura uma posição dominante.

93      A CK Telecoms responde que a Comissão contesta uma observação geral do Tribunal de Geral que não serviu de fundamento a uma análise in concreto e que, portanto, a primeira parte do segundo fundamento da Comissão é inoperante.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

94      No n.o 90 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 «permite à Comissão proibir, em determinadas circunstâncias, nos mercados oligopolísticos, concentrações que, ainda que não deem origem à criação ou ao reforço de uma posição dominante individual ou coletiva, são suscetíveis de afetar as condições de concorrência no mercado numa medida comparável à atribuível a essas posições, ao conferir à entidade resultante da concentração um poder que lhe permite determinar, por si mesma, os parâmetros da concorrência e, nomeadamente, fixar os preços em vez de os aceitar».

95      Ora, há que salientar que, como observou a CK Telecoms, o referido n.o 90 comporta uma consideração genérica do Tribunal Geral, sem estabelecer uma relação com um erro cometido pela Comissão na aplicação do conceito de «entrave significativo a uma concorrência efetiva», na aceção do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004. Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.o 70 das suas conclusões, a Comissão não identifica nenhum ponto do acórdão recorrido que se baseie nesta consideração.

96      A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as alegações dirigidas contra fundamentos exaustivos de uma decisão do Tribunal Geral não podem conduzir à anulação dessa decisão e são, portanto, inoperantes (Acórdão de 23 de março de 2023, PV/Comissão, C‑640/20 P, EU:C:2023:232, n.o 191 e jurisprudência referida). Ora, mesmo admitindo que a primeira parte do segundo fundamento fosse procedente, esta não seria suscetível de invalidar o acórdão recorrido, uma vez que esta parte visa um fundamento desse acórdão que não foi demonstrado que contribui para apoiar o dispositivo do referido acórdão.

97      Resulta daqui que a primeira parte do segundo fundamento deve ser rejeitada por ser inoperante.

 Quanto à segunda parte

–       Argumentos das partes

98      Na segunda parte do seu segundo fundamento, a Comissão alega que, nos n.os 95 e 96 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, lido à luz do considerando 25 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que, não se verificando a criação ou o reforço de uma posição dominante na sequência de uma operação de concentração, só pode demonstrar‑se um entrave significativo a uma concorrência efetiva se estiverem reunidos os dois requisitos cumulativos previstos neste considerando, a saber, por um lado, a eliminação de importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente e, por outro, uma redução da pressão concorrencial nos concorrentes remanescentes.

99      Segundo a Comissão, tal interpretação compromete o objetivo de um controlo efetivo das concentrações enunciado no considerando 24 deste regulamento e teria por efeito, nomeadamente, impedi‑la de desenvolver teorias do prejuízo que não preencham as condições enunciadas no n.o 96 do acórdão recorrido, como, por exemplo, a segunda teoria do prejuízo apresentada no caso em apreço, que assenta numa redução da pressão concorrencial exercida pelos concorrentes remanescentes sobre a entidade resultante da referida operação, em razão da posição dessa entidade no mercado na sequência da concentração.

100    A CK Telecoms responde que resulta da redação do considerando 25 do Regulamento n.o 139/2004, nomeadamente da conjunção «bem como», que foi retomada nas Orientações para as concentrações horizontais e na decisão controvertida, que o referido considerando enuncia dois requisitos cumulativos. Uma interpretação contrária permitiria à Comissão proibir todas as concentrações horizontais, uma vez que estas implicam necessariamente uma redução da concorrência entre as partes em causa.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

101    O Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 96 do acórdão recorrido, que o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 deve ser interpretado à luz do considerando 25 deste regulamento. A este respeito, partiu da premissa de que este considerando prevê dois requisitos cumulativos para que os efeitos não coordenados resultantes de uma concentração possam, em determinadas circunstâncias, ter como consequência um entrave significativo a uma concorrência efetiva, a saber, por um lado, a eliminação de importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente e, por outro, uma redução da pressão concorrencial nos concorrentes remanescentes.

102    No n.o 97 do referido acórdão, o Tribunal Geral concluiu daí que «o único efeito de redução da pressão concorrencial nos concorrentes remanescentes não é, em princípio, por si só, suficiente para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva no âmbito de uma teoria do prejuízo baseada nos efeitos não coordenados.

103    Foi à luz desta interpretação do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 que o Tribunal Geral examinou o primeiro, o terceiro e o quarto fundamentos do recurso, como resulta do n.o 105 do acórdão recorrido.

104    A este respeito, importa recordar, antes de mais, que o preâmbulo de um ato da União é suscetível de precisar o conteúdo das disposições do referido ato e que os considerandos desse ato constituem, com efeito, importantes elementos interpretativos, que são suscetíveis de esclarecer a vontade do autor do mesmo ato (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão, C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.o 75 e jurisprudência referida).

105    Dito isto, o preâmbulo de um ato da União não tem valor jurídico vinculativo e não pode ser invocado para derrogar as próprias disposições do ato em causa nem para interpretar essas disposições em sentido manifestamente contrário à sua redação (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão, C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.o 76 e jurisprudência referida).

106    Como resulta dos considerandos 6 e 24 do Regulamento n.o 139/2004, este visa instaurar um controlo efetivo de todas as concentrações em função do seu efeito sobre a estrutura da concorrência na União, nomeadamente, para garantir uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno e para assegurar uma política conduzida em conformidade com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência.

107    A este respeito, resulta, em substância, do considerando 25 deste regulamento que este visa igualmente a incompatibilidade com o mercado interno de uma concentração de empresas que operam num mercado oligopolístico quando essa concentração constitua um entrave significativo a uma concorrência efetiva sem que a entidade resultante dessa concentração detenha uma posição dominante.

108    Particularmente, resulta do referido considerando 25 que, embora «[m]uitos mercados oligopolísticos apresent[e]m um nível saudável de concorrência[, não deixa de ser verdade que], em certas circunstâncias, as concentrações que impliquem a eliminação de importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente, bem como uma redução da pressão concorrencial nos concorrentes remanescentes, podem, mesmo na ausência da possibilidade de coordenação entre os membros do oligopólio, resultar num entrave significativo a uma concorrência efetiva».

109    Ora, decorre, em substância, da penúltima frase do mesmo considerando 25 que o controlo efetivo previsto no Regulamento n.o 139/2004 abrange qualquer concentração que entrave significativamente a concorrência efetiva, no mercado interno ou numa parte substancial deste, incluindo as concentrações que deem origem a efeitos não coordenados. Este controlo efetivo inscreve‑se no objetivo geral do Regulamento n.o 139/2004, refletido no seu considerando 5, que consiste em evitar que um processo de reestruturação acarrete um prejuízo duradouro para a concorrência no mercado interno ou numa parte substancial deste.

110    Para garantir uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno e assegurar uma política conduzida em conformidade com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência, o Regulamento n.o 139/2004 tem por objetivo instaurar um controlo efetivo de todas as concentrações que entravariam significativamente uma concorrência efetiva, incluindo as que produziriam efeitos não coordenados nos mercados oligopolísticos. Assim, além da circunstância de um considerando deste regulamento não poder, em todo o caso, limitar o alcance das disposições do referido regulamento, não se pode considerar que o controlo efetivo das concentrações efetuadas nesses mercados que podem dar origem a efeitos não coordenados deva ser limitado às situações que se enquadram simultaneamente nos dois casos enunciados no considerando 25 do mesmo regulamento.

111    Como salientou, em substância, a advogada‑geral nos n.os 74 a 76 das suas conclusões, a conjunção «bem como» não basta para infirmar esta interpretação. Com efeito, interpretar o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, lido à luz do considerando 25 deste regulamento, no sentido de que estas duas situações são requisitos cumulativos para declarar um entrave significativo a uma concorrência efetiva resultante de uma concentração com efeitos não coordenados num mercado oligopolístico teria como consequência reduzir a efetividade do controlo deste tipo de concentrações apenas aos casos em que a Comissão pode demonstrar que a concentração em causa é suscetível, simultaneamente, de eliminar importantes pressões concorrenciais entre as partes nessa operação e reduzir a pressão concorrencial nos concorrentes remanescentes que atuam no mercado em causa.

112    Assim, tal interpretação implicaria que a eliminação das importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente e o aumento unilateral dos preços que daí poderiam resultar nunca seriam, por si só, suficientes para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

113    Ora, tal interpretação restritiva do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004 seria incompatível com o objetivo deste regulamento, recordado no n.o 109 do presente acórdão, de instaurar um controlo efetivo de todas as concentrações que entravariam significativamente uma concorrência efetiva, no mercado interno ou numa parte substancial deste, incluindo as que dão origem a efeitos não coordenados.

114    Nestas condições, ao concluir, no n.o 96 do acórdão recorrido, que o artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, lido à luz do considerando 25 deste regulamento, deve ser interpretado no sentido de que, não se verificando a criação ou o reforço de uma posição dominante na sequência de uma operação de concentração num mercado oligopolístico, só pode ser declarado um entrave significativo a uma concorrência efetiva se a Comissão demonstrar que estão preenchidos dois requisitos cumulativos, a saber, por um lado, a eliminação de importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente e, por outro, uma redução da pressão concorrencial nos concorrentes remanescentes, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

115    Tendo em conta as considerações precedentes, a segunda parte do segundo fundamento deve ser acolhida.

116    Daqui resulta que o segundo fundamento, relativo a uma interpretação errada do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, é procedente.

 Quanto ao terceiro fundamento

117    O terceiro fundamento divide‑se em quatro partes relativas, a primeira, ao facto de o Tribunal Geral ter excedido os limites da fiscalização jurisdicional que lhe incumbe ao interpretar os conceitos de «força concorrencial importante» e de «concorrentes próximos», a segunda, a uma desvirtuação tanto da decisão controvertida como da contestação da Comissão e a uma interpretação errada do conceito de «força concorrencial importante», a terceira, a uma interpretação errada do conceito de «concorrentes próximos» e a uma desvirtuação da decisão controvertida e, a quarta, invocada a título subsidiário, a uma violação do dever de fundamentação no que respeita à eventual incompatibilidade das Orientações sobre as concentrações horizontais com o Regulamento n.o 139/2004.

 Quanto à primeira parte

–       Argumentos das partes

118    Com a primeira parte do seu terceiro fundamento, a Comissão alega, em substância, que, ao proceder, nos n.os 174 e 242 do acórdão recorrido, a uma interpretação dos conceitos de «força concorrencial importante» e de «concorrentes próximos», o Tribunal Geral se afastou das definições destes conceitos económicos que figuram nas Orientações sobre as concentrações horizontais, bem como do quadro económico aí estabelecido. Consequentemente, ignorou a margem de apreciação da Comissão em matéria económica e substituiu indevidamente a apreciação económica dessa instituição pela sua própria apreciação. Ao atuar deste modo, esse órgão jurisdicional excedeu os limites da fiscalização jurisdicional das decisões da Comissão que declaram uma concentração compatível ou incompatível com o mercado interno.

119    No essencial, a Comissão alega que o Tribunal Geral não tem competência nem aptidão para se afastar dos conceitos económicos que figuram nas Orientações sobre as concentrações horizontais e para seguir uma abordagem económica diferente da enunciada nestas orientações. Segundo esta instituição, a competência do Tribunal Geral está limitada à fiscalização da legalidade das referidas orientações.

120    A CK Telecoms responde que o Tribunal Geral não excedeu os limites da fiscalização jurisdicional na sua interpretação e aplicação dos conceitos de «força concorrencial importante» e de «concorrentes próximos». Pelo contrário, no acórdão recorrido, apreciou os elementos de prova aplicando o critério decorrente de jurisprudência assente, segundo o qual a margem de apreciação da Comissão em matéria económica não prejudica a competência do juiz da União para fiscalizar a interpretação que esta faz de dados de natureza económica.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

121    Nos termos do considerando 28 do Regulamento n.o 139/2004, por forma a clarificar e explicar a apreciação das concentrações por parte da Comissão nos termos do presente regulamento, é adequado que a Comissão publique orientações que proporcionem um quadro económico sólido para a apreciação das concentrações, com vista a determinar se podem ou não ser declaradas compatíveis com o mercado comum.

122    Por conseguinte, a Comissão adotou as Orientações sobre as concentrações horizontais, que determinam a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da sua apreciação relativa à eventual existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva na aceção do Regulamento n.o 139/2004.

123    No entanto, embora a Comissão não se possa afastar dessas orientações sem justificação, sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais de direito, estas não podem ser qualificadas de norma jurídica que a administração está, em todo o caso, obrigada a observar e não constituem o fundamento jurídico das decisões tomadas pela Comissão na matéria em causa (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 209, 211 e 213) Não obstante, o juiz da União continua a ser competente para as interpretar, nomeadamente quando, nas suas decisões que autorizam ou proíbem uma operação de concentração, a Comissão se baseou nas referidas orientações para determinar se a operação de concentração em causa criaria ou não um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

124    É verdade que, como recordado no n.o 84 do presente acórdão, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação em matéria económica para efeitos da aplicação das regras substantivas do Regulamento n.o 139/2004, particularmente, do seu artigo 2.o que justifica que a fiscalização pelo juiz da União de uma decisão da Comissão em matéria de operações de concentração se limite à verificação da exatidão material dos factos e à inexistência de erro manifesto de apreciação.

125    Todavia, tal não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação, feita pela Comissão, de dados de natureza económica. Com efeito, o juiz da União, que, como recordou a advogada‑geral nos n.os 73 e 85 das conclusões, não pode estar vinculado pelas Orientações sobre as concentrações horizontais enquanto tais, deve designadamente verificar não só a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de sustentar as conclusões deles retiradas (v., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, EU:C:2008:392, n.o 145 e jurisprudência referida).

126    A referida margem de apreciação da Comissão também não implica que o juiz da União se deva abster de fiscalizar a interpretação, feita pela Comissão, dos conceitos que revestem caráter económico, isto é, conceitos do direito da União que requerem uma análise económica quando da sua aplicação.

127    A este respeito, importa recordar que o juiz da União já interpretou em várias ocasiões conceitos que revestem caráter económico no domínio do direito da concorrência, como o conceito de «posição dominante» (Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.os 65 e 66), o conceito de «mercado relevante» (Acórdãos de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, EU:C:1983:313, n.o 37, e de 6 de outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, EU:T:1994:246, n.o 63), e o conceito de «compressão das margens dos concorrentes» (Acórdão de 25 de março de 2021, Slovak Telekom/Comissão, C‑165/19 P, EU:C:2021:239, n.o 73 e jurisprudência referida).

128    Ora, os conceitos de «força concorrencial importante» e de «concorrentes próximos», referidos nas Orientações sobre as concentrações horizontais, figuram entre os fatores que podem influenciar a probabilidade de uma operação de concentração produzir efeitos não coordenados significativos e, consequentemente, a constatação da eventual existência de um «entrave significativo a uma concorrência efetiva» na aceção do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004.

129    Daqui resulta que, embora os conceitos de «força concorrencial importante» e de «concorrentes próximos» revistam caráter económico, o juiz da União é competente para os interpretar no âmbito do exercício da sua fiscalização sobre as decisões da Comissão tomadas em matéria de controlo das concentrações.

130    Nestas condições, há que concluir que, no caso em apreço, o Tribunal Geral, ao proceder a uma interpretação dos conceitos de «força concorrencial importante» e de «concorrentes próximos», não excedeu os limites da sua fiscalização jurisdicional.

131    Daqui resulta que a primeira parte do terceiro fundamento da Comissão deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte

–       Argumentos das partes

132    Com a segunda parte do seu terceiro fundamento, a Comissão invoca três alegações, relativas, a primeira, a uma desvirtuação da decisão controvertida, a segunda, a uma desvirtuação da sua contestação e, a terceira, a uma interpretação errada do conceito de «força concorrencial importante».

133    Com a sua primeira alegação, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter erradamente declarado, no n.o 171 do acórdão recorrido, que resultava da decisão controvertida que o facto de uma parte na concentração ser qualificada de «força concorrencial importante» num mercado oligopolístico é suficiente para considerar que a concentração daria origem a um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Esta declaração do Tribunal Geral é contraditada pelo n.o 155 desse acórdão segundo o qual resulta dos termos da decisão controvertida, nomeadamente do seu considerando 777, que o facto de que «a Three constitui uma importante força concorrencial no mercado retalhista […], nos termos do ponto 37 das Orientações, ou, de qualquer modo, exerce uma importante pressão concorrencial nesse mercado», é apenas um dos fatores utilizados pela Comissão para concluir que a concentração daria lugar a efeitos não coordenados significativos.

134    Com a sua segunda alegação, a Comissão sustenta que, no n.o 170 do referido acórdão, o Tribunal Geral desvirtuou o n.o 39 da sua contestação, o que levou esse órgão jurisdicional a criar a sua própria definição do conceito de «força concorrencial importante», que difere da estabelecida no ponto 37 das Orientações para as concentrações horizontais. Ora, resulta, nomeadamente, do referido n.o 39 da contestação e do n.o 13 da tréplica da Comissão que esta última apenas deu um exemplo, sem afirmar que uma «força concorrencial importante» tem necessariamente de exercer uma concorrência particularmente agressiva e forçar os seus concorrentes a seguirem esse comportamento.

135    Dito isto, decorre dos n.os 170 e 216 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral retomou este exemplo e o converteu numa definição do conceito de «força concorrencial importante».

136    Com a sua terceira e última alegação, a Comissão critica o Tribunal Geral por lhe ter imposto erradamente, nos n.os 170 e 216 do acórdão recorrido, exigências excessivas para efeitos da qualificação de uma empresa como «um dos fatores utilizados pela Comissão para concluir que a concentração daria lugar a efeitos não coordenados», segundo as quais a empresa em causa deve distinguir‑se dos seus concorrentes em termos de impacto sobre a concorrência e, especialmente, exercer uma concorrência particularmente agressiva em termos de preços e forçar os outros atores no mercado a acompanhar os seus preços.

137    Quanto à primeira alegação da Comissão, a CK Telecoms responde que, na sua prática anterior, designadamente nos processos mencionados no n.o 164 do acórdão recorrido, a Comissão qualificou uma ou duas das partes nas concentrações examinadas de «força(s) concorrencial(ais) importante(s)», tendo esta conclusão sido suficiente para considerar que a concentração em causa poderia provocar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

138    No que respeita à segunda alegação da Comissão, a CK Telecoms sustenta que o n.o 39 da contestação da Comissão não se limitava a dar um exemplo de uma «força concorrencial importante».

139    Quanto à terceira e última alegação da Comissão, a CK Telecoms sustenta que o Tribunal Geral não se afastou das Orientações sobre as concentrações horizontais e concluiu acertadamente que uma «força concorrencial importante» se devia demarcar dos seus concorrentes em termos de impacto na concorrência.

140    Com efeito, exigir que uma «força concorrencial importante» se distinga dos seus concorrentes em termos de impacto na concorrência é o mínimo exigido para considerar que, num mercado oligopolístico, uma empresa possa ser abrangida por este conceito. Se assim não fosse, qualquer concorrente que atue num mercado oligopolístico poderia ser qualificado de «força concorrencial importante» e a Comissão poderia opor‑se a quase todas as concentrações horizontais.

141    Assim, para qualificar uma empresa de «força concorrencial importante» num mercado oligopolístico, é necessário demonstrar que a mesma exerce pressões particularmente fortes sobre os outros concorrentes.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

142    No que respeita à primeira alegação relativa a uma desvirtuação da decisão controvertida, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma desvirtuação deve resultar de modo manifesto dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 25 de julho de 2018, Orange Polska/Comissão, C‑123/16 P, EU:C:2018:590, n.o 75).

143    No caso em apreço, o Tribunal Geral declarou, no n.o 171 do acórdão recorrido, que «[d]ecorre da decisão [controvertida] que, no que respeita à eliminação de uma “força concorrencial importante”, a Comissão é de opinião que a simples diminuição da pressão concorrencial que resultaria, nomeadamente, do desaparecimento de uma empresa com um papel mais importante do que o que se poderia esperar tendo em conta as suas quotas de mercado é suficiente, por si só, para provar um entrave significativo a uma concorrência efetiva».

144    O Tribunal Geral baseou esta conclusão numa leitura do conjunto dos considerandos da decisão controvertida consagrados, nomeadamente, à natureza do conceito de «força concorrencial importante».

145    Ora, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no referido n.o 171, não resulta da decisão controvertida que a Comissão considerou que a eliminação de uma «força concorrencial importante» é suficiente, por si só, para provar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

146    Pelo contrário, resulta dos principais elementos que figuram nas secções intituladas «Apreciação em termos de concorrência» e «Critério de fundo» e, mais particularmente, dos considerandos 313 e 321 da decisão controvertida que as Orientações sobre as concentrações horizontais enunciam vários fatores pertinentes para determinar se uma concentração pode produzir efeitos não coordenados.

147    É verdade que, nesses dois considerandos, a Comissão precisou, nomeadamente, que nem todos esses fatores têm forçosamente de estar reunidos para que tais efeitos sejam prováveis. Todavia, como salientou a advogada‑geral no n.o 97 das suas conclusões, a Comissão não deduziu daí que a presença de um único destes fatores é suficiente para concluir que a concentração examinada é suscetível de criar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

148    Com efeito, na nota de rodapé 263 relativa ao considerando 313 da decisão controvertida, a Comissão fez uma referência explícita ao ponto 26 das Orientações sobre as concentrações horizontais, segundo o qual a circunstância de uma das partes na concentração poder ser qualificada de «força concorrencial importante» é um dos fatores mencionados nessas orientações como podendo ser tidos em conta para determinar se essa concentração pode criar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

149    Por outro lado, como salienta a Comissão, o próprio Tribunal Geral, no n.o 155 do acórdão recorrido, observa que resulta da decisão controvertida que a qualificação da Three de «força concorrencial importante» é um dos fatores utilizados pela Comissão para concluir que a concentração daria origem a efeitos não coordenados.

150    Daqui resulta que o Tribunal Geral desvirtuou essa decisão no n.o 171 do acórdão recorrido.

151    Por conseguinte, há que acolher a primeira alegação da segunda parte do terceiro fundamento.

152    No que respeita à segunda alegação relativa ao facto de o Tribunal Geral ter desvirtuado, no n.o 170 do acórdão recorrido, o n.o 39 da contestação da Comissão, o que levou esse órgão jurisdicional a transformar um exemplo de «força concorrencial importante» numa definição deste conceito, basta observar que, mesmo admitindo que, no referido n.o 170, o Tribunal Geral tenha desvirtuado a contestação da Comissão, tal desvirtuação não pode conduzir à anulação do acórdão recorrido, nomeadamente porque as observações escritas da Comissão apresentadas no âmbito do processo no Tribunal Geral e relativas ao conceito de «força concorrencial importante» não podem ser consideradas decisivas para determinar o conteúdo deste conceito.

153    Daqui decorre que a segunda alegação da segunda parte do terceiro fundamento deve ser rejeitada por ser inoperante.

154    No que respeita à terceira e última alegação relativa ao facto de o Tribunal Geral ter cometido um erro de direito por ter imposto exigências excessivas para qualificar uma empresa de «força concorrencial importante», importa recordar que, nos n.os 170 e 216 do acórdão recorrido, esse órgão jurisdicional adotou uma definição do conceito de «força concorrencial importante» segundo a qual a empresa em causa deve distinguir‑se dos seus concorrentes em termos de impacto da sua política de preços nas dinâmicas concorrenciais no mercado em causa e, especialmente, deve exercer uma concorrência particularmente agressiva em termos de preços e forçar os outros atores no mercado a acompanhar os seus preços.

155    O Tribunal Geral precisou, nos n.os 173 e 175 do referido acórdão, que a abordagem seguida pela Comissão na decisão controvertida equivaleria, na prática, a confundir o conceito de «entrave significativo a uma concorrência efetiva», referido no artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, o conceito de «eliminação de importantes pressões concorrenciais», que figura no considerando 25 deste regulamento, e o conceito de eliminação de uma «força concorrencial importante». Tal confusão conduziria a uma interpretação ampla deste artigo 2.o, n.o 3, segundo a qual qualquer eliminação de uma «força concorrencial importante» equivaleria à eliminação de importantes pressões concorrenciais que, por sua vez, justificaria que se concluísse pela existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

156    Além disso, no n.o 174 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, em substância, que, se não fosse exigido que uma empresa se distinguisse dos seus concorrentes em termos de impacto na concorrência para poder ser qualificada de «força concorrencial importante», qualquer empresa num mercado oligopolístico que exerça uma pressão concorrencial poderia ser abrangida por este conceito.

157    Neste contexto, o Tribunal Geral declarou, no n.o 216 desse acórdão, que a Comissão não tinha demonstrado de forma juridicamente bastante que a Three se enquadra no referido conceito.

158    A este respeito, importa, primeiro, recordar que, como resulta dos considerandos 6, 24 e 25 do Regulamento n.o 139/2004, este visa instaurar um controlo efetivo de todas as concentrações que entravem significativamente uma concorrência efetiva, no mercado interno ou numa parte substancial deste, incluindo concentrações que dão origem a efeitos não coordenados.

159    Segundo, como confirma o ponto 24 das Orientações sobre as concentrações horizontais, o efeito mais direto de uma operação de concentração será a eliminação da concorrência entre as partes na concentração.

160    Terceiro, segundo uma leitura conjugada dos pontos 26, 37 e 38 das Orientações sobre as concentrações horizontais, a eliminação de uma «força concorrencial importante» é, em princípio, um dos fatores que podem influenciar a probabilidade de uma concentração produzir efeitos não coordenados significativos e que permitem assim apreciar, designadamente, se essa concentração provocaria a eliminação das importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente.

161    Neste contexto, importa considerar que as exigências impostas para qualificar uma empresa de «força concorrencial importante», que têm uma incidência direta na utilização desta qualificação como fator pertinente para concluir pela eventual existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva, não devem ser suscetíveis de excluir a possibilidade de a Comissão declarar incompatíveis com o mercado interno concentrações que possam dar origem a efeitos não coordenados significativos e, consequentemente, prejudicar significativamente uma concorrência efetiva. Com efeito, caso contrário, a plena eficácia do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004 e, particularmente, o efeito útil destas disposições poderiam ser postos em causa.

162    A este respeito, o facto de uma parte numa concentração num mercado oligopolístico não se demarcar dos seus concorrentes mostrando‑se «particularmente agressiva» em termos de preços não implica que uma concentração na qual essa empresa seja parte não possa alterar a dinâmica da concorrência de maneira significativa e prejudicial. Com efeito, é ponto assente que o controlo das concentrações visa precisamente examinar em que medida uma concentração pode alterar os fatores que determinam o estado da concorrência num dado mercado a fim de verificar se daí resultaria um entrave significativo a uma concorrência efetiva, sem que seja determinante, a este respeito, que uma empresa abrangida pela referida concentração seja uma empresa «particularmente agressiva» nesse mercado.

163    Aliás, como confirma, em substância, o ponto 38 das Orientações sobre as concentrações horizontais, não se pode excluir que, num dado mercado oligopolístico, várias empresas possam ser qualificadas de «força concorrencial importante».

164    Por outro lado, importa recordar que a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico aplicável em matéria de controlo das concentrações e tem caráter meramente indicativo (v., por analogia, Acórdão de 24 de setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, EU:C:2009:576, n.o 233 e jurisprudência referida). Assim, o facto de a Comissão, em decisões anteriores, ter qualificado de «força concorrencial importante» certas empresas que eram únicas na sua «agressividade» no mercado em causa e tinham aumentado a sua presença nesse mercado mais rapidamente do que qualquer outro concorrente não implica que sejam os únicos casos suscetíveis de dar origem a essa qualificação.

165    Por último, muitas vezes o preço não constitui o único parâmetro importante para apreciar as dinâmicas concorrenciais, nomeadamente, nos mercados de produtos diferenciados em que a qualidade e a inovação podem desempenhar um papel primordial no posicionamento dos produtos em causa. Por conseguinte, uma abordagem exclusivamente centrada nos preços para efeitos da qualificação de uma empresa de «força concorrencial importante» seria necessariamente incompleta.

166    Consequentemente, o conceito de «força concorrencial importante» não pode ser exclusivamente aplicado a empresas que exercem uma concorrência particularmente agressiva em termos de preços e que forçam os seus concorrentes no mercado a acompanhar os seus preços ou a empresas cuja política de preços seja suscetível de alterar, de maneira significativa, as dinâmicas concorrenciais no mercado em causa.

167    Nestas condições, há que considerar que, para qualificar uma empresa de «força concorrencial importante», é suficiente, como exposto no ponto 37 das Orientações sobre as concentrações horizontais, que a mesma desempenhe um papel mais importante no jogo da concorrência do que as suas quotas de mercado ou avaliações semelhantes poderiam sugerir.

168    Assim, no caso em apreço, ao considerar, nos n.os 170 e 216 do acórdão recorrido, que, para qualificar a Three de «força concorrencial importante», a Comissão tem de demonstrar que esta empresa exercia uma concorrência particularmente agressiva em termos de preços e que forçava os outros atores no mercado a acompanhar os seus preços ou que a sua política de preços era suscetível de alterar, de maneira significativa, as dinâmicas concorrenciais no mercado, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

169    Tendo em conta as constatações efetuadas nos n.os 151 e 168 do presente acórdão, a segunda parte do terceiro fundamento deve ser acolhida.

 Quanto à terceira parte

–       Argumentos das partes

170    Com a terceira parte do seu terceiro fundamento, a Comissão apresenta duas alegações.

171    Com a sua primeira alegação, a Comissão alega que, ao lhe impor, no n.o 242 do acórdão recorrido, que demonstre que as partes na concentração são não «concorrentes próximos», mas «concorrentes particularmente próximos», o Tribunal Geral impôs uma exigência excessiva no que respeita à avaliação da proximidade da relação de concorrência entre as referidas partes.

172    Segundo a Comissão, o Tribunal Geral presumiu erradamente, no n.o 247 do acórdão recorrido, que num mercado oligopolístico como o das telecomunicações móveis no Reino Unido, que conta com quatro operadores de rede móvel, todos esses operadores são, por definição, concorrentes mais ou menos próximos.

173    Ora, a este respeito, a Comissão sublinha que cada mercado tem uma dinâmica que lhe é própria. Assim, num mercado oligopolístico caracterizado por uma oferta de produtos diferenciados, é possível que os produtos propostos por duas empresas desse mercado apresentem um grau de substituibilidade relativamente fraco ou se dirijam quase exclusivamente a segmentos de mercado diferentes. Estas duas empresas não podem, portanto, ser consideradas concorrentes próximos. Por conseguinte, no caso de concentração entre elas, a Comissão não se pode apoiar na proximidade da concorrência como fator pertinente para concluir pela existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Em contrapartida, segundo a Comissão, se estas duas empresas estão em concorrência estreita nos mesmos segmentos deste mercado oligopolístico, mostrando assim que «a rivalidade entre [elas] [foi] uma importante fonte de concorrência no mercado», na aceção do ponto 28 das Orientações sobre as concentrações horizontais, a Comissão não pode ser obrigada a demonstrar que as partes na concentração são os «concorrentes mais próximos» ou «concorrentes particularmente próximos».

174    Com a sua segunda alegação, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter desvirtuado a decisão controvertida ao considerar, nomeadamente no n.o 249 do acórdão recorrido, que a Comissão se tinha baseado na premissa de que a proximidade da concorrência entre a Three e a O2 era suficiente para considerar que a concentração projetada daria lugar a um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Com efeito, como o Tribunal Geral salientou no n.o 227 do acórdão recorrido, a proximidade da concorrência entre a Three e a O2 é apenas um dos fatores utilizados na decisão controvertida para concluir que a concentração projetada daria origem a efeitos não coordenados.

175    A CK Telecoms responde que a primeira alegação da Comissão resulta de uma leitura isolada e errada do acórdão recorrido. Com efeito, o Tribunal Geral teve devidamente em conta as Orientações sobre as concentrações horizontais e o facto de a proximidade da concorrência entre a Three e a O2 ser um fator importante no caso em apreço.

176    Dito isto, essas orientações não determinam com precisão o grau de proximidade necessário para qualificar as empresas em causa de «concorrentes próximos».

177    Além disso, a Comissão não aplicou na decisão controvertida os critérios estabelecidos nas referidas orientações para examinar a proximidade da concorrência entre a Three e a O2.

178    Segundo a CK Telecoms, a exigência de uma proximidade «particular» está em conformidade com o critério geral de proibição de um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Só um grau particular de proximidade da concorrência pode constituir a prova de um entrave desse tipo.

179    No que respeita à segunda alegação, a CK Telecoms entende que o Tribunal Geral não desvirtuou a decisão controvertida no n.o 249 do acórdão recorrido.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

180    Quanto à primeira alegação relativa ao facto de o Tribunal Geral ter erradamente exigido à Comissão, nomeadamente no n.o 242 do acórdão recorrido, que demonstrasse que, no caso em apreço, as partes na concentração são «concorrentes particularmente próximos», há que salientar que a apreciação do Tribunal Geral relativa ao grau de proximidade da concorrência entre as partes na concentração faz parte do exame da primeira teoria do prejuízo, apresentada pela Comissão na decisão controvertida, relativa aos efeitos não coordenados no mercado retalhista.

181    No n.o 128 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral observou que, no âmbito desta teoria, a Comissão se baseou na importante pressão concorrencial exercida pela Three e pela O2, na proximidade da relação de concorrência entre estas duas empresas, nas suas quotas de mercado e nos incentivos à entidade resultante da concentração para aumentar os preços, bem como na capacidade de concorrência dos seus concorrentes, para concluir, no considerando 1226 da decisão controvertida, que a concentração era «suscetível de produzir efeitos anticoncorrenciais não coordenados no mercado retalhista».

182    Neste contexto, o Tribunal Geral declarou, em primeiro lugar, no n.o 234 do acórdão recorrido, que o conceito de «concorrente próximo» não consta do Regulamento n.o 139/2004, mas apenas das Orientações sobre as concentrações horizontais.

183    Em segundo lugar, nos n.os 235 e 241 desse acórdão, o Tribunal Geral considerou, em substância, que a aplicabilidade do artigo 2.o, n.o 3, do Regulamento n.o 139/2004, lido à luz do considerando 25 deste regulamento, requer a eliminação das importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente, o que constitui o efeito unilateral mais direto de uma concentração num mercado oligopolístico.

184    Em terceiro lugar, nos n.os 242, 247 e 249 do referido acórdão, o Tribunal Geral considerou, em substância, que a Comissão tinha de demonstrar, tratando‑se de um mercado oligopolístico no qual todos os operadores são, por definição, mais ou menos próximos, não que essas partes são concorrentes próximos, mas concorrentes «particularmente próximos».

185    Por último, nos n.os 249 e 250 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral acolheu a argumentação da CK Telecoms relativa à fraca força probatória da análise da proximidade da concorrência entre a Three e a O2. O Tribunal Geral fundamentou esta posição com o facto de a Three e a O2 serem apenas concorrentes relativamente próximos numa parte dos segmentos de um mercado concentrado que conta com quatro operadores de rede móvel. Ora, segundo esse órgão jurisdicional, este único elemento não basta para provar, no caso em apreço, a eliminação das importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração projetada exerciam mutuamente e para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva, a menos que se proíba, por princípio, qualquer concentração resultante numa passagem de quatro operadores para três.

186    A este respeito, como foi recordado no n.o 159 do presente acórdão, o efeito mais direto de uma operação de concentração num mercado oligopolístico será a eliminação da concorrência entre as partes na concentração.

187    Ora, como confirmam os pontos 26 e 28 a 30 das Orientações sobre as concentrações horizontais, embora a proximidade da concorrência entre as partes numa concentração seja um indício importante para apreciar a eventual eliminação das importantes pressões concorrenciais exercidas entre essas partes, esta proximidade é apenas um dos fatores que permitem apreciar a probabilidade de uma operação de concentração produzir efeitos não coordenados significativos.

188    A este respeito, foi com razão que a Comissão indicou, no ponto 28 das Orientações sobre as concentrações horizontais, que, num mesmo mercado relevante, os produtos podem ser diferenciados, pelo que alguns produtos são substitutos mais próximos do que outros e, quanto mais elevado for o grau de substituibilidade entre os produtos das partes na concentração, maiores probabilidades existem de que estas aumentem os preços de forma significativa após a concentração. Por conseguinte, como a advogada‑geral salientou, em substância, no n.o 121 das suas conclusões, um grau de proximidade da concorrência mais elevado entre as partes numa operação de concentração pode constituir um indício de que é mais provável do que improvável que esta crie entraves significativos a uma concorrência efetiva no mercado interno ou numa parte substancial deste, ao passo que um menor grau de proximidade da concorrência entre essas partes pode constituir um indício em sentido contrário.

189    Neste contexto, exigir, para efeitos da apreciação da proximidade da concorrência entre as partes numa concentração, que estas sejam concorrentes «particularmente próximos» implica a existência de um nível muito elevado de substituibilidade entre os produtos das referidas partes num mercado de produtos diferenciados. Ora, tal nível de substituibilidade não é necessariamente exigido. Com efeito, mesmo quando a substituibilidade entre os produtos das partes na concentração não é particularmente elevada, pode igualmente existir um nível menor de substituibilidade entre os produtos dessas partes e os das empresas que não são partes na operação de concentração, o que é suscetível de incentivar as partes na referida operação a aumentar os preços dos seus produtos.

190    Além disso, como enuncia, em substância, o ponto 28 das Orientações sobre as concentrações horizontais, a existência de elevadas margens antes da concentração poderá igualmente tornar mais prováveis aumentos de preços significativos após a concentração. Ora, essas margens podem também indicar que as partes na concentração em causa não são os concorrentes mais próximos nem concorrentes particularmente próximos.

191    Por conseguinte, não se pode concluir que só uma concentração entre concorrentes particularmente próximos poderia entravar de maneira significativa uma concorrência efetiva no mercado em causa.

192    Portanto, ao impor à Comissão, nomeadamente nos n.os 242 e 247 do acórdão recorrido, que demonstre que as partes na concentração são não concorrentes próximos mas concorrentes «particularmente próximos», o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

193    Daqui resulta que a primeira alegação da terceira parte do terceiro fundamento deve ser acolhida.

194    No que respeita à segunda alegação, a Comissão, através desta, critica o Tribunal Geral por ter desvirtuado a decisão controvertida ao considerar, nomeadamente no n.o 249 do acórdão recorrido, que, nessa decisão, a Comissão se baseou na premissa de que a proximidade da concorrência entre a Three e a O2 no mercado oligopolístico em causa era suficiente, por si só, para considerar que a concentração daria origem a um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

195    A este respeito, importa recordar que, no referido n.o 249, o Tribunal Geral declarou que, «[e]mbora se possa demonstrar, sem dúvida, que a Three e a O2 são concorrentes relativamente próximos numa parte dos segmentos de um mercado concentrado que conta com quatro operadores de rede móvel, este único elemento não basta para provar, no caso em apreço, a eliminação das importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente e não é suficiente para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva, a menos que se proíba, por princípio, qualquer concentração resultante numa passagem de quatro para três operadores».

196    Como sustenta a Comissão, a decisão controvertida não contém nenhum elemento que afirme que a proximidade da concorrência entre a Three e a O2 era suficiente, por si só, para considerar que a concentração projetada era suscetível de criar um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Pelo contrário, como recordado no n.o 146 do presente acórdão, a Comissão salientou, nos considerandos 313 e 321 da decisão controvertida, que as Orientações sobre as concentrações horizontais enunciam vários fatores, entre os quais figura o da proximidade da concorrência, pertinentes para saber se uma concentração pode produzir efeitos não coordenados.

197    Por conseguinte, há que acolher a segunda alegação e, consequentemente, a terceira parte do terceiro fundamento na sua totalidade.

198    Por conseguinte, há que julgar procedente o terceiro fundamento com base nas suas partes segunda e terceira, sem que seja necessário examinar a quarta parte do mesmo, apresentada a título subsidiário.

 Quanto ao quarto fundamento

199    O quarto fundamento divide‑se em duas partes. A primeira parte é relativa, por um lado, a uma desvirtuação da argumentação da Comissão no que respeita à sua análise quantitativa dos efeitos da concentração projetada sobre os preços e, por outro, ao facto de o Tribunal Geral ter considerado erradamente que, no caso em apreço, o aumento dos preços não teria sido significativo. A segunda parte é relativa ao facto de o Tribunal Geral ter erradamente imposto à Comissão que incluísse, na sua análise, ganhos de eficiência ditos «standard».

 Quanto à primeira parte

–       Argumentos das partes

200    Na primeira parte do seu quarto fundamento, a Comissão apresenta duas alegações.

201    Com a sua primeira alegação, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter desvirtuado os seus articulados ao considerar, no n.o 273 do acórdão recorrido, que era pacífico que o aumento dos preços que poderia resultar da concentração projetada era de [confidencial] (1) %, quando resulta tanto do n.o 157 da contestação como do n.o 61 da tréplica que esta instituição contestou esse valor no Tribunal Geral. Com efeito, resulta claramente destes números que a Comissão contestava os valores apresentadores pela CK Telecoms e sustentava, no Tribunal Geral, que este aumento dos preços era de [confidencial] %.

202    Com a sua segunda alegação, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter cometido um erro de direito, no n.o 273 do acórdão recorrido, ao dar a entender que o aumento dos preços que poderia resultar da concentração projetada não era significativo porque era inferior ao previsto em certas decisões anteriores que autorizavam, sob determinadas condições, concentrações.

203    A este respeito, a Comissão alega que o Tribunal Geral não devia ter comparado a concentração projetada com as que deram origem, por um lado, à Decisão C(2014) 3561 final da Comissão, de 28 de maio de 2014, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE (processo M.6992 ‑ Hutchison 3G UK/Telefónica Ireland), publicada de forma resumida no Jornal Oficial da União Europeia de 13 de agosto de 2014 (JO 2014, C 264, p. 6; a seguir «processo irlandês»), e, por outro, à Decisão C(2014) 4443 da Comissão, de 2 de julho de 2014, que declara uma concentração compatível com o mercado interno e com o funcionamento do Acordo EEE (processo M.7018 — Telefónica Deutschland/E‑Plus), publicada de forma resumida no Jornal Oficial da União Europeia de 13 de março de 2015 (JO 2015, C 86, p. 10; a seguir «processo alemão»). A comparação feita pelo Tribunal Geral baseia‑se numa leitura manifestamente errada das decisões da Comissão nesses dois processos. Com efeito, diferentemente do presente processo, a Comissão autorizou as concentrações em causa no processo irlandês e no processo alemão, uma vez que as partes nessas concentrações tinham proposto medidas corretivas consideradas suficientes para eliminar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

204    A CK Telecoms responde, em primeiro lugar, que, com a sua primeira parte do quarto fundamento, a Comissão critica elementos de facto e que, consequentemente, a referida parte é inadmissível.

205    Em segundo lugar, a CK Telecoms sustenta que a primeira parte do quarto fundamento é inoperante. Nos n.os 264 a 281 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral efetuou uma apreciação que o levou a considerar, no n.o 282 desse acórdão, que a análise quantitativa efetuada no caso vertente carece de força probatória, uma vez que a Comissão não demonstrou que os preços sofreriam um aumento significativo na sequência da eliminação das importantes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam mutuamente. A CK Telecoms precisa que, no n.o 268 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou o valor probatório da análise quantitativa da Comissão, o que a Comissão não contesta.

206    Em terceiro e último lugar, a CK Telecoms alega que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito na sua apreciação da análise quantitativa da Comissão. A este respeito, esse órgão jurisdicional justificou a necessidade de definir um limiar a partir do qual o resultado dessa análise poderia indicar que uma operação de concentração é suscetível de provocar aumentos de preços significativos.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

207    Com a sua primeira alegação, a Comissão não critica elementos de facto, mas invoca a desvirtuação do conteúdo dos seus articulados em primeira instância. Por conseguinte, esta alegação não pode ser julgada inadmissível [v., neste sentido, Acórdão de 29 de novembro de 2018, Alcohol Countermeasure Systems (International)/EUIPO, C‑340/17 P, EU:C:2018:965, n.o 39].

208    Quanto à admissibilidade da segunda alegação, basta observar que, na mesma, a Comissão suscita uma questão de direito na medida em que censura o Tribunal Geral por ter comparado, erradamente, o aumento dos preços que poderia resultar da operação de concentração projetada com os identificados nos processos irlandês e alemão em que a Comissão autorizou as operações de concentração em causa sob reserva do cumprimento de certas condições. A referida alegação é, portanto, admissível.

209    Quanto ao caráter operante da primeira parte do quarto fundamento, é certo que o Tribunal Geral considerou, no n.o 268 do acórdão recorrido, que a análise quantitativa não é um elemento de prova determinante para demonstrar a eventual existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Todavia, não entendeu que esta análise era, em princípio, desprovida de força probatória. Com efeito, o Tribunal Geral declarou que esta análise não era suficiente para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

210    Ora, para chegar à conclusão que figura no n.o 282 do acórdão recorrido, segundo a qual a Comissão não demonstrou que os preços sofreriam um aumento significativo na sequência da concentração projetada, o Tribunal Geral salientou, em primeiro lugar, no n.o 273 desse acórdão, que, no presente processo, o aumento dos preços que poderia resultar dessa concentração era de [confidencial] % e que esse valor não tinha sido contestado pela Comissão. Em segundo lugar, para verificar se este aumento pode ser qualificado de significativo, o Tribunal Geral comparou‑o com os aumentos de preços previstos nos processos irlandês e alemão, que eram de 6,6 % e de 9,5 %, respetivamente. Ora, o Tribunal Geral declarou que, nesses processos, a Comissão autorizou as concentrações em causa sob reserva do cumprimento de certas condições.

211    Por conseguinte, há que considerar que a Comissão pode utilmente censurar o Tribunal Geral, por um lado, por ter desvirtuado a sua argumentação relativa ao valor exato do aumento dos preços que podia resultar da concentração projetada e, por outro, por ter erradamente comparado o caso em apreço com decisões anteriores da Comissão noutros processos de concentração. Com efeito, estas críticas não podem ser julgadas inoperantes, uma vez que, como salientou a advogada‑geral no n.o 141 das suas conclusões, cada um desses argumentos poderia pôr em causa a conclusão do Tribunal Geral que figura no n.o 282 do acórdão recorrido. Por conseguinte, há que rejeitar a argumentação da CK Telecoms segundo a qual a primeira parte do quarto fundamento é inoperante e examinar o mérito desta parte.

212    A este respeito, no que se refere à primeira alegação desta parte relativa ao facto de, no n.o 273 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral ter desvirtuado os argumentos da Comissão que figuram no n.o 157 da sua contestação e no n.o 61 da sua tréplica, importa recordar que quando o recorrente alega uma desvirtuação dos seus próprios argumentos deve, em aplicação do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar com precisão os elementos que considera terem sido desvirtuados pelo Tribunal Geral e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, terão conduzido o Tribunal Geral a essa desvirtuação (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, EU:C:2010:389, n.o 31 e jurisprudência referida).

213    No caso em apreço, resulta do n.o 273 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral concluiu que, «no presente processo, o aumento dos preços previsto era, segundo a [CK Telecoms], não contraditada neste ponto pela Comissão, de [confidencial], quando um aumento dos preços previsto de 6,6 % no processo irlandês e de 9,5 % no processo alemão não impediu a Comissão de autorizar essas operações sob reserva do cumprimento de certas condições».

214    Ora, resulta claramente do n.o 157 da contestação da Comissão que esta tinha efetivamente contestado em primeira instância o valor proposto pela CK Telecoms e tinha afirmado que, no caso em apreço, o aumento de preços que podia resultar da concentração projetada era de [confidencial] %. Esta constatação é igualmente corroborada pelos n.os 159 e 160 desse articulado e pelo n.o 61 da tréplica da Comissão.

215    Resulta, portanto, dos documentos dos autos que o Tribunal Geral, no n.o 273 do acórdão recorrido, desvirtuou os articulados da Comissão em primeira instância.

216    Por conseguinte, a primeira alegação da primeira parte do quarto fundamento do presente recurso deve ser acolhida.

217    No que respeita à segunda alegação da primeira parte do quarto fundamento do recurso, relativa ao facto de o Tribunal Geral ter erradamente comparado o presente processo com os processos irlandês e alemão e, consequentemente, ter considerado sem razão, no n.o 273 do acórdão recorrido, que o aumento dos preços que poderia resultar da concentração projetada, de [confidencial] %, não era significativo porque era inferior aos previstos nos processos irlandês e alemão, importa, por um lado, salientar que esta apreciação do Tribunal Geral assenta, como resulta do n.o 215 do presente acórdão, na desvirtuação pelo Tribunal Geral da contestação da Comissão relativa ao valor exato desse aumento dos preços.

218    Por outro lado, como a advogada‑geral salientou, em substância, no n.o 147 das suas conclusões, os processos irlandês e alemão não eram comparáveis ao presente processo num ponto essencial, uma vez que, diferentemente deste último, as partes nas concentrações em causa nesses primeiros processos tinham proposto compromissos que foram considerados suficientes para afastar as preocupações em matéria de concorrência da Comissão.

219    Em todo o caso, como salientado no n.o 164 do presente acórdão, a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico aplicável em matéria de controlo das concentrações e tem caráter meramente indicativo.

220    Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando, no n.o 273 do acórdão recorrido, considerou que o aumento dos preços de [confidencial] % que poderia resultar da concentração não era significativo porque era inferior aos previstos nos processos irlandês e alemão.

221    Daqui resulta que a segunda alegação da primeira parte do quarto fundamento do recurso deve ser acolhida.

222    Tendo em conta as considerações precedentes, há que acolher a primeira parte do quarto fundamento na sua totalidade.

 Quanto à segunda parte

–       Argumentos das partes

223    Com a segunda parte do quarto fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral considerou erradamente, nos n.os 277 a 279 do acórdão recorrido, que a Comissão deveria ter incluído na sua análise quantitativa os ganhos de eficiência «standard» que são «própri[os] de cada concentração».

224    A Comissão sublinha que, segundo o considerando 29 do Regulamento n.o 139/2004, incumbe às empresas em causa fornecer uma descrição de cada um dos ganhos de eficiência alegados, bem como os respetivos documentos de apoio.

225    Contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.o 277 do acórdão recorrido, o legislador da União não estabeleceu uma presunção segundo a qual qualquer concentração dá necessariamente origem a ganhos de eficiência que devem ser sistematicamente tomados em consideração no âmbito da análise quantitativa efetuada pela Comissão. Com efeito, decorre, em substância, dos n.os 77 a 87 das Orientações sobre as concentrações horizontais que os ganhos de eficiência devem beneficiar os consumidores, ser específicos da concentração e ser verificáveis.

226    Além disso, a Comissão considera que o Regulamento n.o 139/2004 não distingue entre diferentes tipos de ganhos de eficiência.

227    Em todo o caso, a Comissão alega que, na sua análise quantitativa, teve em conta ganhos de eficiência que podiam ser abrangidos pelo conceito de «ganhos de eficiência standard», adotado pelo Tribunal Geral no n.o 277 do acórdão recorrido, e excluiu‑os, pelo facto de não serem suscetíveis de afetar os incentivos da entidade resultante da concentração projetada para aumentar os preços.

228    A CK Telecoms responde, em primeiro lugar, que a argumentação da Comissão é inoperante, dado que a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual a análise quantitativa, na decisão controvertida, estava errada não assenta exclusivamente na conclusão de que a Comissão não teve devidamente em conta os ganhos de eficiência gerados pela concentração projetada.

229    Em segundo lugar, a CK Telecoms alega, antes de mais, que a argumentação da Comissão resulta de uma leitura errada do acórdão recorrido. Com efeito, o Tribunal Geral considerou, em substância, que o valor probatório de uma análise quantitativa é reduzido se esta não tiver igualmente em conta os fatores compensatórios, incluindo os ganhos de eficiência. O Tribunal Geral concluiu que o valor probatório da análise quantitativa seria maior se a Comissão presumisse um certo nível de ganhos de eficiência suscetíveis de resultar da concentração projetada.

230    Em seguida, segundo a CK Telecoms, a apreciação do Tribunal Geral responde à natureza da análise quantitativa, que foi concebida com o objetivo de medir tanto os efeitos restritivos como os efeitos pró‑concorrenciais das concentrações. Portanto, há que ter em conta os ganhos de eficiência provados ou presumidos.

231    Além disso, o Regulamento n.o 139/2004 tem em conta o facto de as concentrações produzirem geralmente efeitos pró‑concorrenciais e efeitos anticoncorrenciais. Por conseguinte, no entender da CK Telecoms, a constatação do Tribunal Geral segundo a qual as conclusões da análise quantitativa da Comissão têm um valor probatório limitado porque essa análise não tem em conta os ganhos de eficiência «standard» é conforme com os princípios subjacentes a este regulamento.

232    Por último, a CK Telecoms sustenta que, uma vez que as Orientações sobre as concentrações horizontais não prescrevem a maneira como a análise quantitativa da Comissão deve ser efetuada, não se pode considerar que as declarações do Tribunal Geral sobre o valor probatório dessa análise estão em contradição com estas orientações.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

233    No que respeita ao caráter operante da segunda parte do quarto fundamento, resulta, em substância, do n.o 279 do acórdão recorrido que, segundo o Tribunal Geral, os ganhos de eficiência «standard» são «própri[os] de cada concentração» e constituem «uma componente de um modelo quantitativo que visa determinar se uma concentração é suscetível de produzir esses efeitos restritivos».

234    Assim, tendo em conta a importância que o Tribunal Geral atribuiu a essa categoria de ganhos de eficiência para efeitos da análise quantitativa, há que considerar que a Comissão pode utilmente censurar o Tribunal Geral por lhe ter imposto, nos n.os 277 a 279 do acórdão recorrido, a inclusão nessa análise dos ganhos de eficiência «standard» que, segundo o Tribunal Geral, são próprios de cada concentração.

235    A argumentação da CK Telecoms de que a segunda parte do quarto fundamento é inoperante deve, portanto, ser rejeitada.

236    Quanto ao mérito desta parte, há que recordar que, no n.o 277 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que qualquer concentração implicará ganhos de eficiência cuja amplitude depende igualmente da pressão concorrencial externa. Segundo o Tribunal Geral, esses ganhos resultam, designadamente, da racionalização e da integração dos processos de produção e de distribuição pela entidade resultante da concentração, o que poderia levar essa entidade a baixar os seus preços.

237    Nos n.os 278 e 279 desse acórdão, o Tribunal Geral distinguiu dois tipos de ganhos de eficiência, a saber, por um lado, os previstos nas Orientações sobre as concentrações horizontais cuja existência deve ser demonstrada pela parte notificante e que devem ser tomados em consideração na apreciação concorrencial global da concentração, a fim de verificar se são suscetíveis de contrabalançar os efeitos restritivos da concentração, e, por outro, os referidos no n.o 277 desse acórdão, que são próprios de cada concentração e que são «uma componente de um modelo quantitativo que visa determinar se uma concentração é suscetível de produzir esses efeitos restritivos». Como resulta do n.o 278 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, em substância, que a Comissão está obrigada, no âmbito da sua análise quantitativa, a ter em conta oficiosamente esta última categoria de ganhos de eficiência «standard».

238    Ora, resulta do considerando 29 do Regulamento n.o 139/2004 que, para determinar os efeitos de uma concentração na concorrência no mercado interno, é adequado tomar em consideração as alegações de eventuais e fundamentados ganhos de eficiência apresentadas pelas empresas em causa.

239    Resulta também da secção 9 do anexo I do Regulamento n.o 802/2004 que incumbe à empresa em causa fornecer uma descrição de cada um dos ganhos de eficiência alegados, bem como documentos de apoio.

240    Os critérios relativos à tomada em conta dos ganhos de eficiência constam dos pontos 76 a 88 das Orientações sobre as concentrações horizontais.

241    Assim, há que declarar, como salientou a advogada‑geral no n.o 153 das suas conclusões, que nem o Regulamento n.o 139/2004, nem o Regulamento n.o 802/2004, nem as Orientações sobre as concentrações horizontais preveem uma categoria de ganhos de eficiência «standard», como a referida nos n.os 277 a 279 do acórdão recorrido, ou estabelecem uma presunção de que qualquer concentração implicará tais ganhos de eficiência.

242    É verdade que certas operações de concentração podem produzir ganhos de eficiência que lhes são próprios. Todavia, esta possibilidade não implica de modo nenhum que todas as concentrações produzam tais ganhos de eficiência. Em todo o caso, incumbe às partes notificantes demonstrá‑los para que a Comissão os possa ter em conta quando do seu controlo.

243    Por outro lado, reconhecer que qualquer concentração implicará ganhos de eficiência «standard» equivaleria a criar uma presunção e, consequentemente, uma inversão do ónus da prova, para uma categoria específica de ganhos de eficiência, quando, como resulta dos n.os 238 e 239 do presente acórdão, esse ónus recai sobre as empresas.

244    Tal inversão do ónus da prova seria suscetível de reduzir a efetividade do controlo das concentrações e, consequentemente, de pôr em causa o efeito útil do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004. Com efeito, o objetivo de controlo efetivo das concentrações prosseguido por este regulamento, conforme recordado no n.o 106 do presente acórdão, particularmente o de evitar, por um lado, proibir concentrações que não apresentem riscos de efeitos anticoncorrenciais e, por outro, autorizar concentrações que prejudiquem uma concorrência efetiva, é garantido, nomeadamente, pela repartição do ónus da prova em matéria de controlo de concentrações estabelecida pelo legislador da União.

245    A inversão do ónus da prova que implicaria o reconhecimento de uma presunção de que qualquer concentração produz tais ganhos de eficiência prejudicaria este equilíbrio.

246    Nestas condições, há que concluir que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 277 a 279 do acórdão recorrido, que a Comissão deveria ter incluído na sua análise quantitativa os ganhos de eficiência «standard» próprios de todas as concentrações.

247    Tendo em conta as considerações precedentes, há que acolher também a segunda parte do quarto fundamento e, consequentemente, julgar procedente o quarto fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao quinto fundamento

 Argumentos das partes

248    Com o seu quinto fundamento, a Comissão critica o Tribunal Geral por não ter analisado se o conjunto dos fatores pertinentes permitiam considerar que a Comissão tinha conseguido, no caso em apreço, demonstrar que a concentração projetada conduziria a um entrave significativo a uma concorrência efetiva. O Tribunal Geral limitou erradamente o seu exame a determinados fatores que fundamentam a primeira teoria do prejuízo e à questão de saber se, considerados separadamente, esses fatores eram suficientes para demonstrar um entrave desse tipo. Ao atuar deste modo, o Tribunal Geral desvirtuou a decisão controvertida, substituiu a apreciação económica da Comissão pela sua própria apreciação, aplicou erradamente os critérios jurídicos pertinentes e violou o seu dever de fundamentação.

249    A Comissão alega, mais precisamente, que o Tribunal Geral examinou apenas quatro dos fatores que sustentavam a primeira teoria do prejuízo apresentada na decisão controvertida. Mais especificamente, o Tribunal Geral examinou a dimensão e a evolução das quotas de mercado, a qualificação da Three de «força concorrencial importante», a proximidade da concorrência entre a Three e a O2 e a análise quantitativa dos efeitos da concentração.

250    Ao limitar assim o seu exame e ao anular a decisão controvertida com este único fundamento, o Tribunal Geral não apreciou se esses quatro fatores, conjugados com os outros fatores e conclusões que figuram na decisão controvertida, permitiam concluir que a concentração projetada daria origem a um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

251    Nos n.os 149, 171 a 173, 249 e 268 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou esses quatro fatores separadamente para determinar se cada um deles era suficiente, por si só, para demonstrar esse entrave. Ora, a Comissão não considerou de modo nenhum, na decisão controvertida, que cada um desses fatores, considerados separadamente, era suficiente para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

252    Resulta, aliás, do ponto 26 das Orientações sobre as concentrações horizontais que, considerados separadamente, os fatores referidos nos pontos 27 a 38 dessas orientações não são necessariamente decisivos.

253    A CK Telecoms alega, antes de mais, que incumbe não ao Tribunal Geral mas à Comissão proceder a uma avaliação global de todos os fatores pertinentes que podem influenciar a probabilidade de a operação de concentração produzir efeitos não coordenados significativos. Assim, o quinto fundamento é inadmissível e inoperante, nomeadamente porque, com este fundamento, a Comissão pede, em substância, que se considere que o Tribunal Geral deve colmatar as lacunas da decisão controvertida e reexaminar a concentração projetada, o que não é compatível com o alcance da sua fiscalização jurisdicional.

254    Em seguida, a CK Telecoms alega que o Tribunal Geral examinou todos os fatores pertinentes relativos à primeira teoria do prejuízo enunciada na decisão controvertida. A este respeito, sublinha que, no n.o 139 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou, com razão, que, na audiência de alegações, a Comissão precisou que esta primeira teoria assentava essencialmente em três fatores, a saber, o facto de a Three constituir uma «força concorrencial importante», a proximidade da concorrência entre a Three e a O2 e a análise quantitativa dos efeitos da concentração projetada sobre os preços. Segundo a CK Telecoms, era, portanto, legítimo e lógico que o Tribunal Geral concentrasse o seu exame nestes elementos.

255    Por último, o Tribunal Geral não considerou que cada um dos fatores relativos à primeira teoria do prejuízo da Comissão, considerado separadamente, devia ser suficiente para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Com efeito, considerou que a Comissão não demonstrou que esses fatores são suficientes para concluir que a concentração projetada cria tal entrave.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

256    Quanto à argumentação da CK Telecoms segundo a qual o quinto fundamento é inadmissível e inoperante, há que observar que, com este fundamento, a Comissão suscita uma questão de direito cuja resposta é suscetível de ter impacto na procedência da conclusão do Tribunal Geral segundo a qual essa instituição não conseguiu demonstrar, de forma juridicamente bastante, a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Com efeito, com o referido fundamento, a Comissão censura, em substância, o Tribunal Geral por ter anulado a decisão controvertida sem ter procedido a uma análise global ou a uma ponderação do conjunto dos fatores pertinentes tomados em conta na decisão controvertida, mas se ter limitado a examinar certos fatores que sustentam, nomeadamente, a primeira teoria do prejuízo e o respetivo caráter suficiente para efeitos dessa análise.

257    Consequentemente, há que examinar o mérito deste quinto fundamento.

258    A este respeito, importa recordar que, como resulta do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004, no âmbito do seu controlo de uma concentração, a Comissão deve ter em conta a posição que as empresas em causa ocupam no mercado e o seu poder económico e financeiro, as possibilidades de escolha de fornecedores e utilizadores, o seu acesso às fontes de abastecimento e aos mercados de escoamento, a existência, de direito ou de facto, de barreiras à entrada no mercado, a evolução da oferta e da procura dos produtos e serviços em questão, os interesses dos consumidores intermédios e finais, bem como a evolução do progresso técnico e económico, desde que tal evolução seja vantajosa para os consumidores e não constitua um obstáculo à concorrência.

259    Há que recordar igualmente que os pontos 26 a 38 das Orientações relativas às concentrações horizontais enunciam fatores que podem efetivamente influenciar a probabilidade de uma operação de concentração produzir efeitos não coordenados significativos.

260    O ponto 26 destas orientações indica, a este respeito, acertadamente, que estes fatores, considerados separadamente, não são necessariamente decisivos. Além disso, não é necessário que todos esses fatores estejam presentes para que efeitos não coordenados significativos sejam prováveis.

261    Neste contexto, há que considerar que os referidos fatores podem, em princípio, constituir indícios de que uma operação de concentração produz efeitos não coordenados significativos, que devem ser objeto de uma apreciação global.

262    Assim, para poder efetuar uma fiscalização jurisdicional efetiva das decisões da Comissão que declaram uma concentração incompatível com o mercado interno, incumbe ao juiz da União, após ter examinado o mérito das alegações contra a avaliação pela Comissão dos fatores pertinentes e tendo em conta o resultado daí decorrente, avaliar se todos os fatores e elementos pertinentes em que a Comissão se baseou e que podem ser considerados provados, incluindo os que não foram contestados, são suficientes para demonstrar a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Esta apreciação global não implica que o juiz da União seja obrigado a proceder a um exame oficioso do mérito da apreciação de fatores ou outros elementos que não foram postos em causa pelas partes no processo.

263    No caso em apreço, no que respeita à primeira teoria do prejuízo apresentada pela Comissão, os n.os 128 a 136 do acórdão recorrido contêm um resumo da decisão controvertida.

264    Nos n.os 141 a 283 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou os argumentos da CK Telecoms suscitados no âmbito do primeiro fundamento do recurso em primeira instância e relativos, em substância, aos fatores que podem influenciar a probabilidade de a concentração projetada produzir efeitos não coordenados significativos, a saber, a análise das quotas de mercado, a qualificação da Three de «força concorrencial importante», a avaliação da proximidade da relação de concorrência entre as partes na concentração projetada e a análise quantitativa dos efeitos desta concentração sobre os preços.

265    No n.o 154 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedente a quarta parte do primeiro fundamento do recurso em primeira instância. Como resulta, em substância, do n.o 152 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral declarou que, contrariamente ao que alegava a recorrente em primeira instância, a Comissão entendeu, na decisão controvertida, que a dimensão e a evolução das quotas de mercado da Three e da O2 eram uma primeira indicação da importante pressão concorrencial exercida por estas, que seria eliminada pela concentração projetada.

266    Em contrapartida, nos n.os 176, 190, 198, 216, 226, 250 e 283 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral acolheu algumas alegações e partes do primeiro fundamento relativas à qualificação da Three de «força concorrencial importante», à avaliação da proximidade da relação de concorrência entre a Three e a O2 e à análise quantitativa dos efeitos da concentração projetada nos preços.

267    Por último, nos n.os 284 a 291 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou e acolheu a sétima parte do primeiro fundamento do recurso em primeira instância, segundo a qual a Comissão, por um lado, não procedeu a uma avaliação global da existência de efeitos não coordenados e, por outro, não precisou com que base concluiu que os pretensos entraves à concorrência que resultariam da concentração projetada eram significativos.

268    Ora, quanto à questão de saber se a Comissão procedeu, no caso em apreço, a uma avaliação global da existência de efeitos não coordenados, o Tribunal Geral declarou, no n.o 287 do acórdão recorrido, que, na decisão controvertida, a Comissão efetuou essa apreciação. O Tribunal Geral precisou que, para demonstrar a existência de efeitos não coordenados no mercado retalhista, essa instituição examinou sucessivamente diferentes fatores pertinentes.

269    Dito isto, o Tribunal Geral não examinou, ele próprio, se, tendo em conta, por um lado, o resultado do seu exame da argumentação da CK Telecoms em primeira instância relativa a alguns dos fatores pertinentes e, por outro, os outros fatores e constatações pertinentes que fizeram parte da análise global da Comissão, os quais, não tendo sido contestados, podiam, portanto, ser considerados demonstrados, como, por exemplo, a apreciação específica da pressão concorrencial exercida pela O2, o comportamento provável da entidade resultante da concentração projetada e a apreciação da posição concorrencial tanto dos operadores de rede móvel como dos operadores de redes móveis virtuais, que figuram nos considerandos 778 a 1174 da decisão controvertida, se podia considerar que a Comissão tinha demonstrado de forma juridicamente bastante a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

270    Nestas condições, há que considerar que, ao não ter procedido, na sequência do seu exame do mérito dos fatores e das constatações contestados pela CK Telecoms em primeira instância e tendo em conta o resultado daí decorrente, a uma apreciação global dos fatores e das constatações pertinentes para verificar se a Comissão tinha demonstrado a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

271    Por conseguinte, há que julgar o quinto fundamento procedente.

 Quanto ao sexto fundamento

272    O sexto fundamento divide‑se em duas partes. Com a sua primeira parte, a Comissão critica o Tribunal Geral por ter desvirtuado a decisão controvertida ao concluir, nos n.os 358 a 361 do acórdão recorrido, que essa instituição não tinha examinado uma eventual degradação da qualidade da rede da entidade resultante da concentração projetada. Com a segunda parte deste fundamento, a Comissão alega que o Tribunal Geral suscitou oficiosamente uma alegação que não figurava na sexta parte do terceiro fundamento da petição em primeira instância.

 Quanto ao caráter operante do sexto fundamento

–       Argumentos das partes

273    A CK Telecoms alega que o sexto fundamento é inoperante porque a Comissão não põe em causa as principais considerações do Tribunal Geral que o levaram a rejeitar a segunda teoria do prejuízo da Comissão relativa aos acordos de partilha de rede.

274    Por um lado, no âmbito do presente recurso, a Comissão não pôs em causa as considerações expostas nos n.os 325, 330, 340, 344 e 346 a 348 do acórdão recorrido, pelas quais o Tribunal Geral considerou, em substância, que a Comissão tinha concluído erradamente que um possível desalinhamento dos interesses entre os parceiros num acordo de partilha de rede e a perturbação duradoura dos acordos de partilha de rede eram suscetíveis de constituir, em si mesmos, um entrave significativo a uma concorrência efetiva, segundo uma teoria do prejuízo baseada em efeitos não coordenados.

275    Por outro lado, no âmbito do presente recurso, a Comissão não contestou a análise do Tribunal Geral, que figura nos n.os 362 a 397 do acórdão recorrido, relativa aos efeitos da concentração em causa sobre a BT/EE e a Vodafone.

276    Ora, todas estas considerações não contestadas levaram o Tribunal Geral a rejeitar a segunda teoria de prejuízo.

277    A Comissão alega que o sexto fundamento é operante.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

278    Em primeiro lugar, importa recordar que, nos n.os 325, 330, 340, 344 e 346 a 348 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou a questão de saber se a perturbação duradoura do bom funcionamento dos acordos de partilha de rede devido, nomeadamente, a um eventual desalinhamento dos interesses entre os parceiros nesses acordos seria suscetível de constituir, em si mesma, um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

279    Ora, a Comissão não concluiu pela existência de tal entrave exclusivamente com base nesse desalinhamento dos interesses, uma vez que tal desalinhamento dos interesses é apenas um dos fatores tidos em conta na decisão controvertida.

280    Assim, o facto de a Comissão não contestar a declaração do Tribunal Geral segundo a qual o desalinhamento dos interesses entre os parceiros nos acordos de partilha de rede, enquanto tal, era insuficiente para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva não pode tornar inoperante o sexto fundamento do recurso da Comissão.

281    Em segundo lugar, no que respeita à argumentação da CK Telecoms segundo a qual o sexto fundamento é inoperante pelo facto de a Comissão não ter contestado a análise do Tribunal Geral que figura nos n.os 362 a 397 do acórdão recorrido, relativa aos efeitos da concentração projetada sobre a BT/EE e a Vodafone, há que salientar, como resulta, nomeadamente, do n.o 361 desse acórdão, que o Tribunal Geral examinou se a análise da Comissão em relação aos efeitos da concentração sobre a BT/EE e a Vodafone era particularmente sólida e convincente. Ora, o Tribunal Geral considerou necessário proceder a esse exame, a partir da premissa, exposta nos n.os 358 a 361 do referido acórdão e contestada no âmbito da primeira parte do presente fundamento de recurso, segundo a qual a decisão controvertida não comportava uma análise de «uma degradação dos serviços oferecidos ou da qualidade da sua própria rede pela entidade fundida».

282    Nestas condições, como salientou, em substância, a advogada‑geral no n.o 181 das suas conclusões, uma vez que as considerações do Tribunal Geral que figuram nos n.os 358 a 361 do acórdão recorrido constituem o fundamento da apreciação dos efeitos da concentração projetada sobre a BT/EE e a Vodafone, efetuada nos n.os 362 a 397 desse acórdão, o facto de a Comissão não contestar diretamente esta apreciação do Tribunal Geral não pode tornar o sexto fundamento inoperante.

283    Por conseguinte, há que rejeitar a argumentação da CK Telecoms relativa ao caráter inoperante do sexto fundamento e, portanto, examinar o seu mérito.

 Quanto à primeira parte

–       Argumentos das partes

284    Na primeira parte do seu sexto fundamento, a Comissão alega que, ao considerar, nos n.os 358 a 361 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha procedido à apreciação de uma possível degradação da qualidade da rede da entidade resultante da concentração projetada, o Tribunal Geral desvirtuou a decisão controvertida e concluiu erradamente que a segunda teoria de prejuízo devia ser rejeitada.

285    A este respeito, a Comissão sublinha que a provável redução dos incentivos dos operadores de rede móvel, incluindo a entidade resultante da concentração projetada, para investir na melhoria da qualidade das redes devido a esta concentração constitui um elemento fundamental da análise constante da decisão controvertida.

286    Em primeiro lugar, resulta dos considerandos 1293 a 1297 da decisão controvertida que a Comissão examinou a hipótese principal de uma provável redução do incentivo da entidade resultante da concentração projetada para investir na melhoria da qualidade da sua rede relativamente à situação anterior a esta concentração.

287    Em segundo lugar, a Comissão examinou vários cenários possíveis, baseados principalmente nos planos de consolidação das redes formulados pela Three. Por um lado, resulta dos considerandos 1558 a 1562 da decisão controvertida que a Comissão examinou a redução dos incentivos da entidade resultante da concentração projetada para investir no âmbito do plano [A]. Por outro lado, resulta dos considerandos 1732 a 1742 dessa decisão que a Comissão examinou, no âmbito do plano [B], uma redução do investimento global nas redes em razão da transparência acrescida dos investimentos realizados por cada operador de rede móvel, incluindo os investimentos da entidade resultante da concentração projetada.

288    Neste contexto, a Comissão alega que apreciou o risco de redução da qualidade da rede da entidade resultante da concentração projetada, bem como a redução da pressão concorrencial sobre os outros operadores de rede móvel que daí resultaria.

289    A CK Telecoms responde que o Tribunal Geral não desvirtuou o conteúdo da decisão controvertida e que não ignorou os considerandos desta decisão aos quais a Comissão faz referência.

290    Esta sociedade sublinha que, para compreender os argumentos da Comissão, há que ter em conta a estrutura da segunda teoria do prejuízo.

291    A este respeito, a referida sociedade recorda que esta teoria do prejuízo comporta duas subteorias relativas aos acordos de partilha de rede. A primeira diz respeito à eventual redução da pressão concorrencial exercida pelos outros concorrentes (BT/EE e/ou Vodafone) sobre a entidade resultante da concentração projetada (Three), ao passo que a segunda subteoria diz respeito à situação de partilha de rede resultante desta concentração, que aumentaria a transparência global e reduziria os investimentos à escala do setor da infraestrutura das redes.

292    A Comissão examinou estas duas subteorias do prejuízo à luz dos planos de consolidação da rede apresentados pela CK Telecoms.

293    Neste contexto, segundo esta sociedade, os considerandos da decisão controvertida para os quais a Comissão remete e que, segundo esta instituição, incluem uma análise da degradação da rede da entidade resultante da concentração projetada não se referem à primeira subteoria do prejuízo, mas à segunda.

294    Ora, os n.os 358 a 361 do acórdão recorrido fazem parte da análise pelo Tribunal Geral da primeira subteoria do prejuízo, relativa a uma redução da pressão concorrencial exercida pelos outros concorrentes, a saber, a BT/EE e/ou a Vodafone, sobre a entidade resultante da concentração projetada.

295    Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ser criticado por não ter tido em conta, nos referidos números, os considerandos da decisão controvertida para os quais a Comissão remete e ter assim desvirtuado essa decisão.

296    Nestas condições, a CK Telecoms precisa que o Tribunal Geral examinou e rejeitou a segunda subteoria do prejuízo não nos n.os 358 a 361 do acórdão recorrido mas nos n.os 398 a 418 desse acórdão e que teve precisamente em conta os considerandos da decisão controvertida para os quais a Comissão remete, nomeadamente, nos n.os 400 a 403 do referido acórdão.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

297    Com a primeira parte do sexto fundamento, a Comissão alega, em substância, que, ao considerar, nos n.os 358 a 361 do acórdão recorrido, que a Comissão não procedeu à apreciação de uma possível degradação da qualidade da rede da entidade resultante da concentração projetada, o Tribunal Geral desvirtuou a decisão controvertida e concluiu, erradamente, que a segunda teoria do prejuízo devia ser rejeitada.

298    A título preliminar, importa recordar que, como resulta do n.o 292 do acórdão recorrido, durante o procedimento administrativo, a Three apresentou dois planos de consolidação das redes, a saber, o «plano [A]» e o «plano [B]». Estes planos baseavam‑se nos dois acordos de partilha de rede referidos no n.o 18 do presente acórdão, a saber, por um lado, o acordo MBNL, celebrado entre a BT/EE e a Three, e, por outro, o acordo Beacon, celebrado entre a Vodafone e a O2. Com estes acordos, estes operadores tinham consolidado as suas redes respetivas para poderem partilhar os custos de desenvolvimento continuando a concorrer entre si no mercado retalhista. Segundo esses planos, a entidade resultante da concentração projetada não manteria duas redes separadas a longo prazo, mas estava prevista a criação de uma única rede consolidada.

299    No n.o 295 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral precisou que, no âmbito da segunda teoria do prejuízo relativa aos acordos de partilha de rede, a Comissão desenvolveu duas subteorias.

300    Resulta do n.o 298 desse acórdão que a primeira subteoria consiste, em substância, em considerar que, na sequência da concentração projetada, haveria uma redução da pressão concorrencial exercida pelos outros concorrentes (BT/EE e/ou Vodafone) sobre a entidade resultante dessa concentração (Three).

301    No que respeita à segunda subteoria, resulta do n.o 299 do referido acórdão que esta subteoria consiste, em substância, em considerar que a situação de partilha de rede que resultaria da concentração projetada levaria a uma redução dos investimentos à escala do setor da infraestrutura das redes. Com efeito, no considerando 1233 da decisão controvertida, a Comissão alega que esta concentração poderia conduzir a uma diminuição das sinergias que afetaria os parceiros dos acordos de partilha de rede e permitiria um comportamento de investimento oportunista da entidade resultante da concentração, o que reduziria os investimentos à escala do setor e, por conseguinte, o nível de concorrência efetiva que teria prevalecido na ausência da referida concentração.

302    Neste contexto, saliente‑se que, depois de ter sublinhado, nos considerandos 1235 a 1243 da decisão controvertida, a importância de um alinhamento dos interesses entre as partes num acordo de partilha de rede, foi à luz destas duas subteorias do prejuízo que a Comissão examinou, nos considerandos 1244 a 1784 da referida decisão, os planos de consolidação das redes.

303    Em seguida, nos considerandos 1293 a 1297 da referida decisão, a Comissão examinou a hipótese principal de uma provável redução do incentivo da entidade resultante da concentração projetada para investir na melhoria da qualidade da sua rede relativamente à situação anterior a essa concentração.

304    As potenciais evoluções do mercado na sequência da concentração projetada estão expostas nos considerandos 1368 a 1784 da decisão controvertida, dos quais os considerandos 1391 a 1567 se referem aos efeitos do plano [A] e os considerandos 1598 a 1749 aos efeitos do plano [B]. Assim, a Comissão examinou os efeitos desses planos, antes de mais, sobre a BT/EE e, nomeadamente, sobre a rede MBNL, em seguida, sobre a Vodafone e, nomeadamente, sobre a rede Beacon e, por último, sobre o investimento global nas redes em causa.

305    No âmbito da sua análise do impacto dos referidos planos sobre o investimento global nas redes móveis, a Comissão sublinhou, nomeadamente, nos considerandos 1556 a 1562 e nos considerandos 1732 a 1742 da decisão controvertida, que a transparência acrescida dos investimentos entre os operadores de rede móvel poderia reduzir o seu incentivo para investir nas redes e, por conseguinte, ter um impacto negativo significativo nos investimentos nestas redes à escala do setor.

306    Particularmente, por um lado, nos considerandos 1559 a 1561 e 1734 da decisão controvertida, a Comissão declarou, em substância, que, em virtude dessa transparência acrescida, a entidade resultante da concentração projetada podia ser informada de investimentos por parte da BT/EE numa tecnologia em benefício da rede MBNL e, assim, decidir implementar ela própria essa tecnologia em benefício da rede Beacon [confidencial]. Segundo a decisão controvertida, a Vodafone poderia tomar conhecimento do facto de a entidade resultante da concentração projetada tencionar implementar essa tecnologia e, por conseguinte, ser incentivada a renunciar a proceder a esses investimentos tecnológicos até que essa entidade os fizesse.

307    Por outro lado, nos considerandos 1735 e 1736 dessa decisão, a Comissão considerou que, em virtude do plano [B], a entidade resultante da concentração projetada poderia ser informada dos investimentos planeados pela BT/EE ou pela Vodafone e ser incentivada a fazer investimentos semelhantes, tanto no Este como no Oeste do Reino Unido [confidencial]. No considerando 1737 da referida decisão, concluiu que a transparência acrescida implicaria o risco de que BT/EE e a Vodafone esperassem que a entidade resultante da concentração projetada fizesse tais investimentos no desenvolvimento de novas tecnologias importantes, antes de, por sua vez, investirem nesse desenvolvimento.

308    Neste contexto, como salientou, em substância, a advogada‑geral no n.o 189 das suas conclusões, há que considerar que a Comissão efetuou uma análise da possível degradação da qualidade tanto da rede MBNL como da rede Beacon. Ao efetuar esta análise, a Comissão partiu da premissa, enunciada no considerando 1275 da decisão controvertida, segundo a qual outro meio de reduzir a pressão concorrencial exercida por um parceiro num acordo de partilha de rede consiste em degradar a qualidade da rede, impedindo ou atrasando investimentos na rede por outro parceiro nesse acordo. Daqui se conclui que a Comissão considerou, desde o início, que a redução da pressão concorrencial poderia consistir, nomeadamente, nessa degradação pela entidade resultante da concentração projetada da qualidade da sua própria rede.

309    Nestas condições, há que concluir que resulta da decisão controvertida que a Comissão procedeu à apreciação de uma possível degradação da qualidade da rede da entidade resultante da concentração projetada.

310    Assim, ao declarar, nos n.os 358 a 361 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha procedido a essa apreciação, o Tribunal Geral desvirtuou essa decisão.

311    Como salientou a advogada‑geral no n.o 191 das suas conclusões, esta conclusão não pode ser infirmada pelo argumento da CK Telecoms segundo o qual, tendo em conta a estrutura da decisão controvertida, a Comissão apreciou os efeitos dos planos [A] e [B] no investimento global nas redes respetivas sob dois títulos distintos.

312    É certo que, uma vez que as apreciações da Comissão relativas aos efeitos do plano [A] e do plano [B] no investimento global nas respetivas redes foram efetuadas em duas secções dessa decisão intituladas, respetivamente, «Os efeitos do plano [A] sobre o investimento global nas redes» e «Os efeitos do plano [B] sobre o investimento global nas redes», podem parecer mais estreitamente ligadas à segunda subteoria do prejuízo. Por outro, os n.os 358 a 361 do acórdão recorrido, contestados pela Comissão, expõem considerações gerais do Tribunal Geral relacionadas com a primeira subteoria do prejuízo, segundo a qual se poderia observar uma redução das pressões concorrenciais exercidas sobre os concorrentes da entidade resultante da concentração. Todavia, na sua análise dos efeitos dos dois planos de consolidação das redes sobre a BT/EE e sobre a Vodafone, bem como sobre o investimento global nestas redes, a Comissão não fez distinção em função da subteoria exposta, mas, pelo contrário, fez referências cruzadas às diferentes partes pertinentes da decisão controvertida.

313    Tendo em conta as considerações precedentes, há que acolher a primeira parte do sexto fundamento.

 Quanto à segunda parte

–       Argumentos das partes

314    Com a segunda parte do seu sexto fundamento, a Comissão, ao mesmo tempo que invoca uma falta de fundamentação, alega, em substância, que, para acolher, no n.o 417 do acórdão recorrido, a sexta parte do terceiro fundamento do recurso em primeira instância da CK Telecoms, o Tribunal Geral examinou oficiosamente uma questão que não foi suscitada por esta sociedade e que, consequentemente, o raciocínio que figura nos n.os 408 a 416 do acórdão recorrido não corresponde às alegações da CK Telecoms formuladas no âmbito desta parte.

315    A este respeito, a Comissão recorda que, com a sexta parte do seu terceiro fundamento do recurso em primeira instância, a CK Telecoms alegou, por um lado, que a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar de efeito não coordenado a eventual redução dos investimentos globais resultante de uma transparência acrescida dos investimentos entre os operadores de rede móvel e, por outro, que a Comissão não teve plenamente em conta os compromissos propostos pela CK Telecoms.

316    Segundo a Comissão, os fundamentos expostos nos n.os 398 a 416 do acórdão recorrido não permitem compreender as razões pelas quais o Tribunal Geral declarou, no n.o 417 desse acórdão, que a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar de efeito não coordenado a eventual redução dos investimentos globais resultante de uma transparência acrescida dos investimentos entre os operadores de rede móvel.

317    A Comissão precisa que, nos n.os 408 a 416 do referido acórdão, o Tribunal Geral abordou oficiosamente outra questão, não suscitada pela CK Telecoms em primeira instância, sobre se a Comissão não enunciou, na decisão controvertida, o quadro temporal adequado no qual pretendia demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

318    Nestas condições, a Comissão alega que o raciocínio do Tribunal Geral exposto nos n.os 404 a 416 do acórdão recorrido não corresponde à conclusão a que chegou no n.o 417 do acórdão recorrido. Por conseguinte, esse acórdão não contém nenhum raciocínio relativo à questão de saber se a Comissão qualificou erradamente de efeito não coordenado a eventual redução dos investimentos globais resultante de uma transparência acrescida dos investimentos entre os operadores de rede móvel e se cometeu erros manifestos de apreciação na sua análise do impacto da concentração nos investimentos à escala do setor.

319    A CK Telecoms responde que o Tribunal Geral expôs de forma clara e exaustiva o raciocínio que o levou a rejeitar a segunda subteoria do prejuízo, permitindo aos interessados conhecer os fundamentos da decisão do Tribunal Geral e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização.

320    A este respeito, a CK Telecoms alega, em primeiro lugar, que, no n.o 408 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha especificado o período em que considerava que se produziria um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Para chegar a esta conclusão, no n.o 415 desse acórdão, o Tribunal Geral considerou que a análise dos efeitos de uma concentração num mercado oligopolístico no setor das telecomunicações, que necessita de investimentos a longo prazo e em que os consumidores estão frequentemente vinculados por contratos de vários anos, é uma análise prospetiva dinâmica que necessita da tomada em conta de eventuais efeitos coordenados ou unilaterais num lapso de tempo relativamente alargado no futuro.

321    Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou que a Comissão também não precisou qual dos múltiplos cenários de consolidação das redes previstos na decisão controvertida seria o mais provável.

322    A este respeito, nos n.os 410 a 413 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral demonstrou que, qualquer que fosse o plano de consolidação das redes finalmente adotado pelas partes na concentração projetada, a entidade resultante dessa concentração não manteria a longo prazo duas redes separadas. Por conseguinte, esta entidade concentrar‑se‑ia, a longo prazo, num dos dois acordos de partilha de rede.

323    Nestas condições, o Tribunal Geral considerou, com razão, que a segunda subteoria do prejuízo devia ser rejeitada porque se baseava na hipótese — contrária aos factos apurados pelo Tribunal Geral — da existência a longo prazo de duas redes separadas.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

324    Decorre das regras aplicáveis à tramitação nos tribunais da União Europeia, nomeadamente do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como do artigo 76.o e do artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, que o litígio é, em princípio, determinado e circunscrito pelas partes e que o juiz da União não pode decidir ultra petita (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o., C‑272/12 P, EU:C:2013:812, n.o 27).

325    Embora certos fundamentos possam, ou mesmo devam, ser invocados oficiosamente, tal como uma falta ou uma insuficiência de fundamentação da decisão em causa, que diz respeito a formalidades essenciais, um fundamento relativo à legalidade material da referida decisão, que tem a ver com a violação dos Tratados ou de qualquer norma de direito relativa à sua aplicação, na aceção do artigo 263.o TFUE, só pode, em contrapartida, ser examinado pelo juiz da União se for invocado pelo recorrente (Acórdão de 10 de dezembro de 2013, Comissão/Irlanda e o., C‑272/12 P, EU:C:2013:812, n.o 28).

326    No caso em apreço, importa declarar que, com a sexta parte do seu terceiro fundamento do recurso em primeira instância, a CK Telecoms tinha alegado, por um lado, que a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar de efeito não coordenado a eventual redução dos investimentos globais resultante de uma transparência acrescida dos investimentos entre os operadores de rede móvel e, por outro, que a Comissão não teve plenamente em conta os compromissos propostos pela CK Telecoms.

327    Nos n.os 398 a 401 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral recordou, em substância, esta sexta parte do terceiro fundamento e a argumentação da Comissão. Nos n.os 402 a 407 desse acórdão, o Tribunal Geral examinou os considerandos da decisão controvertida relativos à eventual redução dos investimentos globais nas redes em razão da transparência acrescida dos investimentos entre os operadores de rede móvel que resultaria da concentração projetada.

328    Ora, neste contexto, em vez de examinar se a Comissão qualificou erradamente de efeito não coordenado essa eventual redução dos investimentos e se não teve plenamente em conta os compromissos propostos pela CK Telecoms, o Tribunal Geral considerou, no n.o 408 do acórdão recorrido, que enfrentava «uma dificuldade especial» no caso vertente relativa à fiscalização jurisdicional que deve exercer sobre a decisão controvertida, uma vez que a Comissão não enunciou o quadro temporal adequado no qual pretendia demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

329    No n.o 410 do acórdão recorrido, esse órgão jurisdicional declarou, em substância, que, na decisão controvertida, a Comissão não considerou o longo prazo como o quadro temporal adequado para avaliar os efeitos da concentração projetada.

330    O Tribunal Geral precisou, no n.o 415 desse acórdão, que a análise dos efeitos de uma operação de concentração num mercado oligopolístico no setor das telecomunicações, que necessita de investimentos a longo prazo e em que os consumidores estão frequentemente vinculados por contratos de vários anos, é uma análise prospetiva dinâmica que necessita da tomada em conta de eventuais efeitos coordenados ou unilaterais num lapso de tempo relativamente alargado no futuro.

331    O Tribunal Geral concluiu, em substância, nos n.os 416 e 417 do acórdão recorrido, que, tendo em consideração que as partes na concentração não manteriam duas redes separadas a longo prazo, a Comissão tinha cometido um erro de direito ao qualificar de efeito não coordenado o impacto de uma transparência acrescida sobre o investimento global nas redes «na medida em que [a segunda subteoria] se base[ava] na hipótese [errada] da existência de duas redes separadas».

332    Ora, como salientou a advogada‑geral no n.o 200 das suas conclusões, não se pode deixar de constar que, no âmbito dos seus articulados em primeira instância, a CK Telecoms não censurou a Comissão por não ter precisado ou analisado o quadro temporal adequado em que esta instituição pretendia provar a existência de efeitos não coordenados e de um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

333    Por conseguinte, há que declarar que, sem examinar as alegações apresentadas pela CK Telecoms no âmbito do fundamento em causa, o Tribunal Geral suscitou oficiosamente a alegação relativa à falta de precisão do quadro temporal e de análise dos efeitos não coordenados a longo prazo.

334    Ora, é manifesto que esta alegação não pode ser qualificada de fundamento de ordem pública na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.o 325 do presente acórdão.

335    Assim, uma vez que, para acolher, no n.o 417 do acórdão recorrido, a sexta parte do terceiro fundamento do recurso em primeira instância da CK Telecoms, o Tribunal Geral suscitou oficiosamente, nos n.os 408 a 416 do acórdão recorrido, uma alegação que não pode ser qualificada de fundamento de ordem pública e, consequentemente, o raciocínio que figura nesses números não corresponde às alegações da CK Telecoms formuladas no âmbito desta parte, importa considerar que esse órgão jurisdicional cometeu um erro de direito.

336    Por conseguinte, a segunda parte do sexto fundamento é procedente e o sexto fundamento deve, portanto, ser julgado procedente na sua totalidade.

337    Atendendo às considerações precedentes e tendo em conta a amplitude, a natureza e o alcance dos erros cometidos pelo Tribunal Geral, identificados no presente acórdão, que afetam o raciocínio do Tribunal Geral no seu todo, há que anular o acórdão recorrido.

 Quanto à remessa do processo ao Tribunal Geral

338    Nos termos do artigo 61.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral para julgamento.

339    No caso em apreço, resulta dos n.os 291, 397, 417, 418, 454 e 455 do acórdão recorrido que, uma vez que julgou procedentes os fundamentos do recurso em primeira instância enumerados no n.o 41 do presente acórdão, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida e considerou que não havia que examinar a sexta parte do primeiro fundamento, relativa ao facto de a Comissão ter erradamente considerado que os incentivos da entidade resultante da concentração projetada para entrar em concorrência seriam provavelmente menores do que os da Three e da O2 antes desta concentração. Também não examinou o segundo fundamento relativo à avaliação do cenário contrafactual efetuada pela Comissão, no qual assentaria a avaliação dos mercados retalhista e grossista, nem a segunda e a sétima partes do terceiro fundamento relativas, por um lado, à evolução dos dois acordos de partilha de rede existentes no cenário contrafactual e, por outro, à avaliação dos compromissos relativos à partilha de rede. O Tribunal Geral também não se pronunciou sobre a quarta, a quinta e a sexta partes do quarto fundamento, relativas, respetivamente, à apreciação da Comissão segundo a qual a entidade resultante da concentração projetada teria sido menos incentivada a enfrentar a concorrência, à apreciação dessa instituição segundo a qual os concorrentes dessa entidade não tinham a capacidade nem os incentivos necessários para entrar em concorrência com ela e à tomada em consideração pela Comissão de certas afirmações de terceiros. Por último, o Tribunal Geral não se pronunciou sobre o quinto fundamento do recurso em primeira instância, pelo qual a CK Telecoms contestou a apreciação pela Comissão de alguns dos seus compromissos.

340    Os fundamentos que não foram examinados pelo Tribunal Geral implicam o exame de várias questões de facto e de direito com base em elementos que, por um lado, não foram apreciados pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido e, por outro, não foram debatidos no Tribunal de Justiça. Além disso, a natureza e o alcance dos erros cometidos pelo Tribunal Geral, identificados no presente acórdão, são tais que o exame dos fundamentos invocados em primeira instância, viciado por esses erros, requer que o Tribunal Geral proceda, no essencial, a uma nova análise desses fundamentos, que difira substancialmente da contida no acórdão recorrido.

341    Neste contexto, há que declarar que, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos necessários para decidir definitivamente sobre todos os fundamentos invocados em primeira instância.

342    Nestas condições, há que remeter o processo ao Tribunal Geral e reservar para final a decisão quanto às despesas.

 Quanto às despesas

343    Uma vez que o processo é remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      O Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 28 de maio de 2020, CK Telecoms UK Investments/Comissão (T399/16, EU:T:2020:217), é anulado.

2)      O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

3)      Reservase para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.


1      Dados confidenciais ocultados.