ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)
6 de Abril de 2000 (1)
«Transparência - Decisão 93/731/CE do Conselho relativa ao acesso do público
aos documentos do Conselho - Indeferimento de um pedido de acesso -
Protecção do interesse público - Relações internacionais - Obrigação de
fundamentação - Acesso parcial»
No processo T-188/98,
Aldo Kuijer, residente em Utreque (Países Baixos), representado por O. W.
Brouwer e F. P. Louis, advogados no foro de Bruxelas, assistidos por D. Curtin,
professora na Universidade de Utreque, com domicílio escolhido no Luxemburgo
no escritório do advogado M. Loesch, 11, rue Goethe,
contra
Conselho da União Europeia, representado por M. Bauer e M. Bishop, consultores
jurídicos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no
gabinete de A. Morbilli, director-geral da Direcção dos Assuntos Jurídicos do
Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,
que tem por objecto um pedido de anulação da decisão do Conselho de 28 de
Setembro de 1998, na versão alterada pela decisão de 18 de Maio de 1999, que
recusou ao recorrente o acesso a determinados documentos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),
composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,
secretário: J. Palacio González, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 14 de Outubro de 1999,
profere o presente
Acórdão
Enquadramento jurídico
- 1.
- O Conselho e a Comissão aprovaram, em 6 de Dezembro de 1993, um código de
conduta em matéria de acesso do público aos documentos do Conselho e da
Comissão (JO L 340, p. 41, a seguir «código de conduta»), com vista a estabelecer
os princípios que regulam o acesso aos documentos na sua posse. O código de
conduta enuncia, nomeadamente, o princípio seguinte: «O público terá o acesso
mais amplo possível aos documentos da Comissão e do Conselho.»
- 2.
- O mesmo código dispõe, além disso: «A Comissão e o Conselho tomarão, cada um
pelo que lhe diga respeito, as medidas necessárias para aplicar estes princípios
antes de 1 de Janeiro de 1994.»
- 3.
- Para assegurar a concretização deste compromisso, o Conselho adoptou, em 20 de
Dezembro de 1993, a Decisão 93/731/CE relativa ao acesso do público aos
documentos do Conselho (JO L 340, p. 43).
- 4.
- O artigo 1.° da Decisão 93/731 prevê o seguinte:
«1. O público terá acesso aos documentos do Conselho nas condições previstas
na presente decisão.
2. Sob reserva do n.° 2 do artigo 2.°, entende-se por documento do Conselho
qualquer documento escrito, que contenha dados e se encontre na posse
desta instituição, seja qual for o suporte em que esteja registado.»
- 5.
- O artigo 4.°, n.° 1, é do teor seguinte:
«O acesso a um documento do Conselho não poderá ser autorizado nos casos em
que a sua divulgação possa prejudicar:
- a protecção do interesse público (segurança pública, relações internacionais,
estabilidade monetária, processos judiciais, inspecções e inquéritos),
- ...»
- 6.
- O artigo 5.° da mesma decisão dispõe o seguinte:
«Exceptuados os casos a que se refere o n.° 2 do artigo 7.°, em que a resposta é
dada pelo Conselho, competirá ao secretário-geral responder em nome do
Conselho aos pedidos de acesso a documentos deste último.»
- 7.
- O artigo 7.°, n.os 1 e 3, é do seguinte teor:
«1. O requerente será informado por escrito, no prazo de um mês, pelos
serviços competentes do Secretariado-Geral, do deferimento do seu pedido ou da
intenção de o indeferir. Neste último caso, o interessado será igualmente informado
dos motivos dessa intenção e de que dispõe do prazo de um mês para apresentar
um pedido de confirmação tendente à revisão dessa posição, na falta do qual se
considerará que desistiu do seu pedido inicial.
...
3. O indeferimento de um pedido de confirmação, que deverá ser comunicado
no mês que se segue à apresentação do pedido, será devidamente justificado...»
Factos na origem do litígio
- 8.
- O recorrente é professor e investigador universitário no domínio do direito de asilo
e da imigração.
- 9.
- Por carta de 3 de Julho de 1998, dirigida ao secretário-geral do Conselho, pediu
para ter acesso a determinados documentos ligados à actividade do Centro de
Informação, Reflexão e Intercâmbio em Matéria de Asilo (CIREA). O pedido
visava os documentos seguintes:
- os relatórios comuns, análises ou avaliações elaborados pelo CIREA ou em
colaboração com este durante os anos de 1994 a 1997 e, na medida em que
já estejam disponíveis, 1998, no domínio da política externa e de segurança
comum (PESC), relativos à situação nos países terceiros ou territórios de
que são originários ou em que residem numerosos requerentes de asilo e,
mais particularmente, em 28 países enumerados no requerimento (a seguir
«relatórios do CIREA»);
- os relatórios de eventuais missões conjuntas ou de missões efectuadas por
Estados-Membros em países terceiros e transmitidos ao CIREA (a seguir
«relatórios elaborados por conta do CIREA»);
- a lista elaborada pelo CIREA ou em conjunto com este último das pessoas
a contactar nos Estados-Membros que se ocupam dos pedidos de asilo (a
seguir «lista das pessoas a contactar»), com todas as alterações posteriores.
- 10.
- Por carta de 28 de Julho de 1998, o secretário-geral respondeu ao recorrente que
tinham sido elaborados entre 1994 e 1998 relatórios do CIREA sobre a situação
dos requerentes de asilo que regressavam aos seus países de origem, relativamente
aos seguintes países: Albânia, Angola, Sri Lanca, Bulgária, Turquia, China, Zaire,
Nigéria e Vietname. Todavia, indeferiu o pedido de acesso desses documentos
assim como a lista das pessoas a contactar, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da
Decisão 93/731. No que se refere aos relatórios elaborados por conta do CIREA,
o secretário-geral informou o recorrente que não existia nenhum documento deste
tipo.
- 11.
- Por carta de 25 de Agosto de 1998, o recorrente apresentou um pedido de
confirmação nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da Decisão 93/731. Relativamente aos
relatórios do CIREA, declarou-se surpreendido que «o Conselho tenha igualmente
a intenção de manter confidenciais, por exemplo, os relatórios sobre países como
a Nigéria, o Irão e o Iraque, quando dificilmente se pode afirmar que as relações
entre a União Europeia e esses países são boas». Quanto aos relatórios elaborados
por conta do CIREA, esclareceu, nomeadamente, as razões pelas quais era levado
a crer que a resposta do secretário-geral quanto à inexistência desses documentos
era falsa. Contestou igualmente a parte da decisão relativa à lista das pessoas a
contactar.
- 12.
- Por carta de 28 de Setembro de 1998, o secretário-geral comunicou ao recorrente
a decisão do Conselho indeferindo o pedido de confirmação (a seguir «decisão
impugnada»). A carta está redigida nos termos seguintes:
«Após exame minucioso, o Conselho decidiu confirmar [a decisão do
secretário-geral], tal como formulada na sua carta de 28 de Julho de 1998,
respeitante aos pedidos relativos aos [relatórios do CIREA e à lista das pessoas a
contactar]. Após exame de cada um dos documentos seguintes, o Conselho decidiu
não os divulgar pelos motivos seguintes:
a) [número do documento]: Nota de acompanhamento do Secretariado-Geral do
Conselho dirigida ao CIREA: relatório dos chefes de missão dos Doze sobre a
situação dos requerentes de asilo [dum país] que regressam ao [mesmo país]. Este
relatório contém informações muito sensíveis sobre a situação política, económica
e social [no país em causa], que foram fornecidas pelos chefes de missão dos
Estados-Membros da União Europeia nesse país. O Conselho é de opinião que a
divulgação dessas informações poderia causar prejuízo às relações entre a UniãoEuropeia e [esse país]. Em consequência, o Conselho decidiu que devia recusar o
acesso a esse documento em aplicação do artigo 4.°, n.° 1, da Decisão [93/731]
(relações internacionais).
...
b) Lista das pessoas [a contactar] do CIREA que se ocupam das questões de asilo:
o secretário-geral não teve possibilidade de encontrar um documento específico do
Conselho que contenha [tal] lista...
Além disso, o Conselho prosseguirá as suas buscas para encontrar documentos (a
partir de 1994) que contenham os relatórios elaborados por conta do CIREA... O
recorrente será informado dos resultados destas buscas em tempo útil.»
- 13.
- Em 14 de Outubro de 1998, o recorrente foi avisado de que, na sequência das
buscas efectuadas pelos serviços competentes do Secretariado-Geral, fora decidido
dar-lhe acesso a dez relatórios redigidos pelas autoridades dinamarquesas sobre
missões de investigação efectuadas em países terceiros. Era igualmente informado
de que o acesso a quatro outros relatórios elaborados por conta do CIREA pelas
autoridades de outros Estados-Membros (enumerados na carta) lhe era recusado
pelo motivo seguinte, repetido em relação a cada um destes documentos:
«O Secretariado-Geral é de opinião que a divulgação das informações muito
detalhadas e sensíveis deste relatório poderia comprometer as relações da União
Europeia com [o país em causa], assim como as relações bilaterais entre [o
Estado-Membro cujos serviços efectuaram a missão] e este país. Em consequência,
o acesso a este documento não é autorizado, em aplicação do artigo 4.°, n.° 1, da
Decisão [93/731] (relações internacionais).»
- 14.
- O Secretariado-Geral, por carta de 18 de Maio de 1999, comunicou ao recorrente
uma nova resposta do Conselho ao pedido de confirmação de 25 de Agosto de
1998. Nesta resposta, o Conselho referia que existia mesmo uma lista das pessoas
a contactar que figurava no documento 5971/2/98 CIREA 18. Por conseguinte,
admitia que a decisão impugnada estava errada quanto a este ponto.
- 15.
- Todavia, o Conselho recusava autorizar o acesso a este documento nos termos do
artigo 4.°, n.° 1, da Decisão 93/731. Esclarecia na sua resposta: «O documento [em
questão] contém uma lista das pessoas a contactar designadas por cada
Estado-Membro, que podem trocar informações relativas aos requerentes de asilo
[assim como] informações respeitantes aos países de origem de que essas pessoas
são responsáveis, o seu endereço profissional e os seus números directos de
telefone e de fax.» O Conselho prosseguia afirmando que era aos
Estados-Membros que competia decidir se este género de informações podia ser
divulgado e em que medida. Indicava que alguns dentre estes se opunham a tal a
fim de preservar a eficácia operacional dos seus serviços administrativos. Se oConselho divulgasse estas informações, que lhe tinham sido transmitidas com o
objectivo específico de criar uma rede interna de pessoas a contactar destinada a
facilitar a cooperação e a coordenação em matéria de direito de asilo, os
Estados-Membros seriam reticentes no futuro em fornecer-lhe informações desta
natureza. Nestas circunstâncias, a divulgação deste documento poderia prejudicar
o interesse público relativo ao funcionamento da troca de informações e à
coordenação entre os Estados-Membros no domínio do direito de asilo e da
imigração.
Tramitação processual e pedidos das partes
- 16.
- Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de
Dezembro de 1998, o recorrente interpôs o presente recurso.
- 17.
- A face escrita do processo terminou em 28 de Abril de 1999 com a renúncia por
parte do recorrente à apresentação da réplica.
- 18.
- Por carta de 26 de Maio de 1999, o Conselho levou ao conhecimento do Tribunal
que, após ter reexaminado o pedido do recorrente relativo à lista das pessoas a
contactar, tinha decidido recusar o acesso a este documento e juntou a nova
resposta enviada àquele por carta de 18 de Maio de 1999.
- 19.
- A solicitação do Tribunal, o recorrente apresentou observações sobre esta decisão
em 8 de Julho de 1999. Nas suas observações, contesta esta nova decisão e pede
ao Tribunal, na medida em que a decisão se limita a aduzir uma nova
fundamentação para a recusa e por razões de economia processual, que aceite a
alteração dos fundamentos invocados em apoio do seu pedido de anulação da
decisão impugnada no que se refere à lista das pessoas a contactar.
- 20.
- Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu iniciar
a fase oral e solicitou às partes que respondessem por escrito a determinadas
questões. O Conselho, a pedido do Tribunal, apresentou uma cópia dos relatórios
redigidos pelas autoridades dinamarquesas por conta do CIREA, aos quais tinha
sido autorizado o acesso ao recorrente.
- 21.
- Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais do
Tribunal na audiência de 14 de Outubro de 1999.
- 22.
- O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- anular a decisão impugnada;
- condenar o Conselho nas despesas.
- 23.
- O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- negar provimento ao recurso;
- condenar o recorrente nas despesas.
Questão de mérito
- 24.
- O recorrente pede a anulação da decisão impugnada na medida em que esta
indefere o seu pedido de acesso aos relatórios do CIREA, aos relatórios elaborados
por conta do CIREA e à lista das pessoas a contactar. Em apoio do seu recurso,
invoca três fundamentos. O primeiro consiste em violação da Decisão 93/731, na
medida em que o aceso aos documentos solicitados não causa prejuízo às relações
internacionais da União Europeia, a recusa não se baseia numa apreciação
concreta do conteúdo destes documentos e o Conselho se recusou a permitir um
acesso parcial aos referidos documentos. O segundo fundamento consiste em
violação da obrigação de fundamentação. O terceiro fundamento consiste em
violação dum princípio fundamental de direito comunitário de acesso aos
documentos das instituições comunitárias.
- 25.
- Além disso, o recorrente pede ao Tribunal que, em aplicação do dever de
cooperação leal entre as instituições comunitárias, ordene ao Conselho que junte
aos autos a totalidade dos documentos em causa no caso de este não os enviar de
livre vontade.
- 26.
- Como já foi referido, o Conselho, em 18 de Maio de 1999, adoptou uma nova
decisão em resposta ao pedido de confirmação no que se refere à lista das pessoas
a contactar. A instituição reconheceu que a decisão impugnada estava viciada por
erro de facto e justificou a sua recusa com uma nova fundamentação. Nestas
circunstâncias, o Tribunal apreciará a legalidade da decisão impugnada, assim
alterada pela decisão de 18 de Maio de 1999, à luz dos fundamentos avançados na
petição tais como foram reformulados pelo recorrente nas suas observações
apresentadas em 8 de Julho de 1999, em conformidade com o pedido deste.
- 27.
- O Tribunal examinará em primeiro lugar o fundamento que consiste em violação
da obrigação de fundamentação.
Quanto ao fundamento que consiste em violação da obrigação de fundamentação
Argumentos das partes
- 28.
- O recorrente considera que a fundamentação da decisão impugnada não responde
às exigências dos artigos 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) e 7.°, n.° 3,
da Decisão 93/731.
- 29.
- No que respeita aos relatórios do CIREA, o Conselho limita-se a observar que os
mesmos contêm informações detalhadas sobre a situação política nos países emcausa, sem explicar de que maneira a sua divulgação poderia causar prejuízo às
relações da União Europeia com esses países. O recorrente não obteve uma
indicação das razões pelas quais, relativamente a cada país, os documentos não
podiam ser difundidos e, por conseguinte, não teve possibilidade de proteger os
seus interesses, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.
- 30.
- Não obstante a diversidade da situação de cada um dos países implicados, a
instituição limitou-se a dar, relativamente a cada relatório, uma resposta breve,
idêntica e ritualizada, contendo a mesma declaração, sem identificar a natureza das
informações contidas em cada um dos documentos e verificar se a divulgação
dessas informações era susceptível de causar prejuízo ao interesse público. O
acesso a um documento nunca pode ser recusado por simples referência à
categoria a que esse documento pertence.
- 31.
- No que respeita aos relatórios elaborados por conta do CIREA, o recorrente
sustenta que o Conselho, após ter sido confrontado com provas da sua existência,
limitou-se igualmente a responder ao pedido de acesso de maneira vaga, sem
mesmo identificar o tipo de informação neles contida. Isto demonstra que o
Conselho apenas procedeu a uma apreciação mecânica e global do alcance de
excepção do interesse público relativa às relações internacionais, contrariamente
ao que exige a jurisprudência. É impossível ao recorrente, com base em tal
resposta, apreciar se o Conselho aplicou correctamente a referida excepção.
- 32.
- Além disso, o recorrente sustenta que, quando o indeferimento de um pedido de
acesso é confirmado com fundamento em motivos diferentes dos da recusa inicial
e, de facto, contraditórios, a fundamentação desta alteração deve ser exposta de
maneira clara e inequívoca na decisão proferida sobre o pedido de confirmação.
- 33.
- O Conselho alega, em primeiro lugar, que a utilização dos mesmos termos para
descrever situações idênticas não significa necessariamente dar uma resposta
preestabelecida numa formulação-tipo, constituindo antes uma prática justificada
e mesmo necessária quando os relatórios em questão apresentam características
comuns.
- 34.
- Em segundo lugar, o Conselho salienta que o recorrente é perito e investigador
activo em matéria de direito de asilo e de imigração. Tendo em conta igualmente
as indicações contidas na petição, será legítimo pensar, portanto, que o recorrente
conheça o conteúdo-tipo dos relatórios comuns sobre os países terceiros. Assim,
não terá sido necessário descrever-lhe em pormenor a natureza das informações
que figuram nesses relatórios.
- 35.
- Em terceiro lugar, o Conselho sustenta que os fundamentos do indeferimento do
pedido de acesso aos relatórios do CIREA e aos relatórios elaborados por conta
do CIREA, referidos na resposta inicial do secretário-geral e na decisão
impugnada, não são contraditórios mas sim perfeitamente coerentes na medida em
que afirmam a existência de informações sensíveis contidas nestes relatórios, cujadivulgação poderia causar prejuízo às relações da União Europeia com países
terceiros. Baseando-se no acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de
1995, Atlanta Fruchthandelsgesellschaft e o. (II) (C-466/93, Colect., p. I-3799,
n.° 16), o Conselho sustenta que a fundamentação contida na decisão impugnada
evidencia no essencial o objectivo por si prosseguido e, portanto, é suficiente.
Apreciação do Tribunal
- 36.
- Importa recordar que a obrigação de fundamentar as decisões individuais tem o
duplo objectivo de permitir, por um lado, aos interessados conhecerem as
justificações da medida adoptada para defenderem os seus direitos e, por outro
lado, ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade das decisões (v.,
nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990,
Delacre e o./Comissão, C-350/88, Colect., p. I-395, n.° 15, e acórdão do Tribunal
de Primeira Instância de 5 de Março de 1997, WWF UK/Comissão, T-105/95,
Colect., p. II-313, n.° 66). A questão de saber se a fundamentação de uma decisão
satisfaz estas exigências deve ser analisada à luz não apenas do seu teor, mas
também do seu contexto, bem como do conjunto das regras jurídicas que regem a
matéria em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 1996,
Comissão/Conselho, C-122/94, Colect., p. I-881, n.° 29).
- 37.
- Resulta, além disso, da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância que o
Conselho está obrigado a apreciar relativamente a cada documento solicitado se,
à luz das informações de que dispõe, a sua divulgação é efectivamente susceptível
de prejudicar um dos aspectos do interesse público protegido pela primeira
categoria de excepções (acórdão de 17 de Junho de 1998, Svenska
Journalistförbundet/Conselho, T-174/95, Colect., p. II-2289, n.° 112).
- 38.
- Daqui se conclui que o Conselho deve mostrar na fundamentação da sua decisão
que procedeu a uma apreciação concreta dos documentos em causa.
- 39.
- Quanto a este aspecto, o Conselho alega que os relatórios do CIREA e os
relatórios elaborados por conta do CIREA pertencem todos à mesma categoria
pelo facto de apresentarem características comuns. Esta tese não pode ser acolhida.
Com efeito, estes relatórios contêm informações relativas a períodos que variam
de 1994 a 1998, respeitantes a países terceiros muito diferentes como o Zaire e a
China, com os quais a União Europeia tem relações diplomáticas muito variáveis.
- 40.
- Além disso, o exame dos dez relatórios elaborados por conta do CIREA pelas
autoridades dinamarquesas e aos quais o recorrente teve acesso demonstra que a
informação contida nesses documentos varia consideravelmente não somente na
sua natureza (descrição do sistema político, económico, jurisdicional, militar, da
situação respeitante aos direitos humanos, das relações entre os grupos étnicos ou
minorias, do nível de segurança civil, etc.), mas também do seu grau de
sensibilidade.
- 41.
- Ora, não resulta da fundamentação da decisão impugnada, na qual o Conselho se
limitou a indicar que os relatórios continham informações sensíveis cuja divulgação
poderia causar prejuízo às relações da União Europeia com os países em causa (v.
n.° 15, supra), que o Conselho tenha examinado cada um destes documentos em
particular, mesmo que muito sumariamente ou apenas por grupos apresentando as
mesmas características essenciais.
- 42.
- Acresce que resulta dos autos que o acesso foi recusado a quatro outros relatórios
elaborados por conta do CIREA quando é certo que, segundo o Conselho, os
mesmos tinham um conteúdo inteiramente análogo aos dos dez relatórios
dinamarqueses acima referidos. Ora, esta decisão foi tomada sem que o Conselho
avance qualquer justificação que permita ao recorrente compreender as razões
pelas quais a divulgação desses quatro relatórios corria o risco de ter um impacto
diferente sobre as relações diplomáticas da União Europeia.
- 43.
- Nestas circunstâncias, apesar de o Conselho afirmar que procedeu a uma análise
concreta de cada documento solicitado, esta análise não resulta da fundamentação
da decisão impugnada.
- 44.
- Além do mais, quando uma resposta confirma o indeferimento de um pedido comos mesmos fundamentos, é conveniente examinar a suficiência da fundamentação
à luz de toda a correspondência trocada entre a instituição e o requerente, tendo
em conta as informações que o requerente tinha à sua disposição quanto à
natureza e ao conteúdo dos documentos solicitados.
- 45.
- Embora o contexto que envolve a tomada de decisão possa atenuar as exigências
de fundamentação que estão a cargo da instituição, também pode, em
contrapartida, aumentá-las em circunstâncias particulares.
- 46.
- Tal é o caso quando, durante a tramitação do pedido de acesso a documentos, o
recorrente avança elementos susceptíveis de pôr em causa a razão da primeira
recusa. Nestas circunstâncias, as exigências de fundamentação impõem à instituição
a obrigação de responder a um pedido de confirmação indicando os motivos pelos
quais estes elementos não são susceptíveis de lhe permitir alterar a sua posição. Se
assim não for, o requerente não terá possibilidade de compreender as razões pelas
quais o autor da resposta ao pedido de confirmação decidiu manter os mesmos
fundamentos para confirmar a recusa.
- 47.
- No caso vertente, o recorrente, no seu pedido de confirmação, expôs, no que se
refere aos relatórios do CIREA, os argumentos que o levaram a pensar que os
receios expressos pelo secretário-geral do Conselho a propósito da difusão dos
documentos em causa eram injustificados. Todavia, o Conselho, na decisão
impugnada, não indicou qualquer fundamento com vista a afastar estes argumentos
e a fazer compreender ao recorrente as justificações da manutenção da recusa.
- 48.
- Daqui se conclui que a decisão impugnada não responde às exigências de
fundamentação do artigo 190.° do Tratado CE, pelo que deve ser anulada.
Quanto ao fundamento que consiste em violação da Decisão 93/731 pelo facto de o
Conselho não ter permitido um acesso parcial aos documentos
Argumentos das partes
- 49.
- O recorrente sustenta que, ao afastar a possibilidade de permitir um acesso parcial
aos documentos, o Conselho violou o princípio da proporcionalidade. Se a difusão
de determinados relatórios era susceptível de comprometer a protecção do
interesse público, incumbia ao Conselho permitir o acesso, pelo menos, às
passagens dos relatórios não abrangidas pela excepção. Esta solução era necessária
para garantir ao público o acesso mais amplo possível aos documentos do
Conselho.
- 50.
- No que se refere à lista das pessoas a contactar, o Conselho teria podido respeitar
o direito de acesso do recorrente a esta lista sem, por esse facto, pôr em causa o
bom funcionamento da rede de troca de informações em matéria de direito de
asilo elaborada entre as administrações e os Estados-Membros, pela simples
supressão dos números de telefone directos e dos endereços de correio electrónico.
- 51.
- O Conselho contesta a possibilidade de dar um acesso parcial aos documentos.
Apoia a sua decisão, em primeiro lugar, numa interpretação conforme à letra e ao
espírito da Decisão 93/731. Por um lado, este acto menciona um direito de acesso
aos «documentos» do Conselho e não às informações na posse do Conselho. Por
outro lado, o objectivo desta informação é permitir o acesso do público aos
documentos do Conselho e não aos elementos de informação que os mesmos
contêm.
- 52.
- Em segundo lugar, o Conselho baseia-se nas características dos relatórios
solicitados pelo recorrente. O Conselho não podia dar acesso a algumas das suas
passagens porque a dificuldade consistia precisamente em determinar as passagens
sem correr o risco de criar problemas nas relações com determinados países
terceiros. A única maneira de evitar esse risco com segurança era promover
consultas com o país em causa, o que comprometia manifestamente os interesses
que o Conselho deve proteger.
- 53.
- No que se refere à lista das pessoas a contactar, o Conselho esclarece que, quando
um documento contém informações emanadas de vários Estados-Membros, o facto
de limitar o acesso aos dados comunicados por alguns deles isolaria os outros
perante a opinião pública.
Apreciação do Tribunal
- 54.
- Importa recordar, a título liminar, conforme já foi decidido pelo Tribunal, que a
interpretação do artigo 4.°, n.° 1, da Decisão 93/731 deve ser feita à luz do princípio
do direito à informação e do princípio da proporcionalidade. Daqui resulta que o
Conselho é obrigado a examinar se deve ser permitido o acesso parcial aos dados
não abrangidos pelas excepções (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19
de Julho de 1999, Hautala/Conselho, T-14/98, Colect., p. II-0000, n.° 87).
- 55.
- Além disso, o princípio da proporcionalidade permite ao Conselho, em casos
particulares em que o volume do documento ou o das passagens a censurar
implicam para si uma tarefa administrativa inadequada, ponderar, por um lado, o
interesse do acesso do público a essas partes fragmentárias e, por outro lado, a
carga de trabalho que daí decorre. O Conselho pode assim, nestes casos
particulares, salvaguardar o interesse de uma boa administração (acórdão
Hautala/Conselho, já referido, n.° 86).
- 56.
- Em qualquer circunstância, como já foi referido no n.° 37, supra, o Conselho tem
a obrigação de proceder a uma apreciação concreta do risco que a divulgação dos
documentos aos quais o acesso é solicitado pode trazer para o interesse público.
Nestas circunstâncias, a supressão das passagens sensíveis dos documentos não
deve necessariamente constituir uma carga de trabalho insuportável para a
instituição.
- 57.
- Além disso, o argumento do Conselho ligado às características dos relatórios
solicitados pelo recorrente e à dificuldade em determinar, no caso concreto, quais
são as passagens não abrangidas pela excepção não pode ser acolhido. Resulta,
com efeito, do exame dos dez relatórios dinamarqueses elaborados por conta do
CIREA, aos quais foi permitido o acesso ao recorrente, que uma grande parte da
informação que os mesmos contêm é constituída por descrições e verificações de
facto que não estão manifestamente abrangidas pela excepção invocada.
- 58.
- No que se refere à recusa de acesso à lista das pessoas a contactar, verifica-se que
o recorrente afirmou expressamente nas suas observações à resposta do Conselho
de 18 de Maio de 1999 que não quer ter acesso aos números de telefone e aos
endereços de correio electrónico das pessoas que estão inscritas na lista em causa.
- 59.
- Em relação ao argumento segundo o qual um acesso parcial, limitado aos dados
comunicados por determinados Estados-Membros, conduziria a isolar os outros
perante a opinião pública, basta verificar que o Conselho não demonstrou em que
medida estas considerações podem entrar no âmbito das excepções previstas no
artigo 4.° da Decisão 93/731.
- 60.
- Resulta do que antecede que o Conselho, ao recusar permitir o acesso às passagens
dos documentos solicitados não abrangidas pela excepção de interesse público
invocada, aplicou a referida excepção de maneira desproporcionada.
- 61.
- Nestas condições, deve ser anulada a decisão impugnada sem que seja necessário
apreciar a procedência do fundamento que consiste em violação dum princípio
fundamental de acesso aos documentos.
- 62.
- Na medida em que o Tribunal considera que possui elementos suficientes para
julgar procedente a pretensão do recorrente e anular a decisão impugnada na sua
totalidade, não considera necessário solicitar ao Conselho que lhe envie os
documentos em questão.
Quanto às despesas
- 63.
- Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é
condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver pedido. Tendo o Conselho
sido vencido e o recorrente requerido a sua condenação, há que condená-lo nas
despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)
decide:
1) É anulada a decisão do Conselho de 28 de Setembro de 1998, na versão
alterada pela decisão de 18 de Maio de 1999, que recusou ao recorrente o
acesso a determinados documentos elaborados pelo Centro de Informação,
Reflexão e Intercâmbio em Matéria de Asilo e a determinados documentos
de missões comuns ou efectuadas por Estados-Membros e transmitidos a
este último, assim como à lista das pessoas a contactar que, nos
Estados-Membros, se ocupam dos pedidos de asilo.
2) O Conselho suportará, para além das suas despesas, as despesas do
recorrente.
Moura RamosTiili
Mengozzi
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Abril de 2000.
O secretário
O presidente
H. Jung
V. Tiili