Language of document : ECLI:EU:C:2024:487

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

11 de junho de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política comum de asilo — Diretiva 2011/95/UE — Condições para poderem beneficiar do estatuto de refugiado — Artigo 2.o, alíneas d) e e) — Motivos da perseguição — Artigo 10.o, n.o 1, alínea d), e n.o 2 — “Pertença a um grupo social específico” — Artigo 4.o — Apreciação a título individual dos factos e das circunstâncias — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 10.o, n.o 3 — Condições aplicáveis à apreciação dos pedidos de proteção internacional — Artigo 24.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Interesse superior da criança — Determinação — Nacionais de país terceiro menores que se identificam com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens devido à sua estada num Estado‑Membro»

No processo C‑646/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch, Países Baixos), por Decisão de 22 de outubro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 25 de outubro de 2021, no processo

K,

L

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev, C. Lycourgos, E. Regan, F. Biltgen e N. Piçarra (relator), presidentes de secção, P. G. Xuereb, L. S. Rossi, I. Jarukaitis, A. Kumin, N. Jääskinen, N. Wahl, I. Ziemele e J. Passer, juizes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de abril de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de K e L, por B.W.M. Toemen e Y. E. Verkouter, advocaten, assistidos por S. Rafi, perita,

–        em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman, A. Hanje e A. M. de Ree, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Checo, por L. Halajová, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Helénico, por M. Michelogiannaki e T. Papadopoulou, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Espanhol, por A. Gavela Llopis e A. Pérez‑Zurita Gutiérrez, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Francês, por A.‑L. Desjonquères e J. Illouz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Húngaro, por Zs. Biró‑Tóth e M. Z. Fehér, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma e F. Wilman, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de julho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 24.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e do artigo 10, n.o 1, alínea d), e n.o 2, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe K e L ao Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos), relativamente ao indeferimento, por este último, dos seus pedidos subsequentes de proteção internacional.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

 Convenção de Genebra

3        Nos termos do artigo 1.o, secção A, ponto 2, da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], que entrou em vigor em 22 de abril de 1954 e foi completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, assinado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, e que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»), «[p]ara os fins da presente Convenção, o termo “refugiado” aplicar‑se‑á a qualquer pessoa […] [q]ue, […] receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; […]»

 CEDAW

4        Nos termos do artigo 1.o da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (a seguir «CEDAW»), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979, que entrou em vigor em 3 de setembro de 1981 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1249, n.o I‑20378, p. 13) e da qual todos os Estados‑Membros são parte, «[p]ara os fins [desta convenção], a expressão “discriminação contra as mulheres” significa qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha como efeito ou como objetivo comprometer ou destruir o reconhecimento, o gozo ou o exercício pelas mulheres, seja qual for o seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios, político, económico, social, cultural e civil ou em qualquer outro domínio».

5        O artigo 3.o desta convenção prevê que os Estados Partes tomam em todos os domínios, nomeadamente nos domínios político, social, económico e cultural, todas as medidas apropriadas, incluindo disposições legislativas, para assegurar o pleno desenvolvimento e o progresso das mulheres, com vista a garantir‑lhes o exercício e o gozo dos direitos [humanos] e das liberdades fundamentais, com base na igualdade com os homens.

6        Nos termos do artigo 5.o da referida convenção, os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para, nomeadamente, modificar os esquemas e modelos de comportamento sociocultural dos homens e das mulheres com vista a alcançar a eliminação dos preconceitos e das práticas costumeiras, ou de qualquer outro tipo, que se fundem na ideia de inferioridade ou de superioridade de um ou de outro sexo ou de um papel estereotipado dos homens e das mulheres.

7        Nos termos dos artigos 7.o, 10.o e 16.o da mesma convenção, os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra as mulheres na vida política e pública do país, no domínio da educação e em todas as questões relativas ao casamento e às relações familiares.

 Convenção de Istambul

8        Em conformidade com o seu artigo 1.o, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, celebrada em Istambul em 11 de maio de 2011, assinada pela União Europeia em 13 de junho de 2017, aprovada em nome desta pela Decisão (UE) 2023/1076 do Conselho, de 1 de junho de 2023 (JO 2023, L 143 I, p. 4) (a seguir «Convenção de Istambul»), que entrou em vigor, no que respeita à União, em 1 de outubro de 2023, visa, nomeadamente, quer proteger as mulheres contra todas as formas de violência, bem como prevenir, instaurar o procedimento penal relativamente à violência contra as mulheres e à violência doméstica e eliminar estes dois tipos de violência, quer contribuir para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e promover a igualdade real entre mulheres e homens, incluindo o empoderamento das mulheres.

9        O artigo 3.o desta convenção especifica que, para os efeitos da sua aplicação, a expressão «violência contra as mulheres» deve ser entendida como uma a violação dos direitos humanos e é uma forma de discriminação contra as mulheres, abrangendo todos os atos de violência de género que resultem, ou possam resultar, em danos ou sofrimentos físicos, sexuais, psicológicos ou económicos para as mulheres, incluindo a ameaça de tais atos, a coação ou a privação arbitrária da liberdade, tanto na vida pública como na vida privada;

10      O artigo 4.o, n.o 2, da referida convenção dispõe:

«As Partes condenam todas as formas de discriminação contra as mulheres e adotam de imediato as medidas legislativas e outras que se revelem necessárias para a evitar, em especial através da:

–        Consagração do princípio da igualdade entre mulheres e homens na sua constituição nacional ou em outra legislação apropriada, e da garantia da concretização deste princípio;

–        Proibição da discriminação contra as mulheres, designadamente através do recurso a sanções, se for caso disso;

–        Abolição de leis e práticas que discriminam as mulheres.»

11      O artigo 60.o da Convenção de Istambul tem a seguinte redação:

«1.      As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para que a violência de género exercida contra as mulheres possa ser reconhecida como uma forma de perseguição, na aceção da alínea 2) do ponto A do artigo 1.o da [Convenção de Genebra], e como uma forma de dano grave exigindo proteção complementar/subsidiária.

2.      As Partes deverão assegurar que a interpretação dada a cada um dos fundamentos previstos na [Convenção de Genebra] tenha em conta a dimensão do género e, nos casos em que se verifique que o receio de perseguição se baseia em um ou mais desses fundamentos, garantir a concessão do estatuto de refugiado aos requerentes de asilo de acordo com os instrumentos pertinentes e aplicáveis.

[…]»

 Direito da União

 Diretiva 2011/95

12      Nos termos dos considerandos 4, 16, 18 e 30 da Diretiva 2011/95:

«(4)      A Convenção de Genebra e o seu protocolo constituem a pedra basilar do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados.

[…]

(16)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela [Carta]. Em especial, a presente diretiva procura assegurar o respeito integral da dignidade humana e o direito de asilo dos requerentes de asilo e dos membros da sua família acompanhantes, e promover a aplicação dos artigos 1.o, 7.o, 11.o, 14.o, 15.o, 16.o, 18.o, 21.o, 24.o, 34.o e 35.o da Carta, e, por conseguinte, deverá ser aplicada em conformidade.

[…]

(18)      O “interesse superior da criança” deverá ser uma das principais preocupações a ter em consideração pelos Estados‑Membros na aplicação da presente diretiva, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança. Ao avaliarem o interesse superior da criança, os Estados‑Membros deverão ter devidamente em conta, em particular, o princípio da unidade familiar, o bem‑estar e o desenvolvimento social do menor, questões de segurança e as opiniões do menor em função da sua idade e grau de maturidade.

[…]

(30)      É igualmente necessário introduzir um conceito comum para o motivo de perseguição constituído pela pertença a um determinado grupo social. Para efeitos de definição de determinado grupo social, deverão ser tidas em devida consideração questões relacionadas com o género do requerente, incluindo a identidade de género e a orientação sexual, que possam estar relacionadas com determinadas tradições jurídicas e costumes, conducentes, por exemplo, à mutilação genital, à esterilização forçada ou ao aborto forçado, na medida em que estejam relacionadas com o receio fundado de perseguição por parte do requerente.»

13      O artigo 2.o desta diretiva, com a epígrafe «Definições», tem a seguinte redação:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Proteção internacional”, o estatuto de refugiado e o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

[…]

d)      “Refugiado”, o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o artigo 12.o;

e)      “Estatuto de refugiado”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como refugiado;

[…]

i)      “Requerente”, um nacional de um país terceiro ou um apátrida que tenha apresentado um pedido de proteção internacional em relação ao qual ainda não foi tomada uma decisão definitiva;

[…]

k)      “Menor”, o nacional de um país terceiro ou um apátrida com menos de 18 anos de idade;

[…]

n)      “País de origem”, o país ou países de nacionalidade ou, no caso dos apátridas, o país em que tinha a sua residência habitual.»

14      O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Apreciação dos factos e circunstâncias», que consta do capítulo II da mesma, relativo à «[a]preciação do pedido de proteção internacional», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

2.      Os elementos mencionados no n.o 1 consistem nas declarações do requerente e em toda a documentação de que o requerente disponha sobre a sua idade, história pessoal, incluindo a dos familiares pertinentes, identidade, nacionalidade(s), país(es) e local(is) de residência anteriores, pedidos de asilo anteriores, itinerários, documentos de viagem e os motivos pelos quais solicita proteção internacional.

3.      A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

a)      Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e a forma como estas são aplicadas;

[…]

c)      A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave;

5.      Caso os Estados‑Membros apliquem o princípio segundo o qual incumbe ao requerente justificar o seu pedido de proteção internacional e caso existam elementos das declarações do requerente não sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados se estiverem reunidas as seguintes condições

[…]

c)      As declarações do requerente tenham sido consideradas coerentes e plausíveis […]

[…]

e)      Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.»

15      O artigo 9.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Atos de perseguição», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Para ser considerado um ato de perseguição, na aceção do ponto A do artigo 1.o da Convenção de Genebra, um ato deve:

a)      Ser suficientemente grave, devido à sua natureza ou persistência, para constituir uma violação grave dos direitos humanos fundamentais, em especial os direitos que não podem ser derrogados, nos termos do artigo 15.o, n.o 2, da Convenção Europeia de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950]; ou

b)      Constituir um cúmulo de várias medidas, incluindo violações dos direitos humanos, suficientemente graves para afetar o indivíduo de forma semelhante à referida na alínea a).

2.      Os atos de perseguição qualificados no n.o 1 podem assumir, designadamente, as seguintes formas:

[…]

f)      Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra crianças.»

16      O artigo 10.o da Diretiva 2011/95, sob a epígrafe «Motivos da perseguição», prevê:

«1.      Ao apreciarem os motivos da perseguição, os Estados‑Membros devem ter em conta o seguinte:

[…]

d)      Um grupo é considerado um grupo social específico nos casos concretos em que:

–        os membros desse grupo partilham uma característica inata ou uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e

–        esse grupo tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

[…] Para efeitos da determinação da pertença a um grupo social específico ou da identificação de uma característica desse grupo, são tidos devidamente em conta os aspetos relacionados com o género, incluindo a identidade de género;

[…]

2.      Ao apreciar se o receio de perseguição do requerente tem fundamento, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada [ao] grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.»

17      O artigo 20.o desta diretiva, que figura no seu capítulo VII, relativo ao «[c]onteúdo da proteção internacional», dispõe, nos n.os 3 e 5:

«3.      Ao aplicar o presente capítulo, os Estados‑Membros devem ter em conta a situação específica das pessoas vulneráveis, designadamente os menores, os menores não acompanhados, […], as famílias monoparentais com filhos menores […]

[…]

5.      Os interesses superiores da criança constituem uma consideração primordial para os Estados‑Membros na transposição das disposições do presente capítulo respeitantes aos menores.»

 Diretiva 2013/32/UE

18      O artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), define um «pedido subsequente» como «um pedido de proteção internacional apresentado após ter sido proferida uma decisão definitiva sobre um pedido anterior […]».

19      O artigo 10.o desta diretiva, sob a epígrafe «Condições aplicáveis à apreciação dos pedidos», prevê, no seu n.o 3:

«Os Estados‑Membros asseguram que as decisões sobre os pedidos de proteção internacional sejam proferidas pelo órgão de decisão após apreciação adequada. Para o efeito, os Estados‑Membros asseguram que:

a)      Os pedidos sejam apreciados e as decisões proferidas de forma individual, objetiva e imparcial;

b)      Sejam obtidas informações precisas e atualizadas junto de várias fontes, tal como o [Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO)], o [Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)] e organizações internacionais de direitos humanos pertinentes, sobre a situação geral nos países de origem dos requerentes […] e que tais informações sejam transmitidas aos agentes responsáveis pela apreciação dos pedidos e pela pronúncia de decisões;

[…]

d)      Os agentes responsáveis pela apreciação dos pedidos e pela pronúncia de decisões tenham a possibilidade de obter aconselhamento, sempre que necessário, de peritos em matérias específicas, tais como questões médicas, culturais, religiosas, de menores ou de género.»

20      Nos termos do artigo 14.o, n.o 1, quarto parágrafo, da referida diretiva, «[o]s Estados‑Membros podem definir na respetiva legislação os casos em que deve ser concedida uma entrevista pessoal aos menores».

21      O artigo 15.o, n.o 3, da mesma diretiva dispõe:

«Os Estados‑Membros tomam as medidas adequadas para garantir a realização da entrevista pessoal em condições que permitam aos requerentes expor circunstanciadamente os fundamentos do seu pedido. Para esse efeito, os Estados‑Membros:

[…]

e)      Asseguram que as entrevistas a menores sejam conduzidas de forma adequada.»

22      O artigo 40.o da Diretiva 2013/32, sob a epígrafe «Pedidos subsequentes», prevê, no seu n.o 2:

«Para efeitos de uma decisão acerca da admissibilidade de um pedido de proteção internacional nos termos do artigo 33.o, n.o 2, alínea d), um pedido de proteção internacional subsequente será primeiramente sujeito a uma apreciação preliminar para determinar se surgiram ou foram apresentados pelo requerente novos elementos ou provas relacionados com a análise do preenchimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95].»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23      K e L, as recorrentes no processo principal, são duas irmãs de nacionalidade iraquiana, nascidas respetivamente em 2003 e em 2005. Chegaram aos Países Baixos em 2015, acompanhadas dos seus pais e da sua tia. Aí residem ininterruptamente desde então. Em 7 de novembro de 2015, os seus pais apresentaram pedidos de asilo em seu nome e em nome de K e de L, que foram indeferidos em 17 de fevereiro de 2017. Estas decisões de indeferimento tornaram‑se definitivas em 2018.

24      Em 4 de abril de 2019, K e L apresentaram pedidos subsequentes, na aceção do artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32, que foram indeferidos, por manifestamente infundados, por decisões do Secretário de Estado da Justiça e da Segurança de 21 de dezembro de 2020. Para contestar estas decisões de indeferimento, K e L alegam perante o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch, Países Baixos), o órgão jurisdicional de reenvio, que, devido à sua residência de longa duração nos Países Baixos, adotaram as normas, os valores e os comportamentos dos jovens da sua idade e estão assim «ocidentalizadas». Por conseguinte, enquanto jovens mulheres, consideram ter a possibilidade de fazer escolhas por elas próprias no que respeita à sua existência e futuro, nomeadamente no que respeita às suas relações com as pessoas do sexo masculino, ao seu casamento, aos seus estudos, ao seu trabalho e à formação e expressão das suas opiniões políticas e religiosas. Receiam ser perseguidas em caso de regresso ao Iraque devido à identidade que forjaram nos Países Baixos, marcada pela assimilação das normas, valores e comportamentos diferentes dos do seu país de origem, que se tornaram de tal modo essenciais para a sua identidade e consciência que não poderiam a eles renunciar. Alegam, assim, pertencer a um «grupo social específico» na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95.

25      K e L afirmam também que, devido a esta residência de longa duração nos Países Baixos, estão agora enraizadas nesse país e o seu desenvolvimento seria prejudicado se o tivessem de abandonar. Este prejuízo acresceria ao sofrido devido ao longo período de incerteza quanto à obtenção de uma autorização de residência nesse Estado‑Membro.

26      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre a interpretação do conceito de «pertença a um grupo social específico» na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95. Considera que o conceito de «ocidentalização» remete para a igualdade entre as mulheres e os homens e, em particular, para o direito das mulheres a serem preservadas de qualquer violência ligada ao género, de não serem obrigadas a casar, assim como o direito de aderir ou não a um credo, de ter as suas próprias opiniões políticas e de poder manifestá‑las.

27      Este órgão jurisdicional recorda que, segundo a jurisprudência do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos), as «mulheres ocidentalizadas» constituem um grupo demasiado heterogéneo para que se possa considerar que pertencem a um «grupo social específico», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95, e que, segundo a prática jurídica nacional, uma eventual «ocidentalização» é examinada como motivo de perseguição com base na religião ou nas opiniões políticas.

28      O referido órgão jurisdicional interroga‑se, em segundo lugar, sobre a maneira de ter em consideração o interesse superior da criança, garantido no artigo 24.o, n.o 2, da Carta, no âmbito do procedimento de apreciação dos pedidos de proteção internacional. Não encontra nenhuma indicação no direito da União sobre a forma de demonstrar esse interesse.

29      A este respeito, lembrando que, segundo o Acórdão de 14 de janeiro de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Regresso de um menor não acompanhado) (C‑441/19, EU:C:2021:9, n.o 45), todos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança, em conformidade com o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, o órgão jurisprudencial de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade com o direito da União de uma prática jurídica nacional segundo a qual, num primeiro momento, a autoridade competente decide sobre o pedido de proteção internacional ao apreciar, em termos gerais, o interesse superior da criança, só podendo o requerente contestar a decisão assim adotada num segundo momento, ao determinar concretamente que esse interesse exige uma decisão diferente.

30      Em terceiro lugar, ao observar que o alegado dano sofrido por K e L, originado na incerteza decorrente da sua situação nos Países Baixos, não tem relação com os motivos de perseguição no seu país de origem, este órgão jurisdicional pergunta‑se se, no âmbito do exame de um pedido de proteção internacional, o interesse superior da criança impõe todavia a consideração desse dano e, em caso afirmativo, segundo que modalidades.

31      Em quarto e último lugar, o referido órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se a prática jurídica nacional segundo a qual a autoridade que decide sobre um «pedido subsequente», na aceção do artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32, não tem de examinar oficiosamente o direito de residência do requerente por «fundamentos de autorização ordinária de residência» é compatível com o direito da União.

32      Nestas condições, o rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Hertogenbosch, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da [Diretiva 2011/95] ser interpretado no sentido de que as normas, os valores e os comportamentos de facto ocidentais, que os nacionais de países terceiros adotam ao residirem no território do Estado‑Membro durante uma parte substancial da fase da vida em que formam a sua identidade e se integram plenamente na sociedade, devem ser considerados uma história comum que não pode ser alterada, ou características tão fundamentais para a identidade que não se pode exigir que a elas renunciem?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, devem os nacionais de países terceiros que — independentemente dos motivos — tenham adotado normas e valores ocidentais semelhantes devido à residência de facto no Estado‑Membro durante a fase de formação da sua identidade ser considerados “membros de um grupo social específico” na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da [Diretiva 2011/95]? Deve a questão de saber se está em causa um “grupo social específico, com uma identidade distinta no país em questão”, ser apreciada do ponto de vista do Estado‑Membro ou deve a mesma ser interpretada, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 2, da [Diretiva 2011/95], no sentido de que constitui um fator preponderante que permite ao estrangeiro demonstrar que é considerado, no país de origem, membro de um grupo social específico ou pelo menos que se [lhe] atribui tal condição? A condição de que a ocidentalização só pode dar lugar ao estatuto de refugiado se for causada por motivos religiosos ou políticos é compatível com o artigo 10.o da [Diretiva 2011/95], lido em conjugação com a proibição da repulsão e com o direito de asilo?

3)      É compatível com o direito da União, mais especificamente com o artigo 24.o, n.o 2, da [Carta], lido em conjugação com o artigo 51.o, n.o 1, da Carta, uma prática judicial nacional segundo a qual, na apreciação do pedido de proteção internacional, a autoridade [competente] pondera o interesse superior da criança sem (permitir) que comece por se determinar em concreto esse interesse superior da criança (em todos os processos)? A resposta a esta questão será diferente se o Estado‑Membro tiver de apreciar um pedido de aceitação da residência com base em fundamentos de autorização ordinária de residência e o interesse superior da criança tiver de ser tido em conta na decisão sobre esse pedido?

4)      De que modo e em que fase da apreciação do pedido de proteção internacional deve ser tido em conta e ponderado, à luz do artigo 24.o, n.o 2, da Carta, o interesse superior da criança e, mais especificamente, os danos sofridos pelo menor devido à residência de facto prolongada num Estado‑Membro? É relevante para este efeito que a residência de facto tenha sido legal? Para efeitos da ponderação do interesse superior da criança na apreciação acima referida, é relevante saber se o Estado‑Membro adotou uma decisão sobre o pedido de proteção internacional dentro dos prazos estabelecidos pelo direito da União, se não foi cumprida a obrigação de regresso anteriormente imposta e se o Estado‑Membro não procedeu ao afastamento depois de ter sido emitida uma decisão de regresso, mantendo‑se, deste modo, a residência de facto do menor no Estado‑Membro?

5)      É compatível com o direito da União, tendo em conta o artigo 7.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, uma prática judicial nacional que distingue entre um primeiro pedido e um pedido subsequente de proteção internacional, no sentido de que, num pedido subsequente de proteção internacional, não são tidos em conta os fundamentos de autorização ordinária de residência?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

33      A título liminar, importa salientar que, embora o órgão jurisdicional de reenvio se refira, nomeadamente na sua primeira questão, às «normas, [a]os valores e [a]os comportamentos de facto ocidentais, que os nacionais de países terceiros adotam ao residirem no território [de um] Estado‑Membro durante uma parte substancial da fase da vida em que formam a sua identidade», resulta do despacho de reenvio que visa, em substância, a identificação efetiva dessas mulheres com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens e com a sua vontade de continuar a beneficiar dessa igualdade na sua vida quotidiana.

34      Nestas condições, há que considerar que, com as suas duas primeiras questões prejudiciais, que podem ser examinadas em conjunto, este órgão jurisdicional pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), e n.o 2, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que, em função das condições que prevalecem no país de origem, pertencem a «um grupo social específico», enquanto «motivo de perseguição» que pode conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado, as mulheres nacionais desse país, incluindo menores, que partilham como característica comum a identificação efetiva com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens, consagrada nomeadamente no artigo 2.o TUE, ocorrida durante a sua estada num Estado‑Membro.

35      Em primeiro lugar, o artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95 define como «refugiado» o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país. Esta definição retoma a que figura no artigo 1.o, secção A, ponto 2, da Convenção de Genebra que, como enunciado no considerando 4 dessa diretiva, constitui «a pedra basilar do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados».

36      A interpretação das disposições da Diretiva 2011/95 deve, por isso, ser efetuada não apenas à luz da sistemática e da finalidade desta diretiva mas também no respeito da Convenção de Genebra e dos outros tratados pertinentes referidos no artigo 78.o, n.o 1, TFUE. Estes tratados incluem, nomeadamente, a Convenção de Istambul e a CEDAW [Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.os 37 e 44 a 47].

37      Como confirmam os artigos 1.o, 3.o e 4.o, n.o 2, da Convenção de Istambul, a igualdade entre as mulheres e os homens implica nomeadamente o direito, de qualquer mulher, de ser preservada de qualquer violência associada ao género, o direito de não ser obrigada a casar, e o direito de aderir ou não a uma crença, de ter as suas próprias opiniões políticas e de as manifestar e de fazer livremente as suas próprias escolhas de vida, nomeadamente em matéria de educação, de carreira profissional ou de atividades na esfera pública. O mesmo resulta dos artigos 3.o, 5.o, 7.o, 10.o e 16.o da CEDAW.

38      Além disso, a interpretação das disposições da Diretiva 2011/95 deve também fazer‑se, como enuncia o seu considerando 16, com respeito pelos direitos reconhecidos pela Carta, cuja aplicação esta diretiva visa promover, e cujo artigo 21.o, n.o 1, proíbe a discriminação em razão, designadamente, do sexo [v., neste sentido, Acórdãos de 13 de janeiro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑507/19, EU:C:2021:3, n.o 39, e de 9 de novembro de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Conceito de ofensa grave), C‑125/22, EU:C:2023:843, n.o 60].

39      Em segundo lugar, o artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95 enumera, para cada um dos cinco motivos de perseguição suscetíveis de conduzir, em conformidade com o artigo 2.o, alínea d), dessa diretiva, ao reconhecimento do estatuto de refugiado, elementos que os Estados‑Membros devem ter em conta.

40      Em particular, no que se refere ao motivo de «pertença a um grupo social específico», resulta deste artigo 10.o, n.o 1, alínea d), primeiro parágrafo, que um grupo é considerado um «grupo social específico» quando se verifiquem duas condições cumulativas. Por um lado, as pessoas que podem dele fazer parte devem partilhar pelo menos uma das três características de identificação, que são uma «característica inata», «uma história comum que não pode ser alterada», ou «uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem». Por outro lado, esse grupo deve ter uma «identidade distinta» no país de origem, «porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia» [Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 40]

41      Além disso, o segundo parágrafo do referido artigo 10.o, n.o 1, alínea d), especifica, entre outros, que «[p]ara efeitos da determinação da pertença a um grupo social específico ou da identificação de uma característica desse grupo, são tidos devidamente em conta os aspetos relacionados com o género, incluindo a identidade de género». Esta disposição deve ser lida à luz do considerando 30 da Diretiva 2011/95, segundo o qual a identidade de género pode estar relacionada com determinadas tradições jurídicas e costumes [Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 41].

42      No que respeita à primeira condição de identificação de um «grupo social específico», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Diretiva 2011/95, a saber, partilhar pelo menos um dos três traços distintivos referidos nesta disposição, o Tribunal de Justiça já decidiu que o facto de ser do sexo feminino constitui uma característica inata e, como tal, é suficiente para que se verifique este pressuposto [Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 49].

43      Além disso, mulheres que partilhem um traço comum adicional, como, por exemplo, outra característica inata ou uma história comum que não pode ser alterada, como uma situação familiar particular ou, ainda, uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que estas mulheres a ela renunciem, podem, por esse facto, cumprir também a referida condição [v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 50].

44      A este propósito, por um lado, como salientou o advogado‑geral no n.o 34 das suas conclusões, a identificação efetiva de uma mulher com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens, na medida em que pressupõe a vontade de beneficiar dessa igualdade na sua vida quotidiana, implica poder fazer livremente as suas próprias escolhas de vida, nomeadamente no atinente à sua educação e carreira profissional, à extensão e à natureza das suas atividades na esfera pública, à possibilidade de alcançar a independência económica trabalhando fora de casa, à sua decisão de viver sozinha ou com uma família e à escolha do seu parceiro, escolhas que são fundamentais na determinação da sua identidade. Nestas condições, a identificação efetiva de uma nacional de um país terceiro com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens pode ser considerada «uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem». A este respeito, é irrelevante a circunstância de essa nacional não considerar que forma um grupo com as outras nacionais de país terceiro ou com todas as mulheres que se identificam com esse valor fundamental.

45      Por outro lado, a circunstância de jovens mulheres nacionais de países terceiros terem residido num Estado‑Membro de acolhimento, durante uma fase da sua vida durante a qual a identidade de uma pessoa se forja, e de, ao longo dessa estada, se terem efetivamente identificado com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens pode constituir «uma história comum que não pode ser alterada», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Diretiva 2011/95.

46      Por conseguinte, importa declarar que essas mulheres, incluindo menores, cumprem a primeira condição de identificação de um «grupo social específico», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), primeiro parágrafo, primeiro travessão, da Diretiva 2011/95.

47      Por força do artigo 10.o, n.o 2, dessa diretiva, a autoridade nacional competente deve garantir que a característica associada à pertença a um grupo social específico é atribuída à pessoa em causa no seu país de origem, na aceção do artigo 2.o, alínea n), da referida diretiva, mesmo que essa pessoa não possua efetivamente essa característica.

48      No que respeita à segunda condição de identificação de um «grupo social específico», prevista no artigo 10.o, n.o 1, alínea d), primeiro parágrafo, segundo travessão, da mesma diretiva e relativa à «identidade distinta» do grupo no país de origem, cumpre referir que as mulheres podem ser encaradas de maneira diferente pela sociedade que as rodeia e que lhes pode ser reconhecida uma identidade distinta nessa sociedade, em razão, nomeadamente, das normas sociais, morais ou jurídicas praticadas no respetivo país de origem [Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 52].

49      Esta segunda condição é também cumprida por mulheres que partilhem uma característica comum adicional, como a identificação efetiva com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens, quando as normas sociais, morais ou jurídicas vigentes no respetivo país de origem impliquem que estas mulheres sejam também encaradas, em razão desta característica comum, de maneira diferente pela sociedade em redor [v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 53].

50      Neste contexto, cumpre esclarecer que compete às autoridades competentes do Estado‑Membro em causa determinar qual é a sociedade em redor que se deve considerar pertinente para efeitos da apreciação da existência deste grupo social. Esta sociedade pode coincidir com o país terceiro, globalmente considerado, de origem do requerente de proteção internacional, ou ser circunscrita, por exemplo, a uma parte do território ou da população desse país terceiro [Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 54].

51      Daqui resulta que se pode considerar que as mulheres, incluindo menores, que partilham como característica comum a identificação efetiva com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens, ocorrida durante a sua estada num Estado‑Membro, em função das condições que prevalecem no pais de origem, pertencem a um «grupo social específico», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95.

52      Atendendo às dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio, importa ainda especificar que não é de todo exigido que a identificação efetiva dessas mulheres com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens revista caráter político ou religioso para reconhecer, na sua esfera jurídica, a existência de um motivo de perseguição, na aceção dessa disposição. Não é menos verdade que tal identificação pode, sendo caso disso, ser também entendida como motivo de perseguição baseado na religião ou nas opiniões políticas.

53      Em terceiro lugar, quanto à apreciação de um pedido de proteção internacional, incluindo um «pedido subsequente», baseado no motivo de perseguição que constitui a pertença a um grupo social específico, cabe às autoridades nacionais competentes verificar, como impõe o artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95, se a pessoa que invoca esse motivo de perseguição «receia com razão» ser perseguida no seu país de origem, na aceção do artigo 9.o, n.os 1 e 2, dessa diretiva, em virtude desta pertença [v., neste sentido, Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 59].

54      Para efeitos de tal apreciação, a autoridade nacional competente deve ter em conta, primeiro, o facto de, como especificado no artigo 9.o, n.o 2, alínea f), da referida diretiva, um ato de perseguição, na aceção do artigo 1.o, secção A, da Convenção de Genebra, poder nomeadamente assumir a forma de um ato cometido «especificamente em razão do género».

55      A este respeito, por um lado, o artigo 60.o, n.o 1, da Convenção de Istambul dispõe que a violência contra as mulheres baseada no género, entendida, em conformidade com o artigo 3.o dessa convenção, como uma violação dos direitos humanos e como uma forma de discriminação contra as mulheres, deve ser reconhecida como uma forma de perseguição, na aceção do artigo 1.o, secção A, ponto 2, da Convenção de Genebra. Por outro lado, este artigo 60.o, n.o 2, impõe às partes que velem para que uma interpretação sensível ao género seja aplicada a cada um dos fundamentos de perseguição previstos pela Convenção de Genebra, incluindo, portanto, o motivo de perseguição relativo à pertença a um grupo social específico.

56      Segundo, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar, o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o seu pedido de proteção internacional. Não é menos verdade que as autoridades dos Estados‑Membros devem, sendo caso disso, cooperar ativamente com o requerente para determinar e completar os elementos pertinentes do seu pedido [v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2022, Secretary of State for the Home Department (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑349/20, EU:C:2022:151, n.o 64]. Por outro lado, se os Estados‑Membros exercerem a faculdade que lhes é reconhecida por esta disposição, esse artigo 4.o, n.o 5, prevê ainda que, quando certos elementos das declarações do requerente não sejam sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados se estiverem reunidas as condições enunciadas nesse n.o 5. Entre estas condições figuram a coerência e a plausibilidade das declarações do requerente e a sua credibilidade geral [v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2022, Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Opinião política no Estado‑Membro de acolhimento), C‑151/22, EU:C:2023:688, n.o 44).

57      O Tribunal de Justiça especificou a este respeito que as declarações de um requerente de proteção internacional constituem apenas o ponto de partida do processo de avaliação dos factos e das circunstâncias conduzido pelas autoridades competentes, que estão frequentemente mais bem colocadas do que o requerente para aceder a certo tipo de documentos [v., neste sentido, Acórdãos de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.os 65 e 66; de 19 de novembro de 2020, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço militar e asilo), C‑238/19, EU:C:2020:945, n.o 52, e de 9 de novembro de 2023, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Conceito de ofensa grave), C125/22, EU:C:2023:843, n.o 47].

58      É pois contrário ao artigo 4.o da Diretiva 2011/95 considerar que incumbe necessariamente apenas ao requerente apresentar todos os elementos que permitem apoiar as razões que justificam o seu pedido de proteção internacional e, nomeadamente, o facto de, por um lado, poder ser encarado no seu país de origem como pertencendo a um grupo social específico, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, dessa diretiva e, por outro, correr o risco ser perseguido nesse país por esse motivo [v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2020, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço militar e asilo), C‑238/19, EU:C:2020:945, n.os 54 e 55].

59      Terceiro, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95, a apreciação, pelas autoridades nacionais competentes, do caráter fundado do receio de ser perseguido de um requerente deve revestir um caráter individual e ser efetuada casuisticamente com vigilância e prudência, baseando‑se unicamente numa avaliação concreta dos factos e das circunstâncias, para determinar se os factos e se as circunstâncias estabelecidas constituem ou não uma ameaça que pode justificar o receio da pessoa em questão, atendendo à sua situação individual, de ser efetivamente vítima de atos de perseguição caso deva voltar ao seu país de origem [v., neste sentido, Acórdãos de 21 de setembro de 2023, Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Opinião política no Estado‑Membro de acolhimento), C‑151/22, EU:C:2023:688, n.o 42, e de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 60].

60      Neste contexto, o artigo 10.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva 2013/32 impõe aos Estados‑Membros que assegurem, por um lado, que as decisões sobre os pedidos de proteção internacional sejam proferidas após apreciação adequada em que tenham sido recolhidas informações precisas e atualizadas junto de várias fontes, tal como o EASO, o ACNUR e organizações internacionais de direitos humanos pertinentes, sobre a situação geral nos países de origem dos requerentes e, por outro, que tais informações sejam transmitidas aos agentes responsáveis pela apreciação dos pedidos e pela pronúncia de decisões.

61      Para o efeito, como resulta do n.o 36, alínea x), das Diretrizes sobre a Proteção Internacional n.o 1 do ACNUR, relativas à perseguição baseada no género, no contexto do artigo 1.o, secção A, ponto 2, da Convenção de Genebra, as autoridades nacionais competentes devem recolher as informações relevantes para a análise dos pedidos apresentados por mulheres, como a situação da mulher face à lei, os seus direitos políticos, económicos e sociais, os costumes culturais e sociais no país e as consequências da não conformidade a estes últimos, a prevalência de práticas tradicionais violentas, a incidência e as formas de violência contra a mulher denunciadas, a proteção disponível para estas, as sanções impostas aos autores de tais atos de violência, e os riscos que uma mulher possa enfrentar se voltar ao seu país de origem após ter apresentado tal pedido [Acórdão de 16 de janeiro de 2024, Intervyuirasht organ na DAB pri MS (Mulheres vítimas de violência doméstica), C‑621/21, EU:C:2024:47, n.o 61].

62      Quarto, importa precisar que a identificação efetiva, por um nacional de um país terceiro, com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens, ocorrida durante a sua estada num Estado‑Membro, não se pode qualificar de circunstância que essa nacional criou, por decisão própria, depois de ter abandonado o país de origem, na aceção do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95, nem de uma atividade cujo fito único ou principal era criar as condições necessárias para apresentar um pedido de proteção internacional, na aceção do seu artigo 4.o, n.o 3, alínea d). Com efeito, basta constatar que, quando tal identificação é feita de forma juridicamente bastante, não pode de modo nenhum ser equiparada às diligências abusivas e de instrumentalização que essas disposições pretendem combater [v., neste sentido, Acórdão de 29 de fevereiro de 2024, Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl (Conversão religiosa posterior), C‑222/22, EU:C:2024:192, n.os 32 e 34].

63      No caso em apreço, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, em particular, se as recorrentes no processo principal se identificam efetivamente com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens, nas suas componentes descritas nos n.os 37 e 44 do presente acórdão, procurando dele beneficiar na sua vida quotidiana, de modo que este valor constitui uma parte integrante da sua identidade, e se, por isso, são encaradas como diferentes pela sociedade que as rodeia no seu país de origem. A circunstância de poderem evitar o risco de perseguição no seu país de origem devido a essa identificação ao manifestarem uma certa reserva na sua expressão não é tida em consideração neste contexto (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, X e o., C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:720, n.os 70, 71, 74 e 75).

64      Tendo em conta o exposto, há que responder às duas primeiras questões que o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), e n.o 2, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que, em função das condições que prevalecem no país de origem, pertencem a «um grupo social específico», enquanto «motivo de perseguição» que pode conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado, as mulheres nacionais desse país, incluindo menores, que partilham como característica comum a sua identificação efetiva com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens, ocorrida durante a sua estada num Estado‑Membro.

 Quanto à terceira e quarta questões

65      A título liminar, há que salientar que, com a segunda parte da terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 24.o, n.o 2, da Carta, lido em conjugação com o artigo 51.o, n.o 1, da mesma, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma «prática jurídica nacional» em conformidade com qual a autoridade competente, no âmbito de um pedido de autorização de residência «por «fundamentos de autorização ordinária de residência», aprecia o interesse superior da criança sem o «determinar em concreto previamente».

66      Todavia, como o advogado‑geral salientou no n.o 67 das suas conclusões, não resulta nem do despacho de reenvio nem dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que esse pedido de autorização «por fundamentos de autorização ordinária de residência» esteja em causa no litígio no processo principal.

67      Ora, embora as questões prejudiciais relativas ao direito da União gozem de uma presunção de pertinência, a justificação do reenvio prejudicial não consiste na formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas decorre da necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio (Acórdão de 14 de janeiro de 2021, The International Protection Appeals Tribunal e o., C‑322/19 e C‑385/19, EU:C:2021:11, n.o 53).

68      Por conseguinte, na medida em que a segunda parte da terceira questão visa, na realidade, obter uma opinião consultiva do Tribunal de Justiça, essa questão é inadmissível.

69      Com a primeira parte da sua terceira questão e com a quarta questão, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 24.o, n.o 2, da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade nacional competente decida sobre um pedido de proteção internacional apresentado por um menor sem ter determinado em concreto o interesse superior desse menor, no âmbito de uma apreciação a título individual.

70      Neste contexto, este órgão jurisdicional interroga‑se também sobre a questão de saber se e, sendo caso disso, de que forma há que ter em conta a existência de um prejuízo alegadamente sofrido pelo menor em razão da residência de longa duração num Estado‑Membro e da incerteza relativa à sua obrigação de regresso.

71      Importa, atendendo aos debates na fase oral do processo, afastar desde logo qualquer dúvida relativa à eventual inadmissibilidade dessas questões prejudiciais, uma vez que, agora, K e L já não são menores, na aceção do artigo 2.o, alínea k), da Diretiva 2011/95. Com efeito, resulta da decisão de reenvio que, no momento da apresentação dos seus pedidos subsequentes cujo indeferimento é o objeto do litígio no processo principal, ou seja, em 4 de abril de 2019, K e L tinham menos de 18 anos.

72      Não obstante, há que lembrar que o artigo 24.o da Carta, que figura, como enunciado no considerando 16 da Diretiva 2011/95, entre os artigos da Carta cuja aplicação deve ser promovida por essa diretiva, prevê, no seu n.o 2, que «[t]odos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança».

73      Resulta do artigo 24.o, n.o 2, da Carta, e do artigo 3.o, n.o 1, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, a que se referem expressamente as anotações relativas ao artigo 24.o da Carta, que o interesse superior da criança deve não só ser tido em conta na apreciação do mérito dos pedidos relativos a crianças, mas também influir no processo decisório que conduz a essa apreciação, através de garantias processuais específicas. Com efeito, como salientou o Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, a expressão «interesse superior da criança», na aceção desse artigo 3.o, n.o 1, refere‑se simultaneamente a um direito substantivo, a um princípio interpretativo e a uma regra processual [v. Comentário geral n.o 14 (2013) do Comité dos Direitos da Criança sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja tido primacialmente em consideração (artigo 3.o, n.o 1), CRC/C/GC/14, n.o 6].

74      Além disso, o artigo 24.o, n.o 1, da Carta especifica que as crianças podem exprimir livremente a sua opinião, que será tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade.

75      Em primeiro lugar, como resulta do considerando 18 da Diretiva 2011/95, ao avaliarem o interesse superior da criança no âmbito de um procedimento de proteção internacional, os Estados‑Membros devem ter devidamente em conta, em particular, o princípio da unidade familiar, o bem‑estar e o desenvolvimento social do menor — o que inclui a sua saúde, a sua situação familiar e a sua educação — e questões de segurança.

76      A este propósito, o artigo 4.o, n.o 3, alínea c), da Diretiva 2011/95 prevê que a apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta a idade do requerente, para determinar se, atendendo à sua situação pessoal, os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave. Neste contexto, o artigo 9.o, n.o 2, alínea f), dessa diretiva precisa que os atos de perseguição podem assumir, designadamente, a forma de um ato cometido especificamente «contra crianças».

77      A apreciação das consequências que importa inferir da idade do requerente, incluindo a consideração do seu interesse superior quando é menor, é da exclusiva responsabilidade da autoridade nacional competente (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.os 69 e 70).

78      Resulta das considerações expostas que, quando um requerente de proteção internacional é menor, a autoridade nacional competente deve necessariamente ter em conta, após um exame individualizado, o interesse superior desse menor quando avalia o mérito do seu pedido de proteção internacional.

79      Em segundo lugar, resulta do considerando 18 da Diretiva 2011/95 que os Estados‑Membros devem ter em conta, no quadro de um procedimento de proteção internacional, as opiniões do menor em função da sua idade e grau de maturidade. Além disso, ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, quarto parágrafo, da Diretiva 2013/32, os Estados‑Membros podem definir na respetiva legislação os casos em que deve ser concedida uma entrevista pessoal ao menor. Quando essa possibilidade lhe é concedida, o artigo 15.o, n.o 3, alínea e), dessa diretiva prevê que os Estados‑Membros asseguram que seja conduzida de forma adequada. Neste contexto, em conformidade com o artigo 10.o, n.o 3, alínea d), da referida diretiva, os Estados‑Membros devem velar por que as autoridades nacionais competentes tenham a possibilidade de obter aconselhamento, sempre que necessário, de peritos em matérias específicas relativas, nomeadamente, aos menores.

80      Na falta de disposições mais precisas na Diretiva 2011/95 e na Diretiva 2013/32, é ao Estado‑Membro que cabe determinar as modalidades de apreciação do interesse superior da criança no âmbito do procedimento de proteção internacional, nomeadamente o ou os momentos em que essa apreciação deve ocorrer e a forma que deve revestir, sem prejuízo do respeito pelo artigo 24.o da Carta, e das disposições recordadas nos n.os 75 a 79 do presente acórdão.

81      A este propósito, importa especificar, por um lado, que, em conformidade com o artigo 51.o, n.o 1, da Carta, os Estados‑Membros devem respeitar o seu artigo 24.o, n.o 2, quando apliquem o direito da União e, por conseguinte, também quando examinam um «pedido subsequente», na aceção do artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32. Por outro lado, uma vez que o artigo 40.o, n.o 2, dessa diretiva não faz nenhuma distinção entre um primeiro pedido de proteção internacional e um «pedido subsequente» à luz da natureza dos elementos ou factos suscetíveis de demonstrar que o requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de proteção internacional ao abrigo da Diretiva 2011/95, a apreciação dos factos e das circunstâncias em apoio desses pedidos deve, em ambos os casos, ser realizada em conformidade com o artigo 4.o da Diretiva 2011/95 [Acórdão de 10 de junho de 2021, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Novos elementos ou provas), C‑921/19, EU:C:2021:478, n.o 40].

82      No que respeita à questão de saber se e, sendo caso disso, de que modo há que ter em conta a existência de um prejuízo alegadamente sofrido por um menor em razão da residência de longa duração num Estado‑Membro e da incerteza relativa à sua obrigação de regresso, que podem ser imputados ao Estado‑Membro responsável pelo exame do pedido de proteção internacional apresentado por esse menor, há que salientar, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio, que não incumbe às autoridades nacionais competentes apreciar a existência desse prejuízo no âmbito de um procedimento que visa determinar se a pessoa em causa receia com razão ser perseguida em caso de regresso ao seu país de origem devido à sua «pertença a um grupo social específico», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95.

83      Todavia, a residência de longa duração num Estado‑Membro, sobretudo quando coincide com um período durante o qual um requerente menor formou a sua identidade, pode, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 3, dessa diretiva, lido à luz do artigo 24.o, n.o 2, da Carta, ser tida em conta para efeitos de apreciação de um pedido de proteção internacional baseado num motivo de perseguição como a «pertença a um grupo social específico», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da referida diretiva.

84      Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira parte da terceira questão e à quarta questão que o artigo 24.o, n.o 2, da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a autoridade nacional competente decida sobre um pedido de proteção internacional apresentado por um menor sem ter determinado em concreto o interesse superior desse menor, no âmbito de uma apreciação a título individual.

 Quanto à quinta questão

85      Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.o da Carta, ligo em conjugação com o seu artigo 24.o, n.o 2, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma «prática jurisdicional nacional» que permite ter em consideração «os fundamentos de autorização ordinária de residência» quando do exame de um primeiro pedido de proteção internacional, mas não quando de um «pedido subsequente», na aceção do artigo 2.o, alínea q), da Diretiva 2013/32.

86      Ora, pelos motivos expostos nos n.os 66 a 68 do presente acórdão e como o advogado‑geral salienta, em substância, no n.o 73 das suas conclusões, a quinta questão é inadmissível uma vez que não tem relação com o litígio no processo principal.

 Quanto às despesas

87      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 10.o, n.o 1, alínea d), e n.o 2, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida,

deve ser interpretado no sentido de que:

se pode considerar que, em função das condições que prevalecem no país de origem, pertencem a «um grupo social específico», enquanto «motivo de perseguição» que pode conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado, as mulheres nacionais desse país, incluindo menores, que partilham como característica comum a sua identificação efetiva com o valor fundamental da igualdade entre as mulheres e os homens, ocorrida durante a sua estada num EstadoMembro.

2)      O artigo 24.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a que a autoridade nacional competente decida sobre um pedido de proteção internacional apresentado por um menor sem ter determinado em concreto o interesse superior desse menor, no âmbito de uma apreciação a título individual.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.