Language of document : ECLI:EU:T:2005:453

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Grande Secção)

14 de Dezembro de 2005 (*)

«Responsabilidade extracontratual da Comunidade – Incompatibilidade do regime comunitário de importação de bananas com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) – Instituição pelos Estados Unidos da América de medidas de retaliação sob a forma de um direito aduaneiro extraordinário cobrado sobre as importações provenientes da Comunidade ao abrigo de uma autorização da OMC – Decisão do órgão de resolução de litígios da OMC – Efeitos jurídicos – Responsabilidade da Comunidade na inexistência de actuações ilícitas dos seus órgãos – Nexo de causalidade – Prejuízo anormal e especial»

No processo T‑383/00,

Beamglow Ltd, com sede em St Ives, Cambs (Reino Unido), representada por D. Waelbroeck, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Parlamento Europeu, representado por R. Passos e K. Bradley, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Conselho da União Europeia, representado por S. Marquardt e M. Bishop, na qualidade de agentes,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Kuijper, C. Brown e E. Righini, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandados,

apoiados por

Reino de Espanha, representado inicialmente por R. Silva de Lapuerta, e em seguida por E. Braquehais Conesa, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto uma acção de indemnização para ressarcimento do prejuízo alegadamente decorrente do direito aduaneiro extraordinário cuja cobrança pelos Estados Unidos da América sobre as importações de caixas de armar de cartão impresso e decorado da demandante foi autorizada pelo Órgão de Resolução de Litígios da Organização Mundial do Comércio (OMC), na sequência da verificação da incompatibilidade do regime comunitário de importação de bananas com os acordos e os memorandos anexos ao acordo que institui a OMC,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Grande Secção),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, P. Lindh, J. Azizi, J. Pirrung, H. Legal, R. García‑Valdecasas, V. Tiili, J. D. Cooke, A. W. H. Meij, M. Vilaras e N. J. Forwood, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 26 de Maio de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        Em 15 de Abril de 1994, a Comunidade assinou a acta final que encerrou as negociações comerciais multilaterais do Uruguay Round, o Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), bem como todos os acordos e memorandos constantes dos anexos 1 a 4 do acordo que institui a OMC (a seguir «acordos OMC»).

2        Na sequência dessa assinatura, o Conselho adoptou a Decisão 94/800/CE, de 22 de Dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986‑1994) (JO L 336, p. 1).

3        Como resulta do preâmbulo do acordo que institui a OMC, as partes contratantes decidiram subscrever acordos «recíprocos e mutuamente vantajosos tendo em vista uma redução substancial dos direitos aduaneiros e de outros entraves ao comércio, bem como a eliminação do tratamento discriminatório nas relações comerciais internacionais».

4        O artigo II, n.° 2, do acordo que institui a OMC dispõe:

«Os acordos e instrumentos jurídicos conexos incluídos nos anexos 1, 2 e 3 […] fazem parte integrante do presente acordo e são vinculativos para todos os membros.»

5        O artigo XVI do acordo que institui a OMC, intitulado «Disposições diversas», dispõe no seu n.° 4:

«Cada membro assegurará a conformidade das suas disposições legislativas, regulamentares e administrativas com as suas obrigações, tal como enunciadas nos acordos que figuram em anexo.»

6        Por outro lado, o memorando de entendimento sobre as regras e processos que regem a resolução de litígios (a seguir «MRD»), incluído no anexo 2 do acordo que institui a OMC, especifica, no último período do n.° 2 do artigo 3.°, intitulado «Disposições gerais»:

«As recomendações e decisões do [Órgão de Resolução de Litígios] não podem aumentar ou diminuir os direitos e obrigações previstos nos acordos abrangidos.»

7        Nos termos do artigo 3.°, n.° 7, do MRD:

«Antes de apresentar um pedido, o membro verificará se qualquer pedido apresentado no âmbito desses processos é fundamentado. O objectivo do sistema de resolução de litígios é o de obter uma solução positiva para um litígio. É preferível uma solução mutuamente aceitável para as partes e conforme aos acordos abrangidos. Na falta de uma solução mutuamente acordada, o objectivo imediato do sistema de resolução de litígios é normalmente o de assegurar a supressão das medidas em causa, caso se verifique que as mesmas são incompatíveis com as disposições de qualquer um dos acordos abrangidos. Só se deve recorrer à regra da compensação se a imediata abolição da medida for impraticável e como uma medida provisória, na pendência da abolição da medida que é incompatível com um acordo abrangido. O último recurso previsto no [MRD] de que dispõe um membro consiste na possibilidade do mesmo suspender a aplicação de concessões ou outras obrigações previstas nos acordos abrangidos numa base discriminatória em relação a outro membro, sob reserva de autorização pelo [Órgão de Resolução de Litígios] de tais medidas.»

8        O artigo 7.° do MRD prevê que os painéis criados cheguem a conclusões que permitam assistir o Órgão de Resolução de Litígios (a seguir «ORL») na adopção das recomendações ou das decisões previstas nesse ou nesses acordos. Nos termos do artigo 12.°, n.° 7, do MRD, caso as partes em litígio não consigam chegar a uma solução mutuamente satisfatória, o painel apresentará as suas conclusões, sob a forma de um relatório escrito ao ORL.

9        O artigo 17.° do MRD prevê a instituição pelo ORL de um Órgão de Recurso permanente a quem compete apreciar os recursos interpostos das decisões do painel.

10      Nos termos do artigo 19.° do MRD, caso um painel ou o Órgão de Recurso considerem uma medida incompatível com um acordo abrangido, recomendarão ao membro em causa a conformação dessa medida com o acordo. Além dessas recomendações, o painel ou o Órgão de Recurso podem propor formas para a execução, pelo membro em causa, dessas recomendações.

11      Nos termos do artigo 21.°, n.° 1, do MRD, intitulado «Fiscalização da execução das recomendações e decisões», o rápido cumprimento das recomendações ou decisões do ORL é essencial para assegurar uma resolução eficaz dos litígios em benefício de todos os membros.

12      Nos termos do artigo 21.°, n.° 3, do MRD, caso não seja possível dar imediatamente cumprimento às recomendações e decisões, o membro em causa disporá de um prazo razoável para o fazer, determinado, sendo caso disso, através de arbitragem vinculativa.

13      Caso haja desacordo quanto à existência ou compatibilidade com um acordo OMC de medidas adoptadas para dar cumprimento às recomendações e decisões do ORL, o artigo 21.°, n.° 5, do MRD refere que esse diferendo será resolvido através destes processos de resolução de litígios definidos pelo MRD, incluindo o recurso, sempre que possível, ao painel original.

14      Nos termos do artigo 21.°, n.° 6, do MRD, o ORL fiscalizará a execução das recomendações ou decisões adoptadas e, salvo decisão em contrário do ORL, a questão da execução das recomendações ou decisões fará parte da ordem de trabalhos da reunião do ORL a realizar num prazo de seis meses a contar da data em que o prazo razoável previsto no n.° 3 foi fixado e manter‑se‑á na ordem de trabalhos até que a questão esteja resolvida.

15      O artigo 22.° do MRD, intitulado «Compensação e suspensão das concessões», dispõe:

«1.      A compensação e a suspensão de concessões e outras obrigações são medidas temporárias que se podem adoptar caso as recomendações e as decisões não sejam executadas dentro de um prazo razoável. Contudo, nem a compensação nem a suspensão de concessões ou outras obrigações são preferíveis à execução completa de uma recomendação como forma de tornar uma medida conforme aos acordos abrangidos. A compensação é voluntária e, se aprovada, deve ser compatível com os acordos abrangidos.

2.      Se o membro em causa não tornar a medida que foi considerada incompatível com o acordo abrangido conforme ao mesmo, ou se, de qualquer outro modo, não cumprir as recomendações e as decisões dentro de um prazo razoável previsto no n.° 3 do artigo 21.°, esse membro deverá, se tal lhe for requerido e nunca após o termo do prazo razoável fixado, entabular negociações com qualquer parte que tenha accionado os processos de resolução de litígios, com vista a chegarem a acordo sobre uma compensação mutuamente satisfatória. Se não for acordada nenhuma compensação satisfatória no prazo de 20 dias a contar da data em que expira o prazo razoável, qualquer parte que tenha accionado o processo de resolução de litígios pode solicitar autorização do ORL para suspender a aplicação, em relação ao membro em causa, das concessões ou outras obrigações previstas nos acordos abrangidos.

3.      Ao considerar quais as concessões ou outras obrigações a suspender, a parte queixosa aplicará os seguintes princípios e procedimentos:

a)      o princípio geral é o de que a parte queixosa deve primeiro procurar suspender as concessões ou outras obrigações no(s) mesmo(s) sector(es) onde o painel ou o Órgão de Recurso constataram uma violação, anulação ou redução de vantagens;

b)      caso essa parte considere que não é viável ou eficaz suspender concessões ou outras obrigações nos mesmos sectores, pode procurar suspender concessões ou outras obrigações em outros sectores abrangidos pelo mesmo acordo;

c)      caso essa parte considere que não é viável ou eficaz suspender concessões ou outras obrigações em outros sectores abrangidos pelo mesmo acordo, e que as circunstâncias são suficientemente graves, pode procurar suspender concessões ou outras obrigações previstas noutros acordos abrangidos;

[…]

4.      O nível e suspensão de concessões ou outras obrigações autorizadas pelo ORL deve ser equivalente ao nível da anulação ou redução das vantagens.

[…]

6.      Caso se verifique a situação descrita no n.° 2, o ORL, mediante pedido, concederá autorização para suspender concessões ou outras obrigações no prazo de 30 dias a contar do termo do prazo razoável, salvo se o ORL decidir, por consenso, rejeitar o pedido. Contudo, se o membro em causa colocar objecções ao nível de suspensão proposta, ou alegar que os princípios e procedimentos previstos no n.° 3 não foram respeitados quando uma parte queixosa solicitou autorização para suspender concessões ou outras obrigações […], a questão deverá ser resolvida por arbitragem. Este processo de arbitragem será conduzido pelo painel inicial, se os seus membros estiverem disponíveis, ou por um árbitro nomeado pelo director‑geral, e deverá estar concluído no prazo de 60 dias a contar da data em que termina o prazo razoável. As concessões ou outras obrigações não serão suspensas no decurso do processo de arbitragem.

7.      O árbitro, agindo de acordo com o previsto no n.° 6, não analisará o carácter das concessões ou outras obrigações a suspender mas verificará se o nível de tal suspensão é equivalente ao nível da anulação ou redução de vantagens [...] As partes aceitarão a decisão do árbitro como final e as partes em causa não procurarão uma segunda arbitragem. O ORL será informado atempadamente da decisão do árbitro e concederá, mediante pedido, autorização para suspender as concessões ou outras obrigações nos casos em que esse pedido seja compatível com a decisão do árbitro, salvo se o ORL decidir por consenso rejeitar o pedido.

8.      A suspensão de concessões ou outras obrigações será temporária e só se manterá enquanto a medida que foi considerada incompatível com o acordo abrangido não for revogada, ou o membro que deve dar cumprimento às recomendações ou decisões não apresentar uma solução para a anulação ou redução de vantagens, ou enquanto não for encontrada uma solução mutuamente satisfatória. Em conformidade com o [artigo 21.°, n.° 6, do MRD], o ORL continua a fiscalizar a aplicação das recomendações ou decisões adoptadas, incluindo os casos em que foi concedida uma compensação ou em que foram suspensas concessões ou outras obrigações mas em que as recomendações para tornar uma medida conforme aos acordos abrangidos não foram executadas.

[...]»

 Factos na origem do litígio

16      Em 13 de Fevereiro de 1993, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 404/93, que estabelece a organização comum de mercado no sector das bananas (JO L 47, p. 1, a seguir «OCM bananas»). O regime das trocas comerciais com Estados terceiros regulado pelo título IV deste regulamento previa disposições preferenciais em benefício das bananas provenientes de certos Estados da África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP) co‑signatários da Quarta Convenção ACP‑CEE, assinada em Lomé, em 15 de Dezembro de 1989 (JO 1991, L 229, p. 3).

17      Por queixas apresentadas em Fevereiro de 1996 no ORL por vários membros da OMC, entre os quais o Equador e os Estados Unidos da América, o painel constituído em conformidade com as disposições do MRD apresentou, em 22 de Maio de 1997, os seus relatórios, que concluíam pela incompatibilidade do regime de importação da OCM bananas com os compromissos assumidos pela Comunidade nos termos dos acordos OMC. Os relatórios realizados pelo painel recomendaram igualmente que o ORL convidasse a Comunidade a adequar esse regime às obrigações que lhe incumbem por força dos acordos OMC.

18      A Comunidade interpôs recurso e o Órgão de Recurso permanente, em 9 de Setembro de 1997, confirmou, no essencial, as conclusões do painel e recomendou que o ORL convidasse a Comunidade a adequar as disposições comunitárias controvertidas aos acordos OMC.

19      Em 25 de Setembro de 1997, os relatórios do painel e do Órgão de Recurso foram adoptados pelo ORL.

20      Em 16 de Outubro de 1997, a Comunidade informou o ORL, em conformidade com o artigo 21.°, n.° 3, do MRD, que respeitaria plenamente os seus compromissos internacionais.

21      Em 17 de Novembro de 1997, os Estados queixosos requereram, nos termos do artigo 21.°, n.° 3, alínea c), do MRD, que o prazo razoável dentro do qual a Comunidade devia dar cumprimento às suas obrigações fosse fixado por uma arbitragem vinculativa.

22      Por sentença arbitral publicada em 7 de Janeiro de 1998, foi fixado um prazo correspondente ao período compreendido entre 25 de Setembro de 1997 e 1 de Janeiro de 1999.

23      Ao adoptar o Regulamento (CE) n.° 1637/98, de 20 de Julho de 1998, que altera o Regulamento (CEE) n.° 404/93 (JO L 210, p. 28), o Conselho modificou o regime das trocas de bananas com os Estados terceiros.

24      O preâmbulo do Regulamento n.° 1637/98 dispõe:

«(1) […] é necessário proceder a um certo número de alterações do regime comercial com os países terceiros instaurado pelo título IV do Regulamento […] n.° 404/93;

(2) […] há que respeitar os compromissos internacionais assumidos pela Comunidade no âmbito da [OMC], bem como em relação às partes co‑signatárias da Quarta Convenção ACP‑CE e, ao mesmo tempo, assegurar a realização dos objectivos [da OCM bananas];

[…]

(9) […] é conveniente estudar o funcionamento das disposições introduzidas pelo presente regulamento no termo de um período experimental suficiente;

[…]».

25      Em 28 de Outubro de 1998, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 2362/98, que estabelece normas de execução do Regulamento (CEE) n.° 404/93 do Conselho no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 293, p. 32). Esse diploma contém as disposições necessárias à execução do novo regime das trocas de bananas com Estados terceiros, incluindo as medidas transitórias justificadas pela entrada em vigor muito próxima das suas modalidades de aplicação.

26      Entendendo que a Comunidade tinha instituído um regime de importação de bananas concebido para manter os elementos ilegais do regime anterior, violando os acordos OMC e a decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997, os Estados Unidos da América publicaram no Federal Register, em 10 de Novembro de 1998, a lista provisória dos produtos originários de Estados‑Membros da Comunidade que tencionavam onerar, a título de retaliação, com um direito aduaneiro extraordinário sobre as importações.

27      Os Estados Unidos da América anunciaram, em 21 de Dezembro de 1998, a sua intenção de aplicar, a partir de 1 de Fevereiro de 1999 ou, o mais tardar, a partir de 3 de Março de 1999, direitos aduaneiros à taxa de 100% sobre as importações de produtos comunitários constante de uma lista elaborada pela administração americana.

28      Em 14 de Janeiro de 1999, os Estados Unidos da América pediram autorização ao ORL, ao abrigo do artigo 22.°, n.° 2, do MRD, para suspender a aplicação à Comunidade e aos seus Estados‑Membros de concessões tarifárias e de obrigações conexas a título do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) de 1994 e do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS), à razão de um montante de trocas comerciais de 520 milhões de dólares americanos (USD).

29      No decurso de uma reunião do ORL que teve lugar de 25 de Janeiro a 1 de Fevereiro de 1999, a Comunidade contestou esse montante, pelo facto de não corresponder ao nível da anulação ou redução de vantagens sofrido pelos Estados Unidos da América, e sustentou que os princípios e procedimentos definidos pelo artigo 22.°, n.° 3, do MRD não foram observados.

30      Em 29 de Janeiro de 1999, o ORL decidiu, a requerimento da Comunidade, submeter esta questão à arbitragem do painel inicial, com fundamento no artigo 22.°, n.° 6, do MRD, e suspendeu o pedido de autorização dos Estados Unidos da América até à determinação do montante autorizado dos direitos a cobrar a título de medida de retaliação.

31      Em 3 de Março de 1999, a administração americana impôs aos exportadores comunitários de produtos constantes de uma nova lista por si elaborada a obrigação de constituírem uma garantia bancária no montante de 100% do valor dos produtos de importação em causa.

32      Por decisão de 9 de Abril de 1999, os árbitros, por um lado, consideraram várias disposições do novo regime de importação da OCM bananas contrárias a disposições dos acordos OMC e fixaram em 191,4 milhões de USD por ano o nível da anulação ou redução de vantagens sofrido pelos Estados Unidos da América e, por outro, consideraram que a suspensão por este país da aplicação à Comunidade e aos seus Estados‑Membros de concessões tarifárias e de obrigações conexas nos termos do GATT de 1994 relativamente a trocas no montante máximo de 191,4 milhões de USD por ano era compatível com o artigo 22.°, n.° 4, do MRD.

33      Em 7 de Abril de 1999, os Estados Unidos da América pediram autorização ao ORL, ao abrigo do artigo 22.°, n.° 7, do MRD, para cobrarem direitos aduaneiros sobre as importações nesse montante.

34      Por comunicado de imprensa de 9 de Abril de 1999, o United States Trade Representative (representante especial dos Estados Unidos da América para as questões comerciais, a seguir «representante especial») anunciou a lista dos produtos onerados por direitos aduaneiros sobre as importações à taxa de 100%. Nessa lista de produtos, originários da Áustria, da Bélgica, da Finlândia, da França, da Alemanha, da Grécia, da Irlanda, da Itália, do Luxemburgo, de Portugal, de Espanha, da Suécia e do Reino Unido, constavam, nomeadamente, as «caixas, pastas e estojos de armar em papel ou cartão não ondulado». Era referido que o representante especial publicaria a decisão introduzindo os direitos de 100% no Federal Register e que tinha intenção de fixar a data da produção de efeitos da sua cobrança em 3 de Março de 1999.

35      Esta decisão, publicada em 19 de Abril de 1999 no Federal Register (vol. 64, n.° 74, pp. 19209 a 19211), foi adoptada com base na section 301 do Trade Act de 1974, nos termos do qual o representante especial toma as medidas autorizadas quando considerar verificada a violação dos direitos que assistem aos Estados Unidos da América em virtude de um acordo comercial.

36      Resulta da rubrica «Data de produção de efeitos» da já referida medida que «[o representante especial] decidiu que o direito ad valorem de 100% será aplicado, com efeitos a partir de 19 de Abril de 1999, aos produtos colocados no mercado e aos retirados de um entreposto para esse efeito, em 3 de Março de 1999 ou depois desta data».

37      Um painel constituído a requerimento do Equador em 18 de Dezembro de 1998, em conformidade com o artigo 21.°, n.° 5, do MRD, concluiu igualmente, em 6 de Abril de 1999, pela incompatibilidade do novo regime comunitário de importação de bananas com as disposições dos acordos OMC. O relatório do painel foi aprovado em 6 de Maio de 1999 pelo ORL.

38      Em 19 de Abril de 1999, o ORL autorizou os Estados Unidos da América a cobrar direitos aduaneiros sobre as importações provenientes da Comunidade até ao montante anual de trocas de 191,4 milhões de USD.

39      Em 25 de Maio de 1999, a Comunidade contestou nas instâncias da OMC as medidas de retaliação americanas para o período de 3 de Março a 19 de Abril de 1999, designadamente devido à sua produção de efeitos em 3 de Março de 1999.

40      Considerando que a entrada em vigor do direito aduaneiro extraordinário americano nesta última data era contrária às disposições do MRD, o painel, a requerimento da Comunidade, diferiu a data de produção de efeitos dessa medida para 19 de Abril de 1999.

41      No quadro das negociações com todas as partes interessadas, a Comunidade propôs alterações a introduzir na nova OCM bananas. Estas alterações foram adoptadas pelo Regulamento (CE) n.° 216/2001 do Conselho, de 29 de Janeiro de 2001, que altera o Regulamento (CEE) n.° 404/93 (JO L 31, p. 2).

42      Nos termos do preâmbulo do Regulamento n.° 216/2001:

«(1) Foram realizados numerosos e intensos contactos com os países fornecedores e com as outras partes em causa a fim de pôr termo às contestações suscitadas pelo regime de importação estabelecido pelo Regulamento […] n.° 404/93 e de ter em conta as conclusões do painel instituído no âmbito do sistema de resolução de litígios da [OMC].

(2) Da análise de todas as opções apresentadas pela Comissão conclui‑se que o estabelecimento, a médio prazo, de um regime de importação baseado na aplicação de um direito aduaneiro de taxa adequada, associada à aplicação de uma preferência pautal às importações originárias dos países ACP, apresenta as melhores garantias para, por um lado, realizar os objectivos da organização comum de mercado quanto à produção comunitária e à procura dos consumidores e, por outro lado, respeitar as regras do comércio internacional, evitando novas contestações.

(3) Esse regime deve, no entanto, ser instaurado no termo de negociações com os parceiros da Comunidade de acordo com os procedimentos da OMC, em especial o artigo XXVIII do [GATT …]. O resultado dessas negociações deverá ser submetido para aprovação ao Conselho, o qual deve igualmente, nos termos do Tratado, fixar a taxa da pauta aduaneira comum aplicável.

(4) Até à entrada em vigor deste regime, é conveniente abastecer a Comunidade no âmbito de vários contingentes pautais, abertos para importações de todas as origens e adaptados em função das recomendações feitas pelo [ORL …]

(5) Atendendo às obrigações assumidas para com os países ACP e à necessidade de lhes garantir condições de competitividade adequadas, a aplicação à importação das bananas originárias destes países de uma preferência pautal de 300 euros por tonelada deve permitir manter os fluxos comerciais em causa. Daí decorre, em especial, a aplicação a estas importações de um direito nulo, no âmbito dos […] contingentes pautais.

(6) É conveniente autorizar a Comissão a encetar negociações com os países fornecedores seriamente interessados no abastecimento do mercado da Comunidade, a fim de tentar alcançar uma repartição negociada dos dois primeiros contingentes pautais […]»

43      Em 11 de Abril de 2001, os Estados Unidos da América e a Comunidade concluíram um memorando de acordo que definia «os meios que podem permitir resolver o litígio de longa data relativo ao regime de importação das bananas» na Comunidade. Este memorando prevê que a Comunidade se compromete a «instituir um regime unicamente tarifário para as importações de bananas o mais tardar em 1 de Janeiro de 2006». Este documento define as medidas que a Comunidade se compromete a tomar no decurso do período transitório que termina em 1 de Janeiro de 2006. Em contrapartida, os Estados Unidos da América comprometeram‑se a suspender provisoriamente o direito aduaneiro extraordinário que estavam autorizados a cobrar sobre as importações comunitárias. Os Estados Unidos da América esclareceram, porém, por comunicação ao ORL de 26 de Junho de 2001, que esse memorando de acordo «não constitu[ía] em si mesmo uma solução mutuamente acordada na acepção do artigo [3.°, n.° 6, do MRD e que,] além disso, tendo em conta as medidas que resta tomar por todas as partes, também seria prematuro retirar esse ponto da ordem de trabalhos do ORL».

44      No Regulamento (CE) n.° 896/2001, de 7 de Maio de 2001, que estabelece normas de execução do Regulamento n.° 404/93 no que respeita ao regime de importação de bananas na Comunidade (JO L 126, p. 6), a Comissão definiu as modalidades de aplicação do novo regime comunitário de importação de bananas instituído pelo Regulamento n.° 216/2001.

45      Os Estados Unidos da América suspenderam a aplicação do seu direito aduaneiro extraordinário com efeitos a partir de 30 de Junho de 2001. A partir de 1 de Julho de 2001, os seus direitos de importação sobre as caixas, pastas e estojos de armar originários da Comunidade regressaram à sua taxa inicial.

46      Resulta das estatísticas apresentadas pela Comissão a pedido do Tribunal que o valor total CIF (custo, seguro e frete) das importações pelos Estados Unidos de caixas, pastas e estojos de armar de origem comunitária ascendeu a 27 932 045 USD em 1998, a 16 645 665 USD em 1999, a 9 531 023 USD em 2000 e, por último, a 18 444 637 USD em 2001.

47      A Beamglow Ltd produz caixas de armar em cartão impresso e decorado. Estas caixas destinam‑se à embalagem de produtos como cosméticos e perfumes e estão incluídas na categoria dos produtos «caixas, pastas e estojos em papel ou cartão não ondulado» abrangidos pelo direito aduaneiro extraordinário.

 Tramitação do processo

48      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 22 de Dezembro de 2000, a demandante intentou a presente acção de indemnização para ressarcimento do prejuízo alegadamente decorrente desse direito aduaneiro extraordinário.

49      Mediante requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 20 de Março de 2001, o Parlamento suscitou uma questão prévia de admissibilidade, nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

50      A demandante apresentou as suas observações sobre essa questão prévia em 8 de Junho de 2001.

51      Por despacho do presidente da Quarta Secção de 12 de Junho de 2001, foi admitida a intervenção do Reino de Espanha em apoio dos pedidos dos demandados.

52      A apreciação da questão prévia de inadmissibilidade suscitada pelo Parlamento foi reservada para final por despacho de 16 de Outubro de 2001.

53      A requerimento da Comissão, apresentado ao abrigo do artigo 51.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo, o presente processo foi remetido para uma secção alargada, composta por cinco juízes, por decisão do Tribunal de 4 de Julho de 2002.

54      O processo foi novamente remetido para a Primeira Secção alargada, em 3 de Outubro de 2002, por força da decisão do Tribunal de 4 de Julho de 2002, relativa à composição e à atribuição dos processos às secções.

55      Na sequência do impedimento do juiz‑relator inicialmente designado, devido à cessação das suas funções, o presidente do Tribunal, por decisão de 18 de Dezembro de 2002, nomeou novo juiz‑relator.

56      Em 1 de Abril de 2004, o Tribunal, ouvidas as partes, decidiu remeter à Grande Secção do Tribunal o presente processo, bem como cinco outros processos conexos.

57      Por despacho de 19 de Maio de 2004, o presidente da Grande Secção, ouvidas as partes, ordenou a apensação desses seis processos para efeitos da fase oral.

58      A título de medidas de organização do processo, o Tribunal convidou as partes a responderem por escrito a uma série de questões antes da audiência. As partes apresentaram regularmente as informações solicitadas.

59      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência da Grande Secção de 26 de Maio de 2004.

 Pedidos das partes

60      A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        condenar solidariamente os demandados no pagamento de uma indemnização no montante de 1 299 632 libras esterlinas (GBP);

–        subsidiariamente, condenar os demandados a apresentar, num prazo razoável a contar da prolação do acórdão, o montante indemnizatório acordado entre as partes ou, na falta de acordo, ordenar às partes que lhe apresentem, no mesmo prazo, os seus pedidos quantificados;

–        condenar os demandados no pagamento de juros à taxa de 8% por ano ou outra taxa julgada adequada que determinará, a contar da data do acórdão;

–        condenar a Comunidade, representada pelo Parlamento, o Conselho e a Comissão, nas despesas do processo;

–        decretar qualquer outra medida necessária que considere razoável.

61      Os demandados, apoiados pelo Reino de Espanha, concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar a acção inadmissível ou, subsidiariamente, improcedente;

–        condenar a demandante nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

62      Os demandados contestam a admissibilidade da acção por três razões. A acção de indemnização da Beamglow é inadmissível na medida em que é dirigida contra o Parlamento. A petição não está em conformidade com as prescrições do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Por último, o Tribunal não é competente para conhecer da presente acção.

 Quanto à inadmissibilidade da acção por ser dirigida contra o Parlamento

63      O Parlamento invoca a inadmissibilidade da acção no que a ele respeita. Por um lado, o representante da Beamglow não está habilitado a agir judicialmente contra ele, por não ter apresentado juntamente com a petição uma procuração ad litem que mencionasse o Parlamento enquanto instituição demandada. Por outro, a petição não foi alicerçada em nenhum elemento susceptível de demonstrar a responsabilidade em que a Comunidade podia incorrer devido à actuação do Parlamento.

64      O Tribunal considera conveniente examinar em primeiro lugar o segundo fundamento de inadmissibilidade articulado pelo Parlamento.

 Argumentos das partes

65      O Parlamento alega que a petição não demonstra de modo algum em que é que o mesmo provocou a responsabilidade da Comunidade. Em todo o caso, o Parlamento não pode ser considerado responsável pelo prejuízo alegado, tendo em conta a sua incompetência para definir o conteúdo material da regulamentação comunitária agrícola contestada ou para adoptar medidas susceptíveis de provocar, de prevenir ou de atenuar o prejuízo alegado. As resoluções adoptadas pelo Parlamento consistiram simplesmente no exercício do seu poder geral de deliberação.

66      A demandante responde que imputa o seu prejuízo às faltas cometidas em todos os estádios do processo de alteração do regime comunitário de importação de bananas controvertido e, por conseguinte, ao papel desempenhado por todas as instituições em causa, incluindo o Parlamento.

67      Este foi consultado antes da adopção dos Regulamentos n.° 404/93 e n.° 1637/98 declarados incompatíveis com os acordos OMC. O Parlamento dispunha, não a tendo exercido, da faculdade de apresentar propostas adequadas sobre as questões relativamente às quais lhe parecesse necessária a adopção de um acto comunitário. Finalmente, diversos pareceres, resoluções e intervenções do Parlamento salientaram a necessidade de prevenir os efeitos desastrosos das regras da OMC para as regiões produtoras da Comunidade.

 Apreciação do Tribunal

68      Quando, como no caso em apreço, a Comunidade é demandada numa acção de indemnização por responsabilidade extracontratual, é representada perante o juiz comunitário pela ou pelas instituições às quais é imputável o facto que alegadamente causou o prejuízo.

69      Em particular, o demandante pode legitimamente dirigir o seu pedido contra a Comunidade representada pela Comissão e pelo Conselho, quando, em conformidade com as prescrições do terceiro parágrafo do n.° 2 do artigo 43.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 37.° CE), a primeira propôs e o segundo adoptou a regulamentação agrícola comunitária cuja ilegalidade está na origem do prejuízo alegado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1973, Werhahn e o./Conselho, 63/72 a 69/72, Recueil, p. 1229, n.os 7 e 8, Colect., p. 477).

70      Esta disposição não confere nenhuma competência decisória ao Parlamento na matéria, apenas lhe permitindo intervir na qualidade de órgão consultivo no decurso do procedimento de adopção, unicamente pelo Conselho, de regulamentos, directivas e decisões relativos à política agrícola comum.

71      O parecer que o Parlamento emitiu a esse título relativamente à proposta que esteve na origem do Regulamento n.° 1637/98 que lhe havia sido apresentada não tem, portanto, carácter vinculativo.

72      O mesmo se diga dos pareceres e resoluções que o Parlamento, no caso em apreço, devia ter adoptado em benefício dos operadores económicos que exercem a sua actividade num sector diferente do da banana. Não tendo carácter vinculativo, tais resoluções não podem criar a confiança legítima de que o Conselho e a Comissão as sigam (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1985, Salerno e o./Comissão e Conselho, 87/77, 130/77, 22/83, 9/84 e 10/84, Recueil, p. 2523, n.° 59) nem, por conseguinte, criar obrigações nesse sentido para essas duas instituições (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2004, Krikorian e o./Parlamento, Conselho e Comissão, C‑18/04 P, não publicado na Colectânea, n.° 33).

73      Nestas condições, tanto a adopção do Regulamento n.° 1637/98 do Conselho e do Regulamento n.° 2362/98 da Comissão, considerados incompatíveis com os acordos OMC pelo ORL, como a alegada inexistência de adequação do regime de importação controvertido devem ser considerados da exclusiva competência do Conselho e da Comissão.

74      Por conseguinte, o Parlamento não pode ter contribuído para a responsabilidade extracontratual em que a Comunidade pode incorrer pela incompatibilidade do regime comunitário da importação de bananas com os acordos OMC.

75      Consequentemente, há que julgar procedente a questão prévia de admissibilidade suscitada pelo Parlamento e julgar a acção inadmissível na medida em que é dirigida contra ele, sem necessidade de se apreciar o fundamento de inadmissibilidade relativo à inexistência, na data em que foi intentada a presente acção, de uma procuração da Beamglow a habilitar o seu representante a agir judicialmente contra o Parlamento.

 Quanto à falta de conformidade da petição com os requisitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo

 Argumentos das partes

76      O Conselho e a Comissão consideram a petição inadmissível na medida em que lhes imputa alternativamente a adopção de actos normativos ilegais ou uma omissão culposa, de modo que não podem defender‑se convenientemente. Além disso, a petição não demonstra nem a existência nem a natureza do dano alegado.

77      A demandante responde que a petição indica a extensão aproximada do dano sofrido e os elementos que permitem apreciar a sua natureza e extensão, e que os elementos fornecidos posteriormente demonstram validamente o carácter real e certo do prejuízo.

 Apreciação do Tribunal

78      Nos termos do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a petição deve indicar o objecto do litígio e fazer uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir a causa, eventualmente, sem outras informações. Para garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que uma acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente e de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição.

79      Para preencher estas condições, uma petição destinada a obter, como no caso vertente, a reparação de prejuízos alegadamente causados por uma instituição comunitária deve conter tanto os elementos que permitam identificar o comportamento que o demandante imputa à instituição como as razões por que considera que existe um nexo de causalidade entre o comportamento e o dano que alega ter sofrido (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Janeiro de 1998, Dubois et Fils/Conselho e Comissão, T‑113/96, Colect., p. II‑125, n.os 29 e 30).

80      Como resulta da sua argumentação, a demandante alega, no essencial, ter sofrido um prejuízo, por um lado, pelo facto de as instituições demandadas não terem alterado o regime comunitário da importação de bananas de forma a adequar este regime, nos prazos fixados pelo ORL, aos compromissos assumidos pela Comunidade no âmbito dos acordos OMC, e, por outro, pela falta de medidas comunitárias que a protegesse das retaliações comerciais americanas.

81      Assim, a petição contém, ao contrário do alegado pelos demandados, os elementos que permitem identificar a actuação que a demandante lhes imputa e que considera estar na origem do seu prejuízo.

82      Acresce que resulta da argumentação dos demandados quanto à procedência da acção que os mesmos puderam preparar a sua defesa relativamente aos pressupostos da responsabilidade extracontratual da Comunidade. Consequentemente, o Tribunal pode proceder à apreciação da presente acção com pleno conhecimento dos elementos dos autos e no respeito do princípio do contraditório.

83      Assim sendo, a alegação do Conselho e da Comissão relativa à não conformidade da petição com as prescrições do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo não pode ser acolhida.

 Quanto à competência do Tribunal

 Argumentos das partes

84      O Conselho e a Comissão põem em causa que o Tribunal tenha competência para conhecer da presente acção de indemnização. A instituição do direito aduaneiro extraordinário resulta de uma decisão do Governo dos Estados Unidos da América e não de um acto de uma instituição da Comunidade. A competência do juiz comunitário não pode resultar da simples alegação de um prejuízo alegadamente decorrente de um acto ou de uma omissão de uma instituição comunitária.

85      O órgão jurisdicional comunitário não pode conhecer de uma acção de indemnização intentada contra uma instituição comunitária quando o acto na origem do prejuízo alegado foi cometido por um Estado de modo autónomo (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 1987, Étoile commerciale e CNTA/Comissão, 89/86 e 91/86, Colect., p. 3005, n.os 18 a 20).

86      A demandante responde que a sua acção não se dirige contra a actuação das autoridades americanas, mas sim contra a da Comunidade, que esteve na origem da adopção do direito extraordinário e não a salvaguardou desse mesmo direito.

 Apreciação do Tribunal

87      As disposições conjugadas do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE conferem competência ao juiz comunitário para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos causados pelas instituições comunitárias ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.

88      No caso em apreço, a demandante pede a reparação do prejuízo que terá sofrido tanto devido ao aumento dos direitos de importação impostos pelas autoridades dos Estados Unidos da América sobre os seus produtos, em conformidade com a autorização dada pelo ORL na sequência da verificação da incompatibilidade do regime comunitário da importação de bananas com os acordos OMC, como pelo facto de os demandados não terem adoptado medidas comunitárias de protecção contra as represálias comerciais americanas.

89      A acção baseia‑se na responsabilidade extracontratual da Comunidade, gerada, segundo a demandante, pelo facto de a causa do dano por ela sofrido decorrer da adopção pelo Conselho e a Comissão de uma regulamentação que o ORL considerou incompatível com os acordos OMC e da inexistência de medidas comunitárias de protecção.

90      Consequentemente, o Tribunal tem competência para conhecer, ao abrigo do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, do presente pedido de indemnização que, diferentemente da situação do acórdão Étoile commerciale e CNTA/Comissão, acima referido no n.° 85, invocado pela Comissão, não visa exclusivamente, como fundamento da responsabilidade, a decisão de um organismo nacional.

91      É certo que a constituição da responsabilidade da Comunidade pressupõe, segundo jurisprudência assente, a imputabilidade do prejuízo alegado à actuação das instituições comunitárias. Todavia, este é um pressuposto material, cuja verificação deve ser efectuada no quadro de um controlo do carácter suficientemente directo do nexo de causalidade entre o prejuízo alegado e a actuação das instituições, e que não permite afastar a competência do Tribunal quando é alegada a imputabilidade do prejuízo à actuação das instituições comunitárias.

92      Por conseguinte, a argumentação esgrimida pelo Conselho e a Comissão, a respeito da incompetência do Tribunal, não pode ser acolhida, sem prejuízo da apreciação que será feita do nexo de causalidade entre o comportamento do Conselho e da Comissão e o prejuízo alegado no quadro da análise da observância dos pressupostos de constituição da responsabilidade extracontratual.

93      Nestas condições, há que julgar a acção admissível.

 Quanto ao mérito

94      O pedido indemnizatório da demandante baseia‑se principalmente no regime da responsabilidade extracontratual da Comunidade por actuação ilícita dos seus órgãos. A demandante invoca igualmente a responsabilidade extracontratual em que a Comunidade pode incorrer mesmo na inexistência dessa actuação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 1998, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, T‑184/95, Colect., p. II‑667, n.° 59, confirmado em sede de recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 2000, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, C‑237/98 P, Colect., p. I‑4549, n.os 19 e 53).

 Quanto à responsabilidade da Comunidade por actuação ilícita dos seus órgãos

95      Há que recordar desde já que, como resulta de jurisprudência assente, a responsabilidade da Comunidade por actuação ilícita dos seus órgãos na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE pressupõe a verificação de um conjunto de condições no que respeita à ilegalidade da actuação imputada às instituições, à realidade do prejuízo e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo invocado (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, International Procurement Services/Comissão, T‑175/94, Colect., p. II‑729, n.° 44, de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T‑336/94, Colect., p. II‑1343, n.° 30, e de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T‑267/94, Colect., p. II‑1239, n.° 20).

96      Quando uma destas condições não está preenchida, o pedido deve ser julgado improcedente na totalidade, sem ser necessário apreciar os outros pressupostos da referida responsabilidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1994, KYDEP/Conselho e Comissão, C‑146/91, Colect., p. I‑4199, n.os 19 e 81, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Fevereiro de 2002, Förde‑Reederei/Conselho e Comissão, T‑170/00, Colect., p. II‑515, n.° 37).

97      A actuação ilegal imputada a uma instituição comunitária deve consistir numa violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 42).

98      O critério decisivo que permite considerar que esse pressuposto se encontra preenchido é o da violação manifesta e grave, pela instituição comunitária em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação.

99      Quando essa instituição apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, T‑198/95, T‑171/96, T‑230/97, T‑174/98 e T‑225/99, Colect., p. II‑1975, n.° 134, e de 10 de Fevereiro de 2004, Afrikanische Frucht‑Compagnie e Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Conselho e Comissão, T‑64/01 e T‑65/01, Colect., p. II‑521, n.° 71).

100    É à luz destas observações que há que examinar o pedido indemnizatório da demandante.

 Argumentos das partes

–       Quanto às ilegalidades imputadas às instituições demandadas

101    A demandante alega que, ao não adequar o regime comunitário de importação de bananas aos acordos OMC, os demandados violaram as disposições do GATT de 1994, do GATS, bem como as recomendações e as decisões do ORL.

102    O incumprimento por parte da Comunidade das suas obrigações a título dos acordos OMC defraudou a confiança legítima que a demandante tinha criado relativamente às suas vendas e aos seus investimentos nos Estados Unidos e violou o princípio da segurança jurídica.

103    A Comunidade podia ter financiado uma política de manutenção de condições favoráveis ao comércio das bananas em relação aos seus parceiros ACP, quer por meio do financiamento através do seu orçamento geral, no quadro de uma compensação negociada, nos termos do artigo 22.°, n.° 2, do MRD, quer provocando as medidas de retaliação impostas no caso vertente pelos Estados Unidos da América.

104    Acontece que essa transferência do custo da protecção dos produtores de bananas ACP não era nem necessária nem adequada. A Comunidade devia ter tomado precauções para evitar que a demandante tivesse que pagar o preço da decisão da Comunidade de não respeitar as suas obrigações internacionais.

105    A escolha política da Comunidade violou, assim, o princípio da proporcionalidade, bem como o direito fundamental da demandante ao exercício da sua actividade profissional e o seu direito de propriedade.

106    Os demandados acusam a demandante de não ter demonstrado nem a natureza nem o conteúdo da omissão alegada, nem a fonte da obrigação de agir que infringiram.

107    Os membros da OMC agem legalmente quando, com o objectivo de pôr termo à incompatibilidade de uma medida com as regras da OMC verificada pelo ORL, restabelecem o equilíbrio das suas concessões respectivas, quebrado pela medida controvertida, escolhendo uma das opções oferecidas pelo MRD.

108    No caso, a Comunidade não teve outra escolha senão a de cumprir todas as suas obrigações internacionais abrindo as negociações e propondo a alteração da OCM bananas. Essas alterações foram incorporadas na OCM bananas adaptada pelo Regulamento (CE) n.° 395/2001 da Comissão, de 27 de Fevereiro de 2001, que fixa determinadas quantidades indicativas e limites máximos individuais para a emissão de certificados de importação de bananas na Comunidade para o segundo trimestre de 2001, no âmbito dos contingentes pautais e da quantidade de bananas tradicionais ACP (JO L 58, p. 11).

109    A protecção da confiança legítima apenas se aplica às situações e às relações legalmente criadas nos termos do direito comunitário, a que as relações da demandante com os seus clientes americanos são alheias. As concessões mútuas dos membros da OMC não podem em caso algum justificar uma confiança legítima num acesso permanente a um mercado nacional determinado. As instituições comunitárias nunca deram à demandante qualquer garantia específica acerca da maneira como a Comunidade daria cumprimento às decisões e às recomendações do ORL.

110    Não se percebe de que modo os princípios da proporcionalidade e da confiança legítima bem como o direito da demandante ao livre exercício da sua actividade económica ou o seu direito de propriedade podem ter sido violados independentemente de qualquer violação das regras da OMC.

111    A demandante considera desproporcionado não o regime de importação de bananas em si, mas sim a decisão de tolerar a suspensão das concessões pelos Estados Unidos da América, quando esta era a única opção da Comunidade.

112    Por último, o livre exercício pela demandante das suas actividades económicas foi entravado pela suspensão das concessões tarifárias dos Estados Unidos da América e não pela adopção da OCM bananas.

–       Quanto à natureza jurídica das normas alegadamente violadas pelos demandados

113    A demandante alega que, na medida em que reduzem os obstáculos às trocas entre os membros da OMC e permitem assim às empresas exercer o seu comércio mais livremente, as regras violadas do GATT e do GATS, bem como as recomendações e as decisões do ORL que especificam o conteúdo dos acordos OMC, conferem direitos aos particulares. A mesma natureza devia ser reconhecida aos princípios da protecção da confiança legítima, da segurança jurídica e da proporcionalidade, assim como ao direito da demandante ao livre exercício da sua actividade profissional e ao seu direito de propriedade.

114    O juiz comunitário pode fiscalizar a legalidade de um acto comunitário à luz dos acordos OMC quando a Comunidade tencione, como no caso em apreço, cumprir uma obrigação determinada assumida no quadro da OMC.

115    Os demandados contrapõem a impossibilidade de invocar as regras da OMC ou as recomendações do ORL para demonstrar a ilegalidade de um acto ou de uma omissão de uma instituição comunitária que resulte das decisões dos órgãos dessa organização e da jurisprudência comunitária.

116    A questão de saber se as disposições do GATT e do GATS são susceptíveis de conferir direitos aos particulares é irrelevante, uma vez que a demandante não pode invocar esses direitos.

117    Por outro lado, uma decisão do ORL não pode ter efeitos mais amplos na ordem jurídica comunitária do que as disposições dos acordos OMC em que se baseia.

–       Quanto à gravidade das alegadas infracções

118    A demandante alega que os acordos OMC fixaram limites às opções dadas à Comunidade para adaptar o seu regime de importação de bananas que esta ultrapassou claramente. O prolongamento e a repetição da violação das regras da OMC constituem uma infracção manifesta e grave aos limites que se impõem ao seu poder de apreciação.

119    Daí decorre uma violação manifesta e grave da confiança legítima da demandante e do princípio da proporcionalidade, bem como do direito da demandante ao livre exercício da sua actividade profissional e do seu direito de propriedade.

120    O Conselho e a Comissão contestam ter manifesta e gravemente ultrapassado os limites do seu poder de apreciação ao optar por resolver o litígio através da adopção de uma nova OCM bananas.

121    Um membro da OMC não é obrigado a aplicar stricto sensu as conclusões de um painel ou do Órgão de Recurso, pois dispõe de diferentes soluções para as pôr em prática.

122    O painel que concluiu, nos termos do artigo 21.°, n.° 5, do MRD, pela incompatibilidade de certos aspectos do regime de importação de bananas instituído pelos Regulamentos n.° 1637/98 e n.° 2362/98 sugeriu três soluções para assegurar a sua adequação, o que demonstra a extensão do poder discricionário da Comunidade e a dificuldade em elaborar uma regulamentação compatível com as regras da OMC.

123    Não podendo a Comunidade ser responsabilizada pelos actos de um Estado terceiro soberano, não se pode considerar que violou os princípios da proporcionalidade e da confiança legítima, bem como o direito de exercício de uma actividade económica.

124    O exercício da função legislativa não deve ser dificultado pela perspectiva de pedidos de indemnização sempre que o interesse geral da Comunidade imponha que se adoptem medidas normativas susceptíveis de afectar os interesses dos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.° 45).

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto à questão prévia da possibilidade de invocar as regras da OMC

125    Antes de proceder à apreciação da legalidade da actuação das instituições comunitárias, há que decidir a questão de saber se os acordos OMC criam para os particulares da Comunidade o direito de deles se prevalecerem em tribunal para contestarem a validade de uma regulamentação comunitária nos casos em que o ORL tenha declarado que tanto esta como a regulamentação subsequente adoptada pela Comunidade, designadamente para cumprir as regras da OMC em causa, são incompatíveis com estas últimas.

126    Ao alegar que os demandados violaram as regras da OMC, a demandante invoca o princípio pacta sunt servanda, que é efectivamente abrangido pelo conjunto das regras de direito cuja observância se impõe às instituições comunitárias no exercício das suas funções, enquanto princípio fundamental de toda a ordem jurídica e, em particular, da ordem jurídica internacional (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 1998, Racke, C‑162/96, Colect., p. I‑3655, n.° 49).

127    Todavia, não pode opor‑se o princípio pacta sunt servanda, no caso vertente, às instituições demandadas, dado que, segundo jurisprudência assente, tendo em atenção a sua natureza e a sua sistemática, os acordos OMC não figuram, em princípio, entre as normas à luz das quais o Tribunal de Justiça fiscaliza a legalidade dos actos das instituições comunitárias (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho, C‑149/96, Colect., p. I‑8395, n.° 47; despacho do Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 2001, OGT Fruchthandelsgesellschaft, C‑307/99, Colect., p. I‑3159, n.° 24; acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Março de 2002, Omega Air e o., C‑27/00 e C‑122/00, Colect., p. I‑2569, n.° 93, de 9 de Janeiro de 2003, Petrotub e Republica/Conselho, C‑76/00 P, Colect., p. I‑79, n.° 53, e de 30 de Setembro de 2003, Biret International/Conselho, C‑93/02 P, Colect., p. I‑10497, n.° 52).

128    Com efeito, por um lado, o acordo que institui a OMC assenta numa base de reciprocidade e de vantagens mútuas que o distingue dos acordos celebrados pela Comunidade com Estados terceiros, que reflectem uma certa assimetria das obrigações. Ora, está assente que alguns dos parceiros comerciais mais importantes da Comunidade não fazem constar os acordos OMC do rol das normas à luz das quais os seus órgãos jurisdicionais fiscalizam a legalidade das suas regras de direito interno. Uma fiscalização da legalidade da actuação das instituições comunitárias à luz dessas normas criaria o risco de causar um desequilíbrio na aplicação das regras da OMC, privando os órgãos legislativos ou executivos da Comunidade da margem de manobra de que gozam os órgãos correspondentes dos parceiros comerciais da Comunidade (acórdão Portugal/Conselho, referido no n.° 127 supra, n.os 42 a 46).

129    Por outro lado, impor aos órgãos jurisdicionais a obrigação de recusarem a aplicação de regras de direito internas incompatíveis com os acordos OMC teria como consequência privar os órgãos legislativos ou executivos das partes contratantes da possibilidade, prevista no artigo 22.° do MRD, de encontrarem, ainda que a título temporário, soluções negociadas com vista a obter uma compensação mutuamente satisfatória (acórdão Portugal/Conselho, referido no n.° 127 supra, n.os 39 e 40).

130    Por conseguinte, a eventual violação das regras da OMC pelas instituições demandadas não é susceptível, em princípio, de gerar responsabilidade extracontratual da Comunidade (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2001, Cordis/Comissão, T‑18/99, Colect., p. II‑913, n.° 51; Bocchi Food Trade International/Comissão, T‑30/99, Colect., p. II‑943, n.° 56; e T. Port/Comissão, T‑52/99, Colect., p. II‑981, n.° 51).

131    Só no caso de a Comunidade ter decidido cumprir uma obrigação determinada assumida no quadro da OMC, ou de o acto comunitário remeter, de modo expresso, para disposições precisas dos acordos OMC, é que compete ao Tribunal de Justiça fiscalizar a legalidade da actuação das instituições demandadas à luz das regras da OMC (v., relativamente ao GATT de 1947, acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1989, Fediol/Comissão, 70/87, Colect., p. 1781, n.os 19 a 22, e de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho, C‑69/89, Colect., p. I‑2069, n.° 31, bem como, relativamente aos acordos OMC, acórdãos Portugal/Conselho, já referido no n.° 127 supra, n.° 49, e Biret International/Conselho, já referido no n.° 127 supra, n.° 53).

132    Ora, mesmo perante uma decisão do ORL que declara as medidas tomadas por um membro incompatíveis com as regras da OMC, nenhuma dessas duas excepções tem aplicação no caso em apreço.

–       Quanto à excepção relativa à intenção de cumprir uma obrigação determinada assumida no quadro da OMC

133    Ao assumir o compromisso, depois da adopção da decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997, de cumprir as regras da OMC, a Comunidade não tencionou assumir uma obrigação determinada no quadro da OMC, susceptível de justificar uma excepção à impossibilidade de invocar as regras da OMC perante o juiz comunitário e de permitir o exercício por este último da fiscalização da legalidade da actuação das instituições comunitárias à luz dessas regras.

134    É verdade que, em relação ao GATT de 1947, o MRD reforçou o mecanismo de resolução de litígios, especialmente no que diz respeito à elaboração dos relatórios pelos painéis.

135    Assim, o artigo 3.°, n.° 7, do MRD salienta que o objectivo imediato do sistema de resolução de litígios é normalmente o de assegurar a supressão das medidas cuja incompatibilidade com os acordos OMC foi declarada. Do mesmo modo, o artigo 22.°, n.° 1, do MRD privilegia a execução completa de uma recomendação como forma de tornar uma medida conforme aos acordos OMC.

136    Além disso, nos termos do artigo 17.°, n.° 14, do MRD, o relatório do Órgão de Recurso adoptado, como no caso vertente, pelo ORL é aceite incondicionalmente pelas partes em litígio. Finalmente, o artigo 22.°, n.° 7, especifica que estas aceitarão como definitiva a decisão do árbitro que determina o nível da suspensão das concessões.

137    Nem por isso o MRD deixa de atribuir um papel importante à negociação entre os membros da OMC partes num litígio (acórdão Portugal/Conselho, já referido no n.° 127 supra, n.os 36 a 40).

138    O MRD oferece, assim, ao membro da OMC em causa várias modalidades de execução de uma recomendação ou decisão do ORL que declarou uma medida incompatível com as regras da OMC.

139    Quando a revogação imediata da medida incompatível for inexequível, o MRD prevê, no seu artigo 3.°, n.° 7, a possibilidade de conceder ao membro lesado uma compensação ou de o autorizar a suspender a aplicação de concessões ou a execução de outras obrigações, a título provisório, enquanto se aguarda que a medida incompatível seja revogada (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido no n.° 127 supra, n.° 37).

140    Nos termos do artigo 22.°, n.° 2, do MRD, se não cumprir as recomendações e as decisões do ORL no prazo que lhe foi fixado, o membro da OMC em causa deverá, se tal lhe for requerido e nunca após o termo do prazo razoável fixado, entabular negociações com o membro queixoso, com vista a chegarem a acordo sobre uma compensação mutuamente satisfatória.

141    Se não for acordada nenhuma compensação satisfatória no prazo de 20 dias a contar da data em que expira o prazo razoável previsto no artigo 21.°, n.° 3, do MRD para a adequação às regras da OMC, a parte queixosa pode solicitar autorização do ORL para suspender a aplicação, em relação ao membro em causa, das concessões ou outras obrigações previstas nos acordos OMC.

142    Mesmo ao expirar o prazo fixado para a adequação da medida declarada incompatível com as regras da OMC e depois da autorização e da adopção de medidas de compensação ou de suspensão de concessões nos termos do artigo 22.°, n.° 6, do MRD, continua a ser reservado um lugar importante, em todo o caso, à negociação entre as partes em litígio.

143    O artigo 22.°, n.° 8, do MRD salienta, portanto, o carácter temporário da suspensão de concessões ou outras obrigações e limita a sua duração «enquanto a medida que foi considerada incompatível com o acordo abrangido não for revogada, ou o membro que deve dar cumprimento às recomendações ou decisões não apresentar uma solução para a anulação ou redução de vantagens, ou enquanto não for encontrada uma solução mutuamente satisfatória».

144    Essa mesma disposição prevê ainda que, em conformidade com o disposto no n.° 6 do artigo 21.°, o ORL continua a fiscalizar a aplicação das recomendações ou decisões adoptadas.

145    Caso haja desacordo quanto à compatibilidade das medidas adoptadas para dar cumprimento às recomendações e decisões do ORL, o artigo 21.°, n.° 5, do MRD prevê que esse diferendo será resolvido «através destes processos de resolução de litígios», o que inclui a procura de uma solução negociada pelas partes.

146    Nem o expirar do prazo fixado pelo ORL à Comunidade para adequar o seu regime de importação de bananas à decisão do ORL de 25 de Setembro de 1997 nem a decisão de 9 de Abril de 1999 através da qual os árbitros do ORL declararam expressamente a incompatibilidade do novo dispositivo de importação de bananas instituído pelos Regulamentos n.° 1637/98 e n.° 2362/98 esgotaram as modalidades de resolução de litígios previstas no MRD.

147    Nesta medida, a fiscalização da legalidade, pelo juiz comunitário, da actuação das instituições demandadas à luz das regras da OMC pode levar à fragilização da posição dos sujeitos das negociações comunitárias na procura de uma solução mutuamente satisfatória para a resolução do litígio e em conformidade com as regras da OMC.

148    Nestas condições, impor aos órgãos jurisdicionais a obrigação de recusarem a aplicação de regras de direito internas incompatíveis com os acordos OMC teria como consequência privar os órgãos legislativos ou executivos das partes contratantes da possibilidade, prevista no artigo 22.° do MRD, de encontrarem, ainda que a título temporário, soluções negociadas (acórdão Portugal/Conselho, já referido no n.° 127 supra, n.° 40).

149    Além disso, ao alterar novamente, através do Regulamento n.° 216/2001, o regime de importação de bananas, o Conselho pretendeu levar a cabo a conciliação de diversos objectivos divergentes. O preâmbulo do Regulamento n.° 216/2001 refere, assim, no seu primeiro considerando, que foram realizados numerosos e intensos contactos a fim de, nomeadamente, «ter em conta as conclusões do painel» e, no seu segundo considerando, que o novo regime de importação apresenta as melhores garantias «para […] realizar os objectivos da [OCM bananas] quanto à produção comunitária e à procura dos consumidores» e, por outro lado, «respeitar as regras do comércio internacional».

150    Foi, definitivamente, em contrapartida do compromisso da Comunidade de instituir um regime unicamente tarifário para as importações de bananas antes de 1 de Janeiro de 2006 que os Estados Unidos da América aceitaram, nos termos do memorando de acordo de 11 de Abril de 2001, suspender provisoriamente a aplicação do seu direito aduaneiro extraordinário.

151    Ora, tal resultado podia ter ficado comprometido por uma intervenção do juiz comunitário que consistisse, para efeitos de indemnização do prejuízo sofrido pela demandante, em fiscalizar a legalidade, à luz das regras da OMC, da actuação adoptada no caso em apreço pelas instituições demandadas.

152    Há que observar a este respeito que, como os Estados Unidos da América expressamente salientaram, o memorando de acordo de 11 de Abril de 2001 não constitui em si mesmo uma solução mutuamente acordada na acepção do artigo 3.°, n.° 6, do MRD e que a questão do cumprimento pela Comunidade das recomendações e decisões do ORL permanecia inscrita, em 12 de Julho de 2001, ou seja, posteriormente à instauração da presente acção, na ordem de trabalhos da reunião do ORL.

153    Consequentemente, as instituições demandadas não pretenderam, ao alterar o regime comunitário de importação de bananas controvertido, cumprir obrigações determinadas decorrentes das regras da OMC por força das quais o ORL tinha declarado a incompatibilidade do referido regime.

154    Quanto ao restante, há que observar a este respeito que, como resulta dos considerandos do Regulamento n.° 1637/98, o Conselho, no caso vertente, quis conciliar, tirando partido das diversas modalidades de resolução dos litígios definidas pelo MRD, os compromissos internacionais subscritos pela Comunidade tanto no quadro da OMC como perante outros signatários da Quarta Convenção de Lomé, salvaguardando igualmente os objectivos da OCM bananas.

155    Essa intenção é corroborada pelo artigo 20.°, alínea e), do Regulamento n.° 404/93, com a redacção dada pelo Regulamento n.° 1637/98. Na medida em que esclarece que as normas de execução que a Comissão pode adoptar para efeitos de aplicação do título IV do Regulamento n.° 404/93, relativo ao regime das trocas de bananas com países terceiros, incluem as medidas necessárias para respeitar as obrigações decorrentes dos acordos concluídos pela Comunidade em conformidade com o artigo 300.° CE, essa disposição engloba a totalidade dos compromissos convencionais subscritos, sem privilegiar as obrigações assumidas pela Comunidade no quadro dos acordos OMC.

156    Além disso, o legislador comunitário ressalvou expressamente, no nono considerando do Regulamento n.° 1637/98, a possibilidade de estudar o funcionamento desse texto no termo de um período experimental suficiente.

–       Quanto à excepção relativa à remissão expressa para disposições determinadas dos acordos OMC

157    Não se pode considerar que a OCM bananas, conforme instituída pelo Regulamento n.° 404/93 e alterada posteriormente, remete expressamente para disposições determinadas dos acordos OMC (v., neste sentido, despacho OGT Fruchthandelsgesellschaft, já referido no n.° 127 supra, n.° 28).

158    Em particular, não resulta do preâmbulo dos diferentes regulamentos que alteram o regime de importação de bananas que o legislador comunitário se tenha referido a disposições determinadas dos acordos OMC, quando quis pôr esse regime em conformidade com esses mesmos acordos.

159    Assim, o Regulamento n.° 2362/98 não contém nenhuma referência expressa a disposições determinadas dos acordos OMC (acórdãos Cordis/Comissão, já referido no n.° 130 supra; n.° 59; Bocchi Food Trade International/Comissão, já referido no n.° 130 supra; n.° 64; e T. Port/Comissão, já referido no n.° 130 supra, n.° 59).

160    Consequentemente, não obstante a existência de uma verificação de incompatibilidade por parte do ORL, as regras da OMC não constituem, no caso em apreço, nem em virtude de obrigações específicas a que a Comunidade tenha querido dar execução, nem em virtude de uma remissão expressa para disposições determinadas, normas à luz das quais a legalidade da actuação das instituições possa ser apreciada.

161    Resulta dos desenvolvimentos precedentes que a demandante não pode alegar, para efeitos do seu pedido indemnizatório, que a actuação imputada ao Conselho e à Comissão é contrária às regras da OMC.

162    As alegações da demandante relativas à violação dos princípios da protecção da confiança legítima, da segurança jurídica e da proporcionalidade, bem como à violação do seu direito de propriedade e do seu direito ao livre exercício da sua actividade económica assentam todos na premissa da não conformidade com as regras da OMC da actuação imputada às instituições demandadas.

163    Uma vez que essas regras não fazem parte daquelas à luz das quais o juiz comunitário fiscaliza a legalidade da actuação das instituições comunitárias, essas alegações, consequentemente, devem igualmente improceder.

164    Por conseguinte, a actuação das instituições demandadas não pode considerar‑se ferida de ilegalidade, não sendo necessário examinar a argumentação da demandante relativa à natureza jurídica das normas e dos princípios alegadamente violados e à suposta gravidade dessas violações.

165    Por último, a demandante não especificou nem a natureza nem o fundamento das medidas cuja não adopção em seu benefício imputa às demandadas.

166    Ora, as omissões das instituições comunitárias só são susceptíveis de gerar a responsabilidade da Comunidade na medida em que as instituições tenham violado uma obrigação legal de agir resultante de uma disposição comunitária (acórdão Dubois et Fils/Conselho e Comissão, já referido no n.° 79 supra, n.° 56).

167    Uma vez que a ilegalidade da actuação imputada às instituições demandadas não pode ser demonstrada, não se encontra preenchido um dos três pressupostos cumulativos da responsabilidade extracontratual da Comunidade por actuação ilícita dos seus órgãos.

168    Nestas condições, a acção de indemnização da demandante baseada nesse regime de responsabilidade deve ser julgada improcedente, não sendo necessário apreciar, neste quadro, se se encontram reunidas as duas outras condições relativas, respectivamente, à veracidade do dano e à existência de nexo de causalidade entre o comportamento e o prejuízo invocado (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, Colect., p. I‑5251, n.° 14, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 2002, EVO/Conselho e Comissão, T‑220/96, Colect., p. II‑2265, n.° 39).

 Quanto à responsabilidade da Comunidade na inexistência de actuação ilícita dos seus órgãos

 Quanto ao princípio da responsabilidade extracontratual da Comunidade na inexistência de actuação ilícita dos seus órgãos

–       Argumentos das partes

169    A demandante sustenta, no essencial, que a opção política da Comunidade a favor do apoio dos operadores do sector da banana criou uma ruptura da igualdade dos administrados relativamente aos encargos públicos em detrimento da categoria particular constituída pelas empresas comunitárias que foram atingidas de modo desproporcionado pelo direito extraordinário americano que onera as suas importações dos Estados Unidos.

170    As instituições demandadas observam, no essencial, que o juiz comunitário nunca declarou a responsabilidade extracontratual da Comunidade na inexistência de uma actuação ilícita dos seus órgãos e que os pressupostos de existência dessa responsabilidade, de qualquer modo, não estão reunidos no caso em apreço.

–       Apreciação do Tribunal

171    Quando, como no caso em apreço, a ilegalidade da actuação imputada às instituições comunitárias não foi demonstrada, não é por isso que as empresas que, enquanto categoria de operadores económicos, vêm a suportar uma parte desproporcionada dos encargos resultantes de uma restrição do acesso aos mercados de exportação não podem, em caso algum, obter uma compensação suscitando a responsabilidade extracontratual da Comunidade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1987, De Boer Buizen/Conselho e Comissão, 81/86, Colect., p. 3677, n.° 17).

172    Com efeito, o artigo 288.°, segundo parágrafo, CE baseia a obrigação que impõe à Comunidade de reparar os prejuízos causados pelas suas instituições nos «princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros», sem restringir, por conseguinte, o alcance destes princípios ao regime da responsabilidade extracontratual da Comunidade por actuação ilícita das referidas instituições.

173    Ora, os regimes jurídicos nacionais em matéria de responsabilidade extracontratual permitem aos particulares, ainda que em graus variáveis, em domínios específicos e segundo modalidades diferentes, obter em juízo a indemnização de determinados prejuízos, mesmo na inexistência de actuação ilícita por parte do autor do prejuízo.

174    No caso de um prejuízo causado pela actuação das instituições da Comunidade cujo carácter ilegal não está demonstrado, a responsabilidade extracontratual da Comunidade pode existir, quando estejam cumulativamente verificados os pressupostos relativos à realidade do prejuízo, ao nexo de causalidade entre este e a actuação das instituições comunitárias, bem como ao carácter anormal e especial do prejuízo em causa (v. acórdão de 15 de Junho de 2000, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, já referido no n.° 94 supra, n.° 19).

175    Há que verificar, portanto, se esses três pressupostos se encontram reunidos no caso em apreço.

 Quanto à existência de um prejuízo real e certo

–       Argumentos das partes

176    A demandante alega ter sofrido avultadas perdas a título de investimentos no mercado americano, de remuneração de um distribuidor americano, de honorários de advogados e de direitos de importação pagos.

177    A actuação ilegal da Comunidade causou igualmente à demandante elevados lucros cessantes, devido à perda de determinados contratos e ao recuo das suas vendas em relação às suas previsões anteriores à instituição das sanções americanas.

178    Os demandados respondem à demandante que esta não produziu qualquer prova objectivamente verificável relativamente à redução da actividade existente e aos lucros cessantes.

179    A demandante não demonstrou estar impossibilitada de compensar as suas perdas, por exemplo, aumentando o preço dos seus produtos ou reorganizando a sua política de exportação. Não foi dada nenhuma explicação acerca das medidas que poderia eventualmente ter adoptado para atenuar as suas perdas.

–       Apreciação do Tribunal

180    O Conselho e a Comissão não contestam na sua base o carácter real e certo do prejuízo sofrido pela demandante na sequência da instituição do direito aduaneiro extraordinário americano sobre as importações de caixas, pastas e estojos de armar originários da Comunidade.

181    Em particular, ao alegarem que a demandante não demonstra a impossibilidade de compensar as suas perdas através do aumento dos seus preços ou da reorganização da sua política de exportação e de não dar nenhuma explicação sobre as medidas que poderia eventualmente ter adoptado para limitar o seu prejuízo, os demandados admitem implicitamente que a demandante, pelo menos, deve ter necessariamente sofrido um prejuízo comercial devido ao incontestável encarecimento dos seus produtos provocado no mercado dos Estados Unidos pelo súbito aumento de 100% dos direitos de importação ad valorem americanos.

182    De resto, as estatísticas apresentadas pela Comissão corroboram as alegações da demandante, pois demonstram indubitavelmente uma queda sensível do valor total das importações pelos Estados Unidos de caixas, pastas e estojos de armar de origem comunitária.

183    Nesta medida, o Tribunal considera que o pressuposto relativo ao carácter real e certo do prejuízo sofrido pela demandante se encontra preenchido.

 Quanto ao nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a actuação das instituições demandadas

–       Argumentos das partes

184    A demandante considera que o aumento dos direitos de importação americanos decorre directamente da actuação das instituições demandadas, sendo certo que os Estados Unidos da América se limitaram a exercer um direito que lhes é conferido pelos acordos OMC.

185    Uma vez que tinham conhecimento das consequências da sua actuação, o Conselho e a Comissão não podem validamente alegar que o direito extraordinário americano não era uma consequência objectiva e previsível dessa mesma actuação.

186    Trata‑se de saber não se os Estados Unidos da América foram ou não obrigados a instituir um direito extraordinário ou estavam ou não em condições de escolher as respectivas modalidades, mas unicamente de determinar se a actuação das instituições os levou a impor essas medidas e criou as condições necessárias para que pudessem adoptá‑las. Os elementos deixados à apreciação dos Estados Unidos da América não foram, assim, suficientes para interromper o nexo de causalidade.

187    Os demandados recordam que a responsabilidade extracontratual da Comunidade não pode ser invocada para pedir o ressarcimento de todas as consequências lesivas, mesmo que longínquas, da actuação das instituições comunitárias.

188    Ora, entre o aumento dos direitos aduaneiros americanos e a actuação das instituições comunitárias, várias decisões foram proferidas pelo ORL, e os Estados Unidos da América adoptaram decisões autónomas e unilaterais. Por outras palavras, a actuação dos Estados Unidos da América não foi uma consequência objectivamente previsível de acordo com o decurso normal da acção comunitária.

189    Não era evidente que o Governo americano iria reagir aos relatórios do painel através da adopção do direito extraordinário. Os Estados Unidos da América pediram autorização para suspender concessões antes mesmo de ter sido definitivamente declarada a incompatibilidade dos Regulamentos n.° 1637/98 e n.° 2362/98.

190    O Governo americano decidiu, com toda a independência, atingir os produtos da demandante, sem que a Comunidade tenha podido influenciar essa escolha. Do mesmo modo, o nível dos direitos aplicados pelos Estados Unidos da América foi livremente fixado pelo Governo americano.

191    Mesmo supondo que era previsível a suspensão de concessões pelos Estados Unidos da América, o que não era previsível, em todo o caso, na acepção da jurisprudência comunitária, era que os Estados Unidos da América escolheriam precisamente fazer incidir sobre os produtos da demandante o seu direito extraordinário sobre as importações.

–       Apreciação do Tribunal

192    Os princípios comuns aos direitos dos Estados‑Membros para os quais remete o artigo 288.°, segundo parágrafo, CE não podem ser invocados para fundamentar a existência de uma obrigação a cargo da Comunidade de reparar toda e qualquer consequência danosa, ainda que afastada, da actuação dos seus órgãos (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1979, Dumortier e o./Conselho, 64/76 e 113/76, 167/78 e 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Recueil, p. 3091, n.° 21, e de 30 de Janeiro de 1992, Finsider e o./Comissão, C‑363/88 e C‑364/88, Colect., p. I‑359, n.° 25; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Royal Olympic Cruises e o./Conselho e Comissão, T‑201/99, Colect., p. II‑4005, n.° 26).

193    Com efeito, o requisito relativo ao nexo de causalidade exigido pelo artigo 288.°, segundo parágrafo, CE pressupõe a existência de um nexo suficientemente directo de causa e efeito entre a actuação das instituições comunitárias e o prejuízo (acórdão Dumortier e o./Conselho, já referido no n.° 192 supra, n.° 21; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 2000, Fresh Marine/Comissão, T‑178/98, Colect., p. II‑3331, n.° 118, confirmado em sede de recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2003, Comissão/Fresh Marine, C‑472/00 P, Colect., p. I‑7541).

194    É verdade que os Estados Unidos da América foram unicamente autorizados, a seu pedido, pelo ORL, sem que a tal estivessem obrigados, a proceder à eliminação de concessões sob a forma de aumento dos direitos que oneravam as importações de produtos originários da Comunidade. Mesmo depois de ter obtido essa autorização, o Governo americano mantinha a faculdade de prosseguir na resolução do litígio que o opunha à Comunidade sem adoptar medidas de retaliação contra esta última.

195    Foi igualmente no exercício de um poder discricionário que a administração americana decidiu, por um lado, sujeitar as caixas, pastas e estojos de armar de origem comunitária ao seu direito aduaneiro extraordinário, isentando os provenientes de certos Estados‑Membros da Comunidade, e, por outro, fixou a taxa do direito extraordinário sobre as importações em 100% do preço dos produtos onerados.

196    Não é menos verdade que, sem o regime comunitário de importação de bananas controvertido e uma verificação prévia pelo ORL da sua incompatibilidade com as regras da OMC, os Estados Unidos da América não teriam podido pedir ou obter do ORL autorização para suspender as suas concessões tarifárias sobre os produtos originários da Comunidade até ao montante do nível de anulação ou de redução de vantagens decorrente da manutenção do regime comunitário controvertido.

197    Com efeito, foi em função do montante do prejuízo sofrido pela economia americana por causa do regime comunitário de importação de bananas julgado incompatível com as regras da OMC que o ORL determinou o montante de trocas até ao qual a administração americana foi autorizada a suspender as suas concessões tarifárias relativamente à Comunidade.

198    Nestas condições, a retirada das concessões relativamente à Comunidade sob a forma de direito aduaneiro extraordinário sobre as importações deve considerar‑se uma consequência que decorre objectivamente, segundo o desenrolar normal e previsível do sistema de resolução de litígios da OMC aceite pela Comunidade, da manutenção em vigor pelas instituições demandadas de um regime de importação de bananas incompatível com os acordos OMC.

199    A decisão unilateral dos Estados Unidos da América de instituir um direito aduaneiro extraordinário sobre as importações de caixas, pastas e estojos de armar originários da Comunidade não é, assim, susceptível de interromper o nexo de causalidade existente entre o prejuízo que a instituição desse direito extraordinário causou à demandante e a manutenção pelos demandados do regime de importação de bananas controvertido.

200    A actuação das instituições demandadas, com efeito, induziu necessariamente a adopção da medida de retaliação pela administração americana, em conformidade com os procedimentos instituídos pelo MRD e aceites pela Comunidade, de modo que essa actuação deve ser considerada a causa determinante do prejuízo sofrido pela demandante na sequência da instituição do direito aduaneiro extraordinário americano.

201    Antes mesmo de o ORL autorizar os Estados Unidos da América, em 19 de Abril de 1999, a cobrar o seu direito extraordinário sobre as importações, as instituições demandadas não ignoravam a iminência das medidas de retaliação americanas.

202    Desde 10 de Novembro de 1998 que os Estados Unidos da América tinham publicado a lista provisória dos produtos de origem comunitária que tencionavam onerar com um direito extraordinário sobre as importações, tendo confirmado, em 21 de Dezembro de 1998, a sua aplicação iminente à taxa de 100%.

203    Desde 3 de Março de 1999, data da instituição a cargo dos exportadores comunitários da obrigação de constituir uma garantia bancária à razão de 100% do valor dos produtos de importação em causa, que os demandados já não podiam ignorar a firme intenção dos Estados Unidos da América de instituir um direito aduaneiro extraordinário. Nenhuma dúvida podia subsistir depois do comunicado de imprensa de 9 de Abril de 1999 do representante especial que anunciava a lista dos produtos onerados pelo direito aduaneiro extraordinário.

204    Há que admitir, portanto, a existência de um nexo de causalidade directo exigido entre, por um lado, a actuação adoptada pelas instituições demandadas relativamente às importações de bananas na Comunidade e, por outro, o prejuízo sofrido pela demandante devido à instituição do direito aduaneiro extraordinário americano.

 Quanto ao carácter anormal e especial do prejuízo sofrido

–       Argumentos das partes

205    A demandante alega que o Tribunal de Justiça já reconheceu a obrigação de a Comunidade prever uma compensação adequada quando uma categoria de agentes económicos deve suportar, como no caso vertente, uma parte desproporcionada dos encargos resultantes da execução de um convénio comercial entre a Comunidade e um Estado terceiro (acórdão De Boer Buizen/Conselho e Comissão, já referido no n.° 171 supra, n.° 17).

206    O mesmo se diga quando é imposto um encargo a um particular que o não seria normalmente, em nome do interesse geral (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1986, Développement e Clemessy/Comissão, 267/82, Colect., p. 1907), que constitui um prejuízo anormal e especial (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1972, Compagnie d’approvisionnement e Grands Moulins de Paris/Comissão, 9/71 e 11/71, Recueil, p. 391, n.os 45 e 46, Colect., p. 131; de 6 de Dezembro de 1984, Biovilac/CEE, 59/83, Recueil, p. 4057; e de 15 de Junho de 2000, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, já referido no n.° 94 supra, n.° 18).

207    Os demandados respondem, no essencial, que os riscos comerciais a que estão expostos os exportadores comunitários podem considerar‑se inerentes ao próprio sistema da OMC, e que não existe nenhuma razão específica para que a Comunidade assuma o respectivo encargo. Além disso, o prejuízo deve respeitar a um grupo restrito de empresas.

–       Apreciação do Tribunal

208    Relativamente aos prejuízos que podem sofrer os operadores económicos devido às actividades das instituições comunitárias, o prejuízo é, por um lado, anormal quando ultrapassa os limites dos riscos económicos inerentes às actividades do sector em causa e, por outro, especial quando afecta uma categoria específica de operadores económicos de modo desproporcionado em relação aos restantes operadores (v. acórdão de 28 de Abril de 1998, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, já referido no n.° 94 supra, n.° 80, e acórdão Afrikanische Frucht‑Compagnie e Internationale Fruchtimport Gesellschaft Weichert/Conselho e Comissão, já referido no n.° 99 supra, n.° 151).

209    Não está demonstrado, no caso em apreço, que a demandante tenha sofrido, por causa da incompatibilidade do regime comunitário de importação de bananas com os acordos OMC, um prejuízo que exceda os limites dos riscos inerentes à sua actividade exportadora.

210    É verdade que, como resulta do seu preâmbulo, o acordo que institui a OMC tem o objectivo de desenvolver um sistema comercial multilateral integrado que englobe os resultados dos esforços de liberalização comercial desenvolvidos no passado.

211    Há, no entanto, que observar que a eventualidade de uma suspensão das concessões tarifárias, medida prevista pelos acordos OMC e com aplicação no caso em apreço, é uma das vicissitudes inerentes ao sistema actual do comércio internacional. Assim, essa vicissitude é obrigatoriamente suportada por todo o operador que decida comercializar a sua produção no mercado de um dos membros da OMC.

212    De facto, a decisão dos árbitros de 9 de Abril de 1999 salientou que a natureza temporária que o artigo 22.°, n.° 1, do MRD atribui à suspensão das concessões indica que esta tem por objectivo levar o membro da OMC em causa a respeitar as recomendações e as decisões do ORL.

213    Além disso, resulta do artigo 22.°, n.° 3, alíneas b) e c), do MRD, instrumento internacional que foi objecto de publicidade própria a assegurar o seu conhecimento pelos operadores comunitários, que o membro queixoso da OMC pode pretender suspender concessões ou outras obrigações noutros sectores diferentes daquele em que o painel ou o Órgão de Recurso tenham verificado a existência de uma violação pelo membro em causa, seja a título do mesmo acordo ou de outro acordo OMC.

214    Consequentemente, os riscos a que podia estar exposta, por essa razão, a comercialização pela demandante das suas caixas de armar em cartão no mercado americano não podem ser considerados estranhos às contingências normais do comércio internacional, no estado actual da sua organização.

215    Assim, não há que qualificar de anormal o prejuízo sofrido pela demandante nas circunstâncias do caso em apreço.

216    Tal conclusão é suficiente para excluir qualquer direito a uma indemnização a esse título. Assim, não é necessário que o Tribunal se pronuncie sobre a natureza especial do prejuízo.

217    Consequentemente, o pedido de indemnização da demandante baseado no regime da responsabilidade extracontratual da Comunidade na inexistência de actuação ilícita dos seus órgãos deve ser julgado improcedente.

218    Resulta dos desenvolvimentos precedentes que a acção deve ser julgada improcedente, sem necessidade de apreciar os pedidos subsidiários da demandante.

 Quanto às despesas

219    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

220    Tendo a demandante sido vencida, deve ser condenada a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas do Parlamento, do Conselho e da Comissão, em conformidade com os pedidos que as instituições demandadas fizeram neste sentido.

221    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas.

222    Por conseguinte, o Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Grande Secção)

decide:

1)      Julgar a acção inadmissível na parte em que é dirigida contra o Parlamento.

2)      Julgar a acção improcedente quanto ao demais.

3)      Condenar a demandante a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas do Parlamento, do Conselho e da Comissão.

4)      O Reino de Espanha suportará as suas próprias despesas.

Vesterdorf

Lindh

Azizi

Pirrung

Legal

García‑Valdecasas

Tiili

Cooke

Meij

Vilaras

 

      Forwood

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Dezembro de 2005.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      B. Vesterdorf

Índice

Quadro jurídico

Factos na origem do litígio

Tramitação do processo

Pedidos das partes

Quanto à admissibilidade

Quanto à inadmissibilidade da acção por ser dirigida contra o Parlamento

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à falta de conformidade da petição com os requisitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à competência do Tribunal

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao mérito

Quanto à responsabilidade da Comunidade por actuação ilícita dos seus órgãos

Argumentos das partes

– Quanto às ilegalidades imputadas às instituições demandadas

– Quanto à natureza jurídica das normas alegadamente violadas pelos demandados

– Quanto à gravidade das alegadas infracções

Apreciação do Tribunal

– Quanto à questão prévia da possibilidade de invocar as regras da OMC

– Quanto à excepção relativa à intenção de cumprir uma obrigação determinada assumida no quadro da OMC

– Quanto à excepção relativa à remissão expressa para disposições determinadas dos acordos OMC

Quanto à responsabilidade da Comunidade na inexistência de actuação ilícita dos seus órgãos

Quanto ao princípio da responsabilidade extracontratual da Comunidade na inexistência de actuação ilícita dos seus órgãos

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à existência de um prejuízo real e certo

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a actuação das instituições demandadas

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao carácter anormal e especial do prejuízo sofrido

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.