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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

8 de Março de 2001 (1)

«Normas e regulamentações técnicas - Aparelhos emissores não autorizados - Publicidade»

No processo C-278/99,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra

Georgius van der Burg,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 1.° da Directiva 83/189/CEE do Comissão, de 28 de Março de 1983, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 109, p. 8; EE 13 F14 p. 34).

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: C. Gulmann (relator), presidente de secção, V. Skouris, J. -P. Puissochet, R. Schintgen e N. Colneric, juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer


secretário: R. Grass

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação do Governo neerlandês, por M. A. Fierstra, na qualidade de agente,

-    em representação do Governo belga, por A. Snoecx, na qualidade de agente,

-    em representação do Governo francês, por K. Rispal-Bellanger e R. Loosli-Surrans, na qualidade de agentes,

-    em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, na qualidade de agente, assistido por N. Green, QC,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por C. van der Hauwaert e Shotter, na qualidade de agentes,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Dezembro de 2000,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por acórdão de 6 de Julho de 1999, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de Julho seguinte, o Hoge Raad der Nederlanden colocou, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 1.° da Directiva 83/189/CEE do Comissão, de 28 de Março de 1983, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO L 109, p. 8; EE 13 F14 p. 34)

2.
    Estas questões foram suscitadas no âmbito de um processo penal em que é arguido G. van der Burg por ter anunciado numa publicação mensal a venda de amplificadoresamplificador para frequências rádio relativamente aos quais não tinha sido emitida qualquer declaração de autorização.

A regulamentação comunitária

3.
    Por força do artigo 1.°, ponto 1, da Directiva 83/189, entende-se por «especificação técnica», «a especificação que consta de um documento que define as características exigidas de um produto, tais como os níveis de qualidade ou de propriedade de utilização, a segurança, as dimensões, incluindo as prescrições aplicáveis ao produto no que respeita à terminologia, aos símbolos, aos ensaios e métodos de ensaio, à embalagem, à marcação e à rotulagem».

4.
    De acordo com o artigo 1.°, ponto 5, da referida directiva, por «regra técnica» deve entender-se «as especificações técnicas, incluindo as disposições administrativas que se lhes referem, cujo respeito é obrigatório, de jure ou de facto, para a comercialização ou a utilização num Estado-Membro ou numa parte importante desse Estado, com excepção das fixadas pelas autoridades locais».

5.
    Os artigos 8.° e 9.° da Directiva 83/189 obrigam os Estados-Membros, por um lado, a comunicar à Comissão os projectos de regras técnicas que pertençam ao seu âmbito de aplicação e, por outro, a adiar por vários meses a adopção desses projectos a fim de dar à Comissão a possibilidade de verificar se os referidos projectos são compatíveis com o direito comunitário ou de propor ou adoptar uma directiva sobre a questão.

A regulamentação neerlandesa

6.
    A regulamentação neerlandesa em causa no processo principal é apresentada pelo Hoge Raad, no despacho de reenvio, da seguinte forma.

7.
    Nos termos do artigo 17.°, n.° 1, da Wet op de Telecommunicatievoorzieningen (Lei sobre as telecomunicações, a seguir «WTV») é proibido, a quem não disponha de uma concessão, construir, possuir ou utilizar emissores rádioeléctricos, salvo com autorização ministerial.

8.
    O artigo C.11.1., n.° 1, da Besluit radio-elektrische inrichtingen, de 5 de Dezembro de 1988 (Decisão sobre os aparelhos rádioeléctricos, Stb. 1988, p. 552, a seguir «decisão»), dispõe:

«É proibido anunciar ou fazer publicidade a aparelhos emissores que não sejam de um tipo autorizado.»

9.
    O artigo C.2.1., n.° 2, da decisão precisa:

«Os aparelhos emissores são de tipo autorizado quando o ministro tenha, a seu respeito, emitido uma declaração de autorização.»

10.
    Nos termos dos artigos 16.°, parte inicial e alínea b), da WTV e A.3.1 da decisão, os amplificadores de frequência de radio susceptíveis de ser utilizados conjuntamente com aparelhos emissores são equiparados a estes, nomeadamente para efeitos da aplicação das regras da decisão, ou das regras adoptadas com base nesta decisão, relativas aos aparelhos emissores.

11.
    O Regeling toelating radio-elektrische inrichtingen (Regulamento referente à autorização dos aparelhos rádioeléctricos, Stcrt. 1992, p. 64) regula as condições de obtenção da declaração de autorização. O artigo 8.° deste regulamento dispõe que os requisitos técnicos dos aparelhos rádioeléctricos constam da lista dos requisitos que figura no anexo 2 do mesmo regulamento. Os amplificadores de frequência de radio não são mencionados nesse anexo.

12.
    Nos termos do artigo H, parte inicial e alínea a), da decisão, a violação da proibição imposta pelo artigo C.11.1 é passível de sanções penais.

O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

13.
    Em Janeiro de 1994, G. van der Burg anunciou na revista mensal «Elektron» para radioamadores a venda de amplificadores de frequência de radio com a potência de 1000 e/ou 1500 watts. Os amplificadores de frequência de radio são aparelhos electrónicos que permitem amplificar a potência de um sinal emitido. Os aparelhos postos à venda por G. van der Burg eram aparelhos emissores abrangidos pela WTV, relativamente aos quais não tinha sido emitida qualquer declaração de autorização.

14.
    No quadro do processo penal instaurado contra G. van der Burg por infracção aos artigos 17.° da WTV e C.11.1 da decisão, o Arrondissementsrechtbank te Rotterdam (Países Baixos) condenou este último, em instância de recurso, a uma multa de 600 NLG.

15.
    O arguido interpôs recurso de cassação desta decisão, alegando que a regulamentação nacional em que o processo penal se baseia é contrária ao direito comunitário na medida em que não foi notificada de acordo com a Directiva 83/189.

16.
    No ponto 6.11.1 do seu despacho de reenvio, o Hoge Raad apresentou, no que respeita à questão de saber se o artigo C.11.1, n.° 1, da decisão constitui uma regra técnica, a seguinte análise:

«No n.° 25 do seu acórdão Securitel [de 30 de Abril de 1996, CIA Security International (C-194/94, Colect., p. I-2201)], o Tribunal de Justiça CE declarou que as regras técnicas, na acepção da directiva, são 'especificações que definem as característica dos produtos‘. De momento, esta afirmação, em conjunto com asdefinições das noções que figuram na directiva [83/189], parece indicar que uma disposição como a que está em causa não pode ser considerada como uma regulamentação técnica, na acepção da directiva [83/189]. Por outro lado, refira-se que existe uma relação directa entre os requisitos que devem preencher os aparelhos emissores e a proibição em questão. O alcance da proibição de fazer publicidade é completamente delimitada pelos requisitos que devem preencher os aparelhos emissores para poderem ser considerados de tipo autorizado. Por outras palavras: quando um aparelho emissor não preencha os requisitos técnicos estabelecidos, a consequência é que o aparelho emissor deve ser considerado como de um não autorizado, com o resultado de que, na acepção do artigo C.11.1, n.° 1, da Decisão sobre os aparelhos rádioeléctricos, não pode ser efectuada qualquer publicidade para os aparelhos emissores desse tipo.»

17.
    Nestas circunstâncias, o Hoge Raad decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.    Há que interpretar o artigo 1.° da Directiva 83/189 no sentido de que o artigo C.11.1, n.° 1, da Decisão sobre os aparelhos rádioeléctricos, nos termos do qual 'É proibido anunciar ou fazer publicidade a aparelhos emissores que não sejam de tipo autorizado‘, no contexto normativo descrito anteriormente (...) e à luz do que a esse respeito foi exposto no ponto 6.11.1 [do despacho de reenvio], deve ser considerado uma regra técnica na acepção da referida directiva?

2.    No caso de uma resposta afirmativa à questão 1, resulta daí que essa regra apenas não é aplicável quando constitui, no caso concreto, um obstáculo às trocas comerciais ou à livre circulação das mercadorias ou é necessário entender que uma disposição dessa natureza não é aplicável na generalidade dos seus termos, e, portanto, independentemente do caso concreto, se constituir ou puder constituir um obstáculo às trocas comerciais?»

Quanto à primeira questão

18.
    Com a sua primeira questão, o tribunal a quo pergunta, no essencial, se uma regulamentação nacional, como o artigo C.11.1, n.° 1, da decisão, que proíbe a publicidade comercial a aparelhos emissores de tipo não autorizado constitui, na acepção da Directiva 83/189, uma regra técnica que deveria ter sido notificada à Comissão antes da sua adopção.

19.
    Tal como sublinharam os Governos neerlandês, belga, francês e do Reino Unido, e, no essencial, a Comissão, deve concluir-se que essa regulamentação não constitui uma especificação técnica na acepção da Directiva 83/189 e, por conseguinte, não pode ser qualificada de regra técnica abrangida pelo campo de aplicação desta directiva.

20.
    Com efeito, nos termos do artigo 1.°, ponto 1, da Directiva 83/189, é uma especificação técnica na acepção desta directiva «a especificação que consta de um documento que define as características exigidas de um produto». Deste modo, as especificações técnicas na acepção da Directiva 83/189 devem reportar-se ao produto enquanto tal (v. acórdão de 12 de Outubro de 2000, Snellers, C-314/98, Colect., p. I-0000, n.° 38). Ora, uma regulamentação, como o artigo C.11.1, n.° 1, da decisão, que se limita a proibir uma forma de comercialização, não fixa as características exigidas de um produto.

21.
    A este respeito, deve sublinhar-se que o facto de existir, como salientou o tribunal a quo, uma relação directa entre uma proibição da publicidade como a que está em causa no processo principal e as normas técnicas que os aparelhos emissores devem satisfazer não é suficiente para qualificar essa proibição de «especificação técnica» na acepção da Directiva 83/189.

22.
    Nestas condições, deve responder-se à primeira questão prejudicial no sentido de que uma regulamentação nacional, como o artigo C.11.1, n.° 1, da decisão, que proíbe a publicidade comercial de aparelhos emissores de tipo não autorizado, não constitui, na acepção da Directiva 83/189, uma regra técnica que deveria ter sido notificada à Comissão antes da respectiva adopção.

Quanto à segunda questão

23.
    Face à resposta dada à primeira questão, não há lugar a responder à segunda questão prejudicial.

Quanto às despesas

24.
    As despesas efectuadas pelos Governos neerlandês, belga, francês, e do Reino Unido, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden, por despacho de 6 de Julho de 1999 declara:

Uma regulamentação nacional, como o artigo C.11.1, n.° 1, da Besluit radio-elektrische inrichtingen, que proíbe a publicidade comercial de aparelhosemissores de tipo não autorizado, não constitui, na acepção da Directiva 83/189/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas, uma regra técnica que deveria ter sido notificada à Comissão antes da respectiva adopção.

Gulmann
Skouris
Puissochet

Schintgen

Colneric

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Março de 2001

O secretário

O presidente da Sexta Secção

R. Grass

C. Gulmann


1: Língua do processo: neerlandês.