Language of document : ECLI:EU:T:2006:123

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

10 de Maio de 2006 (*)

«Auxílios de Estado – Transporte aéreo – Denúncia – Falta de tomada de posição por parte da Comissão – Acção por omissão – Prazo – Admissibilidade»

No processo T‑395/04,

Air One SpA, com sede em Chieti (Itália), representada por G. Belotti e M. Padellaro, advogados,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Di Bucci e E. Righini, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto um pedido baseado no artigo 232.° CE com vista a obter a declaração de que a Comissão não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam, ao não adoptar uma decisão relativamente à denúncia apresentada pela demandante em 22 de Dezembro de 2003, respeitante aos auxílios que terão sido concedidos ilegalmente pela República Italiana à companhia aérea Ryanair,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: H. Legal, presidente, P. Lindh e V. Vadapalas, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Janeiro de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Factos que deram origem ao litígio

1        Por carta de 22 de Dezembro de 2003, a demandante denunciou à Comissão auxílios que as autoridades italianas terão concedido ilegalmente à companhia aérea Ryanair sob a forma de redução dos preços dos serviços aeroportuários e de assistência em escala. A demandante convidava a Comissão a ordenar à República Italiana que suspendesse o pagamento desses auxílios.

2        Tendo essa denúncia ficado sem resposta, a demandante, por carta de 26 de Janeiro de 2004, pediu à Comissão que acusasse a recepção da denúncia.

3        Por carta de 17 de Fevereiro de 2004, a Comissão confirmou ter recebido a denúncia, registada em 29 de Dezembro de 2003. A Comissão pediu autorização à demandante para revelar o seu nome às autoridades italianas ou, em caso negativo, para lhe transmitir uma versão não confidencial da denúncia.

4        Por carta de 23 de Fevereiro de 2004, a demandante, que aguardava uma resposta, convidou a Comissão a promover um inquérito sobre os auxílios denunciados.

5        Por fax de 1 de Março de 2004, a demandante enviou à Comissão uma versão não confidencial da sua denúncia.

6        Em 11 de Junho de 2004, continuando a aguardar uma resposta, a demandante convidou formalmente a Comissão a tomar posição sobre a sua denúncia de harmonia com o artigo 232.° CE.

7        Por carta de 9 de Julho de 2004, a Comissão transmitiu a denúncia da demandante às autoridades italianas, convidando‑as a verificar a veracidade do seu conteúdo e a responder‑lhe num prazo de três semanas. A pedido das autoridades italianas, esse prazo foi prorrogado até 30 de Setembro de 2004.

8        Por fax de 13 de Setembro de 2004, a Comissão informou a demandante de que a versão não confidencial da sua denúncia tinha sido transmitida às autoridades italianas em 9 de Julho de 2004 e que lhes tinha sido concedido um prazo de resposta que expirava em 30 de Setembro de 2004.

 Tramitação processual e pedidos das partes

9        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Outubro de 2004, a demandante propôs a presente acção.

10      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 11 de Janeiro de 2006.

11      A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar que a Comissão não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do Tratado CE, ao não tomar posição, embora tenha sido formalmente convidada a fazê‑lo, sobre a denúncia apresentada em 22 de Dezembro de 2003 a propósito dos auxílios estatais que as autoridades italianas terão concedido ilegalmente à transportadora aérea Ryanair;

–        ordenar à Comissão que tome posição sem demora quanto à denúncia apresentada e quanto às medidas conservatórias pedidas;

–        condenar a Comissão nas despesas, mesmo que não haja que conhecer da causa devido à adopção de um acto pela Comissão na pendência da instância.

12      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar a acção inadmissível ou, subsidiariamente, improcedente;

–        condenar a demandante nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

13      A Comissão sustenta que a acção é inadmissível, pois a demandante não demonstrou que o facto de a Comissão não ter adoptado a decisão lhe diz directa e individualmente respeito. Por falta de ter provado suficientemente que as medidas denunciadas afectaram os seus interesses, a demandante não tem legitimidade para agir.

14      A Comissão considera que incumbe à demandante demonstrar a importância da afectação da sua posição no mercado (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Maio de 2004, Deutsche Post e DHL/Comissão, T‑358/02, Colect., p. II‑1565, n.° 37), qualquer que seja a fase do procedimento no termo do qual a Comissão tomou a decisão que é objecto de impugnação. Ela deplora, no entanto, que a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância tenha evoluído no sentido de uma maior permissividade. Ao reconhecer a qualquer empresa, que invoque uma relação de concorrência, mesmo não substancial, a qualidade de interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE e, consequentemente, a legitimidade para agir, essa jurisprudência redunda em esvaziar do seu conteúdo o requisito previsto nos artigos 230.° CE e 232.° CE segundo o qual, para poder pedir a anulação de uma decisão ou denunciar a omissão do seu autor, essa decisão deve dizer directa e individualmente respeito a um particular. A Comissão acrescenta que as suas dúvidas se juntam às expressas pelo advogado‑geral F. G. Jacobs nas suas conclusões de 24 de Fevereiro de 2005, no processo Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum (acórdão de 13 de Dezembro de 2005, C‑78/03 P, Colect., p. I‑10737). A Comissão convida o Tribunal de Primeira Instância a fazer uma abordagem mais rigorosa dos critérios de admissibilidade, em conformidade com a via seguida pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677), e de 1 de Abril de 2004, Comissão/Jégo‑Quéré (C‑263/02 P, Colect., p. I‑3425).

15      A Comissão considera que a demandante não demonstrou ser suficientemente afectada pelas medidas estatais que ela denuncia, em particular, quanto à sua incidência na sua posição concorrencial. O simples facto de ser um potencial concorrente do beneficiário das medidas estatais denunciadas não é suficiente para que diga «directa e individualmente respeito» à demandante.

16      Sem ir ao ponto de exigir uma coincidência perfeita entre as linhas aéreas servidas pela demandante e a Ryanair, a Comissão considera que incumbe à demandante demonstrar a existência de uma relação de substituibilidade entre as suas linhas e as da Ryanair. No caso em apreço, a relação de concorrência entre a Ryanair e a demandante é insignificante. Com efeito, só a linha entre Roma e Frankfurt é servida por ambas as companhias. Contudo, a demandante explora essa linha em cooperação com a Lufthansa, sob a forma de um acordo de partilha de códigos. Por isso, não é possível considerar que os voos nessa linha possam ser considerados reservados para a demandante.

17      A demandante sustenta que a acção é admissível.

18      Em primeiro lugar, a interpretação exageradamente restritiva das condições de admissibilidade proposta pela Comissão não corresponde ao estado actual da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Dezembro de 2004, Kronofrance/Comissão, T‑27/02, Colect., p. II‑4177, n.° 34, e a jurisprudência citada).

19      Em segundo lugar, é manifesto que a demandante, potencial concorrente da Ryanair, é uma parte interessada para efeitos do disposto no artigo 88.°, n.° 2, CE. O seu crescimento é travado pelos auxílios concedidos à Ryanair, nomeadamente, nas linhas com partida dos aeroportos italianos de Roma (Ciampino), Milão (Bérgamo, Orio al Serio), Pescara, Alghero e Veneza (Treviso).

20      Em terceiro lugar, a demandante sublinha que, se os auxílios concedidos ao seu concorrente Ryanair não lhe dissessem directa e individualmente respeito, não teria consagrado os seus recursos a denunciar esses auxílios e a intentar uma acção.

21      Em quarto lugar, a tese da inadmissibilidade sustentada pela Comissão é contrária aos objectivos do Tratado em matéria de controlo dos auxílios. Com efeito, as denúncias de empresas terceiras contribuem para o exercício efectivo pela Comissão das suas prerrogativas exclusivas na matéria.

22      Em quinto lugar, no respeitante às regras de concorrência aplicáveis às empresas, a jurisprudência reconheceu já a admissibilidade dos recursos destinados a controlar as decisões ou omissões da Comissão, quando esta é chamada a intervir por uma denúncia que dá conta da existência de uma infracção (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1977, Metro/Comissão, 26/76, Colect., p. 659, n.° 13). Esses princípios deverão igualmente aplicar‑se no domínio dos auxílios estatais. A demandante salienta, em particular, que o Tribunal já consagrou a admissibilidade de um recurso interposto por um potencial concorrente contra uma decisão em matéria de controlo de concentrações (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Abril de 2003, BaByliss/Comissão, T‑114/02, Colect., p. II‑1279).

23      Em sexto lugar, a demandante sustenta que a Comissão não pode prevalecer‑se do despacho Deutsche Post e DHL/Comissão, já referido, para contestar a afectação substancial dos seus interesses. Esse despacho diz respeito a um recurso de anulação de uma decisão tomada de harmonia com o disposto no artigo 88.°, n.° 2, CE, no termo de um procedimento formal de investigação de auxílios, no decurso do qual os terceiros tinham sido devidamente convidados a apresentar as suas observações.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

24      De imediato, há que reconhecer a inadmissibilidade da parte das conclusões da demandante que tem em vista que o Tribunal ordene à Comissão que tome sem demora posição sobre a denúncia e sobre o pedido de medidas conservatórias da demandante. O juiz comunitário não tem competência para dirigir injunções a uma instituição no quadro de uma acção baseada no artigo 232.° CE. O Tribunal tem unicamente a possibilidade de declarar a existência de uma omissão. Em seguida, em aplicação do artigo 233.° CE, incumbe à instituição em causa tomar as medidas que a execução do acórdão do Tribunal comporta (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1995, Ladbroke/Comissão, T‑74/92, Colect., p. II‑115, n.° 75, e de 9 de Setembro de 1999, UPS Europe/Comissão, T‑127/98, Colect., p. II‑2633, n.° 50).

25      No tocante à admissibilidade da parte das conclusões com vista à declaração de uma omissão por parte da Comissão, importa sublinhar que os artigos 230.° CE e 232.° CE constituem apenas a expressão de uma única e mesma via de direito. Daí resulta que, tal como o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE permite aos particulares interpor recurso de anulação de um acto de uma instituição de que não sejam destinatários, desde que esse acto lhes diga directa e individualmente respeito, o artigo 232.°, terceiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que lhes concede igualmente a faculdade de propor uma acção por omissão contra uma instituição que não tenha adoptado um acto que lhes diz respeito da mesma forma (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1996, T. Port, C‑68/95, Colect., p. I‑6065, n.° 59).

26      Deve, por isso, examinar‑se se a demandante tem legitimidade para agir com vista à anulação de, pelo menos, um dos actos que a Comissão podia adoptar no termo da fase preliminar de apreciação dos auxílios prevista pelo artigo 88.°, n.° 3, CE e que consiste em considerar se as medidas denunciadas não constituíam um auxílio, ou se elas constituíam um auxílio, mas eram compatíveis com o mercado comum, ou se exigiam o início do procedimento do artigo 88.°, n.° 2, CE.

27      A jurisprudência já aceitou a admissibilidade de uma acção intentada por um concorrente do beneficiário de um auxílio com vista a obter a declaração de que a Comissão não adoptou uma decisão na fase preliminar de investigação de auxílios prevista no artigo 88.°, n.° 3, CE (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Gestevisión Telecinco/Comissão, T‑95/96, Colect., p. II‑3407, n.os 57 a 70, e de 3 de Junho de 1999, TF1/Comissão, T‑17/96, Colect., p. II‑1757, n.os 26 a 36).

28      A Comissão opõe‑se à aplicação dessa solução no caso em apreço. As suas críticas, no essencial, articulam‑se em três pontos.

29      Em primeiro lugar, alega que a qualidade de interessado na acepção do disposto no artigo 88.°, n.° 2, CE não é suficiente para declarar um concorrente com legitimidade para agir. É necessário que este demonstre uma afectação substancial dos seus interesses, em conformidade com as exigências impostas pela jurisprudência para a admissibilidade das acções contra decisões tomadas no fim do procedimento formal de investigação dos auxílios previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE.

30      A esse propósito, há que recordar que, sempre que, sem iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão declarar, através de uma decisão adoptada com fundamento no n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários das garantias processuais previstas pelo artigo 88.°, n.° 2, CE só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar perante o juiz comunitário essa decisão (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, Colect., p. I‑2487, n.° 23; de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colect., p. I‑3203, n.° 17; e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 40).

31      Por essas razões, o juiz comunitário declara admissível um recurso com vista à anulação de tal decisão, interposto por um interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE, sempre que o recorrente pretenda, através da interposição deste, salvaguardar os direitos processuais que ele extrai desta última disposição (acórdãos Cook/Comissão, já referido, n.os 23 a 26, e Matra/Comissão, já referido, n.os 17 a 20).

32      Em contrapartida, se o recorrente põe em causa o fundado da decisão de apreciação do auxílio enquanto tal ou uma decisão tomada no termo do procedimento formal de investigação, o simples facto de poder ser considerado interessado na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE não é suficiente para reconhecer a admissibilidade do recurso. Deve, então, demonstrar que goza de um estatuto particular na acepção do acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colect. 1962‑1964, p. 279). Nomeadamente, é o que ocorre no caso de a posição no mercado do recorrente ser substancialmente afectada pelo auxílio que é objecto da decisão em causa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1986, COFAZ e o./Comissão, 169/84, Colect., p. 391, n.os 22 a 25, e despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1997, Sveriges Betodlares e Henrikson/Comissão, C‑409/96 P, Colect., p. I‑7531, n.° 45).

33      Essa jurisprudência, recentemente reafirmada pelo acórdão Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, já referido, demonstra, assim, a importância que deve ser atribuída às diferentes fases do procedimento de investigação dos auxílios, com o que a Comissão se mostrou de acordo na audiência. Assim, a Comissão não pode utilmente prevalecer‑se do despacho Deutsche Post e DHL/Comissão, já referido, para concluir pela inadmissibilidade da acção, pela razão de que a posição da demandante no mercado em causa não é substancialmente afectada pela concessão das medidas denunciadas. Com efeito, o despacho de inadmissibilidade acima referido, baseado na falta de afectação substancial da posição concorrencial das duas empresas demandantes, foi proferido num processo em que foi interposto recurso de uma decisão da Comissão adoptada no fim do procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE e no quadro do qual os interessados tinham sido devidamente convidados a apresentar as suas observações.

34      Deve, portanto, rejeitar‑se a tese da Comissão com vista a estender a todos os recursos dirigidos contra decisões em matéria de auxílios estatais as condições de admissibilidade aplicáveis aos recursos contra decisões tomadas no fim do procedimento formal de investigação dos auxílios previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE ou aos recursos contra decisões tomadas com fundamento no artigo 88.°, n.° 3, CE que não têm por objectivo a salvaguarda das garantias processuais dos interessados, mas a contestação da legitimidade dessas decisões.

35      Em segundo lugar, a Comissão objecta que a demandante não pode ser equiparada a uma parte interessada com qualidade para agir, por não ter provado ser substancialmente afectada pelos auxílios denunciados.

36      Essa objecção deve igualmente ser rejeitada. Com efeito, segundo jurisprudência constante, os interessados na acepção do artigo 88.°, n.° 2, CE são pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão de um auxílio, isto é, em particular, as empresas concorrentes dos beneficiários desse auxílio e as organizações profissionais (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.° 16; Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 41; e Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, já referido, n.° 36). A jurisprudência que decorre do acórdão Intermills/Comissão, já referido, foi consagrada ao artigo 1.°, alínea h), do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO L 83, p. 1), que enuncia que o conceito de partes interessadas compreende «qualquer Estado‑Membro ou qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afectados pela concessão de um auxílio, em especial o beneficiário do auxílio, as empresas concorrentes e as associações [profissionais]». A qualidade de interessado não é, portanto, reservada às empresas substancialmente afectadas pela concessão de auxílios.

37      Em terceiro lugar, a Comissão objecta que um potencial concorrente não pode ser considerado uma parte interessada com qualidade para agir.

38      No caso em apreço, estando a demandante já presente no mercado italiano dos serviços regulares de transporte aéreo de passageiros, a qualidade de interessado não pode ser‑lhe recusada só pela razão de as linhas que ela explora directamente não coincidirem perfeitamente com as do beneficiário das medidas em causa. Para efeitos do exame da admissibilidade, basta reconhecer que a demandante é uma concorrente do beneficiário das medidas estatais denunciadas, na medida em que essas duas empresas exploram, directa ou indirectamente, serviços regulares de transporte aéreo de passageiros a partir de, ou com destino aos, aeroportos italianos, nomeadamente, aeroportos regionais.

39      Quanto às ligações internacionais, a demandante propõe, nomeadamente, tais serviços entre Roma e Frankfurt, duas cidades que são igualmente servidas pela Ryanair. Na verdade, a demandante não explora directamente essa linha com aparelhos da sua própria frota, mas concluiu um acordo de partilha de códigos com a Lufthansa. Essa circunstância não permite, no entanto, ocultar o facto de a demandante poder propor ao público serviços de transporte entre essas duas cidades. Dispondo já de uma frota de aparelhos, a demandante está, por outro lado, em condições de desenvolver a sua actividade para outros destinos igualmente servidos pela Ryanair. No que diz respeito às ligações nacionais, deve‑se reconhecer que, embora, à época dos factos, a Ryanair não explorasse linhas que ligam cidades italianas, nada permite excluir que ela possa posteriormente fazê‑lo em concorrência directa com a demandante.

40      Estas circunstâncias permitem pôr em evidência a existência de uma relação de concorrência suficiente, para efeitos da apreciação da admissibilidade, entre a demandante e o beneficiário das medidas denunciadas.

41      Por conseguinte, a demandante é parte interessada para efeitos do disposto no artigo 88.°, n.° 2, CE. Por isso, tem legitimidade para contestar uma decisão da Comissão tomada nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE com o objectivo de obter o respeito dos seus direitos processuais na sua qualidade de parte interessada. Nestas condições, tem legitimidade para pedir ao Tribunal que declare a eventual omissão da Comissão, dado que não se pode excluir que a Comissão tome posição sobre a denúncia sem iniciar o procedimento formal de investigação.

42      A acção é, portanto, admissível.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

43      A demandante sustenta que a Comissão era obrigada a pronunciar‑se sobre a sua denúncia num prazo razoável a contar da sua solicitação para intervir. Esse prazo será tanto mais breve quanto mais a denúncia enviada à Comissão for precisa. A Comissão não pode prolongar indefinidamente o exame preliminar de medidas estatais que foram objecto de uma denúncia nos termos do artigo 88.° CE, desde que, como no caso em apreço, tenha aceitado iniciar esse exame (acórdão Gestevisión Telecinco/Comissão, já referido, n.os 72 a 74). A eventual decisão da Comissão de não iniciar o exame quanto ao fundo e de não dar seguimento a uma denúncia ou de indeferir o pedido de medidas conservatórias deverá, por maioria de razão, ocorrer num prazo mais curto.

44      No caso em apreço, a Comissão não respeitou essa obrigação, dado que ficou inactiva durante nove meses. A demandante sublinha o carácter desrazoável da atitude da Comissão que, nos onze meses que se seguiram à apresentação da denúncia, se contentou em a transmitir às autoridades italianas. A Comissão, no quadro da presente acção, não avançou qualquer outro elemento que permita verificar a existência de qualquer acto de instrução no decurso desse período. O seu papel, exclusivamente passivo, é incompatível com o princípio da boa administração. Há, portanto, omissão de agir, constitutiva de uma abstenção na acepção do artigo 232.° CE.

45      A demandante observa que essa abstenção é tanto mais gritante quanto os auxílios em causa dizem respeito à empresa Ryanair, cujo financiamento foi já objecto de inquéritos por parte do serviço da Direcção‑Geral «Energia e Transportes» da Comissão especializado na aplicação de auxílios estatais ao sector aéreo ao qual a denúncia foi dirigida (Decisão 2004/393/CE da Comissão, de 12 de Fevereiro de 2004, relativa às vantagens concedidas pela Região da Valónia e pelo Brussels South Charleroi Airport à companhia aérea Ryanair por ocasião da sua instalação em Charleroi, JO L 137, p. 1). No tocante à existência de recursos estatais, a demandante observa igualmente que, com excepção do aeroporto de Roma Ciampino, todas as sociedades gestoras de aeroportos visadas na sua denúncia são maioritariamente detidas por entidades públicas.

46      A Comissão deveria, pelo menos, ter‑se pronunciado num prazo razoável sobre os pedidos de medidas conservatórias formulados na denúncia, em conformidade com o disposto no artigo 11.° do Regulamento n.° 659/1999.

47      A Comissão contesta a procedência destas alegações.

48      Em primeiro lugar, lembra que os denunciantes não são destinatários das decisões em matéria de auxílios estatais, incluindo as de não instaurar o procedimento formal de investigação de auxílios previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (acórdão Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 45). Essas decisões, com efeito, têm por destinatários só os Estados‑Membros. Por conseguinte, é unicamente em relação aos Estados‑Membros em causa que a Comissão é obrigada a agir no que respeita às medidas estatais em questão.

49      Em segundo lugar, a Comissão afirma que a primeira obrigação que lhe incumbe quando é solicitada a intervir por uma denúncia em matéria de auxílios estatais é examinar essa denúncia e, eventualmente, ouvir o Estado‑Membro em questão, a fim de decidir se há que instaurar um procedimento. Lembra que o Regulamento n.° 659/1999 (artigo 10.°, artigo 11.°, n.os 1 e 2, e artigo 20.°, n.° 2) lhe impõe que examine imediatamente as informações recebidas e peça precisões ao Estado‑Membro em causa. No termo dessa fase de inquérito preliminar, a Comissão tem, então, a obrigação de tomar posição e de a comunicar ao denunciante ou de o informar de que não existem motivos suficientes para formular um parecer.

50      A Comissão afirma que cumpriu essas obrigações. Em primeiro lugar, alega que informou a demandante, por carta de 17 de Fevereiro de 2004, de que os serviços competentes iam analisar as informações fornecidas e verificariam se podia ser instaurada uma acção nas autoridades italianas. A Comissão lembra ter, nessa ocasião, interrogado a demandante sobre a eventual confidencialidade de informações contidas na denúncia. Essa carta demonstra, portanto, que a denúncia estava já a ser apreciada no mês de Fevereiro.

51      Em seguida, a Comissão, por carta de 9 de Julho de 2004, interrogou as autoridades italianas sobre as medidas visadas pela denúncia a fim de recolher informações e precisões complementares em relação às informações fornecidas na denúncia. Informou disso a demandante em 13 de Setembro de 2004. A Comissão deduz daí que, nessa data, a demandante não podia ignorar que a sua denúncia era objecto de exame, o que exclui qualquer hipótese de omissão.

52      Em terceiro lugar, a Comissão sublinha que os actos que ela pôde realizar até agora se inscrevem no quadro da fase preliminar que deve permitir‑lhe adoptar um dos actos previstos no artigo 4.°, n.os 2, 3 e 4, do Regulamento n.° 659/1999, isto é, a adopção de uma decisão declarando que as medidas em questão não são auxílios ou que se trata de auxílios compatíveis ou que há que instaurar um procedimento formal com base no artigo 88.°, n.° 2, CE. No termo desse procedimento, a demandante tem, então, a possibilidade de submeter à fiscalização do Tribunal o acto assim adoptado.

53      Em quarto lugar, a Comissão expõe que ela não está sujeita a qualquer prazo para analisar auxílios não notificados. Com efeito, o prazo previsto pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 1973, Lorenz (120/73, Colect., p. 553), não é aplicável aos auxílios não notificados (acórdão Gestevisión Telecinco/Comissão, já referido, n.° 78). Para estes últimos, o artigo 10.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999 prevê que a Comissão pode ou deve pedir informações ao Estado‑Membro antes de iniciar o procedimento formal.

54      Na verdade, o Regulamento n.° 659/1999 impõe à Comissão que examine imediatamente os factos que lhe foram submetidos, devendo o carácter razoável de tal exame ser apreciado à luz das circunstâncias e do contexto de cada processo (acórdão Gestevisión Telecinco/Comissão, já referido, n.° 75). Ela não é, todavia, obrigada a fornecer aos denunciantes explicações detalhadas sobre os inquéritos em curso.

55      No caso em apreço, a duração do procedimento administrativo foi de cerca de onze meses a contar da recepção da versão confidencial da denúncia e de nove meses a partir da recepção da sua versão não confidencial. Tendo em conta as circunstâncias e o contexto do processo, essa duração não é desrazoável. A Comissão sublinha quatro dificuldades particulares encontradas no tratamento da denúncia:

–        os alegados auxílios em questão ocorriam num sector complexo (transporte aéreo de passageiros e serviços aeroportuários);

–        as entidades que concedem os alegados auxílios eram sociedades no capital das quais os poderes públicos dispunham de diversas participações, o que complicava, para o Estado‑Membro e a Comissão, a recolha de informações relativas às convenções entre essas entidades e a Ryanair;

–        era difícil verificar se os auxílios denunciados se apoiavam em recursos estatais ou eram imputáveis ao Estado;

–        a denúncia da demandante convidava a Comissão a alargar o seu inquérito a três sociedades de gestão de infra‑estruturas aeroportuárias identificadas apenas pelo nome do aeroporto que elas exploravam, o que implicava um importante trabalho suplementar por parte da Comissão.

56      A Comissão considera ter agido com diligência após ter sido interpelada pela demandante.

57      A Comissão deduz da cronologia do procedimento que, à data da propositura da presente acção (5 de Outubro de 2004), a demandante não podia ignorar o estado de evolução do inquérito. Tendo em conta o prazo de resposta imposto às autoridades italianas, a demandante não podia razoavelmente contar com uma tomada de posição da Comissão antes de 5 de Outubro de 2004. As informações fornecidas pelas autoridades italianas foram recebidas pela Comissão em 7 de Outubro de 2004 e as informações complementares completadas em 9 de Novembro de 2004.

58      Finalmente, quanto à alegada violação do princípio da boa administração, a Comissão considera que esse fundamento, invocado pela primeira vez na fase da réplica, é novo e, portanto, inadmissível.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

59      A título preliminar, há que salientar que a argumentação relativa à violação do princípio da boa administração não foi expressamente desenvolvida na petição. Todavia, essa argumentação está estreitamente ligada à ultrapassagem de um prazo razoável na apreciação da denúncia que constitui o único fundamento desta acção. Por isso, essa argumentação não pode ser considerada um fundamento novo na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e, portanto, é admissível.

60      Importa verificar se, no momento da interpelação da Comissão, na acepção do artigo 232.° CE, incidia sobre esta uma obrigação de agir.

61      Na medida em que tem competência exclusiva para apreciar a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado comum, a Comissão é obrigada, no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios estatais, a proceder a um exame diligente e imparcial da denúncia da existência de um auxílio incompatível com o mercado comum. Por conseguinte, a Comissão não pode prolongar indefinidamente o exame preliminar de medidas estatais que foram objecto de uma denúncia, quando, como no caso em apreço, aceitou iniciar tal exame pedindo informações ao Estado‑Membro em causa. O carácter razoável da duração do exame de uma denúncia deve apreciar‑se em função das circunstâncias próprias de cada processo, nomeadamente, do contexto deste, das diferentes etapas processuais que a Comissão deve seguir e da complexidade do processo (acórdãos Gestevisión Telecinco/Comissão, já referido, n.os 72 a 75, e TF1/Comissão, já referido, n.os 73 a 75).

62      No caso em apreço, a Comissão recebeu a denúncia da demandante em 29 de Dezembro de 2003. No momento em que a Comissão foi interpelada em conformidade com o disposto no artigo 232.° CE, isto é, em 11 de Junho de 2004, o exame da denúncia durava, portanto, há menos de seis meses.

63      O processo é inegavelmente complexo e com uma certa novidade, não obstante a adopção, cerca de três meses após a apresentação da denúncia, da Decisão 2004/393.

64      Entre as dificuldades suscitadas pelo exame da denúncia, pode salientar‑se que esta visava vários aeroportos italianos sem, com isso, designar especificamente todas as entidades que concederam os auxílios denunciados. Embora a denúncia tenha referido, nominalmente, as sociedades so.ge.a.al, Saga e Aeroporti di Roma, gestoras dos aeroportos de Alghero, de Pescara e de Roma, a demandante convidava igualmente a Comissão a alargar o seu inquérito às convenções celebradas pela Ryanair com outros aeroportos italianos, em particular, os de Treviso, de Pisa e de Bérgamo (Orio al Serio). Nomeadamente, a fim de verificar a presença de recursos de origem pública, as autoridades italianas foram levadas a pedir um prazo suplementar de dois meses para identificar os gestores dos aeroportos em causa.

65      Por outro lado, a Comissão não ficou inactiva após a recepção da denúncia da demandante. Com efeito, interrogou as autoridades italianas em 9 de Julho de 2004, após ter obtido da demandante uma versão não confidencial da sua denúncia. A resposta das autoridades chegou à Comissão em 7 de Outubro de 2004, ou seja, de forma quase concomitante à extinção do prazo da acção.

66      Na verdade, não foi dada ao Tribunal qualquer explicação que permita compreender porque é que a Comissão esperou mais de quatro meses para transmitir às autoridades italianas a versão não confidencial da denúncia e pedir‑lhes que fornecessem informações. Não obstante essa demora, é um facto que a duração total do inquérito foi inferior à de processos de uma complexidade similar em relação aos quais o Tribunal concluiu pela existência de uma omissão ilegal. Há que recordar, a esse propósito, que a duração de tratamento das denúncias nos processos que deram lugar aos acórdãos Gestevisión Telecinco/Comissão e TF1/Comissão, já referidos, foi, no primeiro desses processos, de 47 meses para a primeira denúncia e de 26 meses para a segunda denúncia e, no segundo processo, de 31 meses.

67      Estes elementos, tomados no seu todo, não permitem considerar que, à data da interpelação, a duração do exame da denúncia excedia os limites do prazo razoável.

68      A acção deve, por isso, ser julgada improcedente.

 Quanto às despesas

69      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a demandante sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com as conclusões da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)      A acção é julgada improcedente.

2)      A demandante é condenada nas despesas.

Legal

Lindh

Vadapalas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de Maio de 2006.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

      H. Legal


* Língua do processo: italiano.