Language of document : ECLI:EU:T:2011:186

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

15 de Abril de 2011 (*)

«Programa PHARE – ‘Fundos renováveis’ obtidos pela República Checa – Reembolso dos montantes pagos – Decisão da Comissão de proceder à cobrança por compensação – Base legal – Ordens jurídicas diferentes – Conceito de carácter certo e líquido do crédito – Dever de fundamentação»

No processo T‑465/08,

República Checa, representada por M. Smolek, na qualidade de agente,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por P. van Nuffel, F. Dintilhac e Z. Malůšková, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão, de 7 de Agosto de 2008, de proceder à cobrança por compensação dos montantes devidos pela República Checa no âmbito dos «fundos renováveis» do programa PHARE,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, E. Cremona e S. Frimodt Nielsen (relator), juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Setembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 A – Tratado CE

1        Nos termos do artigo 274.° CE:

«A Comissão executa o orçamento nos termos da regulamentação adoptada em execução do artigo 279.° [CE…]»

2        O artigo 292.° CE prevê:

«Os Estados‑Membros comprometem‑se a não submeter qualquer diferendo relativo à interpretação ou aplicação do presente Tratado a um modo de resolução diverso dos que nele estão previstos.»

 B – Acto relativo às condições de adesão

3        O artigo 2.° do Acto relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33), (a seguir «Acto relativo às condições de adesão»), prevê:

«A partir da data da adesão, as disposições dos Tratados originários e os actos adoptados pelas Instituições e pelo Banco Central Europeu antes da adesão vinculam os novos Estados‑Membros e são aplicáveis nesses Estados nos termos desses Tratados e do presente Acto.»

4        Nos termos do artigo 10.° do Acto relativo às condições de adesão:

«A aplicação dos Tratados originários e dos actos adoptados pelas Instituições fica sujeita, a título transitório, às disposições derrogatórias previstas no presente acto.»

5        O artigo 33.° do Acto relativo às condições de adesão dispõe:

«1. A partir da data da adesão, os concursos, as adjudicações, as execuções e os pagamentos relativos à assistência de pré‑adesão no âmbito do Programa PHARE […] serão geridos, nos novos Estados‑Membros, por agências de execução.

[…]

2. As autorizações orçamentais globais concedidas antes da adesão no âmbito dos instrumentos financeiros de pré‑adesão referidos no n.° 1, incluindo a conclusão e o registo de autorizações e pagamentos legais individuais daí resultantes concedidos após a adesão, continuarão a regular‑se pelas regras e regulamentos dos instrumentos de financiamento de pré‑adesão e serão imputadas aos respectivos capítulos orçamentais até ao encerramento dos programas e projectos em causa. Não obstante, os processos relativos aos contratos públicos iniciados após a adesão serão efectuados nos termos das directivas comunitárias aplicáveis.»

 C – Acordo‑quadro entre o Governo da República Checa e a Comissão Europeia respeitante à participação da República Checa no programa de assistência da Comunidade Europeia

6        O artigo 1.° do Acordo‑quadro de 12 de Março e 12 de Julho de 1996 celebrado entre o Governo da República Checa e a Comissão Europeia respeitante à participação da República Checa no programa de assistência da Comunidade Europeia (207/1997 Sb.) (a seguir «Acordo‑quadro de 1996»), que substituiu o Acordo‑quadro celebrado em 7 de Novembro de 1990 com a República Federativa Checa e Eslováquia, dispõe:

«Para aprofundar a cooperação entre as partes contratantes e com o objectivo de apoiar o processo de reforma e de desenvolvimento económico e social na República Checa, as partes contratantes acordaram em adoptar medidas nos domínios financeiro e técnico, bem como outras formas de cooperação definidas no regulamento já referido. Essas medidas serão financiadas e concretizadas no quadro técnico, jurídico e administrativo definido pelo presente acordo. Os detalhes específicos de cada medida (ou conjunto de medidas) serão fixados num protocolo adoptado pelas duas partes contratantes [intitulado protocolo financeiro], cujo modelo é junto ao apêndice C.»

7        Em aplicação desses acordos‑quadro, diversos protocolos financeiros estabeleceram as condições precisas do financiamento dos seguintes projectos:

–        o protocolo financeiro de 1 de Outubro de 1991, para o projecto T9106;

–        o protocolo financeiro de 5 de Novembro de 1992, para o projecto CS9203;

–        o protocolo financeiro de 1 de Fevereiro de 1994, para o projecto CZ9302.

8        O artigo 5 do Acordo‑quadro de 1996 dispõe:

«Qualquer litígio respeitante ao presente acordo que não seja possível resolver por negociações será objecto de um processo de arbitragem na acepção do apêndice B.»

9        O artigo 18.°, n.° 1, do apêndice A do Acordo‑quadro de 1996 prevê:

«Qualquer questão respeitante à aplicação ou à interpretação do protocolo financeiro ou dessas condições gerais será objecto de negociações entre o beneficiário e a Comissão e, caso seja necessário, implicará uma alteração do protocolo financeiro.»

10      Nos termos do apêndice B do Acordo‑quadro de 1996:

«Qualquer litígio entre as partes contratantes decorrente do Acordo‑quadro ou de um protocolo financeiro, que não seja resolvido por meio dos processos previstos no artigo 18 das condições gerais relativas ao protocolo financeiro, será apresentado a um tribunal arbitral em conformidade com as seguintes disposições.

As partes nesse processo de arbitragem serão, por um lado, o beneficiário, e por outro, a Comissão.

O tribunal arbitral será composto por três árbitros, designados da seguinte forma:

–      um árbitro será designado pelo beneficiário,

–      o segundo árbitro será designado pela Comissão, e

–      o terceiro árbitro […] será designado por acordo das duas partes, ou, na ausência de acordo, pelo Secretário‑Geral das Nações Unidas.

Se uma das partes não designar árbitro, este será designado pelo [terceiro árbitro].»

 D – Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

11      O artigo 30.°, n.° 3, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de Maio de 1969 (a seguir «Convenção de Viena»), dispõe:

«Quando todas as Partes no tratado anterior são também Partes no tratado posterior, sem que o tratado anterior tenha cessado de vigorar ou sem que a sua aplicação tenha sido suspensa nos termos do artigo 59.°, o tratado anterior só se aplica na medida em que as suas disposições sejam compatíveis com as do tratado posterior.»

 E – Regulamento (CE) n.° 1266/1999

12      O artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1266/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999, relativo à coordenação da assistência aos países candidatos no âmbito da estratégia de pré‑adesão e que altera o Regulamento (CEE) n.° 3906/89 (JO L 161, p. 68) prevê:

«A Comissão prestará a assistência comunitária, segundo regras de transparência e o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias e, nomeadamente, o seu artigo 114.°»

 F – Regulamento Financeiro

13      O artigo 71.°, n.os 1 e 2, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 1) (a seguir o «Regulamento Financeiro») dispõe:

«1.      O apuramento de um crédito é o acto pelo qual o gestor orçamental delegado ou subdelegado:

a)      Verifica a existência das dívidas do devedor;

b)      Determina ou verifica a veracidade e o montante da dívida;

c)      Verifica as condições de exigibilidade da dívida.

2.      Os recursos próprios postos à disposição da Comissão, bem como qualquer crédito apurado como certo, líquido e exigível, devem ser objecto de uma ordem de cobrança emitida ao contabilista, seguida de uma nota de débito dirigida ao devedor, sendo ambos os documentos elaborados pelo gestor orçamental competente.»

14      Nos termos do artigo 73.°, n.° 1, do Regulamento Financeiro:

«O contabilista registará as ordens de cobrança dos créditos devidamente emitidas pelo gestor orçamental competente. Deve diligenciar no sentido de assegurar a cobrança das receitas das Comunidades e velar pela conservação dos respectivos direitos.

O contabilista procederá à cobrança por compensação junto de qualquer devedor que seja simultaneamente titular de um crédito certo, líquido e exigível perante as Comunidades, até ao limite das dívidas desse devedor às Comunidades.»

15      O artigo 76.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro dispõe:

«A autorização orçamental consiste na operação de reserva das dotações necessárias para a execução de pagamentos posteriores, em execução de um compromisso jurídico.»

16      O artigo 76.°, n.° 2, primeiro e segundo parágrafos, do Regulamento Financeiro prevê:

«A autorização orçamental é individual sempre que o beneficiário e o montante da despesa estejam determinados.

A autorização orçamental é global sempre que pelo menos um dos elementos necessários para a identificação da autorização individual não esteja determinado.»

 G – Regulamento de Execução

17      O artigo 7.°, n.os 1, 1‑A e 3, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2342/2002 da Comissão, de 23 de Dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento Financeiro (JO L 357, p. 1) (a seguir «Regulamento de Execução»), prevê:

«1.      Sem prejuízo das disposições específicas que decorrem da aplicação de regulamentações sectoriais, a conversão entre o euro e outras moedas efectuada pelo gestor orçamental competente será efectuada com recurso à taxa de câmbio diária do euro publicada na série C do Jornal Oficial da União Europeia.

[…]

1‑A.      Para evitar que as conversões de moeda tenham um impacto significativo a nível do co‑financiamento da Comunidade ou um impacto negativo no orçamento comunitário, as disposições específicas sobre a conversão referidas no parágrafo anterior devem prever, quando se afigure adequado, uma taxa de conversão entre o euro e as outras moedas, que será calculada utilizando a média da taxa de câmbio diária de um dado período.

[…]

3.      Para efeitos da contabilidade prevista nos artigos 132.° a 137.° do Regulamento Financeiro e sob reserva do disposto no artigo 213.° do presente regulamento, a conversão entre o euro e qualquer outra moeda será efectuada com recurso à taxa de conversão contabilística mensal do euro. Esta taxa será fixada pelo contabilista da Comissão com base em qualquer fonte de informação que considere fiável e partindo da taxa de câmbio do penúltimo dia útil do mês que precede aquele relativamente ao qual a taxa é fixada.»

18      Nos termos do artigo 78.° do Regulamento de Execução:

«1.      O apuramento de um crédito pelo gestor orçamental é o reconhecimento de um direito das Comunidades relativamente a um devedor e o estabelecimento de um título que exige ao mesmo o pagamento da sua dívida.

2.      A ordem de cobrança é a operação pela qual o gestor orçamental competente dá ao contabilista instruções para cobrar o crédito apurado.

3.      A nota de débito é um documento pelo qual se informa o devedor de que:

a)      As Comunidades apuraram esse crédito;

b)      Se a dívida for paga antes do prazo especificado, não haverá lugar a juros de mora;

c)      Na ausência de pagamento no prazo referido na alínea b), a dívida vence juros à taxa referida no artigo 86.°, sem prejuízo das disposições regulamentares específicas aplicáveis;

d)      Na ausência de pagamento no prazo referido na alínea b), a instituição procederá à cobrança por compensação ou por execução das garantias prévias;

[…]

O gestor orçamental enviará esta nota de débito ao devedor e uma cópia da mesma ao contabilista.»

19      O artigo 79.° do Regulamento de Execução prevê:

«Para efeitos de apuramento de um crédito, o gestor orçamental assegurar‑se‑á:

a)      Do carácter certo do crédito, que não deve estar sujeito a qualquer condição;

b)      Do carácter líquido do crédito, cujo montante deve ser determinado em numerário e com exactidão;

c)      Do carácter exigível do crédito, que não deve estar sujeito a um termo;

d)      Da exactidão da designação do devedor;

e)      Da exactidão da imputação orçamental dos montantes a cobrar;

f)      Da regularidade dos documentos comprovativos; e

g)      Da conformidade com o princípio da boa gestão financeira, nomeadamente nos termos dos critérios referidos na alínea a) do n.° 1 do artigo 87.°»

20      Por força do artigo 81.°, n.° 1, do Regulamento de Execução:

«A ordem de cobrança deve mencionar:

a)      O exercício de imputação;

b)      As referências do acto ou compromisso jurídico que constituem o facto gerador do crédito e que conferem direito à cobrança;

[…]

d)      O montante a cobrar, em euros;

e)      O nome e o endereço do devedor;

f)      O prazo referido no n.° 3, alínea b), do artigo 78.°;

g)      O modo de cobrança possível, incluindo, em especial, por compensação ou execução de qualquer garantia prévia.»

21      O artigo 83.°, n.os 1 e 2, do Regulamento de Execução dispõe:

«1.      Se o devedor for titular, face às Comunidades, de um crédito apurado como certo, líquido e exigível e que tenha por objecto um montante apurado por uma ordem de pagamento, o contabilista procederá, decorrido o prazo referido no n.° 3, alínea b), do artigo 78.°, à cobrança por compensação do crédito apurado.

[…]

2.      Antes de proceder à recuperação nos termos do n.° 1, o contabilista consultará o gestor orçamental competente e informará os devedores em causa. Quando o devedor for uma autoridade nacional ou uma das suas entidades administrativas, o contabilista informará também o Estado‑Membro em causa, com pelo menos 10 dias úteis de antecedência, da sua intenção de recorrer à cobrança por compensação. Contudo, de comum acordo com o Estado‑Membro ou com a entidade administrativa em causa, o contabilista pode proceder à cobrança por compensação antes do final daquele prazo.»

 Factos na origem do litígio

22      O programa PHARE teve por objectivo garantir o financiamento de um conjunto de medidas de apoio às reformas económicas e sociais nos países da Europa Central e Oriental candidatos à adesão à União Europeia. Esta definiu domínios‑alvo dessas medidas e, ao mesmo tempo, negociou com esses países as regras para a sua implementação, a fim de que fosse, assim, garantida a utilização mais eficaz daquilo que se chamou «assistência de pré‑adesão».

23      A República Federativa Checa e Eslovaca foi incluída no programa PHARE, na base do Acordo‑quadro entre República Federativa Checa e Eslovaca e a Comissão das Comunidades Europeias, de 7 de Dezembro de 1990. Esse acordo foi substituído, no que diz respeito à República Checa, pelo Acordo‑quadro de 1996, ratificado pelo Presidente da República como «acordo internacional de tipo presidencial».

24      O Acordo‑quadro de 1996 fixou o quadro técnico, jurídico e administrativo geral do financiamento e da concretização da assistência de pré-adesão ao processo de reformas económicas e sociais e ao desenvolvimento da República Checa.

25      As condições específicas de cada medida foram, em seguida, fixadas numa base contratual entre a República Checa e a Comissão, sob a forma de «protocolos financeiros», cujo modelo era apresentado no apêndice C do Acordo‑quadro de 1996, e «protocolos de acordo».

26      Os «protocolos financeiros» determinavam os principais domínios de assistência cobertos pelo programa, o seu orçamento, bem como os aspectos técnicos dos projectos realizados no quadro do referido programa. Esses projectos estavam eles próprios pormenorizados em «fichas de projectos» anexadas aos protocolos financeiros.

27      Os «Protocolos de acordo», que têm igualmente a natureza de um acordo internacional, fixavam, por outro lado, os direitos e as obrigações das partes contratantes no quadro do programa. Regra geral, esses documentos limitavam‑se a definir, a alterar ou a precisar os procedimentos relativos à gestão do programa, bem como os direitos e as obrigações das entidades implicadas na sua realização. No entanto, diferentemente dos protocolos financeiros, não determinavam o conteúdo do programa nem as orientações e as questões relativas ao montante da assistência concedida aos projectos. Esses protocolos de acordo eram, com efeito, unicamente celebrados com a finalidade de derrogar as regras e os acordos gerais quanto às relações entre as partes.

28      De 1994 a 1996, a República Checa obteve, nomeadamente, «fundos renováveis» do programa PHARE com base nos protocolos financeiros para o projecto T9106 (pequenas e médias empresas da República Federativa Checa e Eslovaca), para o projecto CS9203 (privatização, reestruturação e desenvolvimento do sector privado) e para o projecto CZ9302 (desenvolvimento do sector privado).

29      Mais precisamente, o projecto T9106 visava apoiar as pequenas e médias empresas, nomeadamente iniciando‑as nas questões empresariais, estabelecendo um quadro legal adaptado e pondo em funcionamento mecanismos que permitissem o acesso ao crédito. O projecto CS9203 tinha por objecto a privatização da economia, a reestruturação e o desenvolvimento do sector privado no que era à época a República Federativa Checa e Eslovaca, nomeadamente para as regiões que sofrem uma desvantagem particular. Finalmente, o projecto CZ9302 dizia respeito à reestruturação de sectores económicos particulares, e, nomeadamente, do sector bancário, o desenvolvimento dos sectores industriais orientados para a exportação e o apoio às alterações institucionais necessárias ao funcionamento de uma economia de mercado.

30      No decurso do período compreendido entre 5 de Outubro de 1994 e 2 de Agosto de 1996, a República Checa obteve, assim, da Comissão seis pagamentos que representam um montante total de 13 031 971,97 euros.

31      Esses fundos foram geridos, primeiro, pelo Ministério da Economia da República Checa e, mais tarde, pelo Ministério para o Desenvolvimento Regional. Este era igualmente responsável pela sua aplicação.

32      A Comissão notificou à República Checa, por carta com a referência D(2008)REG 102477, uma decisão com data de 28 de Maio de 2008 (a seguir «decisão de 28 de Maio de 2008») que visa, no quadro dos projectos T9106, CS9203 e CZ9302, o reembolso de um montante total de 234 480 000 coroas checas (CZK). Mais precisamente, esse montante correspondia a pagamentos efectuados em proveito dos Regionální fondy, a.s., no limite de 144 000 000 CZK, do Českomoravský podnikatelský fond, spol. s r.o., no limite de 4 429 000 CZK, e do Regionální podnikatelský fond, spol. s r.o., no limite de 86 051 000 CZK. A essa decisão estava junta uma nota de débito com o número 3230805779 (a seguir «nota de débito»).

33      A decisão de 28 de Maio de 2008 foi tomada na sequência do apuramento de irregularidades na gestão dos fundos comunitários, tendo esses fundos sido utilizados, segundo a Comissão, para fins diversos daqueles para os quais tinham sido atribuídos e não tendo sido geridos em conformidade com o princípio da boa gestão.

34      A nota de débito, cujo prazo de vencimento estava fixado para 7 de Agosto de 2008, incidia sobre um montante de 9 354 130,93 euros correspondente à conversão do montante de 234 480 000 CZK efectuada com a ajuda de uma taxa de câmbio estabelecida em conformidade com as disposições do artigo 7.°, n.os 1, 1‑A e 3, do Regulamento de Execução.

35      O Vice‑Ministro para o Desenvolvimento Regional da República Checa enviou uma carta à Comissão com data de 8 de Julho de 2008. Nela invocava, em substância, um problema quanto à taxa de câmbio utilizada, o facto de nem o procedimento de investigação do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) nem o processo penal instaurado perante os órgãos jurisdicionais checos não estarem terminados e, finalmente, o facto de, por força do Acordo‑quadro entre a República Checa e a Comissão que regula o programa PHARE, todos os diferendos deverem ser resolvidos por negociação e submetidos a um processo de arbitragem. O Vice‑Ministro pedia que, por conseguinte, a Comissão anulasse a nota de débito.

36      Realizou‑se uma reunião entre as partes em 14 de Julho de 2008.

37      O Governo da República Checa adoptou, em 23 de Julho de 2008, a decisão n.° 977, pela qual decidiu não pagar a nota de débito, facto de que foi informada a Comissão em 29 de Julho de 2008.

38      A Comissão respondeu a essa carta por carta de 4 de Outubro de 2008, em que, em substância, reiterou a sua posição.

39      Não tendo a República Checa cumprido a sua obrigação de reembolsar o montante de 9 354 130,93 euros em 7 de Agosto de 2008, a Comissão decidiu proceder à compensação entre o seu crédito e dois montantes devidos a título do Fundo Social Europeu (FES) à República Checa, com as referências ESF‑2003CZ161P0004 e ESF‑2003CZ053D0001, num montante total de 10 814 475,41 euros. Essa decisão foi notificada à República Checa por carta com data de 7 de Agosto de 2008, com a referência BUDG/C3 D (2008)10.5‑3956 (a seguir «decisão impugnada»).

40      A República Checa enviou uma carta à Comissão em 26 de Agosto de 2008 para manifestar o seu desacordo e reiterar, em substância, a argumentação que fizera valer na sua carta de 8 de Julho de 2008.

 Pedidos das partes

41      A República Checa conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão a reembolsar‑lhe o montante que foi objecto de compensação no montante total de 9 354 130,93 euros, acrescido de juros de mora;

–        condenar a Comissão nas despesas.

42      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Checa nas despesas.

 Questão de direito

43      A República Checa invoca três fundamentos em apoio do seu recurso.

44      Alega, em substância, em primeiro lugar, que a Comissão ultrapassou os seus poderes ao adoptar a decisão impugnada numa base jurídica errada, em segundo lugar, que a decisão impugnada foi adoptada em violação das condições fixadas para a compensação pelo Regulamente Financeiro e pelo Regulamento de Execução e, em terceiro lugar, que a decisão impugnada está desprovida de qualquer fundamentação

45      Devem examinar‑se os dois primeiros fundamentos conjuntamente.

 A – Quanto ao primeiro fundamento, extraído da adopção da decisão impugnada numa base jurídica errada e quanto ao segundo fundamento, extraído da violação das condições fixadas para a compensação pelo Regulamento Financeiro e pelo Regulamento de Execução

1.     Argumentos das partes

46      Através do primeiro fundamento, a República Checa alega, em substância, que a relação jurídica em causa no caso em apreço, relativa à utilização dos fundos procedentes do programa PHARE, nasceu antes de aderir à União Europeia numa época em que era um país terceiro do ponto de vista do direito comunitário. A utilização dos meios procedentes desse programa era regulada por regras contidas em acordos internacionais celebrados entre ela, enquanto Estado soberano e sujeito de direito internacional, e a Comissão, representante da Comunidade, enquanto sujeito de direito internacional distinto.

47      Sustenta que, embora, na altura da sua adesão à União, o direito comunitário se tenha tornado vinculativo na República checa, foi apenas nos limites previstos pelo Tratado de Adesão e pelo artigo 2.° do Acto relativo às condições de adesão.

48      Segundo a República Checa, o Acto relativo às condições de adesão alterou parcialmente os acordos internacionais relativos à utilização dos fundos procedentes do programa PHARE no que diz respeito, por um lado, à determinação dos órgãos dos Estados‑Membros que, a partir da data da adesão, gerem os meios atribuídos, e, por outro, as regras relativas à organização dos controlos finais pela Comissão. Todavia, para os outros domínios, o Acto relativo às condições de adesão, nomeadamente no seu artigo 33.°, n.° 2, deixou explicitamente em vigor o regime jurídico existente, isto é, um regime situado fora do âmbito de aplicação do Tratado CE, não só para os compromissos assumidos antes da adesão, mas também para os compromissos assumidos no decurso do período posterior à adesão.

49      Ora, segundo a República Checa, o Regulamento Financeiro, com base no qual foi adoptada a decisão impugnada, não poder ser qualificado de regra ou de regulamento respeitante aos instrumentos financeiros de pré‑adesão, na acepção das disposições do artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão.

50      Alega, com efeito, que o conceito de regra, na acepção das disposições do artigo 33.° do Acto relativo às condições de adesão, visa os acordos internacionais celebrados pela União e pelos Estados em vias de adesão, categoria à qual não pertence o Regulamento Financeiro, e que pode apenas reconhecer‑se que esse regulamento não figura na lista exaustiva dos regulamentos mencionados nessa mesma disposição.

51      Além disso, mesmo pressupondo que essa lista não seja exaustiva, o Regulamento Financeiro não pode ser classificado, tendo em conta o seu objecto, na categoria dos regulamentos respeitantes aos instrumentos financeiros de pré‑adesão. Com efeito, se bem que o objecto destes últimos seja fixar regras relativas à assistência da União aos países candidatos no quadro de diferentes programas, o Regulamento Financeiro institui, por seu turno, regras relativas, por um lado, à elaboração e à execução do Orçamento Geral das Comunidades e, por outro, à apresentação e à auditoria das contas.

52      A República Checa sustenta, portanto, em substância, que a aplicação do Regulamento Financeiro aos compromissos decorrentes da relação jurídica em causa no caso em apreço, que são abrangidos pelo artigo 33.° do Acto relativo às condições de adesão, viola estas últimas disposições.

53      A República Checa avança, além disso, em substância, que, na sua redacção actual, o artigo 155.° do Regulamento Financeiro já não se refere aos fundos de pré‑adesão, de forma que o referido regulamento não é aplicável a estes últimos. Sustenta igualmente que, embora a versão anterior do artigo 155.° permita aplicar o Regulamento Financeiro às relações jurídicas que existam entre a União e países terceiros, tal possibilidade estava subordinada à existência de um acordo entre as partes em causa.

54      Por outro lado, a República Checa alega que o artigo 73.° do Regulamento Financeiro, que se dirige ao contabilista da União, prevê apenas a compensação em benefício somente da União. Sustenta, assim, que o contabilista da União só pode recorrer à compensação na condição de, por um lado, o Estado em causa ser um Estado‑Membro e, por outro, de tratar‑se de um compromisso decorrente do facto de o referido Estado pertencer à União e ser abrangido pelo Regulamento Financeiro. Por isso, o contabilista da União não pode recorrer a tal compensação em relação a países terceiros sem que essa possibilidade tenha sido previamente acordada. Ora, nenhum dispositivo de compensação está previsto no Acordo‑quadro de 1996, nem nos protocolos financeiros ou nos protocolos de acordo. Além disso, a compensação não é uma regra geralmente reconhecida pelo direito internacional.

55      A República Checa avança, por outro lado, que o Acordo‑quadro de 1996, bem como os protocolos financeiros e os protocolos de acordo, contêm disposições relativas à resolução dos litígios surgidos da realização da assistência de pré‑adesão, a saber, numa situação como a do caso em apreço, uma obrigação de consultas recíprocas, bem como, eventualmente, o recurso posterior a um processo de arbitragem.

56      A República Checa alega que essas regras são sempre aplicáveis. Por conseguinte, tal mecanismo não pode permitir que os litígios entre as partes sejam resolvidos unilateralmente mediante, por exemplo, uma decisão da Comissão relativa à existência ou ao montante de um crédito em benefício do orçamento da União, ou mesmo ainda, uma decisão da Comissão tendente à cobrança do referido crédito por via de compensação.

57      A República Checa avança que se trata, nesse aspecto, de uma excepção ao carácter vinculativo do direito comunitário para os Estados‑Membros após o momento da sua adesão à União Europeia.

58      Recorda que, no acórdão de 10 de Janeiro de 2006, Ynos (C‑302/04, Colect., p. I‑371, n.os 36 e 37), o Tribunal de Justiça considerou que só se pode aplicar o direito comunitário no Estado‑Membro em causa a partir da sua adesão à União e unicamente na medida em que as circunstâncias de facto determinantes para o desfecho do litígio tenham ocorrido depois da adesão.

59      Ora, segundo a República Checa, o direito comunitário tornou‑se vinculativo para este Estado no limite fixado no Tratado de Adesão e pelo artigo 2.° do Acto relativo às condições de adesão.

60      Essas condições tomam a forma de excepções, temporárias ou permanentes, à aplicabilidade do direito comunitário em certos domínios, trate‑se do direito primário ou do direito derivado. Ora, segundo a República Checa, tais excepções foram previstas no que diz respeito à assistência à pré‑adesão, uma vez que o mecanismo anterior de resolução dos diferendos continuou em vigor.

61      A República Checa sustenta, assim, que a aplicação do Regulamento Financeiro entra em conflito directo com os mecanismos previstos em caso de litígio quanto à execução do Acordo‑quadro de 1996.

62      A República Checa contesta igualmente a tese da Comissão segundo a qual o Acordo‑quadro de 1996 não é aplicável em todos os seus elementos tendo em conta o disposto no artigo 30.°, n.° 3, da Convenção de Viena.

63      Segundo a República Checa, a Convenção de Viena só se aplica aos tratados entre Estados, uma vez que não puderam ser adoptadas a nível internacional regras similares para os tratados entre Estados e organizações internacionais. Além disso, o artigo 30.°, n.° 3, da Convenção de Viena supõe a identidade de todas as partes contratantes no tratado anterior e no tratado posterior. Ora, a Comissão, agindo, à época, pela Comunidade Europeia e em seu nome, era parte contratante no Acordo‑quadro de 1996, enquanto nem a Comissão nem a Comunidade Europeia foram, em seguida, partes no Tratado de Adesão. Além disso, partindo do princípio que a regra expressa pelo artigo 30.°, n.° 3, da Convenção de Viena constitui um costume internacional, os sujeitos de direito internacional podem, nas suas relações recíprocas, acordar em que, no âmbito da aplicação do tratado posterior, as regras decorrentes do tratado anterior continuarão a aplicar‑se a determinadas relações de direito. Por conseguinte, tais regras excluem a aplicabilidade de disposições divergentes ou contraditórias do tratado posterior. Caso contrário, o acordo seria quanto a este ponto desprovido de qualquer sentido e estaria em contradição com o princípio geral de direito internacional segundo o qual os tratados devem se respeitados.

64      Daqui decorre, segundo a República Checa, que as regras convencionalmente estabelecidas quanto à resolução dos diferendos relativos à assistência à pré‑adesão se aplicam, mesmo após a adesão à União, e se opõem à aplicação de outro mecanismo, a saber, a compensação unilateral prevista pelo Regulamento Financeiro.

65      Segue‑se igualmente, em sua opinião, que não pode aplicar‑se o princípio segundo o qual é permitido tudo o que não é proibido pelo direito internacional numa situação em que as partes acordaram um regime determinado para as relações recíprocas. A compensação é, além disso, implicitamente proibida, uma vez que se revela contrária aos processos convencionais de resolução dos litígios.

66      A República Checa acrescenta que o artigo 307.° CE permite expressamente manter em vigor os tratados celebrados pelos Estados antes da data da sua adesão à União, na medida em que não se oponham ao direito comunitário. Além disso, mesmo nesse caso, tais tratados não são nulos ipso facto. O artigo 307.°, segundo parágrafo, CE prevê, com efeito, a possibilidade de eliminar progressivamente tal incompatibilidade.

67      A República Checa contesta igualmente que a compensação seja uma regra consuetudinária de direito internacional público ou um princípio geral de direito internacional público.

68      No caso em apreço, a compensação é efectuada entre dois sujeitos de direito internacional que estão numa situação de igualdade recíproca e, nesse caso, a faculdade de proceder a uma compensação unilateral deveria ter sido expressamente prevista, segundo a República Checa.

69      Da mesma maneira, a República Checa considera, em substância, que a compensação não pode ser considerada um princípio geral do direito comunitário, na medida em que, por um lado, não se trata de um princípio inspirado nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e, por outro, a jurisprudência para que remete a Comissão não diz que a compensação constitui tal princípio. A esse propósito, a República Checa contesta a interpretação dada pela Comissão ao acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Março de 1983, DEKA Getreideprodukte/CEE (250/78, Recueil, p. 421).

70      Por outro lado, a República Checa considera que a abordagem adoptada pela Comissão na concretização da ajuda externa vincula apenas esta última e não a República Checa, que era um Estado terceiro na altura da assistência de pré‑adesão. Daí resulta que a Comissão não pode opor‑lhe as suas regras internas relativas à execução do orçamento. Para que essas regras fossem oponíveis, teria sido necessário que a República Checa consentisse em sujeitar‑se a elas no Acordo‑quadro de 1996, o que não foi o caso.

71      A República Checa alega igualmente que, embora o preâmbulo do Acordo‑quadro de 1996 remeta para o Regulamento (CEE) n.° 3906/89 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1989, relativo à ajuda económica a favor da República da Hungria e da República Popular da Polónia (JO L 375, p. 11), tal circunstância não pode fundamentar a aplicação do Regulamento Financeiro no caso em apreço. Com efeito, só as disposições do Regulamento Financeiro para as quais remete o Regulamento (CEE) n.° 3906/89 dizem respeito à possibilidade de a Comissão delegar tarefas de poder público a determinados organismos.

72      Por outro lado, a República Checa sustenta, em substância que o acórdão do Tribunal Geral de 8 de Outubro de 2008, Helkon Media/Comissão (T‑122/06, não publicado na Colectâna), não exclui o recurso ao conceito de ordem jurídica pertinente no que diz respeito à compensação. Ora, no caso em apreço, o direito aplicável não prevê tal mecanismo.

73      Portanto, a República Checa considera que, ao proceder à compensação com base no artigo 73.°, n.° 1, do Regulamento Financeiro, a Comissão cometeu um abuso de poder.

74      Quanto ao segundo fundamento, a República Checa sustenta, em substância, que, pressupondo que o Regulamento Financeiro seja aplicável no caso em apreço, faltam os requisitos que estabelece quanto ao carácter recíproco dos créditos e ao carácter certo do crédito que foi objecto de compensação.

75      A República Checa considera, a este respeito, que só o órgão de arbitragem previsto pelos acordos de pré‑adesão podia pronunciar‑se sobre o montante de um eventual crédito. Em sua opinião, resulta do acórdão do Tribunal Geral de 30 de Setembro de 2003, Cableuropa e o./Comissão (T‑346/02 e T‑347/02, Colect., p. II‑4251, n.° 225), que nem a Comissão nem o Tribunal Geral dispõem de tal competência.

76      A este respeito, refuta a argumentação da Comissão segundo a qual seria contraditório sustentar que, se o Tribunal Geral não fosse competente para se pronunciar sobre a existência e, tal sendo o caso, sobre a natureza e o montante do crédito, não poderia pronunciar‑se sobre a compensação e não poderia, portanto, anular a decisão impugnada. A República Checa considera, com efeito, que, mesmo que o Regulamento Financeiro fosse aplicável no caso em preço, não seria possível escapar ao procedimento previsto pelo Acordo‑quadro de 1996 para determinar a existência e o montante das somas devidas, a saber, o recurso ao processo de arbitragem, dado que, para esse efeito, uma decisão unilateral da Comissão não é suficiente.

77      A República Checa acrescenta que é necessário distinguir o poder de apreciar a validade da decisão impugnada do poder de resolver um diferendo nos termos do Acordo‑quadro de 1996. Tendo em conta o processo de resolução dos litígios previsto pelo Acordo‑quadro de 1996, o Tribunal Geral não pode, portanto, apreciar as questões de fundo respeitantes a um crédito constituído com base do referido acordo.

78      De qualquer forma, a República Checa sustenta que o Tribunal Geral, ainda que seja competente para verificar que os requisitos da compensação estão reunidos, deve considerar que os créditos que foram objecto da compensação são regulados por ordens jurídicas diferentes.

79      Sustenta, em substância, que o crédito que invoca a Comissão é, na realidade, regulado pelo direito internacional, situação que a adesão da República Checa à União não alterou.

80      Ao invés, os fundamentos jurídicos do crédito da República Checa face à Comissão, que incide sobre pagamentos intermédios a título de dois programas operacionais financiados por fundos estruturais, são o artigo 161.° CE e o Regulamento (CE) n.° 1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais (JO L 161, p. 1). O crédito da República Checa é, portanto, regulado pela ordem jurídica comunitária.

81      Ora, o Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 10 de Julho de 2003, Comissão/CCRE (C‑87/01 P, Colect., p. I‑7617, n.os 61 e 62), considerou que a compensação de créditos regidos por ordens jurídicas diferentes só é possível se os requisitos fixados pelas duas ordens jurídicas forem respeitados nesse aspecto.

82      A esse propósito, a República Checa sustenta que o direito internacional geral não prevê os requisitos, nem mesmo a possibilidade de uma compensação de créditos. Da mesma maneira, o Acordo‑quadro de 1996, os protocolos financeiros e as outras regras expressamente acordadas entre as partes contratantes, ou alteradas pelo Acto relativo às condições de adesão, não prevêem os requisitos, nem mesmo a possibilidade, de uma compensação de créditos. O crédito que invoca a Comissão face à República Checa não pode, portanto, ser objecto de compensação.

83      Além disso, a República Checa sustenta que a condição de reciprocidade prevista pelo artigo 73.°, n.° 1, do Regulamento Financeiro, não se limita somente à identidade do credor e do devedor. Em sua opinião, há que tomar igualmente em conta a base jurídica do crédito compensado.

84      Acrescenta que o requisito de reciprocidade pressupõe igualmente que se tome em consideração a circunstância de os dois créditos compensados serem expressos em moedas diferentes. A República Checa não põe em causa a possibilidade de proceder à compensação de tais créditos. Sustenta, todavia, que devem ser previstas regras claras para efectuar a conversão das moedas em causa. Ora, tal não aconteceu no caso em apreço.

85      Quanto ao carácter certo do crédito em causa, a República Checa alega que este se constituiu no âmbito de um acordo entre as partes. Nenhuma delas podia, portanto, impor uma decisão à outra no que diz respeito aos litígios decorrentes da relação em causa. Um litígio desse tipo só podia ser resolvido por um acordo das partes ou por uma decisão de uma autoridade independente, no quadro do processo de arbitragem previsto pelo Acordo‑quadro de 1996.

86      Ora, segundo a República Checa, a Comissão estabeleceu unilateralmente a existência e o montante do crédito em causa. Alega, aliás, que, no quadro da correspondência trocada com a Comissão (cartas dirigidas à Comissão em 9 de Julho de 2008 e a de 29 de Julho de 2008), pôs em dúvida o método de determinação do montante da soma a reembolsar, bem como as regras de aplicação da taxa de câmbio. Segundo a República Checa, uma vez que tinha por objectivo a resolução amigável do litígio, essa troca de cartas era conforme ao Acordo‑quadro de 1996. A República Checa foi, todavia, forçada a interpor o presente recurso devido à adopção, pela Comissão, da decisão impugnada.

87      A República Checa sustenta, além disso, que, sendo o montante do crédito contestado, o crédito em causa não era certo e não podia, portanto, ser objecto de compensação.

88      Por outro lado, a República Checa alega que as irregularidades relativas à utilização dos meios financeiros que lhe foram atribuídos no quadro do programa PHARE não estão definitivamente demonstradas. Com efeito, embora a Comissão se baseie principalmente na abertura de um processo penal bem como em inquéritos levados a cabo pelo OLAF, nenhuma dessas investigações foi encerrada. Segundo a República Checa, não pode, portanto, determinar‑se com certeza absoluta o montante final da soma que deverá reembolsar, pelo menos até que sejam conhecidos os resultados desses diversos inquéritos.

89      A este propósito, a República Checa sustenta que a decisão de 28 de Maio de 2008 não constitui a prova de uma utilização ilegal dos montantes atribuídos. A República Checa considera, com efeito, que essa carta não especifica os motivos pelos quais as operações em causa são considerados irregulares. Também não pormenoriza os meios atribuídos que estão afectados por essas irregularidades. Além disso, a República Checa considera que as alegações da Comissão relativas aos inquéritos levados a cabo pelo OLAF são contraditórias.

90      De qualquer forma, segundo a República Checa, o eventual apuramento de um delito não é determinante para compreender a maneira como os meios em causa foram dispendidos nem para apreciar a existência e o montante do crédito controvertido.

91      Além disso, a República Checa contesta o modo de cálculo da soma total que deve reembolsar. Alega, com efeito, que, expressa em coroas checas, a referia soma, ou seja, 234 480 000 CZK, representa 69,98% do total dos pagamentos de que beneficiaram os Regionální fondy, a.s., o Regionální podnikatelský fond, spol. s r.o., e o Českomoravský podnikatelský fond, spol. s r.o, entre 5 de Outubro de 1994 e 2 de Agosto de 1996, ou seja, 335 087 448,65 CZK. Deduz daí que a soma total que lhe é exigida em euros deveria igualmente corresponder a 69,98 do total dos pagamentos em causa expresso em euros. Ascendendo o total desses pagamentos a 9 839 490 euros, o montante que lhe é exigido deveria, portanto, ser 6 885 258,25 euros. Ora, a República Checa alega que a Comissão exigiu o reembolso de uma soma total de 9 354 130,93 euros. Segundo a República Checa, o modo de cálculo que preconiza, que é o único possível, neutraliza, por outro lado, a evolução da taxa de câmbio entre a coroa checa e o euro.

92      A este propósito, a República Checa alega que, quando obteve a assistência de pré‑adesão nos anos de 1994 a 1996, a taxa de câmbio corrente era entre 33,00 e 35,00  CZK por 1 euro. Ora, a Comissão, para calcular o reembolso em causa utilizou a taxa de câmbio actual de 25,067 CZK por 1 euro. Segundo a República Checa, esta abordagem não tem em conta a situação económica existente à época em que a assistência de pré‑adesão foi obtida e utilizada. Deste modo, a República Checa reembolsaria a evolução da taxa de câmbio A Comissão exige assim o reembolso de montantes cujo valor expresso em euros excede o que deveria ser pedido em coroas checas. A Comissão beneficiaria, portanto, de forma injustificada do reforço da taxa de câmbio da coroa checa relativamente ao euro. Esta situação pode igualmente ser qualificada de enriquecimento sem causa em proveito da União, uma vez que a República Checa será obrigada a reembolsar uma soma que excede o montante da assistência de pré‑adesão que efectivamente obteve. É a razão pela qual, segundo a República Checa, o único método que permite neutralizar a incidência do reforço da taxa de câmbio CZK/euros consiste, numa primeira fase, em calcular a parte do reembolso pedido, expresso em coroas checas, em relação ao total da assistência de pré‑adesão obtida pelos Regionální fondy, a.s., o Regionální podnikatelský fond, spol. s r.o., e o Českomoravský podnikatelský fond, spol. s r.o, expresso igualmente em coroas checas, e, numa segunda fase, em aplicar essa fracção à soma expressa em euros correspondente ao total da assistência de pré‑adesão atribuída aos mesmos fundos.

93      A República Checa sustenta finalmente que o Regulamento de Execução não é aplicável às relações jurídicas nascidas do Acordo‑quadro de 1996, de forma que não pode legalmente fundamentar a taxa de câmbio determinada no caso em apreço pela Comissão.

94      A Comissão contesta todos estes argumentos.

2.     Apreciação do Tribunal Geral

a)     Quanto à competência da Comissão e à aplicação do Regulamento Financeiro e do Regulamento de Execução

95      Nos termos do artigo 2.° do Acto relativo às condições de adesão, a partir da data da adesão, as disposições dos Tratados originários e os actos adoptados pelas Instituições e pelo Banco Central Europeu (BCE) antes da adesão vinculam os novos Estados‑Membros e são aplicáveis nesses Estados nos termos desses Tratados e do Acto relativo às condições de adesão.

96      O artigo 10.° do Acto relativo às condições de adesão especifica que a aplicação dos Tratados originários e dos actos adoptados pelas instituições fica sujeita, a título transitório, às disposições derrogatórias previstas no Acto relativo às condições de adesão.

97      Resulta dos artigos 2.° e 10.° do Acto relativo às condições de adesão que este se baseia no princípio da aplicação imediata e integral das disposições do direito da União aos novos Estados‑Membros, sendo admitidas derrogações apenas na medida em que estejam expressamente previstas pelas disposições transitórias (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 1998, KappAhl, C‑233/97, Colect., p. I‑8069, n.° 15, e a jurisprudência citada).

98      O artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão que prevê que as autorizações orçamentais globais concedidas antes da adesão no âmbito dos instrumentos financeiros de pré‑adesão, incluindo a conclusão e o registo de autorizações e pagamentos legais individuais daí resultantes concedidos após a adesão, continuarão a regular‑se pelas regras e regulamentos dos instrumentos de financiamento de pré‑adesão e serão imputadas aos respectivos capítulos orçamentais até ao encerramento dos programas e projectos em causa, figura no título I, consagrado às «Medidas transitórias», da quarta parte, consagrada às «disposições temporárias», do acto em causa.

99      O artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão, na medida em que prevê uma excepção à aplicação do direito comunitário, após a adesão da República Checa à União, deve, por conseguinte, ser objecto de interpretação estrita (v., neste sentido, acórdão KappAhl, n.° 97 supra, n.° 18, e a jurisprudência citada).

100    Segue‑se que as derrogações à aplicação imediata e integral das disposições do direito comunitário no que se refere à assistência de pré‑adesão a título do programa PHARE visada no artigo 33.°, n.° 1, do Acto relativo às condições de adesão, só serão admitidas, com base no artigo 33.°, n.° 2, do mesmo acto, na medida em que estejam expressamente previstas por essas disposições em causa.

101    Ora, deve reconhecer‑se que, contrariamente ao que sustenta a República Checa, o artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão não prevê expressamente uma excepção às disposições do artigo 292.° CE consistente em que os modos de resolução extrajudiciais dos diferendos previstos pelo Acordo‑quadro de 1996 continuem a aplicar‑se após a adesão da República Checa à União.

102    Por conseguinte, há que considerar que os modos de resolução extrajudiciais dos diferendos previstos pelo Acordo‑quadro de 1996 já não são aplicáveis a partir da adesão da República Checa à União.

103    A argumentação da República Checa que visa sustentar que só o órgão de arbitragem estava habilitado a reconhecer a existência de um crédito no contexto do presente processo deve, por conseguinte, ser afastada.

104    Acontece a mesma coisa no que diz respeito à argumentação da República Checa segundo a qual o acto que lhe dirigiu a Comissão em 28 de Maio de 2008 constitui uma primeira etapa no processo de negociação previsto pelo Acordo‑quadro de 1996. Não sendo já aplicável esse processo a partir da adesão da República Checa à União, a decisão de 28 de Maio de 2008 não pode constituir a primeira etapa desse processo.

105    Por outro lado, a República Checa não pode utilmente alegar que nem o Regulamento Financeiro nem o Regulamento de Execução fazem parte das regras e dos regulamentos dos instrumentos financeiros de pré‑adesão visados pelo artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão.

106    Deve, com efeito, recordar‑se que, nos termos do artigo 274.° CE, a Comissão executa o orçamento nos termos das disposições dos regulamentos adoptados em execução do artigo 279.° CE.

107    Por outro lado, o artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão, deve ser objecto de uma interpretação estrita na medida em que prevê uma excepção à aplicação do direito comunitário após a adesão da República Checa à União (v. n.° 99 supra). Por consequência, as derrogações à aplicação do direito comunitário, a saber, no caso em apreço, às disposições dos regulamentos adoptados em execução do artigo 279.° CE que constituem, em particular, o Regulamento Financeiro e o Regulamento de Execução, só são admitidas na medida em que forem expressamente previstas pelas disposições transitórias em causa (v. n.° 97 supra).

108    Assim, a fim de verificar se o artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão prevê derrogar a aplicação do Regulamento Financeiro e do Regulamento de Execução, deve definir‑se o conceito de «regras e regulamentos dos instrumentos de financiamento de pré‑adesão», visado por essa disposição.

109    Para esse efeito, deve atender‑se ao conceito de «autorizações orçamentais globais» previsto pelo artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão, as quais continuarão, nos termos deste, reguladas pelas referidas regras e regulamentos.

110    Há que reconhecer, a esse propósito, que o Acto relativo às condições de adesão não define o conceito de autorizações orçamentais globais.

111    Todavia, as derrogações previstas pelo Acto relativo às condições de adesão só se compreendem por referência às disposições que tencionam derrogar.

112    Deve, por conseguinte, fazer‑se referência ao direito comunitário, e, em particular às suas disposições em matéria orçamental, para precisar o alcance das disposições do artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão.

113    A esse propósito, há que reconhecer que o conceito de autorização orçamental global é determinado na secção 1, relativa à autorização das despesas, do capítulo 6, respeitante às operações associadas às despesas, do título IV, consagrado à execução do orçamento, da parte I, relativa às disposições comuns, do Regulamento Financeiro.

114    Assim, nos termos do artigo 76.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro, uma autorização orçamental consiste na operação de reserva das dotações necessárias para a execução de pagamentos posteriores, em execução de um compromisso jurídico.

115    Em conformidade com o disposto no artigo 76.°, n.° 2, segundo parágrafo, deste mesmo regulamento, a autorização orçamental é global sempre que pelo menos um dos elementos necessários para a identificação da autorização individual não esteja determinado.

116    O conceito de autorização orçamental faz parte, portanto, das operações de despesas na acepção do Regulamento Financeiro.

117    Ao invés, os conceitos de apuramento e de cobrança de créditos, presentemente controvertidos, fazem parte das secções 3 a 5 do capítulo 5, relativo às operações associadas às receitas, do título IV da parte I do Regulamento Financeiro.

118    Há, por conseguinte, que considerar que o artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão, que tem por objecto assegurar a persistência das despesas previstas antes da adesão à União no quadro das autorizações orçamentais globais que não tenham sido ainda integralmente concretizadas na altura da adesão, derroga certas disposições do Regulamento Financeiro relativas às operações associadas às despesas.

119    Ao invés, não tem por objecto derrogar as regras do Regulamento Financeiro relativas às operações associadas às receitas.

120    Por outras palavras, contrariamente ao que sustenta a República Checa, o artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão não exclui expressamente a aplicação do Regulamento Financeiro e do Regulamento de Execução quanto às operações associadas às receitas. Estas últimas regem‑se, portanto, pelos regulamentos em causa a partir da adesão da República Checa à União.

121    Além disso, a compensação prevista, enquanto modo de cobrança dos créditos pelo artigo 73.°, n.° 1, do Regulamento Financeiro, bem como pelo artigo 81.°, n.° 1, e pelo artigo 83.° do Regulamento de Execução, não é expressamente excluída pelas disposições do artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão. Por consequência, há que considerar que essa operação associada à receita é aplicável, nas condições fixadas pelos regulamentos em causa, aos créditos resultantes da assistência de pré‑adesão a título do programa PHARE visada pelo artigo 33.°, n.°°1, do Acto relativo às condições de adesão.

122    Deve, por conseguinte, concluir‑se que o apuramento e a cobrança, incluindo por compensação, de um crédito relativo ao reembolso de fundos recebidos pela República Checa no quadro do programa PHARE, incumbem à Comissão, que é obrigada a aplicar e a respeitar para esse efeito as disposições do Regulamento Financeiro e do Regulamento de Execução.

b)     Quanto ao cumprimento do procedimento previsto para a cobrança dos créditos pelo Regulamento Financeiro e pelo Regulamento de Execução

 Considerações preliminares

123    Segundo o artigo 71.°, n.° 2, do Regulamento Financeiro, todo o crédito apurado como certo, líquido e exigível deve ser objecto de uma ordem de cobrança emitida ao contabilista, seguida de uma nota de débito dirigida ao devedor, sendo ambos os documentos elaborados pelo gestor orçamental competente.

124    Nos termos do artigo 73.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento Financeiro, o contabilista procederá à cobrança por compensação junto de qualquer devedor que seja simultaneamente titular de um crédito, certo, líquido e exigível perante União, até ao limite das dívidas desse devedor à União.

125    Em conformidade com o artigo 78.° do Regulamento de Execução, o apuramento de um crédito pelo gestor orçamental é o reconhecimento de um direito das Comunidades relativamente a um devedor e o estabelecimento de um título que permite exigir ao mesmo o pagamento da sua dívida. Por outro lado, a ordem de cobrança é a operação pela qual o gestor orçamental competente dá ao contabilista instruções para cobrar o crédito apurado. Finalmente, a nota de débito, que é enviada pelo gestor orçamental ao devedor, informa‑o de que a União apurou o crédito, de que se a dívida for paga antes do prazo especificado, não haverá lugar a juros de mora e de que, na ausência de pagamento no prazo, a instituição procederá à cobrança por compensação ou por execução das garantias prévias.

126    Nos termos do artigo 79.° do Regulamento de Execução, para efeitos de apuramento de um crédito, o gestor orçamental assegurar‑se‑á do carácter certo do crédito, que não deve estar sujeito a qualquer condição, do carácter líquido do crédito, cujo montante deve ser determinado em numerário e com exactidão e do carácter exigível do crédito, que não deve estar sujeito a um termo.

127    Finalmente, resulta do artigo 83.°, n.os 1 e 2, do Regulamento de Execução que, se o devedor for titular, face à União, de um crédito apurado como certo, líquido e exigível e que tenha por objecto um montante apurado por uma ordem de pagamento, o contabilista procederá, decorrido o prazo indicado na nota de débito, à cobrança por compensação do crédito apurado, após ter informado o devedor quando este for uma autoridade nacional ou uma das suas entidades administrativas, com pelo menos dez dias úteis de antecedência, da sua intenção de recorrer à cobrança por compensação.

128    Por outras palavras, a cobrança de um crédito apurado como certo, líquido e exigível, após este ter sido reconhecido pelo gestor orçamental competente, pressupõe, portanto, por um lado, uma ordem de cobrança emitida por este e dirigida ao contabilista e, por outro, uma nota de débito dirigida ao devedor.

129    O contabilista é responsável pelas ordens de cobrança. Na caso de o devedor ser ele próprio titular de um crédito certo, líquido e exigível face à União, cabe‑lhe igualmente proceder à cobrança por compensação.

130    Há que sublinhar que o contabilista é obrigado a proceder a essa compensação quando o devedor não se dispôs a fazê‑lo voluntariamente.

 Quanto à decisão de 28 de Maio de 2008 e à decisão impugnada

131    No caso em apreço, a Comissão notificou à República Checa uma decisão com data de 28 de Maio de 2008 nos termos da qual a República Checa era obrigada a reembolsar o montante de 234 480 000 CZK devido, em substância, a fraudes cometidas na gestão de certos fundos atribuídos pelo programa PHARE.

132    Essa decisão era acompanhada de uma nota de débito.

133    É incontestável que a decisão de 28 de Maio de 2008 constitui um acto que produz efeitos jurídicos obrigatórios de molde a afectar os interesses da República Checa alterando de forma caracterizada a situação jurídica desta (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2000, Países Baixos/Comissão, C‑147/96, Colect., p. I‑4723, n.° 25, e a jurisprudência citada). Essa decisão era, portanto, susceptível de ser objecto de recurso de anulação, em conformidade com o disposto no artigo 230.° CE.

134    Deve, por outro lado, salientar‑se que o prazo de vencimento da nota de débito estava fixado para 7 de Agosto de 2008.

135    Ora, é claro que, nessa data, a República Checa não tinha efectuado o reembolso do montante que lhe era exigido.

136    Além disso, é claro que a República Checa não impugnou nem a decisão de 28 de Maio de 2008 nem a nota de débito que a acompanhava.

137    Por conseguinte, cabia ao contabilista cobrar o crédito em conformidade com as disposições do Regulamento Financeiro e do Regulamento de Execução, aplicáveis por força das disposições do artigo 274.° CE.

138    Tendo em conta a existência de dois créditos da República Checa face ao FSE, num montante global de 10 814 475,41 euros, cabia no caso em apreço ao contabilista cobrar por compensação o crédito apurado na decisão de 28 de Maio de 2008 após ter advertido a República Checa com pelo menos dez dias úteis de antecedência, em conformidade com as disposições do artigo 83.° do Regulamento de Execução, o que o contabilista fez na decisão impugnada.

139    Essa conclusão não é posta em causa pelos argumentos invocados pela República Checa quanto à ausência de carácter recíproco dos créditos em causa e quanto à ausência de carácter certo do crédito da Comissão.

–       Quanto à ausência de carácter recíproco dos créditos

140    Deve recordar‑se que a República Checa considera, em substância, que só o órgão arbitral previsto pelo Acordo‑quadro de 1996 tinha o direito de determinar o montante do crédito de que ela fosse eventualmente devedora face à União. Segundo a República Checa, esse órgão arbitral continuava, com efeito, competente em aplicação das disposições do artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão para resolver os diferendos relativos às autorizações orçamentais que resultam do Acordo‑quadro de 1996. Considera que o crédito de que se prevalecia a Comissão se inseria, na realidade, na ordem jurídica internacional e não na ordem jurídica comunitária. Por conseguinte, os créditos em causa são abrangidos por duas ordens jurídica diferentes, o que pressupõe, seguindo a jurisprudência, verificar se os requisitos fixados por essas duas ordens jurídicas estão satisfeitos (acórdão Comissão/CCRE, n.° 81 supra, n.os 61 e 62. Ora, esses requisitos não estão preenchidos no caso em apreço na medida em que, por um lado, o direito internacional público não conhece a compensação e, por outro, o Acordo‑quadro de 1996, cujas disposições de fundo continuam aplicáveis por força do artigo 33.°, n.° 2, do Acto relativo às condições de adesão, não a previa. O requisito da reciprocidade não está, por isso, preenchido.

141    Deve todavia recordar‑se que o mecanismo de resolução dos litígios previsto pelo Acordo‑quadro de 1996 já não era aplicável a partir da adesão da República Checa à UniãoEuropeia (v. n.° 102 supra).

142    Por outro lado, deve salientar‑se que o Regulamento Financeiro e o Regulamento de execução eram aplicáveis às operações associadas às receitas a partir da adesão da República Checa à União (v. n.os 120 e 121 supra).

143    Segue‑se que a compensação devia ser aplicada pelo contabilista aos créditos resultantes dos financiamentos atribuídos no quadro do programa PHARE, nas condições previstas pelo Regulamento Financeiro e pelo Regulamento de Execução, depois da adesão da República checa à União Europeia quando as condições previstas a este respeito pelo Regulamento Financeiro estiverem preenchidas, sendo indiferente nesse aspecto a natureza comunitária ou internacional do crédito da Comissão.

144    Por isso, os argumentos da República Checa que têm por objectivo sustentar, por um lado, que o acordo de pré‑adesão não prevê a compensação e, por outro, que a compensação não é legal na ordem jurídica internacional, o que impede que se aplique a compensação uma vez que os créditos pertencem a ordens jurídicas distintas, devem ser rejeitados.

–       Quanto ao carácter certo e líquido do crédito da Comissão face à República Checa

145    Deve salientar‑se que a República Checa considera, em substância, que falta o carácter certo do crédito da Comissão devido, em primeiro lugar, ao carácter contratual do contexto no qual se inscrevem as relações entre as partes e a necessidade de recorrer a um órgão independente no quadro de um processo de arbitragem em caso de diferendo entre elas, em segundo lugar, ao desacordo da República Checa quanto ao método de determinação do crédito e quanto à taxa de câmbio aplicada, e, em terceiro lugar, ao facto de não ser possível determinar o montante que terá sido indevidamente pago e que deverá ser reembolsado enquanto os inquéritos do OLAF não estiverem encerrados.

146    Decorre do artigo 79.°, alínea a), do Regulamento de Execução que um crédito não pode ser considerado como certo se ele estiver sujeito a qualquer condição.

147    Ora, a República Checa não sustenta que o crédito da Comissão esteja provido de uma condição. Limita‑se, com efeito, a alegar que contesta o seu montante. De qualquer forma, há que reconhecer que o crédito não está sujeito a qualquer condição.

148    Portanto, há que considerar que o crédito é certo na acepção do artigo 79.°, alínea a), do Regulamento de Execução.

149    Em seguida, é claro que o montante do crédito foi determinado pela decisão de 28 de Maio de 2008, que não foi impugnada pela República Checa.

150    Por isso, há que considerar que o crédito é líquido na acepção do artigo 79.°, alínea b), do Regulamento de Execução.

151    Finalmente, é claro que o crédito não está sujeito a termo e é, assim, exigível.

152    Portanto, há que reconhecer que os requisitos fixados pelo artigo 79.° do Regulamento de Execução estavam reunidos no que diz respeito ao crédito da Comissão para que se proceda a uma compensação pelo contabilista.

153    Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos avançados pela República Checa em apoio do seu segundo fundamento.

154    A alegada incompetência da Comissão para determinar o montante do crédito e a alegada incompetência do órgão de arbitragem para fazer isso, foram já afastados no quadro da análise do primeiro fundamento. O mecanismo de resolução dos litígios previsto pelo Acordo‑quadro de 1996 já não era aplicável a partir da adesão da República Checa à União (v. n.° 102 supra).

155    Por outro lado, o facto de o crédito ser contestado quanto ao seu montante, criticando a República Checa o seu método de determinação, a taxa de câmbio aplicada e o facto de a Comissão não ter esperado, para fixar esse montante, o encerramento dos inquéritos em curso, não é de molde a retirar‑lhe o seu carácter certo e líquido, e não impede a compensação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Janeiro de 2007, Grécia/Comissão, T‑231/04, Colect., p. II‑63, n.° 118.

156    Com efeito, o montante do crédito foi determinado pela Comissão na sua decisão de 28 de Maio de 2008, que, não tendo sido impugnada dentro do prazo de recurso, se tornou definitiva. Segue‑se que o montante do crédito que ela determina não pode ser contestado no quadro do presente recurso.

157    Em conclusão, tanto o primeiro fundamento como o segundo fundamento devem ser rejeitados.

 B – Quanto ao terceiro fundamento, extraído da falta de fundamentação

 1. Argumentos das partes

158    A República Checa alega que a decisão impugnada não contém qualquer fundamentação. O reenvio para o Regulamento Financeiro não é suficiente nesse aspecto. Por outro lado, a necessidade de uma fundamentação pormenorizada faz‑se ressentir mais nos casos em que a decisão diz respeito a factos técnicos e complexos. Com efeito, os destinatários dessas decisões devem poder saber claramente em que circunstâncias a Comissão se baseou, nomeadamente quando as decisões em causa acarretam para os Estados‑Membros consequências financeiras graves.

159    Considera, por outro lado, que isso não se alterou em nada com a circunstância de a fundamentação figurar parcialmente na correspondência informal anterior trocada com a Comissão. Do ponto de vista da segurança jurídica ou das condições fixadas para a fundamentação dos actos pela jurisprudência, tal fundamentação não é suficiente.

160    Finalmente, a República Checa sustenta, por um lado, que a Comissão recusou acolher o seu pedido de comunicação dos resultados dos inquéritos OLAF que conduziram à adopção da decisão impugnada e, por outro, que a circunstância de ela ter tido conhecimento do contexto dessa adopção não pode, por si só, constituir uma fundamentação suficiente da decisão em causa.

161    A Comissão contesta essa argumentação.

 Apreciação do Tribunal Geral

162    Deve recordar‑se que o dever de fundamentar um acto lesivo, tal como previsto no artigo 253.° CE tem por finalidade, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se o acto está bem fundado ou se, eventualmente, enferma de um vício que permita contestar a sua validade perante o juiz da União e, por outro, permitir a este último exercer a sua fiscalização sobre a legalidade desse acto. O dever de fundamentação assim instituído constitui um princípio essencial do direito comunitário que apenas poderá ser derrogado em razão de considerações imperiosas. Portanto, a fundamentação deve, em princípio, ser comunicada ao interessado ao mesmo tempo que o acto lesivo, não podendo a sua falta ser sanada pelo facto de o interessado ter tomado conhecimento dos fundamentos do acto no decurso do processo perante o juiz da União (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 12 de Setembro de 2006, Organisation des Modjahedines du peuple d’Iran/Conselho, T‑228/02, Colect., p. II‑4665, n.os 138 a 140, e a jurisprudência citada).

163    No entanto, a fundamentação deve ser adaptada à natureza do acto em causa e ao contexto em que o mesmo foi adoptado. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa ou individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que o carácter suficiente de uma fundamentação deve ser apreciado à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Em especial, um acto lesivo está suficientemente fundamentado, desde que tenha ocorrido num contexto conhecido do interessado, que lhe permita compreender o alcance da medida adoptada a seu respeito (v. acórdão Organisation des Modjahedines du peuple d’Iran/Conselho, já referido, n.° 141, e a jurisprudência citada).

164    Há que considerar que, no caso de uma decisão de compensação, a fundamentação requerida deve permitir identificar com precisão os créditos que são compensados, sem que se possa exigir que a fundamentação formulada inicialmente em apoio do apuramento de cada um desses créditos seja repetida na decisão de compensação.

165    No caso em apreço, é claro que o fundamento da decisão de compensação é a decisão de 28 de Maio de 2008, o que a República Checa reconheceu na audiência.

166    Ora, a decisão de 28 de Maio de 2008 inclui uma fundamentação particularmente pormenorizada das razões que conduziram a Comissão a exigir o reembolso de um montante de 234 480 000 CZK à República Checa.

167    Por outro lado, a decisão impugnada especifica que a República Checa é titular de dois créditos face ao FSE e que, na ausência de pagamento do montante exigido na nota de débito que acompanha a decisão de 28 de Maio de 2008 no prazo estabelecido, o contabilista é obrigado, nessas condições, a proceder à compensação em aplicação das disposições do artigo 73.°, n.° 1, do Regulamento Financeiro.

168    Por conseguinte, há que considerar que o acto lesivo ocorreu num contexto conhecido da República Checa, que lhe permite compreender o alcance da medida tomada em relação a ela, conhecendo a República Checa, com efeito, as razões pelas quais o contabilista decidiu efectuar uma compensação quanto aos créditos recíprocos existentes entre as partes.

169    Portanto, há que considerar que a decisão impugnada estava suficientemente fundamentada e que o fundamento extraído da falta de fundamentação deve, por conseguinte, ser rejeitado.

170    Em conclusão, há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

171    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a República Checa sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Checa é condenada nas despesas.

Azizi

Cremona

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Abril de 2011.

Assinaturas

Índice


Quadro jurídico

A – Tratado CE

B – Acto relativo às condições de adesão

C – Acordo‑quadro entre o Governo da República Checa e a Comissão Europeia respeitante à participação da República Checa no programa de assistência da Comunidade Europeia

D – Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

E – Regulamento (CE) n.° 1266/1999

F – Regulamento Financeiro

G – Regulamento de Execução

Factos na origem do litígio

Pedidos das partes

Questão de direito

A – Quanto ao primeiro fundamento, extraído da adopção da decisão impugnada numa base jurídica errada e quanto ao segundo fundamento, extraído da violação das condições fixadas para a compensação pelo Regulamento Financeiro e pelo Regulamento de Execução

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal Geral

a)  Quanto à competência da Comissão e à aplicação do Regulamento Financeiro e do Regulamento de Execução

b)  Quanto ao cumprimento do procedimento previsto para a cobrança dos créditos pelo Regulamento Financeiro e pelo Regulamento de Execução

Considerações preliminares

Quanto à decisão de 28 de Maio de 2008 e à decisão impugnada

–  Quanto à ausência de carácter recíproco dos créditos

–  Quanto ao carácter certo e líquido do crédito da Comissão face à República Checa

B – Quanto ao terceiro fundamento, extraído da falta de fundamentação

1. Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

Quanto às despesas


* Língua do processo: checo.