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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

13 de junho de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Diretiva 1999/70/CE — Acordo‑Quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo — Contratos de trabalho a termo no setor público — Trabalhadores sem vínculo permanente — Artigo 5.° — Disposições destinadas a evitar e a punir os abusos decorrentes da celebração de sucessivos contratos de trabalho ou de relações laborais a termo»

Nos processos apensos C‑331/22 e C‑332/22,

que têm por objeto pedidos de decisão prejudicial apresentados nos termos do artigo 267.° TFUE pelo Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.° 17 de Barcelona (Tribunal do Contencioso Administrativo n.° 17 de Barcelona, Espanha), por decisões de 12 de maio de 2022 e de 6 de maio de 2022, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 17 de maio de 2022 e em 19 de maio de 2022, nos processos

KT

contra

Dirección General de la Función Pública, adscrita al Departamento de la Presidencia de la Generalitat de Catalunya (C‑331/22),

e

HM,

VD

contra

Departamento de Justicia de la Generalitat de Catalunya (C‑332/22),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: P. G. Xuereb, exercendo funções de presidente de secção, A. Kumin (relator) e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de KT, por B. Salellas Vilar, abogado,

–        em representação de HM e VD, por J. Araúz de Robles Dávila, abogado,

–        em representação da Dirección General de la Función Pública, adscrita al Departamento de la Presidencia de la Generalitat de Catalunya, e do Departamento de Justicia de la Generalitat de Catalunya, por B. Bernad Sorjús, letrada,

–        em representação do Governo Espanhol, por A. Gavela Llopis, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo Helénico, por V. Baroutas e M. Tassopoulou, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por I. Galindo Martín, D. Recchia e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 5.° do acordo‑quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999 (a seguir «Acordo‑Quadro»), que consta do anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo‑quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que, no processo C‑331/22, opõem KT à Dirección General de la Función Pública, adscrita al Departamento de la Presidencia de la Generalitat de Catalunya [Direção‑Geral da Função Pública, sob a tutela da Presidência da Comunidade Autónoma da Catalunha, Espanha], e, no processo C‑332/22, opõem HM e VD ao Departamento de Justicia de la Generalitat de Catalunya (Ministério da Justiça do Governo da Comunidade Autónoma da Catalunha, Espanha), a respeito da qualificação da relação de trabalho que liga os interessados à Administração Pública em causa.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/70 prevê:

«Os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva [e devem] tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos pela presente diretiva. [...]»

4        Nos termos do artigo 1.° do Acordo‑Quadro:

«O objetivo do presente Acordo‑Quadro consiste em:

[...]

b)      Estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.»

5        O artigo 4.° do Acordo‑Quadro, epigrafado «Princípio da não discriminação», dispõe, no n.° 1 deste:

«No que diz respeito às condições de emprego, não poderão os trabalhadores contratados a termo receber tratamento menos favorável do que os trabalhadores permanentes numa situação comparável pelo simples motivo de os primeiros terem um contrato ou uma relação laboral a termo, salvo se razões objetivas justificarem um tratamento diferente.»

6        O artigo 5.° do Acordo‑Quadro, sob a epígrafe «Disposições para evitar os abusos», prevê:

«1.      Para evitar os abusos decorrentes da [celebração] de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos coletivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de setores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:

a)      Razões objetivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;

b)      Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;

c)      Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.

2.      Os Estados‑Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definirem que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:

a)      Como sucessivos;

b)      Como celebrados sem termo.»

 Direito espanhol

 Constituição

7        O artigo 23.°, n.° 2, da Constitución española (Constituição espanhola; a seguir «Constituição»), dispõe que os cidadãos «têm o direito de aceder, em condições de igualdade, a funções e a cargos públicos, sem prejuízo dos requisitos estabelecidos por lei».

8        O artigo 103.°, n.° 3, da Constituição prevê, nomeadamente, que a lei define o estatuto dos funcionários e regulamenta o acesso à função pública em conformidade com os princípios do mérito e da aptidão.

 Legislação relativa aos Contratos a Termo

–       Estatuto dos Trabalhadores

9        O artigo 15.°, n.° 3, do Real Decreto Legislativo 2/2015, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (Decreto Legislativo Real n.° 2/2015, que aprova o Texto Revisto da Lei do Estatuto dos Trabalhadores), de 23 de outubro de 2015 (BOE n.° 255, de 24 de outubro de 2015, p. 100224), na sua versão aplicável aos factos dos litígios no processo principal (a seguir «Estatuto dos Trabalhadores»), dispõe que «[o]s contratos a termo celebrados em violação da lei presumem‑se celebrados sem termo».

10      O artigo 15.°, n.° 5, do Estatuto dos Trabalhadores prevê:

«Sem prejuízo do disposto [no n.°] 1, alínea a), e [nos n.os] 2, e 3 do presente artigo, os trabalhadores que durante um período de 30 meses tenham estado contratados durante um período de tempo superior a 24 meses, de forma contínua ou não, para um posto de trabalho idêntico ou diferente na mesma empresa ou dentro do mesmo grupo de empresas, tendo celebrado dois ou mais contratos a termo, diretamente ou através da sua disponibilização por empresas de trabalho temporário, com modalidades contratuais a termo idênticas ou diferentes, adquirem o estatuto de trabalhadores permanentes. [...]»

–       EBEP

11      O artigo 10.° do texto refundido de la Ley del Estatuto Básico del Empleado Público (texto reformulado da Lei relativa ao Estatuto de Base dos Funcionários Públicos), aprovada pelo Real Decreto Legislativo 5/2015 por el que se aprueba el Texto Refundido de la Ley del Estatuto Básico del Empleado Público (Decreto Legislativo Real n.° 5/2015, que aprova o Texto Consolidado da Lei relativa ao Estatuto de Base dos Funcionários Públicos), de 30 de outubro de 2015 (BOE n.° 261, de 31 de outubro de 2015, p. 103105), na sua versão aplicável aos factos dos litígios nos processos principais (a seguir «EBEP»), prevê:

«1.      Consideram‑se trabalhadores sem vínculo permanente os trabalhadores que, por razões expressamente justificadas de necessidade e urgência, forem nomeados nessa qualidade para o exercício de funções próprias dos funcionários, quando se verifique alguma das seguintes circunstâncias:

a)      Existência de lugares vagos que não possam ser providos por funcionários;

b)      Substituição temporária dos titulares destes postos de trabalho;

c)      Execução de programas de caráter temporário, com duração não superior a três anos, prorrogável por doze meses em virtude das leis em matéria de função pública aprovadas para a execução do presente estatuto;

d)      Excesso ou acumulação de tarefas pelo prazo máximo de seis meses num período de doze meses.

2.      Os trabalhadores sem vínculo permanente são selecionados de acordo com procedimentos acelerados que respeitam, em qualquer caso, os princípios da igualdade, do mérito, da aptidão e da publicidade.

3.      Para além das razões previstas no artigo 63.°, as funções dos trabalhadores sem vínculo permanente cessam quando cessar a razão que justificou a sua nomeação.

4.      Na hipótese prevista na alínea a), do n.° 1, do presente artigo, os postos de trabalho vagos ocupados por trabalhadores sem vínculo permanente serão incluídos na oferta de emprego na função pública correspondente ao exercício durante o qual aqueles trabalhadores são nomeados ou, se tal não for possível, na oferta correspondente ao exercício seguinte, salvo se for decidido suprimir o lugar.

5.      O regime geral dos funcionários é aplicável aos trabalhadores sem vínculo permanente sempre que esse regime for adaptado à situação dos referidos trabalhadores [...]»

12      O artigo 70.° do EBEP dispõe:

«1.      As necessidades em recursos humanos, com dotação orçamental, que devam ser providas mediante o recrutamento de pessoal novo serão objeto de oferta de emprego público ou de outro instrumento semelhante de gestão da provisão das necessidades de pessoal, o que implicará a obrigação de organizar os correspondentes processos de seleção para os lugares previstos, até [10 %] de lugares suplementares, e a fixação de um prazo máximo para a publicação dos anúncios. Em todo o caso, a execução da oferta de emprego público ou do instrumento semelhante deverá ser feita dentro de um prazo não prorrogável de três anos.

2.      A oferta de emprego público ou o instrumento semelhante, aprovado anualmente pelos órgãos dirigentes da Administração Pública em causa, deverá ser objeto de publicação no respetivo jornal oficial.

[...]»

–       Lei n.° 20/2021

13      A Ley 20/2021, de medidas urgentes para la reducción de la temporalidad en el empleo público (Lei n.° 20/2021 relativa a Medidas Urgentes para a Redução do Trabalho a Termo no Emprego Público), de 28 de dezembro de 2021 (BOE n.° 312, de 29 de dezembro de 2021, p. 165067, a seguir «Lei n.° 20/2021»), substituiu implicitamente o Real Decreto‑ley 14/2021 de medidas urgentes para la reducción de la temporalidad en el empleo público (Decreto‑Lei Real n.° 14/2021, de 6 de julho, relativo a Medidas Urgentes para a Redução do Trabalho a Termo no Emprego Público), de 6 de julho de 2021 (BOE n.° 161, de 7 de julho de 2021, p. 80375), e alterou determinadas disposições do EBEP.

14      O artigo 2.° da Lei n.° 20/2021, sob a epígrafe «Processo de estabilização do trabalho a termo», prevê:

«1.      Para efeitos da estabilização do trabalho a termo e além das disposições do artigo 19.°, n.° 1, ponto 6, da Ley 3/2017 de Presupuestos Generales del Estado para el año 2017 [(Lei n.° 3/2017, que aprova o Orçamento Geral do Estado para o Ano de 2017), de 27 de junho de 2017 (BOE n.° 153, de 28 de junho de 2017, p. 53787),] e do artigo 19.°, n.° 1, ponto 9, da Ley 6/2018 de Presupuestos Generales del Estado para el año 2018 [(Lei n.° 6/2018 que aprova o Orçamento Geral do Estado para o Ano de 2018), de 3 de julho de 2018 (BOE n.° 161, de 4 de julho de 2018, p. 66621),] a presente lei autoriza uma taxa suplementar de transformação de postos ocupados por trabalhadores contratados a termo em postos de trabalho ocupados por funcionários, dita “taxa de estabilização” [(tasa de estabilización)], que inclui os postos de trabalho de natureza estrutural previstos no orçamento ocupados ininterruptamente e por tempo determinado durante, pelo menos, os três anos anteriores a 31 de dezembro de 2020, independentemente de estes postos estarem ou não incluídos nas listas de postos, nos quadros de pessoal ou nas outras formas de organização dos recursos humanos aplicadas nas diferentes Administrações Públicas.

Sem prejuízo do previsto na primeira disposição transitória, os postos afetados pelos processos de estabilização previstos no artigo 19.°, n.° 1, ponto 6, da Lei n.° 3/2017, que aprova o Orçamento Geral do Estado para o Ano de 2017, e do artigo 19.°, n.° 1, ponto 9, da Lei n.° 6/2018, que aprova o Orçamento Geral do Estado para o Ano de 2018, são incluídos no processo de estabilização de emprego descrito no parágrafo anterior, desde que tenham sido incluídos nas correspondentes ofertas de emprego público de estabilização e, na data de entrada em vigor da presente lei, não tenham sido anunciados, ou, tendo sido anunciados e concluídos, tenham ficado por preencher.

2.      As ofertas de emprego que concretizam os processos de estabilização a que se refere o n.° 1, bem como o novo processo de estabilização, são aprovadas e publicadas nos jornais oficiais pertinentes antes de 1 de junho de 2022 e são coordenadas pelas Administrações Públicas competentes.

Os anúncios de concurso para os processos de seleção destinados a prover os lugares incluídos nas ofertas de emprego público devem ser publicados antes de 31 de dezembro de 2022.

Estes processos seletivos devem ser concluídos antes de 31 de dezembro de 2024.

3.      A taxa dos postos de trabalho providos por trabalhadores contratados a termo deve ser inferior a [8 %] dos postos de trabalho estruturais.

4.      A aplicação destes processos de seleção, que garantem, em todos os casos, o respeito dos princípios da livre concorrência, da igualdade, do mérito, da aptidão e da publicidade, pode ser objeto de negociações em cada uma das instâncias da Administração Geral do Estado, das Comunidades Autónomas e das autarquias locais, podendo igualmente ser tomadas medidas no âmbito da Comisión de Coordinación del Empleo Público [(Comissão de Coordenação do Emprego Público, Espanha)] para permitir a coordenação da aplicação destes processos entre as diferentes Administrações Públicas.

Sem prejuízo do eventualmente disposto na regulamentação da função pública própria de cada Administração ou em regulamentação especial, a seleção é feita por concurso documental com prestação de provas, sendo que [40 %] da nota total é atribuída na fase da seleção documental, na qual serão maioritariamente tomadas em consideração a experiência na área, a classe, a categoria ou a classificação equivalente relevante, e que, no âmbito da negociação coletiva prevista no artigo 37.°, n.° 1, alínea c), do [EBEP], é possível prever que os exercícios da fase de seleção mediante prestação de provas não têm caráter eliminatório.

Caso as regras setoriais específicas ou as regras de cada administração o prevejam, os mecanismos de mobilidade ou de promoção interna prévios ao preenchimento dos postos de trabalho devem ser compatíveis com os processos de estabilização.

5.      Estes processos devem necessariamente propor postos de trabalho permanentes preenchidos por pessoal contratado a termo e a sua conclusão não pode, em caso algum, conduzir a um aumento de despesas ou do número de efetivos.

6.      Os trabalhadores sem vínculo permanente ou os membros do pessoal contratado a termo que, enquanto estiverem a exercer funções nessa qualidade, virem os seus contratos ser resolvidos pela Administração por não terem sido aprovados no processo de seleção de estabilização, têm direito a uma compensação financeira equivalente a 20 dias de remuneração fixa por ano de trabalho, sendo os períodos inferiores a um ano calculados proporcionalmente aos meses de trabalho cumpridos, até um máximo de doze meses.

Para os trabalhadores contratados a termo, esta indemnização corresponde à diferença entre, por um lado, um máximo de 20 dias de remuneração fixa por ano de serviço, até um máximo de doze meses, e, por outro, a indemnização a que o trabalhador tem direito pela resolução do seu contrato, sendo os períodos inferiores a um ano calculados proporcionalmente aos meses de trabalho cumpridos. Caso a referida indemnização seja concedida por via judicial, os montantes são objeto de compensação.

A não participação do candidato ou da candidata no processo seletivo de estabilização não lhe confere, em nenhum caso, direito a indemnização.

7.      Para permitir o acompanhamento da oferta, as autoridades públicas certificam ao Ministério das Finanças e da Função Pública, por intermédio da Secretaria de Estado do Orçamento e das Despesas, o número de postos de trabalho permanentes ocupados a termo verificado em cada um dos domínios em causa.»

15      Em conformidade com a sexta disposição adicional da Lei n.° 20/2021:

«A título excecional, e em conformidade com o disposto no artigo 61.°, n.os 6 e 7, do [EBEP], as Administrações Públicas publicam um convite à apresentação de candidaturas sob a forma de concurso documental para postos de trabalho que satisfaçam os requisitos estabelecidos no artigo 2.°, n.° 1, e que tenham sido ocupados a termo de forma ininterrupta antes de 1 de janeiro de 2016.

Estes processos de seleção, organizados apenas uma única vez, podem ser objeto de negociação em cada uma das instâncias da Administração do Estado, das Comunidades Autónomas e das autarquias locais e respeitam, em qualquer caso, os prazos previstos na presente Lei.»

16      A oitava disposição adicional da Lei n.° 20/2021 dispõe:

«Os processos de estabilização referidos na sexta disposição adicional incluem, além dos respetivos convites à apresentação de candidaturas, os postos de trabalho vagos permanentes ocupados a termo por pessoal com uma relação laboral desta natureza anterior a 1 de janeiro de 2016.»

–       Lei n.° 40/2015

17      O artigo 87.°, n.° 5, da Ley 40/2015, de Régimen Jurídico del Setor Público (Lei n.° 40/2015, relativa ao Regime Jurídico do Setor Publico), de 1 de outubro de 2015 (BOE n.° 236, de 2 de outubro de 2015, p. 89411), conforme alterada pela Ley 11/2020, Presupuestos Generales del Estado para el 2021 (Lei n.° 11/2020, que aprova o Orçamento Geral do Estado para o Ano de 2021), de 30 de dezembro de 2020 (BOE n.° 341, de 31 de dezembro de 2020, p. 125958) (a seguir «Lei n.° 40/2015»), permite que os trabalhadores privados de empresas e de entidades de direito privado integrados no setor público desempenhem as mesmas funções que um funcionário público, na qualidade de trabalhadores que se encontram numa «posição residual a extinguir» (a extinguir).

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C331/22

18      Em 5 de maio de 2005, KT foi nomeada sem vínculo permanente para um cargo de direção da Generalitat de Catalunya (Comunidade Autónoma da Catalunha, Espanha). Desde então, foi objeto de várias nomeações temporárias sucessivas nesta Administração Pública, sendo a última datada de 5 de agosto de 2015. A nomeação de KT foi o resultado de um processo de seleção conduzido, nomeadamente, no respeito dos princípios do mérito, da aptidão e da igualdade, previstos no artigo 103.°, n.° 3, da Constituição.

19      Após o início do processo principal no processo C‑331/22, a demandada no processo principal publicou um anúncio de concurso público para o preenchimento, nomeadamente, do posto de trabalho ocupado por KT. A demandante requereu uma medida cautelar de exclusão deste posto de trabalho deste concurso. Este pedido foi deferido pelo Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo no 17 de Barcelona (Tribunal do Contencioso Administrativo n.° 17 de Barcelona, Espanha), que é o órgão jurisdicional de reenvio neste processo.

20      Perante o órgão jurisdicional de reenvio, a demandante no processo principal considera que, atendendo a que ocupou um posto de trabalho vago desde que iniciou funções e que este não foi objeto de uma oferta de emprego, importa, para sanar a utilização abusiva de sucessivas nomeações temporárias de que foi objeto, conceder‑lhe o estatuto de trabalhador não permanente contratado por tempo indeterminado (dito «indefinido no fijo») ou, a título subsidiário, adotar uma medida que implique a manutenção do seu emprego.

21      A demandada no processo principal considera, em contrapartida, que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), não é possível converter a relação de trabalho a termo de um trabalhador sem vínculo permanente numa relação por tempo indeterminado. Além disso, refuta a existência de uma situação de abuso. Por último, alega que, em todo o caso, a Lei n.° 20/2021, que prevê medidas efetivas destinadas a reduzir o recurso abusivo à contratação a termo no setor público, permite regularizar a situação dos trabalhadores sem vínculo permanente.

22      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a demandante no processo principal deu início ao processo C‑331/22 numa altura em que o direito nacional não previa nenhuma consequência jurídica em caso de recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo no setor público. No entanto, a Lei n.° 20/2021, que contém certas disposições aplicáveis ao litígio principal, estabelece medidas destinadas a reduzir esses abusos. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade desta Lei com o Acordo‑Quadro.

23      Nestas circunstâncias, o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo no 17 de Barcelona (Tribunal do Contencioso Administrativo n.° 17 de Barcelona) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.‑      A Lei n.° 20/2021 prevê como única medida punitiva o anúncio de processos de seleção, acompanhados de uma indemnização apenas para as vítimas do abuso [da contratação a termo] que não sejam aprovadas nesses processos de seleção. Essa lei viola o artigo 5.° do [Acordo‑Quadro] por não punir os abusos ocorridos relativamente aos trabalhadores do setor público contratados a termo aprovados nesses processos de seleção, quando a sanção é sempre indispensável e a aprovação nesses processos de seleção não constitui uma medida punitiva que cumpra os requisitos da Diretiva [1999/70], como dispõe o TJUE no seu Despacho de 2 de junho de 2021, proferido no processo C‑103/19?

2.‑      No caso de resposta afirmativa à [primeira questão] e de a Lei n.° 20/2021 não prever outras medidas efetivas de sanção do recurso abusivo a sucessivos contratos a termo ou [da] prorrogação abusiva de um contrato a termo, a omissão legislativa que consiste em não [prever] a conversão de sucessivos contratos de trabalho a termo ou do prolongamento abusivo de um contrato de trabalho a termo [em contratos celebrados por tempo indeterminado] viola o artigo 5.° do [Acordo‑Quadro], como dispõe o TJUE no seu Despacho de 3[0] de setembro de 2020, [Câmara Municipal de Gondomar (C‑135/20, EU:C:2020:760)]?

3.‑      O Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) proferiu nos seus Acórdãos n.° 1425/2018 e n.° 1426/2018, de 26 de setembro de 2018, a jurisprudência, confirmada no Acórdão n.° 1534/2021, de 20 de dezembro de 20[21], segundo a qual a medida a adotar face a uma situação de abuso de contratação a termo pode consistir simplesmente na manutenção do trabalhador do setor público vítima de um abuso [do] regime d[a] precariedade no emprego até que a Administração empregadora determine se existe uma necessidade estrutural e organize os correspondentes processos de seleção, aos quais podem concorrer candidatos que não sofreram esse abuso de contratação a termo, a fim de prover o lugar com funcionários públicos [com vínculo permanente]. Esta jurisprudência é contrária ao artigo 5.° do [Acordo‑Quadro] quando a organização de um processo de seleção aberto e a aprovação nesse processo de seleção não constitui uma medida punitiva que cumpre os requisitos da diretiva [1999/70], como dispõe o TJUE no seu Despacho de 2 de junho de 2021, proferido no processo C‑103/2019?

4.‑      No caso de resposta afirmativa à [terceira questão] e de a jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) não prever outras medidas efetivas de sanção do recurso abusivo a sucessivos contratos a termo ou da prorrogação abusiva de um contrato a termo, a omissão jurisprudencial que consiste em não [prever] a conversão em contratos celebrados por tempo indeterminado de sucessivos contratos de trabalho a termo ou do prolongamento abusivo de um contrato de trabalho a termo viola o artigo 5.° do Acordo‑Quadro da Diretiva [1999/70], como dispõe o TJUE no seu Despacho de 3[0] de setembro de 2020 [Câmara Municipal de Gondomar (C‑135/20, EU:C:2020:760)]?

5.‑      Se a legislação adotada para transpor o artigo 5.° do [Acordo‑Quadro] violar o direito [da União] ao não [previr] nenhuma medida punitiva específica suscetível de garantir o cumprimento dos objetivos dessa norma [da União] e de pôr termo à precarização dos trabalhadores do setor público, devem as autoridades jurisdicionais nacionais determinar a conversão da relação a termo de caráter abusivo numa relação permanente diferente da do funcionário de carreira, mas conferindo estabilidade no emprego à vítima do abuso para evitar que esse abuso não seja punido e que os objetivos do artigo 5.° do [Acordo‑Quadro] sejam comprometidos, ainda que essa conversão não esteja prevista na regulamentação interna, desde que essa relação a termo tenha sido precedida de um processo de seleção de concorrência pública e com respeito pelos princípios da igualdade, do mérito e da capacidade?»

 Processo C332/22

24      HM trabalha na qualidade de funcionária sem vínculo permanente na Administração da Justiça da Catalunha desde 14 de dezembro de 1984. A sua antiguidade nesta administração era superior a 37 anos à data do início do litígio no processo principal no processo C‑332/22. A sua relação de trabalho consistiu em várias nomeações e na celebração de diferentes contratos. Há mais de 8 anos que HM ocupa o posto de trabalho vago de gestor processual e administrativo no Juzgado de lo Penal no 3 de Vilanova i la Geltrú (Tribunal Criminal n.° 3 de Vilanova i la Geltrú, Espanha).

25      VD trabalha na qualidade de funcionária sem vínculo permanente na Administração da Justiça da Catalunha desde 15 de maio de 1991. Entre esta data e 31 de maio de 2012, foi nomeada em diferentes órgãos judiciais de Barcelona. Em 20 de junho de 2012, foi nomeada, como funcionária sem vínculo permanente do Cuerpo de Tramitación Procesal y Administrativa (Grupo de Pessoal Oficial de Justiça, Espanha), no Juzgado de lo Penal no 3 de Barcelona (Tribunal Criminal n.° 3 de Barcelona, Espanha). VD ocupa este posto de trabalho vago desde esta última data, ou seja, há mais de 9 anos.

26      No Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo no 17 de Barcelona (Tribunal do Contencioso Administrativo n.° 17 de Barcelona), que é, tal como no processo C‑331/22, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑332/22, as demandantes no processo principal salientam que exerceram, durante todos os anos de atividade na Administração da Justiça da Catalunha, funções idênticas às dos funcionários públicos numa situação comparável e, por conseguinte, responderam a necessidades que não são provisórias, urgentes e excecionais, mas comuns, duradouras e permanentes. Assim, segundo as demandantes, há que constatar que a Administração Pública em causa recorreu de forma abusiva a sucessivos contratos ou relações a termo, de forma incompatível com o artigo 5.° do Acordo‑Quadro. Em seu entender, uma vez que, no setor público, o direito espanhol não prevê uma medida que permita punir esse abuso, a sanção a aplicar neste setor deve ser a conversão do vínculo de trabalho das demandantes numa relação de trabalho sem termo através da aquisição do estatuto de funcionário, ou, subsidiariamente, através da conversão da relação de trabalho em que houve recurso abusivo ao termo numa relação de trabalho permanente comparável à dos funcionários. A título ainda mais subsidiário, pedem que a Administração em causa lhes reconheça o direito de se manterem nos postos de trabalho que ocupam atualmente enquanto titulares dos mesmos. Por último, pedem o pagamento do montante de 18 000 euros, ou de um montante considerado adequado, a título de sanção pelos abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou de relações laborais a termo de que foram vítimas.

27      Em contrapartida, a demandada no processo principal, por um lado, invoca a inexistência de abuso, uma vez que os convites à apresentação de candidaturas para os postos de trabalho ocupados pelas demandantes no processo principal foram publicados quase todos os anos. Por outro lado, refere‑se à Lei n.° 20/2021 que permite regularizar a situação das demandantes no processo principal.

28      Nestas circunstâncias, o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo no 17 de Barcelona (Tribunal do Contencioso Administrativo n.° 17 de Barcelona) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«[1)]      As medidas indicadas nos Acórdãos do Supremo Tribunal (Espanha) n.° 1425/2018 e n.° 1426/2018, de 26 de setembro de 2018, cuja posição se mantém até hoje (30 de novembro de 2021), e que consistem na manutenção do trabalhador do setor público vítima de um abuso no mesmo regime de precariedade abusiva do emprego até que a Administração empregadora determine se existe uma necessidade estrutural, e organize os processos de seleção correspondentes para prover o lugar com trabalhadores do setor público [com vínculo permanente], constituem medidas que preenchem os requisitos sancionatórios do artigo 5.° do [Acordo‑Quadro]?

Ou, pelo contrário, se essas medidas conduzem à perpetuação da precariedade e da desproteção até que a Administração empregadora decida aleatoriamente organizar um processo de seleção para prover o seu lugar com um trabalhador permanente, cujo resultado é incerto, uma vez que estes processos estão igualmente abertos aos candidatos que não foram vítimas de tal abuso, constituem medidas que não podem ser concebidas como medidas sancionatórias dissuasivas para efeitos do artigo 5.° do Acordo‑Quadro, nem como medidas que asseguram o cumprimento dos seus objetivos?

[2)]      Quando um órgão jurisdicional nacional, em conformidade com a sua obrigação de punir, em todo o caso, o abuso verificado (a sanção é “indispensável” e “imediata”), conclui que o princípio da interpretação conforme não permite assegurar o efeito útil da Diretiva [1999/70] sem proceder a uma interpretação contra legem do direito interno, precisamente porque o direito interno do Estado‑Membro não previu nenhuma medida sancionatória para aplicar o artigo 5.° do Acordo‑Quadro no setor público: devem as considerações do Acórdão [de 17 de abril de 2018, Egenberger (C‑414/16, EU:C:2018:257)] ou do Acórdão [de] 15 de abril de 2008, [Impact (C‑268/06, EU:C:2008:223)], ser aplicadas, de modo a que os artigos 21.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [(a seguir, «Carta»)] permitam uma exclusão das disposições do direito interno que impeçam que se assegure a plena eficácia da Diretiva [1999/70], mesmo quando tenham valor constitucional?

Consequentemente, deve proceder‑se à conversão da relação [a termo] com caráter abusivo numa relação permanente, idêntica ou equiparável à dos funcionários permanentes comparáveis, conferindo a estabilidade do emprego à vítima do abuso, a fim de evitar que esse abuso não seja punido e que os objetivos e o efeito útil do referido artigo 5.° do Acordo‑Quadro sejam comprometidos, mesmo que essa conversão seja proibida pela legislação interna, pela jurisprudência do Supremo Tribunal, ou que possa ser contrária à [Constituição]?

[3)]      Tendo em conta que o TJUE afirmou nos seus Acórdãos de 25 de outubro de 2018, [Sciotto (C‑331/17, EU:C:2018:859)], e de 13 de janeiro de 2022, [MIUR et Ufficio Scolastico Regionale per la Campania (C‑282/19, EU:C:2022:3)], que o artigo 5.° do Acordo‑Quadro se opõe a uma [legislação] nacional que exclui determinados trabalhadores do setor público da aplicação das normas que punem a utilização abusiva de contratos a termo sucessivos, na falta de outra medida efetiva no ordenamento jurídico interno que puna essa medida abusiva, e na falta, na legislação espanhola, de medidas destinadas a punir o abuso, no setor público, aplicável ao pessoal [contratado a termo] recorrente,

a aplicação desta jurisprudência do TJUE e do princípio comunitário da equivalência impõe a conversão dos trabalhadores [contratados a termo] do setor público vítimas de um abuso em [funcionários ou] trabalhadores do setor público [com vínculo permanente], submetendo‑os às mesmas causas de cessação e de extinção da relação de trabalho que vigoram para estes últimos, ao passo que, no setor privado, o artigo 15.° do [Estatuto dos Trabalhadores] impõe a conversão em trabalhadores permanentes dos trabalhadores [contratados a termo por] mais de 24 meses, num período de 30 meses, [para] serviços contínuos prestados ao mesmo empregador, e ao passo que o artigo 8[7].°, n.° 5, da [Lei n.° 40/2015], aplicando o direito nacional, permite que os trabalhadores do setor privado de empresas e de entidades [privadas] que passem para o setor público [desempenhem] as mesmas funções que os [funcionários] com a condição “a extinguir” e, por conseguinte, submetendo‑os às mesmas causas de cessação que vigoram para estes últimos?

[4)]      Tendo em conta que as condições ligadas à cessação da relação de trabalho e aos requisitos de cessação de um contrato de trabalho fazem parte das «condições de emprego» incluídas no artigo 4.° do Acordo‑Quadro, segundo os Acórdãos do TJUE de 13 de março de 2014, [Nierodzik, C‑38/13, EU:C:2014:152], n.os 27 e 29, e de 14 de setembro de 2016, [Diego Porras, C‑596/14, EU:C:2016:683], n.os 30 e 31),

e em caso de resposta negativa à [terceira questão], a estabilização do pessoal do setor público [contratado a termo] vítima de um abuso, aplicando‑lhes as mesmas causas de cessação e de despedimento que vigoram para os [funcionários] ou para os trabalhadores permanentes comparáveis, sem a aquisição desta qualidade, constitui uma medida vinculativa para as autoridades nacionais em aplicação dos artigos 4.° e 5.° do [Acordo‑Quadro] e do princípio da interpretação conforme, uma vez que a legislação nacional proíbe apenas a aquisição da qualidade de trabalhadores [com vínculo permanente] a quem não preenche determinados requisitos, e a estabilização deste pessoal nos termos indicados não implica a aquisição desta qualidade?

[5)]      Considerando que o artigo 15.° do [Estatuto dos Trabalhadores] fixa um prazo máximo de duração dos contratos [a termo] de dois anos, prevendo que, findo esse prazo, a necessidade coberta já não é provisória, nem excecional, mas sim ordinária e estável, e obrigando os empregadores no setor privado a converter a relação [a termo] numa relação por tempo indeterminado, ao passo que o artigo 10.° do Estatuto Básico del Empleado Público (Estatuto de Base dos Funcionários Públicos) (EBEP), no setor público, impõe a inclusão dos lugares vagos preenchidos por pessoal [sem vínculo permanente ou por pessoal contratado a termo] na Oferta de Emprego Público do ano da nomeação e, se isso não for possível, isto é, no prazo máximo de dois anos, na do ano seguinte, para que o lugar seja preenchido por um [funcionário],

deve concluir‑se que [o recurso a sucessivos contratos de trabalho a termo] no setor público [é abusivo] quando a Administração empregadora não efetua o provimento do lugar ocupado por um trabalhador do setor público [contratado a termo] com um trabalhador [contratado sem termo] nos prazos previstos pela [legislação] nacional, ou seja, pela sua inclusão numa Oferta de Emprego Público num prazo máximo de dois anos a contar da nomeação do trabalhador [sem vínculo permanente ou contratado a termo] com obrigação de proceder à cessação da respetiva relação de trabalho através da implementação dessa Oferta de Emprego Público no máximo de três anos previsto no artigo 70.° do EBEP?

[6)]      A [Lei n.° 20/2021] viola os princípios [de direito da União] da legalidade e da não retroatividade das disposições penais consagrados, nomeadamente, no artigo 49.° da [Carta], na medida em que prevê, a título de sanção [por recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho a termo], processos de seleção que se aplicam mesmo que as ações ou omissões constitutivas da infração — e, por conseguinte, do abuso — e a sua denúncia, tenham ocorrido e sido consumadas antes — [vários] anos antes — da promulgação da Lei n.° 20/2021?

[7)]      A Lei n.° 20/2021, ao prever como medida punitiva a organização de processos de seleção e uma indemnização apenas em benefício das vítimas de um abuso que não sejam aprovadas nesses processos de seleção, é contrária ao artigo 5.° do Acordo‑Quadro e à Diretiva [1999/70], na medida em que não pune os abusos relativos aos trabalhadores do setor público [contratados a termo] que tenham sido aprovados nesses processos de seleção, quando a sanção é sempre indispensável e a aprovação nesses processos de seleção não constitui uma medida sancionatória que preencha os requisitos da diretiva, como refere o TJUE no seu Despacho de 2 de junho de 2021, [SUSH e CGT Sanidad de Madrid (C‑103/19, EU:C:2021:460)]?

Ou seja: a Lei n.° 20/2021, ao limitar a atribuição da indemnização aos trabalhadores vítimas de abuso que não sejam aprovados nos processos de seleção, excluindo desse direito os trabalhadores que foram vítimas de abuso e que obtiveram o estatuto de pessoal permanente posteriormente, através desses processos de seleção, viola a Diretiva [1999/70] e, em especial, o afirmado no Despacho do TJUE de 2 de junho de 2021, [SUSH e CGT Sanidad de Madrid (C‑103/19, EU:C:2021:460)], n.° 45, segundo o qual, embora a organização de processos de seleção abertos aos trabalhadores do setor público que tenham sido nomeados de forma abusiva no âmbito de sucessivas relações laborais a termo permita a estes últimos terem a expectativa de aceder a um lugar permanente e estável e, por conseguinte, de adquirirem a qualidade de pessoal permanente do setor público, tal não dispensa os Estados‑Membros da obrigação de prever uma medida adequada para punir devidamente o recurso abusivo a sucessivos contratos e relações de trabalho a termo?

[8)]      A Lei n.° 20/2021, ao prever que os processos de seleção destinados a reduzir a contratação [a termo] no setor público devem realizar‑se no prazo de três anos, até 31 de dezembro de 2024, e ao prever a título de sanção uma indemnização a receber no momento da cessação ou do despedimento da vítima de abuso, é contrária ao artigo 5.° do Acordo‑Quadro, à luz do Despacho do TJUE de 9 de fevereiro de 2017, [Rodrigo Sanz (C‑443/16, EU:C:2017:109)], ou dos Acórdãos do TJUE de 14 de dezembro de 2016, [Pérez López (C‑16/15, EU:C:2016:679)], ou de 21 de novembro de 2018, [(C‑619/17, EU:C:2018:936)], na medida em que tem por efeito perpetuar ou prolongar o trabalhador vítima de um abuso nessa situação de abuso, de desproteção e de precariedade do emprego, comprometendo o efeito útil da Diretiva 1999/70 até que esse trabalhador seja finalmente despedido e possa receber a indemnização prevista?

[9)]      A Lei n.° 20/2021 viola o princípio da equivalência, na medida em que confere direitos em aplicação da Diretiva [1999/70] que são inferiores aos que resultam do direito interno, uma vez que:

–        a [Lei n.° 11/2020], ao alterar o artigo 87.°, n.° [5], da Lei n.° 40/2015, aplicando o direito interno, permite que os trabalhadores do setor privado de empresas privadas que passam para o setor público possam desempenhar as mesmas funções que os [funcionários], ficando submetidos às mesmas causas de cessação, mesmo que não tenham sido aprovados num processo de seleção, com a condição “a extinguir”, ao passo que a Lei n.° 20/2021, em aplicação do direito da União, não permite que os trabalhadores do setor público que tenham sido selecionados no âmbito de processos de seleção sujeitos aos princípios da igualdade, da publicidade e da livre concorrência, continuem a desempenhar as mesmas funções que os [funcionários], ficando submetidos às mesmas causas de cessação;

–        o artigo 15.° do Estatuto de los trabajadores (Estatuto dos Trabalhadores), na redação resultante [do Decreto Legislativo Real] n.° 1/1995, [por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (que aprova o texto revisto da Lei relativa aos Estatuto dos Trabalhadores), de 24 de março de 1995 (BOE no 75, de 29 março de 1995, p. 9654)], ou seja, antes da adoção da Diretiva 1999/70, permite, em aplicação do direito interno, a conversão em trabalhadores permanentes dos trabalhadores do setor privado com mais de dois anos ao serviço do mesmo empregador, ao passo que, em aplicação da diretiva, os trabalhadores do setor público vítimas de um abuso são apenas indemnizados no correspondente a 20 dias por ano de serviço, num máximo de 12 mensalidades, sendo a sua conversão proibida;

–        os artigos 32.° e seguintes da [Lei n.° 40/2015] consagram o princípio da reparação integral e obrigam as administrações públicas a indemnizar os danos causados às vítimas dos seus atos, ao passo que, na aplicação do direito da União, a indemnização das vítimas do abuso é limitada de antemão tanto no seu montante (20 dias de remuneração por ano de serviço) como no tempo (limite máximo de doze meses de salário)?

[10)]      A Lei n.° 20/2021, ao prever como única medida sancionatória real uma indemnização correspondente a 20 dias por ano de serviço em benefício das vítimas de um abuso, que não tenham sido aprovadas no processo de seleção, viola a jurisprudência do TJUE proferida no seu Acórdão de 7 de março de 2018, [Santoro (C‑494/16, EU:C:2018:166)], segundo a qual, no setor público, para dar cumprimento à diretiva [1999/70], não é suficiente uma indemnização, devendo esta ser acompanhada de outras medidas sancionatórias adicionais, efetivas, proporcionadas e dissuasivas?

[11)]      A Lei n.° 20/2021, ao fixar as indemnizações para as vítimas que não sejam aprovadas num processo de seleção no correspondente a 20 dias por ano de serviço, num máximo de 12 mensalidades, viola os princípios [de direito da União] da compensação adequada e integral e da proporcionalidade, ao excluir os lucros cessantes e outros conceitos indemnizatórios ou compensatórios, como é o caso, por exemplo, dos decorrentes da perda de oportunidade (conceito utilizado no Acórdão do TJUE [de 7 de março de 2018, Santoro (C‑494/16, EU:C:2018:166)]); da impossibilidade de aquisição do estatuto de trabalhador permanente, pelo facto de os processos de seleção não serem organizados nos prazos previstos pela [legislação] interna ou por não poderem ser promovidos nem poderem progredir; dos danos morais resultantes da falta de proteção decorrente de qualquer situação de precariedade do emprego; de um despedimento da vítima de um abuso, cujas condições respeitantes à idade e ao sexo (por exemplo, mulheres com idade superior a 50 anos) determinam que não exista mercado de trabalho alternativo; ou da redução das pensões de reforma?

[12)]      A Lei n.° 20/2021, ao prever uma indemnização máxima correspondente a 20 dias por ano de serviço e 12 mensalidades, viola a regulamentação [de direito da União], à luz dos Acórdãos do TJUE de 2 de agosto de 1993, [Marshall (C‑271/91, EU:C:1993:335)], e de 17 de dezembro de 2015, Arjona Camacho [(C‑407/14, EU:C:2015:831)], segundo os quais o direito da União se opõe a que a reparação do prejuízo sofrido por uma pessoa em virtude de um despedimento esteja sujeita a um limite máximo fixado a priori

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

29      Por Decisão de 19 de setembro de 2023, os processos C‑331/22 e C‑332/22 foram apensados para efeitos do acórdão, ao abrigo do artigo 54.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça e à admissibilidade dos pedidos de decisão prejudicial

30      Em primeiro lugar, os demandados no processo principal e o Governo Espanhol consideram que o Tribunal de Justiça não é competente para responder aos pedidos de decisão prejudicial, uma vez que, com estes pedidos, o órgão jurisdicional de reenvio pede que o Tribunal de Justiça interprete as medidas sancionatórias previstas pela Lei n.° 20/2021 e se pronuncie sobre a conformidade destas sanções com o Acordo‑Quadro. De acordo com este Governo, estes pedidos equivalem a exigir ao Tribunal de Justiça que emita um parecer consultivo de alcance geral sobre o conceito de «trabalhador sem vínculo permanente», tal como previsto no direito espanhol.

31      Em segundo lugar, os demandados no processo principal e o Governo Espanhol alegam que, uma vez que têm por objeto medidas constantes da Lei n.° 20/2021 ou que resultam da jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), os pedidos de decisão prejudicial excedem o objeto dos litígios nos processos principais e, por conseguinte, suscitam um problema de natureza hipotética.

32      Com efeito, as demandantes nos processos principais pedem unicamente que se requalifique a sua relação de trabalho a termo como uma relação de trabalho por tempo indeterminado, sem que estes pedidos se baseiem nestas medidas ou nesta jurisprudência. Assim, por exemplo, primeiro, a indemnização pela cessação da relação de trabalho caso não haja aprovação nos processos de seleção, prevista no artigo 2.° da Lei n.° 20/2021, segundo, a participação neste processo de seleção como meio de obter um emprego permanente ou, terceiro, a medida, estabelecida pela jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), de manutenção no posto de trabalho até à organização e conclusão do processo de seleção correspondente, constituem medidas que não são objeto dos litígios nos processos principais e não têm, por isso, nenhuma pertinência para a solução destes litígios.

33      A este respeito, há que recordar que o sistema de cooperação instituído no artigo 267.° TFUE se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça. No âmbito de um processo ao abrigo deste artigo, a interpretação das disposições nacionais cabe aos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros e não ao Tribunal de Justiça, e não incumbe a este último pronunciar‑se sobre a compatibilidade de normas de direito interno com as disposições do direito da União. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça é competente para fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação do direito da União que lhe permitam apreciar a compatibilidade de normas de direito interno com a regulamentação da União (Acórdão de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.° 27 e jurisprudência referida).

34      Importa também recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.° TFUE, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se [Acórdão de 3 de junho de 2021, Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca—MIUR e o. (Investigadores universitários), C‑326/19, EU:C:2021:438, n.° 35 e jurisprudência referida].

35      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [v. Acórdão de 3 de junho de 2021, Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca—MIUR e o. (Investigadores universitários), C‑326/19, EU:C:2021:438, n.° 36 e jurisprudência referida].

36      Neste caso, embora o teor literal das questões submetidas a título prejudicial pelo órgão jurisdicional de reenvio convide o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a compatibilidade de disposições de direito interno, incluindo as medidas estabelecidas pela jurisprudência nacional, com o direito da União, nada impede o Tribunal de dar uma resposta útil a este órgão jurisdicional de reenvio, fornecendo‑lhe os elementos de interpretação próprios do direito da União que lhe permitirão decidir sobre a compatibilidade do direito interno com o direito da União (v. Acórdão de 25 de outubro de 2018, Sciotto, C‑331/17, EU:C:2018:859, n.° 28 e jurisprudência referida).

37      Além disso, resulta inequivocamente dos pedidos de decisão prejudicial que o órgão jurisdicional de reenvio será levado, no âmbito da resolução dos litígios nos processos principais, a determinar as medidas nacionais que permitem, em conformidade com as exigências decorrentes da Diretiva 1999/70, punir a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

38      Nestas circunstâncias, não é manifesto que a interpretação do artigo 5.° do Acordo‑Quadro, solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objeto dos litígios nos processos principais ou que as questões relativas às medidas nacionais mencionadas no n.° 32 do presente acórdão, enquanto medidas suscetíveis de punir, em conformidade com as exigências da Diretiva 1999/70, o abuso de contratação a termo em causa, suscitem um problema de natureza hipotética.

39      No entanto, com a sexta questão submetida no processo C‑332/22, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os princípios da legalidade e da não retroatividade das disposições penais, enunciados, nomeadamente, no artigo 49.° da Carta, se opõem à aplicação retroativa de uma legislação nacional, como a Lei n.° 20/2021, uma vez que esta prevê, a fim de reduzir a taxa de emprego a termo, medidas menos favoráveis para os trabalhadores vítimas de uma utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo do que a legislação nacional anterior.

40      Ora, não se pode deixar de observar que os princípios da legalidade e da não retroatividade das disposições penais não são aplicáveis numa situação em que as disposições nacionais em causa não têm essa natureza, mas enunciam, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, medidas urgentes destinadas a reduzir a taxa de emprego a termo no setor público e, para este efeito, impõem, sob reserva de determinadas condições, à Administração Pública em causa que organize processos de seleção ou que pague uma indemnização aos trabalhadores sucessivamente contratados a termo.

41      Nestas circunstâncias, é manifesto que a interpretação solicitada do direito da União no âmbito da sexta questão submetida no processo C‑332/22 não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal. Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 35 do presente acórdão, esta questão deve ser declarada inadmissível.

42      Resulta das considerações precedentes que, por um lado, o Tribunal de Justiça é competente para decidir os pedidos de decisão prejudicial e, por outro, as questões dos pedidos de decisão prejudicial são admissíveis, com exceção da sexta questão submetida no processo C‑332/22.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à quinta questão submetida no processo C332/22

43      Com a quinta questão submetida no processo C‑332/22, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.° do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual o recurso a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo no setor público se torna abusivo quando a Administração Pública em causa não respeite os prazos previstos no direito interno para prover o posto de trabalho ocupado pelo trabalhador em causa contratado a termo, com o fundamento de que, decorridos estes prazos, estes sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo satisfazem necessidades desta Administração que não são temporárias, mas permanentes e duradouras.

44      A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 1.° do Acordo‑Quadro, este acordo tem por objetivo, nomeadamente, estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo.

45      O artigo 5.° do Acordo‑Quadro procura concretizar este objetivo, ou seja, enquadrar o recurso sucessivo aos contratos ou relações laborais a termo, considerado fonte potencial de abusos em detrimento dos trabalhadores, prevendo algumas normas de proteção mínima destinadas a evitar a precarização da situação dos trabalhadores (Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 26 e jurisprudência referida).

46      Por conseguinte, para evitar a utilização abusiva de sucessivos contratos ou relações laborais a termo, o artigo 5.°, n.° 1, do Acordo‑Quadro impõe aos Estados‑Membros a adoção efetiva e obrigatória de, pelo menos, uma das medidas que enumera, se os respetivos direitos internos não previrem medidas legais equivalentes. As três medidas enumeradas no n.° 1, alíneas a) a c), do referido artigo referem‑se, respetivamente, a razões objetivas que justificam a renovação desses contratos ou relações laborais, à duração máxima total destes sucessivos contratos de trabalho ou relações de trabalho e ao número de renovações dos mesmos [Acórdão de 3 de junho de 2021, Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca—MIUR e o. (Investigadores universitários), C‑326/19, EU:C:2021:438, n.° 56 e jurisprudência referida].

47      Os Estados‑Membros dispõem, a esse respeito, de uma margem de apreciação, uma vez que podem recorrer a uma ou a várias medidas enunciadas no artigo 5.°, n.° 1, alíneas a) a c), do Acordo‑Quadro ou ainda a medidas legais existentes equivalentes, tendo em conta as necessidades de setores específicos e/ou de categorias de trabalhadores [Acórdão de 3 de junho de 2021, Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca—MIUR e o. (Investigadores universitários), C‑326/19, EU:C:2021:438, n.° 57 e jurisprudência referida].

48      Para o efeito, o artigo 5.°, n.° 1, do Acordo‑Quadro impõe aos Estados‑Membros um objetivo geral, que consiste na prevenção desses abusos, permitindo‑lhes, no entanto, escolher os meios para o alcançar, desde que não ponham em causa o objetivo ou o efeito útil do Acordo‑Quadro [Acórdão de 3 de junho de 2021, Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca—MIUR e o. (Investigadores universitários), C‑326/19, EU:C:2021:438, n.° 58 e jurisprudência referida].

49      Contudo, resulta da redação do artigo 5.° do Acordo‑Quadro, bem como de jurisprudência constante, que este artigo apenas é aplicável a sucessivos contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo, de modo que um contrato que seja o primeiro ou único contrato de trabalho a termo não está abrangido pelo seu âmbito de aplicação do artigo 5.°, n.° 1, do Acordo‑Quadro [v. Acórdão de 3 de junho de 2021, Ministero dell’Istruzione, dell’Università e della Ricerca—MIUR e o. (Investigadores universitários), C‑326/19, EU:C:2021:438, n.° 52 e jurisprudência referida].

50      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio no processo C‑332/22 que as relações de trabalho entre as demandantes no processo principal e a Administração Pública em causa consistiram em sucessivas nomeações e/ou na celebração de sucessivos contratos a termo. Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 5.° do Acordo‑Quadro é aplicável às situações em causa no processo principal.

51      Além disso, há que recordar que a substituição temporária de um trabalhador para satisfazer necessidades temporárias do empregador em causa em termos de pessoal pode, em princípio, constituir uma «[razão objetiva]» na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), deste Acordo‑Quadro (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.° 72 e jurisprudência referida).

52      A este respeito, em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça indicou que não se pode admitir que os contratos de trabalho a termo sejam renovados para efeitos da execução, de forma permanente e duradoura, de funções nos serviços em causa que estejam incluídas na atividade normal do pessoal em questão (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.° 75 e jurisprudência referida).

53      Com efeito, a renovação de contratos e de relações laborais a termo para satisfazer necessidades que, de facto, não têm caráter provisório, mas sim permanente e duradouro, não é justificada na aceção do artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Acordo‑Quadro, uma vez que essa utilização dos contratos ou relações laborais a termo vai diretamente contra a premissa na qual se funda o Acordo‑Quadro, a saber, de que os contratos de trabalho sem termo constituem a forma comum das relações de trabalho, mesmo que os contratos a termo constituam uma característica do emprego em certos setores ou para determinadas ocupações e atividades (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.° 76 e jurisprudência referida).

54      A observância do disposto no artigo 5.°, n.° 1, alínea a), do Acordo‑Quadro exige que se verifique concretamente que a renovação de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo visa satisfazer necessidades provisórias e que uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal não é utilizada, de facto, para satisfazer necessidades permanentes e duradouras do empregador em causa em matéria de pessoal (Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.° 77 e jurisprudência referida).

55      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça considerou que uma medida nacional que prevê a organização, nos prazos fixados, de processos de seleção que se destinam a prover definitivamente os postos ocupados provisoriamente por trabalhadores a termo é suscetível de evitar que o estatuto precário destes trabalhadores se perpetue, garantindo que os postos que aqueles ocupam sejam rapidamente preenchidos de forma permanente (v. Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 64 e jurisprudência referida).

56      Por conseguinte, a organização desses processos nos prazos fixados é, em princípio, suscetível de evitar os abusos decorrentes do recurso a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo enquanto se aguarda que estes postos sejam providos de forma definitiva (Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 65 e jurisprudência referida).

57      No entanto, o Tribunal de Justiça também considerou que uma legislação nacional que prevê a organização de processos de seleção com vista a prover definitivamente os postos ocupados provisoriamente por trabalhadores a termo, e um prazo determinado para esse efeito, mas que não permite garantir que esses processos sejam efetivamente organizados, não é apta a evitar o recurso abusivo, pelo empregador em causa, a sucessivos contratos de trabalho ou a relações laborais a termo (Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 67 e jurisprudência referida).

58      Neste contexto, há que recordar que não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação de disposições de direito interno, incumbindo esta missão aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, que devem determinar se as exigências previstas no artigo 5.° do Acordo‑Quadro se encontram satisfeitas pelas disposições da legislação nacional aplicável (v. Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 50 e jurisprudência referida).

59      Incumbe, por conseguinte, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar em que medida as condições de aplicação e a execução efetiva das disposições relevantes do direito interno fazem com que estas constituam uma medida adequada para evitar a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo (v. Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 51 e jurisprudência referida).

60      Contudo, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode dar esclarecimentos que permitam orientar os referidos órgãos jurisdicionais na apreciação que levam a cabo (Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 52 e jurisprudência referida).

61      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a legislação espanhola prevê regras que permitem considerar que o recurso a sucessivos contratos ou relações de trabalho se torna abusivo quando estes contratos ou relações laborais ultrapassem uma duração de dois anos, com o fundamento que, nessa hipótese, os referidos contratos ou relações de trabalho satisfazem necessidades que não são temporárias, mas sim permanentes e duradouras do empregador em causa. Assim, no que respeita aos trabalhadores do setor público, o artigo 10.°, n.° 4, do EBEP prevê que os postos de trabalho vagos providos por trabalhadores sem vínculo permanente são incluídos ofertas públicas de emprego para serem preenchidos por um funcionário num prazo máximo de dois anos a contar da nomeação do funcionário sem vínculo permanente em causa. Além disso, por força do artigo 70.° do EBEP, incumbe à Administração pôr termo aos mesmos contratos ou relações laborais a termo executando esta oferta pública de emprego num prazo máximo de três anos.

62      Sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, uma disposição nacional, como o artigo 10.° do EBEP, não parece estabelecer uma autorização geral e abstrata para recorrer a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, mas limita a celebração desses contratos, no essencial, à satisfação de necessidades provisórias.

63      Além disso, resulta da decisão de reenvio no processo C‑332/22 que as disposições nacionais referidas no n.° 61 do presente acórdão também contêm as medidas indicadas no artigo 5.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Acordo‑Quadro, a saber, primeiro, um limite da duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e, segundo, um número máximo de renovações destes contratos ou relações, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

64      No entanto, também resulta da decisão de reenvio no processo C‑332/22 que as sucessivas nomeações das demandantes no processo principal neste processo e/ou a celebração de sucessivos contratos por estas não respondiam a simples necessidades provisórias da Administração da Justiça da Catalunha, mas visavam satisfazer necessidades permanentes e duradouras em matéria de recrutamento nesta Administração. Com efeito, decorre desta decisão de reenvio que, quando intentaram as suas ações, as demandantes trabalhavam para a referida Administração há mais de 37 ou 17 anos consecutivos e desempenhavam funções decorrentes da atividade normal do pessoal que beneficiava de um estatuto fixo. Refira‑se que uma legislação nacional, como a referida no n.° 61 do presente acórdão, também é suscetível de originar um risco de recurso abusivo aos sucessivos contratos ou relações a termo se a obrigação legal de preencher os postos temporariamente preenchidos pelos trabalhadores sem vínculo permanente no prazo indicado não for respeitada. Ora, no caso em apreço, atendendo aos elementos factuais constantes da referida decisão de reenvio, esse risco concretizou‑se.

65      Tendo em conta as considerações acima expostas, há que responder à quinta questão submetida no processo C‑332/22 que o artigo 5.° do Acordo‑Quadro deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional segundo a qual o recurso a sucessivos contratos de trabalho ou a relações laborais a termo no setor público se torna abusivo quando a Administração Pública em causa não respeita os prazos previstos no direito interno para prover o posto ocupado pelo trabalhador contratado a termo em causa, uma vez que, nessa situação, esses sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo satisfazem necessidades que não são temporárias, mas permanentes e duradouras desta Administração.

 Quanto às primeira e terceira questões submetidas no processo C331/22 e às primeira e sétima a décima segunda questões submetidas no processo C332/22

66      Com as primeira e terceira questões submetidas no processo C‑331/22 e com as primeira e sétima a décima segunda questões submetidas no processo C‑332/22, que importa examinar em conjunto e em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.° do Acordo‑Quadro, lido à luz dos princípios da equivalência e da proporcionalidade, bem como do princípio da reparação integral do prejuízo sofrido, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência e legislação nacionais que preveem como medidas destinadas a punir a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou de relações laborais a termo, respetivamente, a manutenção do trabalhador em causa até à organização e conclusão de processos de seleção pela administração empregadora, bem como a organização desses procedimentos e o pagamento de uma indemnização que fixa um duplo limite máximo apenas a favor do trabalhador que não seja aprovado nestes procedimentos.

67      A este respeito, importa recordar que o artigo 5.° do Acordo‑Quadro não prevê sanções específicas em caso de abusos. Nesse caso, incumbe às autoridades nacionais adotar medidas que devem revestir um caráter não apenas proporcionado mas também suficientemente efetivo e dissuasivo para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do Acordo‑Quadro (Acórdão de 13 de janeiro de 2022, MIUR e Ufficio Scolastico Regionale per la Campania, C‑282/19, EU:C:2022:3, n.° 81 e jurisprudência referida).

68      Embora, na falta de regulamentação da União na matéria, as modalidades de transposição dessas normas sejam abrangidas pelo ordenamento jurídico interno dos Estados‑Membros, por força do princípio da autonomia processual destes últimos, estas modalidades não devem, no entanto, ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 47 e jurisprudência aí referida).

69      Além disso, o Tribunal de Justiça especificou que, quando tenha havido um recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, deve poder ser aplicada uma medida que apresente garantias efetivas e equivalentes de proteção dos trabalhadores para punir devidamente este abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União. Com efeito, nos próprios termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 1999/70, os Estados‑Membros devem «tomar qualquer disposição necessária para, em qualquer momento, poderem garantir os resultados impostos [por esta] diretiva» (Acórdão de 13 de janeiro de 2022, MIUR e Ufficio Scolastico Regionale per la Campania, C‑282/19, EU:C:2022:3, n.° 84 e jurisprudência referida).

70      Importa também recordar, à semelhança do que é mencionado no n.° 58 do presente acórdão, que não cabe ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação da legislação e da jurisprudência nacionais, incumbindo esta missão aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes, que devem determinar se as exigências previstas no artigo 5.° do Acordo‑Quadro estão satisfeitas por esta legislação e por esta jurisprudência (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 50 e jurisprudência referida).

71      Incumbe, por conseguinte, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar em que medida as condições de aplicação e a execução efetiva da legislação e da jurisprudência nacionais em causa no processo principal as tornam medidas adequadas para punir a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 51 e jurisprudência referida).

72      Contudo, como resulta da jurisprudência referida no n.° 60 do presente acórdão, o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, sendo caso disso, prestar esclarecimentos que permitam orientar estes órgãos jurisdicionais na sua apreciação.

73      No caso em apreço, resulta das decisões de reenvio, primeiro, que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), em situações de abuso na contratação a termo de trabalhadores do setor público, a manutenção do trabalhador que é vítima do abuso no seu posto de trabalho até que a Administração que o emprega, em primeiro lugar, determine se existe uma necessidade estrutural e, por conseguinte, organize o processo de seleção correspondente, também aberto aos trabalhadores que não tenham sido vítimas desses abusos, para prover o posto de trabalho em causa de forma permanente e, em segundo lugar, conclua este processo, deve ser considerada uma medida eficaz para punir estas situações.

74      Segundo, para os trabalhadores nomeados antes da entrada em vigor da Lei n.° 20/2021, como os que estão em causa no processo principal, o artigo 2.° desta lei prevê duas medidas destinadas a punir a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, a saber, por um lado, a organização de processos de seleção, também abertos aos candidatos que não foram objeto desse abuso e, por outro, o pagamento de uma compensação financeira de 20 dias por ano de trabalho, até ao limite de 12 mensalidades, desde que o trabalhador em causa não tenha sido aprovado no processo de seleção organizado para preencher o posto de trabalho até então ocupado por ele.

75      No que respeita à organização de processos de seleção como medida sancionatória conforme com o artigo 5.° do Acordo‑Quadro, como a aplicada pela jurisprudência espanhola ou prevista no artigo 2.° da Lei n.° 20/2021, importa salientar que o Tribunal de Justiça especificou que, embora a organização de processos de seleção forneça aos trabalhadores que foram contratados de forma abusiva no âmbito de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo a oportunidade de tentarem aceder à estabilidade do emprego, podendo estes, em princípio, participar nestes processos, tal circunstância não pode dispensar os Estados‑Membros do cumprimento da obrigação de prever uma medida adequada para punir devidamente o recurso abusivo a estes sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo. Com efeito, tais processos, cujo resultado é, aliás, incerto, também estão, em geral, abertos aos candidatos que não foram vítimas desse abuso (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.° 100).

76      Por conseguinte, sendo a organização desses processos independente de qualquer consideração a respeito do caráter abusivo do recurso a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, a mesma não se mostra apta a punir devidamente o recurso abusivo a tais relações laborais e a eliminar as consequências da violação do direito da União. A organização de tais processos não parece, por isso, permitir alcançar a finalidade prosseguida pelo artigo 5.° do Acordo‑Quadro (v., neste sentido, Acórdão de 19 de março de 2020, Sánchez Ruiz e o., C‑103/18 e C‑429/18, EU:C:2020:219, n.° 101).

77      No caso em apreço, de acordo com as considerações decorrentes da jurisprudência referida nos n.os 75 e 76 do presente acórdão, que, à luz dos elementos submetidos ao Tribunal de Justiça recordados nos n.os 73 e 74 do presente acórdão, parecem ser aplicáveis, a organização dos processos de seleção conforme prevista pela jurisprudência nacional ou pelo artigo 2.° da Lei n.° 20/2021, sem prejuízo da verificação que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio realizar, não se mostra apta a punir devidamente o recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho ou a relações laborais a termo e, por conseguinte, a eliminar as consequências da violação do direito da União.

78      Neste contexto, importa salientar que as circunstâncias indicadas na decisão de reenvio no processo C‑332/22, segundo as quais os processos de seleção referidos no artigo 2.° da Lei n.° 20/2021 devem ser organizados num prazo concreto, a saber, antes de 31 de dezembro de 2024, e segundo as quais os méritos do trabalhador em causa são tidos em conta nesses processos, em nada retiram pertinência à jurisprudência referida nos n.os 75 e 76 do presente acórdão.

79      Resulta das decisões de reenvio que é devida uma indemnização, como a prevista no artigo 2.° da Lei n.° 20/2021, enquanto medida sancionatória conforme com o artigo 5.° do Acordo‑Quadro, quando os sucessivos contratos de trabalho ou as relações laborais a termo cessam em razão do provimento do posto de trabalho em causa por uma pessoa diferente do trabalhador que ocupou este posto, o que pressupõe que o mesmo participou no processo de seleção e não foi aprovado, ou que não participou neste processo.

80      Ora, o Tribunal de Justiça considerou que o pagamento de uma indemnização pelo fim do contrato não permitia alcançar a finalidade prosseguida pelo artigo 5.° do Acordo‑Quadro, que consiste em evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo. Com efeito, esse pagamento parece ser independente de qualquer consideração sobre o caráter legítimo ou abusivo do recurso a contratos ou a relações de trabalho a termo (Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 74 e jurisprudência referida).

81      Além disso, importa salientar que, uma vez que uma indemnização como a prevista no artigo 2.° da Lei n.° 20/2021 fixa um duplo limite máximo, a saber, o limite de 20 dias de remuneração por ano de trabalho, limitado, no total, a doze meses de salário, a mesma não é suscetível de permitir uma reparação proporcionada e efetiva em situações de abuso que ultrapassem uma determinada duração em termos de anos, nem uma reparação adequada e integral dos danos resultantes desses abusos.

82      A este respeito, importa recordar que nem o princípio da reparação integral do prejuízo sofrido, nem o princípio da proporcionalidade impõem o pagamento de indemnizações de caráter sancionatório (Acórdão de 8 de maio de 2019, Rossato e Conservatorio di Musica F.A. Bonporti, C‑494/17, EU:C:2019:387, n.° 42 e jurisprudência referida).

83      Com efeito, estes princípios impõem que os Estados‑Membros prevejam uma reparação adequada, que ultrapasse uma indemnização puramente simbólica, sem, no entanto, ir além de uma compensação integral (Acórdão de 8 de maio de 2019, Rossato e Conservatorio di Musica F.A. Bonporti, C‑494/17, EU:C:2019:387, n.° 43 e jurisprudência referida).

84      Resulta das considerações que precedem que uma indemnização que fixa um duplo limite máximo apenas a favor do trabalhador que não seja aprovado nos processos de seleção não parece constituir uma medida suscetível de punir devidamente o recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e a eliminar as consequências da violação do direito da União e, por conseguinte, não parece constituir, por si só, uma medida proporcionada e suficientemente eficaz e dissuasiva para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do Acordo‑Quadro, na aceção da jurisprudência recordada no n.° 67 do presente acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 75 e jurisprudência referida).

85      No âmbito da primeira e nona questões submetidas no processo C‑332/22, o órgão jurisdicional de reenvio considera que tanto a jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) como a concessão da indemnização prevista no artigo 2.° da Lei n.° 20/2021 violam o princípio da equivalência da União pelo motivo de, primeiro, estar previsto no direito espanhol que, quando uma entidade comercial pública ou uma agência privada do Estado se converte numa entidade pública, o seu pessoal, a saber, trabalhadores cujo estatuto se rege pelo direito privado, pode, em aplicação do direito interno, exercer funções reservadas aos funcionários sem ter o estatuto destes últimos, sendo que, por conseguinte, em determinadas condições, este pessoal pode ser mantido no setor público. Segundo, o artigo 15.° do Estatuto dos Trabalhadores, mesmo antes da entrada em vigor da Diretiva 1999/70, já previa a conversão em trabalhadores permanentes dos trabalhadores contratados a termo pelo mesmo empregador durante mais de 24 meses. Terceiro, enquanto a Lei n.° 20/2021 prevê um regime restritivo de indemnização, as Administrações Públicas estão obrigadas, em aplicação da legislação nacional relativa ao regime jurídico do setor público, a indemnizar integralmente os danos e prejuízos resultantes das suas ações. Além disso, o Código Civil prevê o mesmo regime de indemnização para a responsabilidade civil entre particulares.

86      A este respeito, há que salientar que decorre do princípio da equivalência que as pessoas que invocam os direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União não devem ser desfavorecidas em relação às que invocam direitos de natureza puramente interna (Acórdão de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.° 39).

87      No entanto, para que este princípio seja aplicável, é ainda necessário que os direitos adotados pelo legislador nacional no âmbito da transposição da Diretiva 1999/70 sejam comparáveis, nomeadamente, quanto ao seu objeto e à sua causa, aos direitos existentes no direito interno [v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Ministero dell’Istruzione dell’Università e della Ricerca—MIUR e o. (Investigadores universitários), C‑326/19, EU:C:2021:438, n.° 70, e Despacho de 18 de janeiro de 2011, Berkizi‑Nikolakaki, C‑272/10, EU:C:2011:19, n.° 40 e jurisprudência referida].

88      Além disso, é jurisprudência assente que o princípio da equivalência não é aplicável numa situação em que tanto as medidas adotadas pelo legislador nacional no âmbito da Diretiva 1999/70, destinadas a sancionar a utilização abusiva dos contratos a termo pelos empregadores do setor público, como as medidas adotadas por este legislador para sancionar a utilização abusiva deste tipo de contratos pelos empregadores do setor privado, aplicam o direito da União. Com efeito, nessa situação, as medidas em causa têm todas por objeto direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União [v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Ministero dell’Istruzione dell’Università e della Ricerca—MIUR e o. (Investigadores universitários), C‑326/19, EU:C:2021:438, n.° 70 e jurisprudência referida].

89      Neste contexto, importa também recordar que o Tribunal de Justiça indicou que o artigo 5.° do Acordo‑Quadro não se opõe, em si mesmo, a que um Estado‑Membro preveja consequências diferentes para o abuso decorrente da utilização a sucessivos contratos ou relações laborais a termo, consoante estes contratos ou relações de trabalho tenham sido celebrados com um empregador privado ou com um empregador público (Acórdão de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.os 33 e 42).

90      No caso em apreço, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que é o único a ter um conhecimento direto dos direitos conferidos pelas disposições nacionais referidas no n.° 85 do presente acórdão, verificar se o princípio da equivalência é aplicável e, se for caso disso, se o mesmo é respeitado.

91      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira e à terceira questões no processo C‑331/22, bem como à primeira e sétima a décima segunda questões no processo C‑332/22, que o artigo 5.° do Acordo‑Quadro, lido à luz dos princípios da proporcionalidade e da reparação integral dos danos sofridos, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência e legislação nacionais que preveem como medidas destinadas a punir a utilização abusiva de sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo, respetivamente, a manutenção do trabalhador em causa até que sejam organizados e concluídos processos de seleção pela Administração empregadora, bem como a organização desses processos e o pagamento de uma indemnização que fixa um duplo limite máximo unicamente a favor deste trabalhador que não foi aprovado nestes processos de seleção, quando estas medidas não sejam proporcionadas ou suficientemente eficazes e dissuasivas para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do referido artigo 5.°

 Quanto às segunda, quarta e quinta questões submetidas no processo C331/22 e às segunda a quarta questões submetidas no processo C332/22

92      Com a segunda, quarta e quinta questões submetidas no processo C‑331/22 e com as segunda a quarta questões submetidas no processo C‑332/22, que importa examinar em conjunto e em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 4.° e 5.° do Acordo‑Quadro, lidos à luz dos artigos 21.° e 47.° da Carta e do princípio da equivalência, devem ser interpretados no sentido de que, perante a inexistência de medidas adequadas no direito nacional para prevenir e, sendo caso disso, punir, em aplicação do referido artigo 5.°, os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, estes sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo devem ser convertidos em contratos ou relações laborais permanentes idênticos ou comparáveis aos que vinculam os funcionários à Administração, mesmo que essa conversão seja contrária à legislação e à jurisprudência nacionais.

93      A título preliminar, importa salientar que resulta das decisões de reenvio que os litígios nos processos principais têm por objeto prevenir e sancionar utilizações abusivas de contratos ou de relações de trabalho a termo, na aceção do artigo 5.° do Acordo‑Quadro, sendo que nenhum elemento destas decisões permite concluir que o princípio da não discriminação previsto pelo artigo 4.° deste Acordo‑Quadro é aplicável no caso em apreço.

94      Por conseguinte, em conformidade com a jurisprudência mencionada no n.° 35 do presente acórdão, a interpretação solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio deste artigo 4.° e do artigo 21.° da Carta, ambos relativos ao princípio da não discriminação, não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto dos litígios nos processos principais, pelo que não há que proceder a essa interpretação.

95      Feito este esclarecimento, decorre de jurisprudência constante que o artigo 5.° do Acordo‑Quadro não estabelece uma obrigação de os Estados‑Membros preverem a conversão dos contratos ou das relações de trabalho a termo em contratos ou relações laborais sem termo, tal como também não prevê sanções específicas em caso de abuso, como referido no n.° 67 do presente acórdão [v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.° 60 e jurisprudência referida].

96      No entanto, resulta do artigo 5.°, n.° 2, do Acordo‑Quadro que os Estados‑Membros dispõem da faculdade, recorrendo a medidas suscetíveis de prevenir o recurso abusivo sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, de converter estes contratos ou relações laborais a termo em contratos ou relações de trabalho sem termo, constituindo a estabilidade do emprego que estas conferem o elemento mais importante para a proteção dos trabalhadores (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, Rossato e Conservatorio di Musica F.A.Bonporti, C‑494/17, EU:C:2019:387, n.° 39).

97      Cabe, assim, às autoridades nacionais adotar medidas proporcionadas, eficazes e dissuasivas para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do Acordo‑Quadro, as quais podem prever, para esse efeito, a conversão de contratos ou relações laborais a termo em contratos ou relações laborais sem termo. Contudo, quando se tenha verificado um recurso abusivo a sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, devem poder ser aplicadas medidas para punir devidamente este abuso e eliminar as consequências da violação do Acordo‑Quadro [v. Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.° 61 e jurisprudência referida].

98      Assim, o Tribunal de Justiça indicou que, para que uma legislação nacional que proíbe, no setor público, a conversão de sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo num contrato de trabalho sem termo, possa ser considerada conforme com o Acordo‑Quadro, o ordenamento jurídico interno do Estado‑Membro em causa deve prever, neste setor, outra medida efetiva para evitar e, sendo caso disso, punir a utilização abusiva de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo [v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Ministero della Giustizia e o. (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑236/20, EU:C:2022:263, n.° 62 e jurisprudência referida].

99      Resulta do que precede que uma legislação que prevê uma norma imperativa segundo a qual, em caso de recurso abusivo a contratos ou relações de trabalho a termo, estes contratos ou relações de trabalho se convertem numa relação laboral sem termo, é suscetível de conter uma medida que pune efetivamente essa utilização abusiva e, por conseguinte, deve ser considerada conforme com o artigo 5.° do Acordo‑Quadro (Acórdão de 8 de maio de 2019, Rossato e Conservatorio di Musica F.A.Bonporti, C‑494/17, EU:C:2019:387, n.° 40 e jurisprudência referida).

100    No caso em apreço, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 5.° da Diretiva 1999/70 não foi corretamente transposto para o ordenamento jurídico espanhol, uma vez que este não prevê nenhuma medida efetiva que permita punir o abuso resultante de uma sucessão de contratos ou de relações de trabalho a termo. Este órgão jurisdicional também especifica que resulta do artigo 23.° da Constituição, em conjugação com as disposições do EBEP, que o benefício do estatuto dos funcionários é reservado às pessoas que tenham concluído com êxito um processo de seleção destinado a adquirir este estatuto e que respeite os princípios da igualdade, da publicidade, do mérito, da aptidão e da livre concorrência. Assim, a conversão dos sucessivos contratos ou relações laborais a termo em causa no processo principal numa relação laboral sem termo que implica a aquisição do estatuto de funcionário, enquanto medida que sanciona a utilização abusiva destes sucessivos contratos ou relações a termo, pode ser contrária, nomeadamente, à Constituição. Por outro lado, segundo esse órgão jurisdicional, tal conversão também é contrária à jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal).

101    A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou que, do ponto de vista do seu conteúdo, o artigo 5.°, n.° 1, do Acordo‑Quadro não se afigura incondicional e suficientemente preciso para poder ser invocado por um particular perante um juiz nacional. Com efeito, por força desta disposição, faz parte do poder de apreciação dos Estados‑Membros a possibilidade de, a fim de prevenir a utilização abusiva de contratos ou relações de trabalho a termo, recorrerem a uma ou várias das medidas enunciadas no referido artigo, ou ainda a medidas legais existentes equivalentes, tendo em conta as necessidades de setores específicos e/ou de categorias de trabalhadores. Além disso, não é possível determinar de forma suficiente a proteção mínima que, em todo o caso, deve ser aplicada ao abrigo do artigo 5.°, n.° 1, do Acordo‑Quadro [Acórdão de 11 de fevereiro de 2021, M.V. e o. (Sucessão de contratos de trabalho a termo no setor público), C‑760/18, EU:C:2021:113, n.° 64 e jurisprudência referida].

102    Porém, resulta de jurisprudência constante que, ao aplicar o direito interno, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados a interpretá‑lo, na medida possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa, para atingir o resultado por ela pretendido e cumprir, assim, o disposto no artigo 288.°, terceiro parágrafo, TFUE. Esta obrigação de interpretação conforme respeita a todas as disposições de direito nacional, tanto anteriores como posteriores a esta diretiva [Acórdão de 11 de fevereiro de 2021, M.V. e o. (Sucessão de contratos de trabalho a termo no setor público), C‑760/18, EU:C:2021:113, n.° 65 e jurisprudência referida].

103    A exigência de interpretação conforme do direito nacional é, com efeito, inerente ao sistema do Tratado FUE, uma vez que permite aos órgãos jurisdicionais nacionais garantir, no âmbito das suas competências, a plena eficácia do direito da União quando decidem dos litígios que lhes são submetidos [Acórdão de 11 de fevereiro de 2021, M.V. e o. (Sucessão de contratos de trabalho a termo no setor público), C‑760/18, EU:C:2021:113, n.° 66 e jurisprudência aí referida].

104    É certo que a obrigação de o juiz nacional tomar como referência o conteúdo de uma diretiva quando procede à interpretação das normas pertinentes do direito interno é limitada pelos princípios gerais de direito, designadamente os da segurança jurídica e da não retroatividade, e não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional [Acórdão de 11 de fevereiro de 2021, M.V. e o. (Sucessão de contratos de trabalho a termo no setor público), C‑760/18, EU:C:2021:113, n.° 67 e jurisprudência referida].

105    O princípio da interpretação conforme exige, no entanto, que os órgãos jurisdicionais nacionais façam tudo o que resultar da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e em aplicação dos métodos de interpretação por este reconhecidos, para garantir a plena eficácia da diretiva em causa e alcançar uma solução conforme ao objetivo por ela prosseguido [Acórdão de 11 de fevereiro de 2021, M.V. e o. (Sucessão de contratos de trabalho a termo no setor público), C‑760/18, EU:C:2021:113, n.° 68 e jurisprudência referida].

106    Além disso, o Tribunal de Justiça afirmou que, uma vez que o princípio da proteção jurídica efetiva constitui um princípio geral do direito da União, aliás reconhecido no artigo 47.° da Carta, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais, na falta de uma medida que transponha corretamente a Diretiva 1999/70 para o direito espanhol, garantir a proteção jurídica que decorre para os particulares das disposições do direito da União, bem como garantir a plena eficácia destas disposições (v, neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Gavieiro Gavieiro e Iglesias Torres, C‑444/09 e C‑456/09, EU:C:2010:819, n.° 75 e jurisprudência referida).

107    Cabe, por isso, ao juiz nacional dar às disposições pertinentes do direito interno, na medida do possível e quando tenha ocorrido uma utilização abusiva de sucessivos contratos ou relações laborais a termo, uma interpretação e aplicação capazes de punir devidamente este abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União. Neste contexto, cabe a este juiz nacional apreciar se as disposições pertinentes do direito nacional, incluindo as de nível constitucional, podem, sendo caso disso, ser interpretadas em conformidade com o artigo 5.° do Acordo‑Quadro, a fim de garantir a plena eficácia da Diretiva 1999/70 e alcançar uma solução conforme com o objetivo por ela prosseguido [v., por analogia, Acórdão de 11 de fevereiro de 2021, M.V. e o. (Sucessão de contratos de trabalho a termo no setor público), C‑760/18, EU:C:2021:113, n.° 69 e jurisprudência referida].

108    Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que a obrigação de interpretação conforme exige que, sendo caso disso, os órgãos jurisdicionais nacionais alterem uma jurisprudência assente se esta se basear numa interpretação do direito interno incompatível com os objetivos de uma diretiva. Por conseguinte, um órgão jurisdicional nacional não pode, nomeadamente, considerar validamente que lhe é impossível interpretar uma disposição nacional em conformidade com o direito da União pelo simples facto de esta disposição ter sido interpretada, de forma constante, num sentido que não é compatível com este direito (Acórdão de 3 de junho de 2021, Instituto Madrileño de Investigación y Desarrollo Rural, Agrario y Alimentario, C‑726/19, EU:C:2021:439, n.° 86 e jurisprudência referida).

109    Resulta de todos os elementos que precedem, primeiro, que, caso o órgão jurisdicional de reenvio considere que o ordenamento jurídico interno em causa não comporta, no setor público, uma medida efetiva para evitar e, sendo caso disso, punir, a utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, como os que estão em causa no processo principal, a conversão desses contratos ou dessas relações laborais numa relação de trabalho sem termo é suscetível de constituir tal medida.

110    Segundo, se, nessa hipótese, o órgão jurisdicional de reenvio considerar, além disso, que a jurisprudência assente do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) se opõe a essa conversão, este órgão jurisdicional deve então deixar de aplicar essa jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), caso a mesma assente numa interpretação das disposições da Constituição incompatível com os objetivos da Diretiva 1999/70 e, nomeadamente, do artigo 5.° do Acordo‑Quadro.

111    Terceiro, essa conversão é suscetível de constituir uma medida suscetível de punir de maneira efetiva a utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo, desde que não implique uma interpretação contra legem do direito nacional.

112    Ora, no caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a conversão dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo em causa no processo principal numa relação laboral sem termo, no âmbito da qual as demandantes no processo principal estariam sujeitas aos mesmos motivos de resolução e de despedimento que os aplicáveis aos funcionários públicos sem, no entanto, adquirirem o estatuto de funcionário público propriamente dito, constituiria uma medida sancionatória, em conformidade com o artigo 5.° do Acordo‑Quadro. Segundo este órgão jurisdicional, esta medida sancionatória não implica uma interpretação contra legem do direito nacional.

113    No âmbito das segunda a quarta questões submetidas no processo C‑332/22, o órgão jurisdicional de reenvio também pergunta, em substância, se o princípio da equivalência do direito da União impõe que se conceda aos trabalhadores do setor público contratados a termo, que foram objeto de uma utilização abusiva dos seus sucessivos contratos ou relações laborais a termo, o estatuto de funcionários públicos ou de trabalhadores por tempo indeterminado, uma vez que, nomeadamente, o artigo 15.° do Estatuto dos Trabalhadores impõe essa solução no setor privado.

114    A este respeito, importa salientar que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, que é o único a ter um conhecimento direto dos direitos conferidos pelas disposições nacionais, verificar se, de acordo com a jurisprudência referida nos n.os 86 a 89 do presente acórdão, o princípio da equivalência é aplicável e, sendo caso disso, respeitado.

115    Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à segunda, quarta e quinta questões submetidas no processo C‑331/22 e à segunda a quarta questões submetidas no processo C‑332/22 que o artigo 5.° do Acordo‑Quadro, lido à luz do artigo 47.° da Carta, deve ser interpretado no sentido de que, na falta de medidas adequadas previstas no direito nacional para evitar e, sendo caso disso, punir, em aplicação deste artigo 5.°, os abusos decorrentes da celebração de sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo, a conversão destes sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo num contrato ou relação de trabalho por tempo indeterminado é suscetível de constituir tal medida, desde que essa conversão não implique uma interpretação contra legem do direito nacional.

 Quanto às despesas

116    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

1)      O artigo 5.° do AcordoQuadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que consta do anexo da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao AcordoQuadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a uma legislação nacional segundo a qual o recurso a sucessivos contratos de trabalho ou a relações laborais a termo no setor público se torna abusivo quando a Administração Pública em causa não respeita os prazos previstos no direito interno para prover o posto ocupado pelo trabalhador contratado a termo em causa, uma vez que, nessa situação, esses sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo satisfazem necessidades que não são temporárias, mas permanentes e duradouras desta Administração.

2)      O artigo 5.° do AcordoQuadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que consta do anexo da Diretiva 1999/70, lido à luz dos princípios da proporcionalidade e da reparação integral dos danos sofridos,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma jurisprudência e legislação nacionais que preveem como medidas destinadas a punir a utilização abusiva de sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo, respetivamente, a manutenção do trabalhador em causa até que sejam organizados e concluídos processos de seleção pela Administração empregadora, bem como a organização desses processos e o pagamento de uma indemnização que fixa um duplo limite máximo unicamente a favor deste trabalhador que não foi aprovado nestes processos de seleção, quando estas medidas não sejam proporcionadas ou suficientemente eficazes e dissuasivas para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do referido artigo 5.°

3)      O artigo 5.° do AcordoQuadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que consta do anexo da Diretiva 1999/70, lido à luz do artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

na falta de medidas adequadas previstas no direito nacional para evitar e, sendo caso disso, punir, em aplicação deste artigo 5.°, os abusos decorrentes da celebração de sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo, a conversão destes sucessivos contratos ou relações de trabalho a termo num contrato ou relação de trabalho por tempo indeterminado é suscetível de constituir tal medida, desde que essa conversão não implique uma interpretação contra legem do direito nacional.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.