Language of document : ECLI:EU:C:2005:644

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

27 de Outubro de 2005 (*)

«Liberdade de estabelecimento – Livre prestação de serviços – Directiva 92/50/CEE – Contratos públicos de prestação de serviços – Princípio da não discriminação – Serviços sanitários de terapias respiratórias domiciliárias – Condição de admissão – Critérios de avaliação»

No processo C‑234/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Audiencia Nacional (Espanha), por decisão de 16 de Abril de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Junho de 2003, no processo

Contse SA,

Vivisol Srl,

Oxigen Salud SA

contra

Instituto Nacional de Gestión Sanitaria (Ingesa), anterior Instituto Nacional de la Salud (Insalud),

sendo intervenientes

Air Liquide Medicinal SL,

Sociedad Española de Carburos Metálicos SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas (relator), presidente de secção, J. Malenovský, J.‑P. Puissochet, S. von Bahr e U. Lõhmus, juízes,

advogada‑geral: C. Stix‑Hackl,

secretária: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de Janeiro de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Contse SA, da Vivisol Srl e da Oxigen Salud SA, por R. García‑Palencia, e C. Urda Serrano, abogados,

–        em representação do Instituto Nacional de Gestión Sanitaria (Ingesa), anterior Instituto Nacional de la Salud (Insalud), por M. Gómez Montes, procurador, e J‑M. Pérez‑Gómez, abogado,

–        em representação do Governo espanhol, por S. Ortiz Vaamonde, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo austríaco, por M. Fruhmann, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Valero Jordana e K. Wiedner, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 12.° CE, 43.° CE e seguintes e 49.° CE e seguintes, bem como do artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de prestação de serviços (JO L 209, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Contse SA (a seguir «Contse»), a Vivisol Srl e a Oxigen Salud SA (formando as três um grupo provisório de empresas que possui instalações de produção de oxigénio em Itália e na Bélgica) ao Instituto Nacional de la Salud (Instituto nacional de saúde, a seguir «Insalud»). As referidas recorrentes interpuseram recurso, por um lado, de dois concursos lançados por este último para serviços de terapias respiratórias domiciliárias e outras técnicas de ventilação assistida no território das províncias de Cáceres e de Badajoz, respectivamente, e, por outro, da decisão da Presidencia Ejecutiva de l’Insalud, de 10 de Julho de 2000, que indeferiu as reclamações apresentadas desses concursos.

 Quadro jurídico

3        O artigo 12.° CE dispõe que, no âmbito de aplicação do Tratado CE, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

4        Os artigos 43.° CE e 49.° CE consagram, respectivamente, a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços. Estas disposições são uma expressão específica do princípio da não discriminação.

5         A Directiva 92/50 contém igualmente uma expressão desse mesmo princípio no seu artigo 3.°, n.° 2, ao precisar que as entidades adjudicantes assegurarão que não se verifique qualquer discriminação entre os vários prestadores de serviços.

 Matéria de facto e litígio no processo principal

6        Por duas decisões de 24 de Maio de 2000, o Insalud lançou concursos para a prestação de serviços de terapias respiratórias domiciliárias e outras técnicas de ventilação assistida no território das províncias de Cáceres e de Badajoz, respectivamente (a seguir «concursos controvertidos»).

7        O caderno de encargos, as cláusulas administrativas particulares e as especificações técnicas desses dois concursos prevêem, por um lado, condições de admissão e, por outro, critérios de avaliação.

8        As condições de admissão, que não são objecto de nenhuma apreciação, devem estar obrigatoriamente preenchidas no momento da apresentação da proposta.

9        A este respeito, está estipulado que a entidade proponente deve dispor pelo menos de um escritório aberto ao público, acessível no mínimo oito horas diárias, de manhã e à tarde, cinco dias por semana, na capital da província em questão (a seguir «condição de admissão»).

10      Resulta dos autos que os critérios de avaliação incidem sobre determinadas características económicas e técnicas, às quais são atribuídos pontos. No presente caso, de um máximo de 140 pontos que podem ser atribuídos, 40 dizem respeito ao aspecto económico da proposta e 100 são relativos aos critérios de avaliação técnica desta.

11      Além da apresentação de um certificado de qualidade (pelo qual são atribuídos 20 pontos), as especificações técnicas são repartidas em diferentes secções: equipamentos (35 pontos), prestação do serviço (35 pontos), informação ao paciente (5 pontos) e informação de controlo da prestação (5 pontos).

12      Na secção «equipamentos», na parte relativa ao fornecimento de oxigénio por cilindro de gás sob pressão, está estipulado que se atribui um montante máximo de 4,6 pontos, determinado em função da produção total anual, no caso de o proponente possuir, no momento da apresentação das propostas, pelo menos duas instalações de produção de oxigénio situadas a menos de 1 000 km da província em questão. Atribui‑se igualmente meio ponto se o proponente possuir, no momento da apresentação das propostas, respectivamente, por um lado, pelo menos uma instalação de embalagem de cilindros e, por outro, pelo menos uma instalação de engarrafamento de oxigénio, todas situadas a menos de 1 000 km da província em questão.

13      Na secção «prestação do serviço», a existência, no momento da apresentação das propostas, de escritórios abertos ao público, acessíveis pelo menos oito horas por dia, de manhã e à tarde, cinco dias por semana, em determinados lugares da província em questão, pode conduzir à atribuição de um máximo de 0,9 pontos suplementares (0,3 pontos por cada uma das três cidades mencionadas nos concursos controvertidos).

14      O contrato é atribuído à entidade proponente que apresente a proposta que contabilize mais pontos. Em caso de igualdade de pontos, vence a proposta que tenha a melhor avaliação técnica. Se a igualdade persistir, será seleccionada a empresa que tenha fornecido anteriormente o mesmo serviço.

15      As recorrentes no processo principal apresentaram reclamações dos concursos controvertidos que foram indeferidas, em 10 de Julho de 2000, por decisão da Presidencia Ejecutiva do Insalud.

16      Seguidamente, as recorrentes no processo principal interpuseram recurso dessa decisão e dos concursos controvertidos para o Juzgado Central de lo Contencioso‑Administrativo de Madrid que o julgou improcedente em 20 de Setembro de 2001. Desta última decisão foi interposto recurso para o órgão jurisdicional de reenvio.

17      As recorrentes no processo principal sustentam, por um lado, que determinados elementos dos concursos controvertidos, descritos nos pontos 8 a 14 do presente acórdão (a seguir «elementos impugnados»), violam os artigos 12.° CE, 43.° CE e 49.° CE, bem como o artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 92/50, e pediram, por outro, que o órgão jurisdicional de reenvio coloque uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça quanto a este aspecto.

18      O Insalud sustenta que os elementos impugnados dos concursos controvertidos são legítimos, na medida em que a natureza sanitária do serviço em causa e a categoria particularmente vulnerável dos pacientes que dele dependem obrigam as autoridades competentes não somente a garantir, em qualquer momento, a prestação do serviço mas igualmente a ter em conta e a avaliar as circunstâncias, de forma a diminuir os riscos inerentes a qualquer actividade humana, privilegiando a proposta que minimize os referidos riscos.

19      Nestas condições, a Audiencia Nacional decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«As normas dos artigos 12.° CE, 43.° CE e seguintes e 49.° CE e seguintes, bem como do artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 92/50 [...], opõem‑se à inclusão, nas condições e cláusulas administrativas específicas e nas prescrições técnicas que regem os concursos públicos relativos a serviços de terapias respiratórias domiciliárias e outras técnicas de ventilação assistida, de:

1)      requisitos que condicionam a admissão das empresas ao facto de disporem previamente de escritório aberto ao público na província ou na capital da província em que o serviço será prestado; e de

2)      critérios de adjudicação que favoreçam as propostas apresentadas por empresas que

a)      disponham de instalações próprias de produção, de acondicionamento e de engarrafamento de oxigénio, situadas num raio de 1 000 km à volta da capital da província em que o serviço será prestado,

b)      disponham anteriormente de escritórios abertos ao público em determinadas localidades da mesma província ou

c)      já forneciam o serviço?»

 Questão prejudicial

20      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 12.° CE, 43.° CE e 49.° CE, bem como o artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 92/50, se opõem a que uma entidade adjudicante preveja, no caderno de encargos de um concurso público de prestação de serviços sanitários de terapias respiratórias domiciliárias e outras técnicas de ventilação assistida, por um lado, uma condição de admissão que obriga a que a empresa proponente disponha, no momento da apresentação da proposta, de um escritório aberto ao público na capital da província onde o serviço será fornecido e, por outro, critérios de avaliação das propostas que têm em conta, através da atribuição de pontos suplementares, o facto de o proponente possuir, no mesmo momento, instalações próprias de produção, de acondicionamento e de engarrafamento de oxigénio situadas a menos de 1 000 km da referida província, ou escritórios abertos ao público noutras localidades específicas da mesma, e que, em caso de igualdade de pontos entre as diferentes propostas, favorecem a empresa que geria anteriormente o serviço em causa.

21      As recorrentes no processo principal, a Comissão das Comunidades Europeias e o Governo austríaco propõem que se responda afirmativamente a essa questão. O Insalud e o Governo espanhol sustentam a tese inversa.

22      A título preliminar, deve recordar‑se que o processo principal, contrariamente ao que sustenta o Governo espanhol, diz respeito aparentemente a um contrato público de prestação de serviços e não a um contrato de gestão de um serviço qualificado como concessão. Com efeito, como o Insulad indicou na audiência, a Administração espanhola continua responsável por todo o prejuízo sofrido devido a um incumprimento no serviço. Este elemento, que implica uma ausência de transferência dos riscos ligados à prestação do serviço em causa, e o facto de o serviço ser remunerado pela Administração sanitária espanhola sustentam esta conclusão. Compete, contudo, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar que efectivamente é esse o caso.

23      De qualquer modo, uma vez que as questões do tribunal de reenvio se centram sobre as regras fundamentais previstas no Tratado, as considerações que seguem ser‑lhe‑ão igualmente úteis na hipótese de se tratar de uma concessão de serviço público não previsto pela Directiva 92/50. Com efeito, é à luz do direito primário e, em especial, das liberdades fundamentais previstas pelo Tratado que devem ser analisadas as consequências do direito comunitário no que se refere à adjudicação de tais concessões (v., designadamente, acórdão de 21 de Julho de 2005, Coname, C‑231/03, Colect., p. I‑0000, n.° 16).

24      Essas regras fundamentais, referidas pelo tribunal de reenvio, são de duas ordens. Por um lado, os artigos 43.° CE e seguintes relativos à liberdade de estabelecimento e, por outro, os artigos 49.° CE e seguintes relativos à livre prestação de serviços.

25      Há que recordar, como fizeram todas as partes que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, que, abstraindo do artigo 46.° CE, as medidas nacionais susceptíveis de afectar ou de tornar menos atraente o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado, segundo jurisprudência assente, devem preencher quatro condições para serem compatíveis com os artigos 43.° CE e 49.° CE: aplicarem‑se de modo não discriminatório, justificarem‑se por razões imperiosas de interesse geral, serem adequadas para garantir a realização do objectivo que prosseguem e não ultrapassarem o que é necessário para atingir esse objectivo (v. acórdãos de 31 de Março de 1993, Kraus, C‑19/92, Colect., p. I‑1663, n.° 32; de 30 de Novembro de 1995, Gebhard, C‑55/94, Colect., p. I‑4165, n.° 37; e de 6 de Novembro de 2003, Gambelli e o., C‑243/01, Colect., p. I‑13031, n.os 64 e 65).

26      Assim, há que examinar atentamente os elementos impugnados dos concursos controvertidos, a fim de verificar se esses elementos são susceptíveis de perturbar ou de tornar menos atractivo o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado por empresas com sede fora de Espanha.

27      Na medida em que tais elementos não constituem obstáculos ao estabelecimento de empresas no território espanhol, deve concluir‑se, em primeiro lugar, que não existe nenhuma restrição à liberdade de estabelecimento no caso vertente.

28      Em segundo lugar, há que analisar se os referidos elementos constituem uma restrição à livre prestação de serviços.

29      A esse respeito, é pacífico que o Insulad é o principal destinatário dos serviços em causa, na medida em que o sector público representa 90% dos pedidos de terapias respiratórias domiciliárias. Assim, a Comissão observa, com razão, que a condição de admissão gera, para as empresas, uma série de custos cuja amortização só é possível se o contrato lhes for atribuído, tendo este facto por efeito tornar bem menos atractiva a apresentação de uma proposta. O mesmo se passa relativamente ao critério de avaliação nos termos do qual são concedidos pontos suplementares se o proponente já possuir escritório aberto nas cidades designadas nos avisos de concurso.

30      No que respeita aos critérios de avaliação relativos às instalações de produção, de acondicionamento e de engarrafamento de oxigénio, é evidente que, a menos que já disponha dessas instalações próprias, situadas no raio previsto de 1 000 km, uma empresa pode ser prejudicada na apresentação de uma proposta.

31      Por fim, o facto de, em último lugar, a forma de desempatar dois proponentes que tenham o mesmo número de pontos operar em favor da empresa que já esteja estabelecida no mercado espanhol em causa é susceptível de tornar menos atraente a submissão de uma proposta por outra empresa, devido, designadamente, à grande homogeneidade do mercado.

32      Com efeito, resulta dos autos que o mercado espanhol de gás de uso médico é controlado em 97% por quatro empresas multinacionais. Além disso, como a Contse observou, sem ter sido contradita quanto a este ponto, não pode existir grande diferença entre os participantes no que concerne ao número de pontos atribuídos pelos aspectos técnicos devido ao facto de todos os proponentes utilizarem equipamentos técnicos idênticos que só são produzidos por duas ou três empresas.

33      Assim, deve concluir‑se que os elementos impugnados dos concursos controvertidos são todos susceptíveis de perturbar ou de tornar menos atractivo o exercício da livre prestação de serviços, conforme garantida pelo Tratado. Consequentemente, há que verificar se cada um dos elementos impugnados preenche as quatro condições que resultam da jurisprudência referida no n.° 25 do presente acórdão.

34      Ora, no âmbito da repartição de competências entre os órgãos jurisdicionais comunitários e nacionais, é, em princípio, da competência do órgão jurisdicional nacional verificar se estão reunidas tais condições no processo nele pendente. É certo que o Tribunal de Justiça, decidindo a título prejudicial, pode, se necessário, dar esclarecimentos que permitam guiar o órgão jurisdicional nacional na sua interpretação (v., neste sentido, acórdão de 17 de Outubro de 2002, Payroll e o., C‑79/01, Colect., p. I‑8923, n.os 28 e 29). Para o efeito, em resposta às questões prejudiciais submetidas pelo tribunal de reenvio, compete a este tomar em consideração os elementos precisados nos pontos seguintes.

 Condição de admissão

35      Em primeiro lugar, é necessário que a medida nacional se aplique de forma não discriminatória.

36      A este respeito, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, o princípio da igualdade, do qual o artigo 49.° CE é uma expressão específica, proíbe não apenas as discriminações ostensivas baseadas na nacionalidade mas ainda todas as formas dissimuladas de discriminação que, através da aplicação de outros critérios de distinção, conduzam, de facto, ao mesmo resultado (v. acórdãos de 29 de Outubro de 1980, Boussa Saint‑Frères, 22/80, Recueil, p. 3427, n.° 9, e de 5 de Dezembro de 1989, Comissão/Itália, C‑3/88, Colect., p. I‑4035, n.° 8).

37      Ora, se bem que a condição de admissão seja indistintamente aplicável a qualquer empresa que tenha a intenção de responder ao concurso em questão, compete ao juiz nacional verificar se essa condição é mais facilmente preenchida pelos operadores espanhóis do que pelos estabelecidos noutro Estado‑Membro. Nessa hipótese, esse critério viola o princípio da aplicação não discriminatória (v., nesse sentido, acórdão Gambelli e o., já referido, n.° 71).

38      Importa, contudo, sublinhar que, na falta de restrições à liberdade de estabelecimento, o próprio facto de dispor de um escritório aberto ao público na capital da província em que o serviço irá ser fornecido não representaria um grande obstáculo para os operadores estrangeiros.

39      Em segundo lugar, a medida nacional deve justificar‑se por razões imperiosas de interesse geral.

40      No presente caso, é pacífico que a condição de admissão, bem como os outros elementos impugnados dos concursos controvertidos, destinam‑se a garantir da melhor forma a protecção da vida e da saúde dos pacientes.

41      Em terceiro e quarto lugar, a medida nacional deve ser adequada à realização do objectivo prosseguido e não ultrapassar o necessário para o atingir.

42      Sobre este ponto, a Comissão e a Contse consideram que a condição de dispor, no momento da apresentação da proposta, de um escritório aberto ao público na capital da província em questão é inútil relativamente ao objectivo, identificado supra, de melhor garantir a protecção da vida e da saúde dos pacientes. O Insalud considera, pelo contrário, que a existência de tal escritório serve para atingir esse objectivo.

43      Mesmo supondo que a existência desse escritório pudesse ser considerada adequada para garantir a saúde dos pacientes, é forçoso observar que a exigência de dispor dele no momento da apresentação da proposta é manifestamente desproporcionada.

44      Com efeito, o argumento do Governo espanhol que, ao observar que a finalidade de um concurso é verificar quais são as empresas que já dispõem dos meios necessários à prestação do serviço em causa, equipara o escritório aberto a outro equipamento necessário para a prestação do serviço não pode ser acolhido.

45      A esse respeito, a Comissão considera, com razão, que esse escritório não é um elemento essencial da prestação do serviço em causa. Com efeito, as condições mínimas já exigem a instituição de um serviço de suporte técnico, acessível a toda a hora, sete dias por semana, o que leva a que se garanta, por meios menos restritivos da livre prestação de serviços, a realização, num primeiro momento, do objectivo prosseguido no presente caso, a saber, não pôr em perigo a vida ou a saúde dos pacientes em caso de problema de funcionamento ou de manuseamento do equipamento.

46      Além disso, como a Contse referiu, prevê‑se um período transitório, no decurso do qual a empresa que já fornecia o serviço em causa transfere a gestão do mesmo à nova entidade adjudicatária, se necessário, a fim de assegurar que os serviços aos pacientes são prestados de forma ininterrupta. Importa reparar que, nesse caso, o adjudicatário é obrigado a remunerar a empresa que continua a fornecer serviços segundo uma fórmula elaborada nas cláusulas administrativas particulares do concurso. A remuneração aumenta todos os meses até ao terceiro mês a partir da concessão do contrato. Se a nova entidade adjudicatária ainda não tiver assumido a totalidade das prestações exigidas, o contrato pode ser resolvido.

 Critérios de avaliação

47      A título preliminar, há que recordar que, se é verdade que a Directiva 92/50 se aplica, com toda a evidência, aos concursos controvertidos, é imperioso observar que o serviço em questão no presente caso figura no anexo I B dessa directiva. Ora, nos termos do artigo 9.° da mesma, só se aplicam a esses serviços os artigos 14.° e 16.° e as disposições gerais do título I, incluindo o artigo 3.°, n.° 2, referido pelo tribunal nacional, e as disposições finais do título VII da mesma directiva. O referido artigo 14.° refere‑se às regras comuns no domínio técnico e o referido artigo 16.° ao anúncio relativo aos resultados do processo de adjudicação.

48      Assim, e para dar uma resposta útil ao tribunal nacional, há que precisar que os elementos impugnados dos concursos controvertidos não estão, seja como for, sujeitos ao capítulo 3, intitulado «Critérios de adjudicação dos contratos», do título VI da Directiva 92/50, nem às limitações que prevê.

49      Deve, além disso, recordar‑se que os critérios de avaliação, como qualquer medida nacional, devem respeitar o princípio da não discriminação conforme resulta das disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços, e que as restrições a esta última devem respeitar, por sua vez, as quatro condições desenvolvidas pela jurisprudência referida no n.° 25 do presente acórdão.

50      Ora, como já foi precisado no n.° 34 do presente acórdão, compete ao tribunal nacional verificar se essas condições estão preenchidas no processo que nele decorre, tendo em conta os elementos precisados nos números seguintes.

51      No que respeita, antes de mais, à aplicação de forma não discriminatória do critério pelo qual são atribuídos pontos suplementares se o proponente dispuser de escritórios abertos ao público em determinadas cidades da província em que o serviço será prestado, verifica‑se, como foi exposto para a condição de admissão, que esse critério se aplica, por si mesmo, indistintamente a qualquer empresa que deseja apresentar uma proposta.

52      Por outro lado, como foi observado no n.° 40 do presente acórdão, é pacífico que os elementos impugnados dos concursos controvertidos foram todos incluídos nos mesmos a fim de melhor garantir a vida e a saúde dos pacientes. O Insalud explica, além disso, que esses elementos se destinam mais precisamente a obviar aos problemas do fornecimento de oxigénio e de funcionamento do equipamento e a garantir a prestação adequada do serviço em causa sem atrasos inúteis nem danos para os pacientes.

53      De seguida, há que verificar se o referido critério é adequado à realização desse objectivo mas não ultrapassa o necessário para esse efeito.

54      A esse respeito, a Comissão retoma a argumentação que defendeu a propósito da condição de admissão, a saber, que dispor desses escritórios antes da execução do contrato é inútil e desproporcionado. A Contse, pelo seu lado, admite que esse critério, tendo em conta a finalidade de assistir os pacientes, pode ser compatível com o objectivo que se procura atingir, mas considera que um simples compromisso contratual de instalar esses escritórios em caso de adjudicação do contrato teria permitido atingir o referido objectivo. Nem o Insulad nem o Governo espanhol abordam especificamente esse critério de avaliação.

55      Sobre essa questão, e como foi precisado no n.° 43 do presente acórdão, mesmo supondo que a existência desses escritórios possa ser considerada adequada para garantir a saúde dos pacientes, é forçoso declarar que a exigência de dispor à partida dos mesmos no momento da apresentação da proposta é manifestamente desproporcionada, tanto mais quanto as condições mínimas já exigem, como foi observado no n.° 45 do presente acórdão, a criação de um serviço de suporte técnico.

56      Quanto aos critérios de avaliação relativos à propriedade de determinadas instalações de produção, de acondicionamento e de engarrafamento de oxigénio, situadas num raio de 1 000 km da província em que o serviço será fornecido, importa verificar se estes, se bem que aplicáveis indistintamente a qualquer empresa, podem favorecer, de facto, essencialmente as já estabelecidas em Espanha.

57      Com efeito, diversamente do facto de dispor de um escritório, condição que pode, pela sua natureza, ser preenchida várias vezes, ou até sempre que a adjudicação de um contrato o torna útil, a existência de uma instalação de produção, de armazenamento ou de engarrafamento que pertença ao proponente necessita de um investimento bem mais elevado que normalmente não se repete. A natureza deste último critério conduz a que não seja fácil remediar a sua falta, se essas instalações ainda não existirem. O facto de não ser exigida a simples disponibilidade mas a propriedade das instalações em causa só reforça a ideia de que esse critério visa, na realidade, favorecer a permanência.

58      Assim, só as empresas que já possuem essas instalações no território espanhol, ou fora do mesmo mas a uma distância sempre aquém dos 1 000 km da província em questão, podem beneficiar da atribuição dos pontos relativos a esses critérios.

59      Além disso, embora a zona geográfica que se situa num raio de 1 000 km à volta das províncias em questão, a saber, Cáceres e Badajoz, compreenda, além do território espanhol, todo o território português, só inclui uma parte da França e exclui a quase totalidade dos Estados‑Membros, de forma que as instalações que se encontrem, como no presente caso, na Bélgica ou em Itália, estão fora do raio previsto.

60      Como foi especificado no n.° 37 do presente acórdão, se o tribunal nacional considera que um critério é preenchido na prática mais facilmente pelos operadores espanhóis do que pelos estabelecidos noutro Estado‑Membro, esse critério viola o princípio da aplicação não discriminatória (v. acórdão, Gambelli e o., já referido, n.° 71).

61      De todo o modo, se a segurança do fornecimento pode fazer parte dos critérios a ter em consideração para determinar a proposta economicamente mais vantajosa no âmbito de um serviço como o que está em causa no litígio no processo principal, que se destina a proteger a vida e a saúde das pessoas, prevendo uma produção própria diversificada e próxima do lugar de consumo (v., por analogia, acórdão de 28 de Março de 1995, Evans Medical e Macfarlan Smith, C‑324/93, Colect., p. I‑563, n.° 44), há que concluir que esses critérios, no presente caso, não parecem ser adequados ao fim que se procura atingir em vários aspectos.

62      Em primeiro lugar, se bem que o Governo espanhol observe, com razão, que qualquer escolha de distância ou de unidade de tempo de transporte é arbitrária, é forçoso reconhecer que o critério de 1 000 km, considerado no presente caso, se revela inapto para garantir a realização do objectivo em causa.

63      Por um lado, o Governo espanhol não apresenta nenhum elemento em apoio da sua argumentação em que defende que os riscos de atraso, que aumentam proporcionalmente com a distância a percorrer, são menores graças ao controlo que as autoridades desse Estado‑Membro poderiam exercer no caso de surgir um problema no seu território. Por isso, não se pode considerar esse argumento.

64      Por outro lado, mesmo supondo que atravessar as fronteiras internas da Comunidade Europeia provoca os atrasos que o Governo espanhol crê poderem existir, o raio de 1 000 km, na medida em que ultrapassa as fronteiras espanholas, não é apto para alcançar o objectivo procurado.

65      Em segundo lugar, a Comissão observa, por um lado, que o oxigénio produzido nas instalações de produção é entregue aos centros de gaseificação, a fim de ser comprimido em garrafas, e, por outro, que existe nesses centros um stock de segurança de garrafas cheias suficiente, em caso de avaria, de paragem técnica ou de urgência, para garantir o fornecimento de oxigénio durante pelo menos quinze dias.

66      Assim, tal como a Contse observa, a proximidade das instalações de produção não garante a realização do objectivo de segurança de armazenamento. Compete ao tribunal nacional verificar se o caso é diferente no que respeita às instalações de armazenamento e de engarrafamento de oxigénio.

67      A prática confessada das empresas confirma, por outro lado, que existem meios menos restritivos da livre prestação de serviços para alcançar o objectivo prosseguido de uma disponibilidade determinada de gás para uso médico próxima do lugar de consumo. Trata‑se, como a Comissão e a Contse observam, de privilegiar, pela atribuição de pontos suplementares, depósitos de armazenamento intermédio, com um stock de gás destinado a compensar, eventualmente por um período preciso, as eventuais rupturas ou flutuações no transporte a partir das instalações de produção ou de engarrafamento.

68      Em último lugar, na medida em que a Comissão e a Contse criticam a importância atribuída à posse de instalações de produção, há que observar que as entidades adjudicantes têm liberdade não apenas para escolher os critérios de adjudicação do contrato mas também para determinar a ponderação dos mesmos, desde que esta permita uma avaliação sintética dos critérios tidos em conta a fim de identificar a proposta economicamente mais vantajosa (v., nesse sentido, acórdão de 4 de Dezembro de 2003, EVN e Wienstrom, C‑448/01, Colect., p. I‑14527, n.° 39). O mesmo aconteceria se o serviço em questão constasse do anexo I B da Directiva 92/50, o que poderia ser o caso nos concursos em causa e, consequentemente, estivesse incluído num regime menos restritivo de contratação.

69      Ora, há que constatar que, no processo principal, o critério relativo às instalações de produção não incide sobre a prestação que constitui o objecto do contrato, a saber, o fornecimento ao domicílio de oxigénio terapêutico, nem mesmo sobre a quantidade de gás que irá ser produzida, mas sobre a capacidade máxima de produção das instalações possuídas pelo proponente na medida em que são atribuídos pontos suplementares cada vez que um dos três limites de produção total é ultrapassado.

70      Por conseguinte, os critérios de avaliação relativos, no caso vertente, à atribuição de pontos suplementares para uma capacidade de produção sempre mais elevada não podem ser considerados relacionados com o objecto do contrato e, menos ainda, aptos a garantir a sua realização (v., por analogia, acórdão EVN e Wienstrom, já referido, n.° 68).

71      Por fim, mesmo supondo que os referidos critérios são ditados pela preocupação de garantir a segurança de abastecimento, e, portanto, que estão ligados ao objectivo procurado nos concursos controvertidos e são aptos a realizar o mesmo, há que observar que não se pode validamente erigir em critério de atribuição a capacidade do proponente de fornecer a maior quantidade possível de produto (v. neste sentido, acórdão EVN e Wienstrom, já referido, n.° 70).

72      A esse respeito, há que recordar que os concursos controvertidos prevêem, como condições para apresentar uma proposta, que o proponente disponha de mais de uma fonte de produção e de engarrafamento e seja capaz de produzir pelo menos 400 000 m3 por ano, no âmbito do concurso relativo à província de Cáceres, e 550 000 m3 por ano, no âmbito do relativo à província de Badajoz. Resulta dos autos que esses valores representam, respectivamente, cerca de 75% e 80% do consumo previsto para o primeiro ano do contrato em causa.

73      Além disso, há que referir que o primeiro dos três limites previstos nos concursos controvertidos, a saber, uma produção total anual para cada um dos concursos de, respectivamente, pelo menos 800 000 m3 e 1 000 000 m3, cuja ultrapassagem implica, nos dois casos, a atribuição de 1,3 pontos, corresponde a um volume que ultrapassa o consumo total previsto para o quarto e último ano do mercado em causa. Assim, uma capacidade de produção total anual desse nível pode, eventualmente, ser considerada necessária ao objectivo de garantir a segurança de aprovisionamento, recordado no n.° 71 do presente acórdão.

74      Contudo, os critérios de avaliação sob apreciação vão além dessa necessidade. Com efeito, ainda são atribuídos 1,3 pontos em caso de passagem de um limite de produção total anual, respectivamente, de pelo menos 1 200 000 m3 e 1 500 000 m3, bem como 2 pontos suplementares se essa produção for, respectivamente, de pelo menos 1 600 000 m3 e 2 000 000 m3.

75      Importa reparar que estes últimos valores, que correspondem ao terceiro limite de produção total anual, representam, cada um, o dobro do valor constitutivo do primeiro limite, especificado no n.° 73 do presente acórdão.

76      Daqui resulta que, na medida em que é atribuído um máximo de pontos aos proponentes que apresentem uma capacidade de produção largamente superior ao consumo previsível no âmbito dos concursos controvertidos, quando o primeiro limite já se afigura adequado para garantir, na medida do possível, a disponibilidade certa de gás, os critérios de avaliação considerados no caso vertente, no que respeita à atribuição de pontos suplementares no caso de excederem o segundo e o terceiro limite de produção total anual, são incompatíveis com as exigências de direito comunitário na matéria (v., por analogia, acórdão EVN e Wienstrom, já referido, n.° 71).

77      Por fim, no que concerne à forma de desempatar dois proponentes que tenham o mesmo número de pontos, o critério de atribuição utilizado só se aplica em caso de igualdade não apenas global mas também técnica entre duas propostas que tenham o mesmo número de pontos e beneficia o que já geria o serviço há mais tempo.

78      As condições a preencher, expostas supra, também são válidas para esse critério. Ora, resolver automática e definitivamente em favor do operador já presente no mercado em causa é discriminatório.

79      Resulta de todas as considerações antecedentes que o artigo 49.° CE se opõe a que uma entidade adjudicante preveja, no caderno de encargos de um concurso público de prestação de serviços sanitários de terapias respiratórias domiciliárias e outras técnicas de ventilação assistida, por um lado, uma condição de admissão que obriga a que a empresa proponente disponha, no momento da apresentação da proposta, de um escritório aberto ao público na capital da província onde o serviço será fornecido e, por outro, critérios de avaliação das propostas que têm em conta, através da atribuição de pontos suplementares, o facto de o proponente possuir, no mesmo momento, instalações próprias de produção, de acondicionamento e de engarrafamento de oxigénio, situadas a menos de 1 000 km da referida província, ou escritórios abertos ao público noutras localidades específicas da mesma, e que, em caso de igualdade de pontos entre as diferentes propostas, favorecem a empresa que geria há mais tempo o serviço em causa, sempre que esses elementos se apliquem de forma discriminatória, não se justifiquem por razões imperiosas de interesse geral, não sejam adequados para garantir o objectivo que prosseguem ou ultrapassem o que é necessário para o atingir, o que compete ao tribunal nacional verificar.

 Quanto às despesas

80      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 49.° CE opõe‑se a que uma entidade adjudicante preveja, no caderno de encargos de um concurso público de prestação de serviços sanitários de terapias respiratórias domiciliárias e outras técnicas de ventilação assistida, por um lado, uma condição de admissão que obriga a que a empresa proponente disponha, no momento da apresentação da proposta, de um escritório aberto ao público na capital da província onde o serviço será fornecido e, por outro, critérios de avaliação das propostas que têm em conta, através da atribuição de pontos suplementares, o facto de o proponente possuir, no mesmo momento, instalações próprias de produção, de acondicionamento e de engarrafamento de oxigénio, situadas a menos de 1 000 km da referida província, ou escritórios abertos ao público noutras localidades específicas da mesma, e que, em caso de igualdade de pontos entre as diferentes propostas, favorecem a empresa que geria há mais tempo o serviço em causa, sempre que esses elementos se apliquem de forma discriminatória, não se justifiquem por razões imperiosas de interesse geral, não sejam adequados para garantir o objectivo que prosseguem ou ultrapassem o que é necessário para o atingir, o que compete ao tribunal nacional verificar.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.