Language of document : ECLI:EU:C:2015:271

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PEDRO CRUZ VILLALÓN

apresentadas em 23 de abril de 2015 (1)

Processo C‑110/14

Horațiu Ovidiu Costea

contra

SC Volksbank România SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Judecătoria Oradea (Roménia)]

«Proteção dos consumidores — Conceito de consumidor na aceção do artigo 2.°, alínea b), da Diretiva 93/13/CEE — Contrato de crédito celebrado por uma pessoa singular que exerce a profissão de advogado — Crédito garantido por um imóvel propriedade do escritório de advocacia do mutuário — Relevância dos conhecimentos e da profissão na qualidade de consumidor — Determinação do destino do crédito — Contratos com dupla finalidade na aceção do considerando 17 da Diretiva 2011/83/UE — Incidência do contrato adicional no contrato principal»





1.        A presente questão prejudicial, submetida pelo Judecătoria Oradea (Roménia), dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se pronunciar sobre o conceito de consumidor na aceção do artigo 2.°, alínea b) da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (a seguir «diretiva») (2), nos termos do qual o «consumidor» é qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela referida diretiva, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional.

2.        Embora o conceito de consumidor tenha sido objeto de interpretação jurisprudencial em diferentes áreas do direito da União, não foi, até agora, objeto de um desenvolvimento jurisprudencial exaustivo no domínio específico da diretiva (3), cuja interpretação se suscita no presente processo. Mais concretamente, este processo tem a particularidade de pôr em causa a qualidade de consumidor de um profissional do direito no que respeita à celebração de um contrato de crédito, garantido por um bem imóvel, propriedade do seu escritório individual de advocacia. Assim sendo, coloca‑se, por um lado, a questão da incidência que as competências e conhecimentos específicos de determinada pessoa podem ter na sua qualidade de consumidor e, por outro, a relevância do papel que cabe a essa pessoa num contrato acessório de garantia para a sua qualidade de consumidor num contrato principal de crédito.

I –    Quadro legal

A –    Direito da União

3.        O quinto, o décimo e o décimo sexto considerando da diretiva têm a seguinte redação:

«Considerando que, regra geral, os consumidores de um Estado‑Membro desconhecem as regras por que se regem, nos outros Estados‑Membros, os contratos relativos à venda de bens ou à oferta de serviços; que esse desconhecimento pode dissuadi‑los de efetuarem transações de diretas de compra de bens ou de fornecimento de serviços noutro Estado‑Membro;

[…]

Considerando que se pode obter uma proteção mais eficaz dos consumidores através da adoção de regras uniformes em matéria de cláusulas abusivas; que essas regras devem ser aplicáveis a todos os contratos celebrados entre um profissional e um consumidor; que, por conseguinte, são nomeadamente excluídos da presente diretiva os contratos de trabalho, os contratos relativos aos direitos sucessórios, os contratos relativos ao estatuto familiar, bem como os contratos relativos à constituição e aos estatutos das sociedades;

[…]

Considerando que a apreciação, segundo os critérios gerais estabelecidos, do caráter abusivo das cláusulas, nomeadamente nas atividades profissionais de caráter público que forneçam serviços coletivos que tenham em conta a solidariedade entre os utentes, necessita de ser completada por um instrumento de avaliação global dos diversos interesses implicados; que tal consiste na exigência de boa‑fé; que, na apreciação da boa‑fé, é necessário dar especial atenção à força das posições de negociação das partes, à questão de saber se o consumidor foi de alguma forma influenciado a manifestar o seu acordo com a cláusula e se os bens ou serviços foram vendidos ou fornecidos por especial encomenda do consumidor; que a exigência de boa‑fé pode ser satisfeita pelo profissional, tratando de forma leal e equitativa com a outra parte, cujos legítimos interesses deve ter em conta;».

4.        O artigo 1.°, primeiro parágrafo, da diretiva, dispõe que esta norma tem por objetivo «a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas nos contratos celebrados entre profissionais e consumidores».

5.        O artigo 2.° da diretiva define os conceitos de consumidor e de profissional. Segundo esta disposição, «[p]ara efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)      ‘consumidor’: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional;

c)      ‘profissional’: qualquer pessoa singular ou coletiva que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, seja ativa no âmbito da sua atividade profissional, pública ou privada».

B –    Direito romeno

6.        O artigo 2.° da Lei n.° 193/2000, sobre as cláusulas abusivas nos contratos celebrados entre comerciantes e consumidores (Legea privind clauzele abuzive din contractele încheiate între comercianţi şi consumatori), na versão em vigor à data da celebração do contrato de crédito objeto do processo principal, dispõe:

«1.      Entende‑se por consumidor qualquer pessoa singular ou grupo de pessoas singulares constituído em associação que, com base num contrato abrangido pelo âmbito de aplicação da referida lei, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.

2.      Entende‑se por comerciante qualquer pessoa singular ou coletiva autorizada que, por força de um contrato abrangido pelo âmbito de aplicação da referida lei, seja ativa no quadro da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, bem como quem atue com o mesmo fim em nome e representação dessa pessoa.»

II – Processo principal e questão prejudicial

7.        O presente pedido de decisão prejudicial coloca‑se no âmbito de um litígio cível entre H. Costea, na qualidade de demandante, e SC Volksbank România SA (a seguir «Volksbank»), na qualidade de demandado, e tem por objeto uma ação declarativa intentada no Judecătoria Oradea (Roménia), tribunal cível de primeira instância.

8.        O demandante, H. Costea exerce a profissão de advogado, sobretudo na área do direito comercial. Em 2008, H. Costea celebrou um contrato de crédito com o Volksbank (a seguir «contrato controvertido»). Conforme resulta do despacho de reenvio, o referido contrato foi igualmente subscrito pelo escritório individual de advocacia «Costea Ovidiu», na qualidade de garante da hipoteca. Com efeito, na mesma data do contrato de crédito foi celebrado outro contrato mediante o qual o escritório individual de advocacia «Costea Ovidiu», na qualidade de proprietário do imóvel, acordou com o Volksbank garantir o reembolso do crédito acima (a seguir «contrato de garantia»). Para o efeito, o escritório individual de advocacia «Costea Ovidiu» foi representado por H. Costea. Foi precisamente esta circunstância que permitiu à instituição bancária demandada conhecer a profissão do mutuário.

9.        Em 24 de maio de 2013, H. Costea intentou contra o Volksbank a ação objeto do litígio principal, em que pedia a declaração do caráter abusivo da cláusula relativa à comissão de risco prevista no ponto 5, alínea a) do contrato de crédito (4), e a devolução dos montantes recebidos pelo banco a este título. H. Costea baseia a sua argumentação na sua qualidade de consumidor, e invoca as disposições da Lei n.° 193/2000, que transpõe a diretiva para o direito romeno. Mais especificamente, H. Costea considera que a cláusula relativa à comissão de risco não tinha sido objeto de negociação, tendo sido imposta unilateralmente pelo banco. O demandante deduz daí o caráter abusivo dessa cláusula e considera, além disso, que a garantia hipotecária acessória do crédito tinha eliminado esse risco. Nem o conteúdo da cláusula nem o seu eventual caráter abusivo são postos em causa na decisão de reenvio (5).

10.      Considerando que para resolver o processo principal é necessário proceder à interpretação do artigo 2.°, alínea b), da diretiva, o Judecătoria Oradea submeteu ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 2.°, alínea b), da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, ser interpretado, no que respeita à definição do conceito de ‘consumidor’, no sentido de que inclui ou, pelo contrário, de que exclui dessa definição uma pessoa singular que exerce a profissão de advogado e celebra um contrato de crédito com um banco, sem que se especifique o destino desse crédito, se, no [âmbito] do referido contrato, é especificada a qualidade de garante da hipoteca do escritório individual de advocacia dessa pessoa singular?»

11.      No processo no Tribunal de Justiça, apresentaram observações escritas o SC Volksbank România, o Governo romeno, o Governo italiano, o Governo dos Países Baixos e a Comissão Europeia. Durante a audiência, realizada em 28 de janeiro de 2015, as partes foram convidadas a cingir as suas alegações sobre a incidência do contrato acessório de garantia no que respeita à qualidade de consumidor e sobre a utilidade, no âmbito do presente processo, das indicações relativas aos contratos com dupla finalidade, contidas no considerando 17 da Diretiva 2011/83/UE (6). Apresentaram alegações orais H. Costea, o Governo romeno e a Comissão Europeia.

III – Observações preliminares

12.      A título preliminar, é necessário salientar que, enquanto no despacho de reenvio o órgão jurisdicional nacional refere que o texto do contrato não especifica em parte alguma o destino do crédito, nas suas observações escritas, tanto o Governo romeno como a Comissão salientaram o facto de o contrato controvertido conter uma cláusula destinada a identificar o objeto do referido contrato, na qual se refere que o crédito é concedido para «cobertura de despesas correntes pessoais». Este facto não foi contestado pelo Volksbank, e foi igualmente confirmado por H. Costea na audiência.

13.      A este respeito, e apesar de o órgão jurisdicional nacional submeter a sua questão referindo‑se a uma situação em que não se especifica o destino do crédito, considero que a discordância entre o despacho de reenvio prejudicial e as observações apresentadas no Tribunal de Justiça não pode constituir um obstáculo para que este Tribunal dê uma resposta útil à questão prejudicial submetida.

14.      Com efeito, segundo jurisprudência assente, as questões relativas à interpretação do direito da União, submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que este define sob a sua responsabilidade e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só se pode recusar pronunciar sobre um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional, quando for manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto ou de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (7).

15.      Além disso, é jurisprudência constante, no que respeita, em especial, às pretensas lacunas e erros factuais contidos no despacho de reenvio, não compete ao Tribunal de Justiça mas ao órgão jurisdicional nacional estabelecer os factos que deram origem ao litígio e tirar deles as consequências para a decisão que tem de proferir (8).

16.      Neste processo, a questão prejudicial submete‑se no âmbito de um litígio específico cuja resolução depende da interpretação do conceito de consumidor contido na diretiva. Além disso, o despacho de reenvio fornece elementos suficientes para que o Tribunal de Justiça possa dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional nacional.

IV – Análise

17.      Atendendo aos diferentes elementos pertinentes para poder dar uma resposta útil à questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, em torno das quais também se centraram as observações dos intervenientes, a minha análise abrangerá o exame do conceito de consumidor na diretiva, bem como a incidência de outros elementos neste conceito, tais como a referência aos contratos com dupla finalidade contida na Diretiva 2011/83 e a relação entre o contrato principal (o contrato de crédito) e o contrato de garantia.

A –    Conceito de consumidor na Diretiva 93/13

18.      O conceito de consumidor aparece de forma transversal em múltiplas áreas do direito da União, para além dos instrumentos específicos para aproximação das legislações que visam a proteção dos consumidores, tal como no âmbito do direito da concorrência (9), da cooperação judiciária em matéria civil (10), da política comum da agricultura e pescas (11), bem como noutras áreas em que existem medidas de aproximação de legislações (12). A este respeito, também os múltiplos instrumentos de direito derivado que visam a proteção dos consumidores não fornecem uma definição uniforme do conceito de consumidor (13). Trata‑se, assim, de um conceito presente em numerosas esferas da atividade reguladora da União mas cujos contornos específicos não se encontram fixados no direito primário (14), e cuja virtualidade como critério identificativo de determinados sujeitos não é monolítica mas varia consoante os diversos instrumentos de direito derivado pertinentes. Assim, o conceito de consumidor não é objeto de uma configuração uniforme em todos os instrumentos, pertencentes a setores jurídicos diferentes e com finalidades diversas: trata‑se de um conceito operativo e dinâmico, que se define pela remissão para o conteúdo do ato legislativo em questão (15).

19.      No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar o conceito de consumidor no quadro da Diretiva 93/13. Para o fazer, parece claro que o ponto de partida deve ser o texto do artigo 2.°, alínea b), da diretiva, que define o conceito de consumidor.

20.      Da referida disposição deduz‑se, tanto para a definição de consumidor como para a definição de profissional, a relevância do âmbito em que o indivíduo atua. Assim, o artigo 2.°, alínea b), da diretiva, estabelece que um consumidor é «qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com fins que não pertençam ao âmbito da sua atividade profissional». Em contrapartida, segundo o artigo 2.°, alínea c), profissional é «qualquer pessoa singular ou coletiva que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, seja ativa no âmbito da sua atividade profissional […]».

21.      A este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça salientou que a contraposição entre os conceitos de profissional e de consumidor não funciona em termos inteiramente simétricos (nem todas as pessoas que não podem ser consideradas profissionais são consumidores), uma vez que, por exemplo, as pessoas coletivas não podem ser consideradas consumidores na aceção do artigo 2.° da diretiva (16). No caso em apreço, não há dúvida de que H. Costea celebrou o contrato de crédito na sua qualidade de pessoa singular e não na qualidade de representante do seu escritório de advocacia.

22.      A dúvida quanto à qualidade de consumidor de H. Costea que deu origem à questão prejudicial decorre do facto de este exercer a profissão de advogado. Todos os interessados que apresentaram observações escritas e orais, à exceção do Volksbank, consideram que a profissão exercida por uma pessoa singular não é relevante para determinar se uma pessoa pode ser considerada um consumidor na aceção do artigo 2.°, alínea b), da diretiva. Em contrapartida, o Volksbank refere que, para poder avaliar se uma pessoa é um consumidor, é necessário não só verificar a existência de um critério objetivo, resultante da redação do artigo 2.°, alínea b), da diretiva, mas também atender‑se a um critério subjetivo ligado ao espírito da diretiva que visa proteger o consumidor como parte mais fraca que geralmente não conhece as disposições legais. Assim, segundo o Volksbank, a presunção de que o consumidor está numa situação de desigualdade pode ser ilidida se se verificar que este dispõe de experiência e informação que lhe permitam salvaguardar‑se.

23.      Atendendo ao texto da definição do artigo 2.°, alínea b), da diretiva, interpretado de modo sistemático com as suas restantes disposições e à luz da interpretação jurisprudencial do conceito de consumidor noutros instrumentos de direito da União, considero que a argumentação do Volksbank não pode ser acolhida.

24.      Com efeito, o elemento central do conceito de consumidor, tal como definido nesta diretiva, refere‑se a um elemento perfeitamente identificável: a posição ocupada pelo contratante no negócio jurídico em causa. Neste sentido, tal como foi salientado no acórdão Asbeek Brusse e de Man Garabito, é preciso ter em consideração o facto de que «é […] com referência à qualidade dos contratantes, consoante atuem ou não no quadro da sua atividade profissional, que a diretiva define os contratos a que se aplica» (17).

25.      A importância do âmbito de atividade no qual se enquadra a operação em questão como elemento determinante da qualidade de consumidor é, além disso, confirmada na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a outros instrumentos em matéria de proteção de consumidores que contêm definições do conceito de consumidor semelhantes à do artigo 2.°, alínea b), da diretiva. Assim, no acórdão Di Pinto (18) ao interpretar o conceito de consumidor no quadro da Diretiva 85/577/CEE (19), o Tribunal de Justiça salientou que o critério de aplicação da proteção residia precisamente no nexo que ligava as transações objeto da promoção de vendas a domicílio, que visavam a celebração de um contrato de publicidade relativo à venda do seu estabelecimento comercial, à atividade profissional do comerciante, de forma que este só podia invocar a aplicação da diretiva se a operação para a qual tinha sido contactado extravasasse do âmbito das suas atividades profissionais (20).

26.      Assim, o teor literal da diretiva e a jurisprudência que interpreta, este instrumento, quer a Diretiva 85/577, parecem inclinar‑se para um conceito simultaneamente objetivo e funcional do consumidor: não se trata, por conseguinte, no que respeita a uma pessoa determinada, de uma categoria que lhe seja inerente e imutável (21), mas, pelo contrário, de uma qualidade a apreciar consoante o papel assumido por uma pessoa num determinado negócio jurídico ou operação particular, entre os muitos que pode levar a efeito quotidianamente. Tal como salientou o advogado‑geral J. Mischo no processo Di Pinto referindo‑se ao conceito de consumidor no âmbito do artigo 2.° da Diretiva 85/577, as pessoas visadas nesta disposição «não são definidas in abstrato, mas em função do que elas fazem in concreto», de tal forma que a mesma pessoa, em diferentes situações, tanto pode ter a qualidade de consumidor como a de profissional (22).

27.      Esta conceção de consumidor enquanto ator num determinado negócio jurídico, que compreende, simultaneamente e consoante os casos, tanto elementos objetivos como funcionais, confirma‑se também no âmbito da Convenção de Bruxelas, âmbito em que o conceito de consumidor também foi objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça, embora, como referirei em seguida, a analogia tenha de ser matizada no que respeita à interpretação da diretiva atendendo aos diferentes objetivos dos dois diplomas. Assim, no acórdão Benincasa (23), o Tribunal declarou que, para determinar se uma pessoa atua na qualidade de consumidor, «há que atender à posição dessa pessoa num contrato determinado, em conjugação com a natureza e finalidade deste, e não à situação subjetiva dessa mesma pessoa. […] [U]ma mesma pessoa pode ser considerada consumidor no âmbito de determinadas operações e operador económico no âmbito de outras» (24).

28.      Em suma, estamos perante um conceito objetivo e funcional, cuja verificação depende de um único critério: o enquadramento do negócio jurídico concreto fora do âmbito da sua atividade profissional. Com efeito, como salientou o Governo romeno, a diretiva não estabelece nenhum critério adicional para determinar a qualidade de consumidor. Trata‑se, além disso, de um conceito que se define de forma casuística, ou seja, em relação a um negócio jurídico concreto (25). Em consequência, não se pode privar ninguém da possibilidade de assumir a posição de consumidor em relação a um contrato que não pertença ao âmbito da sua atividade profissional por causa dos seus conhecimentos gerais ou da sua profissão, devendo atender‑se exclusivamente à sua posição na operação jurídica em concreto.

29.      Esta conclusão, não é posta em causa pelas alegações do Volksbank fundamentadas no espírito da diretiva, referindo‑se, em especial, a diversos considerandos do preâmbulo da mesma (26). Segundo uma visão sistemática da diretiva, é certo que os conceitos de vulnerabilidade e inferioridade de condições no que respeita, quer ao poder de negociação, quer ao nível de informação, constituem a razão de ser da diretiva, uma vez que se parte de uma realidade em que o consumidor adere às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o seu conteúdo (27). No entanto, estas ideias de vulnerabilidade e inferioridade, que estão subjacentes, em geral, a todo o direito de proteção dos consumidores a nível da União (28) não se concretizaram na consagração legislativa do conceito de consumidor como condições necessárias através da sua definição no direito positivo. Assim, nem a definição de consumidor nem qualquer outra disposição da diretiva fazem depender a existência da qualidade de consumidor num caso concreto da falta de conhecimentos ou de informação, ou de uma efetiva posição de inferioridade.

30.      Com efeito, a possibilidade de contestar, em cada caso concreto, a qualidade de consumidor a partir de elementos relacionados com a experiência, os estudos, a profissão, ou até a inteligência do consumidor, iria contra o efeito útil da diretiva. Em especial, os advogados (ou licenciados em direito, bem como outros profissionais) ficariam desprotegidos em múltiplos aspetos dos negócios da sua vida privada. Tal como salienta o Governo romeno, mesmo que o nível de conhecimentos da pessoa em causa possa ser comparável ao do mutuante, isso não significa que o seu poder de negociação não seja igual ao de qualquer outra pessoa singular face ao profissional.

31.      É certo que o Tribunal, no processo Šiba (29), considerou que «os advogados dispõem de um elevado nível de competências técnicas de que os consumidores não dispõem necessariamente» (30). No entanto, essas considerações diziam respeito a uma situação em que o advogado em causa «presta[va], no quadro da sua atividade profissional, a título oneroso, serviços jurídicos em benefício de uma pessoa singular que atua para fins privados» e, por conseguinte, é um profissional na aceção do artigo 2.°, alínea c), da diretiva (31).

32.      Além disso, uma interpretação como a proposta pelo Volksbank teria como consequência negar a qualidade de consumidor a todas as pessoas que, no momento da celebração do contrato, tivessem recebido assistência jurídica ou profissional de outro tipo (32).

33.      Por outro lado, a influência dos conhecimentos ou da situação concreta da pessoa em questão foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça em contextos diferentes do da diretiva, quando não se preenchia o requisito objetivo de a atividade não pertencer ao âmbito profissional da pessoa em causa. Assim aconteceu no que respeita à Diretiva 85/577, relativamente à qual o acórdão Di Pinto demonstra que, quando a pessoa atua no âmbito da sua atividade profissional, uma ausência efetiva de conhecimentos no caso em concreto não desvirtua a sua qualidade de profissional (33).

34.      Em conclusão, considero que o conceito de consumidor, na aceção do artigo 2.°, alínea b), da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que inclui uma pessoa singular que exerce a profissão de advogado e que celebra um contrato de crédito com um banco quando, no âmbito desse contrato, figura adicionalmente como garantia hipotecária um imóvel propriedade do seu escritório individual de advocacia, se, dos meios de prova de que o juiz nacional dispõe, resultar que essa pessoa atuou com fins que não pertencem ao âmbito da sua atividade profissional.

B –    Conceito de consumidor no que respeita aos contratos com dupla finalidade

35.      Para além das considerações anteriormente expostas, considero que, para responder à presente questão prejudicial, importa analisar os denominados «contratos com dupla finalidade», dado que, designadamente, a referida questão se refere expressamente a um contrato em que não se especifica o destino do crédito.

36.      Para este efeito, tanto o Governo romeno como o Governo dos Países Baixos referiram a utilidade do acórdão Gruber para determinar, no presente processo, a qualidade de consumidor de H. Costea (34). Por seu lado, a Comissão Europeia, nas suas observações escritas, e na audiência, referiu a importância do considerando 17 da Diretiva 2011/83. Tanto este considerando como o acórdão Gruber se referem, em diferentes contextos, aos contratos com dupla finalidade.

37.      Os critérios para determinar se um contrato se enquadra no âmbito pessoal ou profissional contidos no acórdão Gruber e na Diretiva 2011/83 são diferentes. Como referirei mais adiante, considero que é o critério da Diretiva 2011/83 que é pertinente nas circunstâncias do presente processo.

38.      No acórdão Gruber (35), o Tribunal de Justiça optou por uma interpretação restritiva do conceito de consumidor nas situações relativas aos contratos com dupla finalidade. A interpretação em questão privilegia o critério da marginalidade: uma pessoa não se pode prevalecer do benefício das regras de competência específicas relativas aos consumidores contidas na Convenção de Bruxelas «salvo se a utilização profissional for marginal, a ponto de apenas ter um papel despiciendo no contexto global da operação em causa, sendo irrelevante, a este respeito, o facto de o aspeto extraprofissional ser dominante» (36). Ainda neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que o ónus da prova cabe à pessoa que pretende invocar os artigos 13.° a 15.° da Convenção (37).

39.      Com um teor bem diferente, o considerando 17 da Diretiva 2011/83 opta por um critério baseado no objetivo predominante: «no caso dos contratos com dupla finalidade, se o contrato for celebrado para fins relacionados em parte com a atividade comercial da pessoa e em parte à margem dessa atividade e se o objetivo da atividade for tão limitado que não seja predominante no contexto geral do contrato, essa pessoa deverá ser igualmente considerada consumidor».

40.      Assim, enquanto o enquadramento de um contrato no âmbito pessoal, segundo o critério da marginalidade do acórdão Gruber, exige que a utilização profissional seja tão ténue que se possa considerar despicienda, a Diretiva 2011/83 opta por uma solução mais equilibrada, através do critério do objetivo predominante no contexto geral do contrato.

41.      Tal como referiu a Comissão Europeia na audiência, a aceitação da aplicação da jurisprudência Gruber no âmbito da interpretação da diretiva deve ser cautelosa. Com efeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça que interpreta o conceito de consumidor no âmbito, quer do artigo 13.° da Convenção de Bruxelas, quer do artigo 15.° do Regulamento n.° 44/2001, evidencia uma abordagem restritiva, tendo em consideração, sem dúvida, que estas disposições constituem exceções à regra geral de competência do foro do domicílio do réu e, por conseguinte, devem ser objeto de uma interpretação estrita (38). Assim, a aplicação restritiva do conceito de consumidor nos contratos com dupla finalidade não parece ser automaticamente aplicável por analogia no âmbito das normas específicas destinadas à proteção dos consumidores, tal como a diretiva (39).

42.      Além disso, a diferença de abordagem entre o considerando 17 da Diretiva 2011/83 e a adotada no acórdão Gruber não resulta de um mero acaso. Com efeito, durante as negociações desta diretiva, o Parlamento Europeu apresentou uma emenda que propunha expressamente a alteração do conceito de consumidor no sentido de incluir as «pessoas singulares que […] atuem principalmente fora do âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional» (40). Durante as negociações ulteriores, o Parlamento Europeu concordou com a manutenção da definição de consumidor, eliminando o advérbio «principalmente», na condição de que no considerando destinado a clarificar a definição de consumidor, baseado inicialmente no acórdão Gruber (41), a palavra «marginal» fosse substituída pela palavra «preponderante» (42).

43.      Em suma, tendo em conta, quer as diferentes funções que o conceito de consumidor desempenha nos diversos atos legislativos, quer a constatação resultante dos trabalhos preparatórios, considero que o considerando 17 da Diretiva 2011/83 consagra o critério do objetivo predominante no contexto geral do contrato.

44.      No que diz respeito ao presente processo, tal como o Governo romeno e a Comissão, opto por considerar que o recurso à clarificação fornecida pelo considerando 17 da Diretiva 2011/83 para a interpretação do conceito de consumidor se impõe igualmente no âmbito da diretiva. Com efeito, esta apreciação justifica‑se tendo em conta a finalidade partilhada e do vínculo explícito existente entre os dois instrumentos. Assim, a Diretiva 2011/83 constitui um ato de alteração da diretiva (43). Além disso, o teor literal do conceito de consumidor de estas duas diretivas é praticamente idêntico, consistindo a única diferença no facto de, enquanto a diretiva faz referência apenas à «atividade profissional», a Diretiva 2011/83 faz referência à «atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional».

45.      Por conseguinte, para determinar se uma pessoa pode ser considerada um consumidor para efeitos da diretiva nas circunstâncias em que existam indícios de que o contrato em causa prossegue uma dupla finalidade, de tal forma que não seja claro se esse contrato foi celebrado exclusivamente com fins, quer pessoais, quer profissionais, o critério do objetivo predominante constitui uma ferramenta para determinar, através de uma análise do conjunto de circunstâncias que envolvem o contrato em causa ‑ para além de um critério meramente quantitativo ‑ (44) e da apreciação dos meios de prova objetivos à disposição do órgão jurisdicional nacional, em que medida os fins de âmbito profissional ou não profissional são predominantes num determinado contrato.

46.      Embora, a Comissão Europeia e H. Costea tenham referido na audiência que a descrição dos factos feita pelo juiz nacional não fornece nenhum elemento que permita considerar que nos encontramos perante um contrato com dupla finalidade, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio clarificar a situação factual relativa ao destino do crédito através dos elementos de prova de que dispõe, entre os quais se encontram, sem dúvida, as especificações contidas no próprio contrato, cujo conteúdo pode certamente fundamentar a presunção de que estamos perante um crédito para fins pessoais.

47.      Em conclusão, entendo que, no caso de o juiz nacional considerar que não é claro que um contrato foi celebrado exclusivamente com fins, quer pessoais, quer profissionais, o contratante em causa deverá ser considerado um consumidor se o objetivo profissional não for predominante no contexto geral do contrato, tendo em conta o conjunto das circunstâncias e a apreciação dos meios de prova objetivos à sua disposição, cuja valoração compete ao órgão jurisdicional nacional.

C –    Relação entre o contrato principal e o contrato acessório

48.      Por último, há ainda que resolver a questão da eventual incidência que, o facto de o contrato principal de crédito ter sido garantido por um imóvel que se destina ao exercício da atividade profissional do mutuário, possa ter na qualificação da qualidade de H. Costea como consumidor.

49.      A este respeito, tanto as observações apresentadas pelo Governo romeno como as da Comissão insistem na falta de incidência do contrato de garantia sobre o contrato de crédito. As referidas observações, bem como as observações de H. Costea durante a audiência, salientaram a qualidade de terceiro do escritório individual de advocacia «Costea Ovidiu» relativamente ao contrato de crédito, referindo que o simples facto de o contrato de crédito ser garantido por um imóvel propriedade do referido escritório não significa que este se converta em parte do contrato de crédito.

50.      Considero, no que respeita às observações apresentadas no Tribunal de Justiça, que existem duas relações jurídicas diferentes: por um lado, a que liga H. Costea, enquanto pessoa singular na qualidade de mutuário e o banco e, por outro, a que liga o escritório individual de advocacia «Costea Ovidiu», — na qualidade de garante hipotecário — e o banco. Estas duas relações jurídicas devem ser encaradas de forma autónoma de modo que a segunda que, além do mais, tem caráter acessório não tem qualquer incidência na natureza da primeira.

51.      A este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça fornece algumas orientações sobre a relação entre os contratos que se podem considerar acessórios e os respetivos contratos principais, quer no âmbito da Diretiva 85/577, quer do Regulamento n.° 44/2001. Assim, no que respeita a Primeira Diretiva mencionada, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Dietzinger (45) que, tendo em conta a natureza acessória dos contratos de garantia, o primeiro travessão do artigo 2.° da Diretiva 85/577, que contém a definição de consumidor, «deve ser interpretado no sentido de que um contrato de fiança celebrado por uma pessoa singular que não age no âmbito de uma atividade profissional está excluído do âmbito de aplicação da diretiva quando garante o reembolso de uma dívida contraída por uma outra pessoa que age, ela própria, no âmbito da sua atividade profissional» (46). No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal de Justiça ao interpretar o artigo 15.°, n.° 1 do Regulamento n.° 44/2001, ao concluir, no acórdão Česká spořitelna (47), que a referida disposição «deve ser interpretado no sentido de que uma pessoa singular que tem relações profissionais estreitas com uma sociedade, como um cargo de gerência ou uma participação maioritária na mesma, não pode ser considerada consumidor, na aceção desta disposição, quando avaliza uma livrança emitida para garantir as obrigações que incumbem a essa sociedade ao abrigo de um contrato relativo à concessão de um crédito» (48).

52.      No entanto, no caso dos autos encontramo‑nos na situação inversa. Com efeito, a questão do eventual aspeto profissional coloca‑se apenas em relação ao contrato acessório, na medida em que H. Costea assinou o contrato de garantia na qualidade de representante legal do seu escritório individual de advocacia. Por conseguinte, contrariamente aos processos Dietzinger e Česká spořitelna, no presente caso não está em causa a aplicação do brocardo accesorium sequitur principale, no sentido de que os efeitos do contrato acessório seguem os do contrato principal, mas há que ter em conta as especificidades de cada uma destas relações jurídicas, para poder apreciar os diferentes papéis que nelas desempenha um mesmo indivíduo. Com efeito, o que é determinante para o caso em análise não é estabelecer a qualidade de H. Costea enquanto representante legal no contrato de garantia, como contrato acessório, mas esclarecer qual é a sua posição no contrato de crédito, que configura o contrato principal.

53.      Assim, o facto de H. Costea ter assinado o contrato de garantia como representante do escritório de advocacia não afeta negativamente a qualidade de consumidor de H. Costea no que respeita ao contrato de crédito principal. Bem pelo contrário, com base na jurisprudência referida, até se poderia eventualmente argumentar que o contrato de garantia acessório sofresse a influência do contrato principal (49).

54.      Face ao que antecede, considero que o papel de uma pessoa singular, como representante legal do seu escritório individual de advocacia, na celebração de um contrato acessório de garantia, não tem influência na sua qualidade de consumidor relativamente a um contrato principal de crédito.

V –    Conclusão

55.      À luz do anteriormente exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão prejudicial submetida pelo Judecătoria Oradea:

«O conceito de consumidor, na aceção do artigo 2.°, alínea b), da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que inclui uma pessoa singular que exerce a profissão de advogado e que celebra um contrato de crédito com um banco quando, no âmbito desse contrato, figura adicionalmente, como garantia hipotecária, um imóvel propriedade do seu escritório individual de advocacia, se, dos elementos de prova de que o juiz nacional dispõe, resultar que essa pessoa atuou com fins que não pertencem ao âmbito da sua atividade profissional.

No caso de o juiz nacional considerar que não é claro que um contrato que foi celebrado exclusivamente com fins, quer pessoais, quer profissionais, o contratante em causa deverá ser considerado um consumidor se o objetivo profissional não for predominante no contexto geral do contrato, tendo em conta o conjunto das circunstâncias e a apreciação dos meios de prova objetivos à sua disposição, cuja valoração compete ao órgão jurisdicional nacional.

O papel de uma pessoa singular, como representante legal do seu escritório individual de advocacia, na celebração de um contrato acessório de garantia, não tem influência na sua qualidade de consumidor relativamente a um contrato principal de crédito.»


1 —      Língua original: espanhol.


2 —      JO L 95, p. 29.


3 —      O Tribunal de Justiça interpretou este conceito a respeito desta diretiva no acórdão Cape e Idealservice MN RE (C‑541/99 e C‑542/99, EU:C:2001:625).


4 —      Decorre dos documentos dos autos que se trata de uma cláusula, contida na secção das «condições especiais» do contrato sob a epígrafe «comissão de risco», que corresponde a 0,22% do saldo do crédito, a pagar mensalmente nas datas de vencimento durante toda a vigência do contrato.


5 —      A prática de incluir nos contratos de crédito cláusulas relativas à comissão de risco por parte do Volksbank já deu origem a vários processos no Tribunal de Justiça. No acórdão SC Volksbank România (C‑602/10, EU:C:2012:443) o Tribunal declarou que a Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/12/CEE do Conselho (JO L 133, p. 66), deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que una medida nacional (nesse caso, o Decreto Urgente do governo 50/2010, Monitorul Oficial al României, I parte, n.° 389, de 11 de junho de 2010) que visa transpor esta diretiva inclua no seu âmbito de aplicação material contratos de crédito que tenham por objeto a concessão de um crédito garantido por um bem imóvel, mesmo quando esses contratos estejam expressamente excluídos do âmbito de aplicação material da referida diretiva. Os tribunais romenos submeteram questões prejudiciais noutros cinco processos que, no entanto, foram arquivados na sequência da retirada da questão prejudicial [despachos SC Volksbank România (C‑47/11, EU:C:2012:572); SC Volksbank România (C‑571/11, EU:C:2012:726); SC Volksbank România (C‑108/12, EU:C:2013:658); SC Volksbank România (C‑123/12, EU:C:2013:460); e SC Volksbank România (C‑236/12, EU:C:2014:241)]. No acórdão Matei (C‑143/13, EU:C:2015:127), o Tribunal de Justiça teve oportunidade de interpretar o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13/CEE no que respeita a determinadas cláusulas que figuram em contratos de crédito celebrados entre profissionais e consumidores que preveem uma «comissão de risco».


6 —      Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2001, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 304, p. 64).


7 —      V., nomeadamente, acórdão Melki e Abdeli (C‑188/10 e C‑189/10, EU:C:2010:363, n.° 27 e jurisprudência aí referida).


8 —      V., por exemplo, acórdãos Traum (C‑492/13, EU:C:2014:2267, n.° 19) e PreussenElektra (C‑379/98, EU:C:2001:160, n.° 40).


9 —      Artigos 102.°, alínea b), TFUE e 107.°, n.° 2, alínea a), TFUE.


10 —      Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32, artigo 13.°) e Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO L 12, p. 1, artigo 15.°).


11 —      Artigos 39.°, n.° 1, alínea c), TFUE e 40.°, n.° 2, TFUE.


12 —      V., por exemplo, Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno (Diretiva sobre o comércio eletrónico) (JO L 178, p. 1).


13 —      No entanto, o conceito de consumidor aparecia definido de uma forma semelhante, embora não idêntica, em determinados diplomas, tais como as Diretivas 85/577/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO L 372, p. 31), e 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 1997, relativa à proteção dos consumidores em matéria de contratos à distância (JO L 144, p. 19), revogadas pela Diretiva 2011/83, bem como na Diretiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO L 158, p. 59), e na Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno (JO L 149, p. 22). Além disso, esta última utiliza como marco de referência o critério do «consumidor médio» que, na esteira da interpretação do Tribunal de Justiça, é «normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, tendo em conta fatores de ordem social, cultural e linguística […]» (considerando 18). Para uma comparação do conceito de consumidor nos diferentes diplomas, v. M. Ebers, «The notion of ‘consumer’», em Consumer Law Compendium, www.eu‑consumer‑law.org.


14 —      Sobre as diferentes funções do conceito de consumidor e o sentido amplo a dar a esse conceito consoante a sua função em certos artigos do Tratado, v. K. Mortelmans e S. Watson, «The Notion of Consumer in Community Law: A Lottery?», em J. Lonbay (ed.), Enhancing the Legal Position of the European Consumer, BIICL, 1996, pp. 36 a 57.


15 —      M. Tenreiro, «Un code de la consommation ou un code autour du consommateur? Quelques réflexions critiques sur la codification et la notion du consommateur», en L. Krämer, H.‑W. Micklitz e K. Tonner (eds.), Law and diffuse Interests in the European Legal Order. Liber amicorum Norbert Reich, p. 349.


16 —      Acórdão Cape e Idealservice MN RE (C‑541/99 e C‑542/99, EU:C:2001:625, n.° 16).


17 —      C‑488/11, EU:C:2013:341, n.° 30.


18 —      C‑361/89, EU:C:1991:118.


19 —      Diretiva revogada pela Diretiva 2011/83, cujo artigo 2.° definia o «consumidor» como «toda pessoa singular que, nas transações abrangidas pela presente diretiva, age com fins que podem ser considerados como não pertencendo ao âmbito da sua atividade profissional».


20 —      Acórdão Di Pinto (C‑361/89, EU:C:1991:118, n.° 15).


21 —      Nas palavras do advogado‑geral F. G. Jacobs, «[n]ão existe qualquer estatuto de consumidor ou não consumidor: o que conta é a qualidade em que o cliente atuava quando celebrou o contrato em causa». Conclusões no processo Gruber (C‑464/01, EU:C:2004:529, n.° 34).


22 —      Conclusões do advogado‑geral J. Mischo no processo Di Pinto (C‑361/89, EU:C:1990:462, n.° 19). Neste processo, o advogado‑geral propôs que o comerciante contactado com vista à cessão do seu estabelecimento comercial beneficiasse da qualidade de consumidor. O Tribunal de Justiça não seguiu esta proposta.


23 —      C‑269/95, EU:C:1997:337.


24 —      Idem, n.° 16. Em conclusão, o Tribunal declarou que «um demandante que celebrou um contrato com vista ao exercício de uma atividade profissional não atual mas futura não pode ser considerado consumidor», n.° 19. No mesmo sentido se tinha pronunciado o advogado‑geral referindo que «[…] é precisamente a atividade em jogo — e não, insistimos, a situação pessoal anterior do sujeito — o fator a que atende o artigo 13.° da Convenção de Bruxelas para instaurar um regime específico em matéria de competência jurisdicional no que respeita a determinados contratos». Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer, de 20 de fevereiro de 1997, n.° 49.


25 —      F. Denkinger, Der Verbraucherbegriff, De Gruyter Recht, Berlin, 2007, pp. 287 e segs.


26 —      Em especial, quarto a sexto, oitavo a décimo, décimo segundo, décimo sexto e vigésimo quarto considerandos.


27 —      Acórdãos Asbeek Brusse e de Man Garabito (C‑488/11, EU:C:2013:341, n.° 31 e Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.° 39, e jurisprudência referida.


28 —      V., a este respeito, «Programa preliminar da Comunidade Económica Europeia para uma política de proteção e informação dos consumidores» de 1975 (JO C 92, p. 1) e Resolução do Conselho, de 19 de maio de 1981, relativa a um segundo programa da Comunidade Económica Europeia para uma política de proteção e informação dos consumidores (JO C 133, p. 1; EE 15/03, p. 6).


29 —      C‑537/13, EU:C:2015:14.


30 —      Idem, n.° 23.


31 —      Idem, n.° 24.


32 —      A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Rampion e Godard (C‑429/05, EU:C:2007:575, n.° 65), que o facto de estar representado por um advogado não afeta a interpretação do artigo 11.°, n.° 2, da Diretiva 87/102/CEE do Conselho de 22 de dezembro de 1986 relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo (JO 1987, L 42, p. 48), segundo a qual esta disposição pode ser aplicada oficiosamente pelo órgão jurisdicional nacional.


33 —      Assim, o Tribunal de Justiça considerou que, «[C]om efeito, é perfeitamente legítimo acreditar que um comerciante normalmente prudente sabe qual o valor do seu estabelecimento e de cada um dos atos necessários para a sua cessão e que, desse modo, quando assume um compromisso, não o faz de modo impensado e sob o mero efeito da surpresa», acórdão Di Pinto (C‑361/89, EU:C:1991:118, n.° 18).


34 —      Acórdão Gruber (C‑464/01, EU:C:2005:32), proferido num processo relativo à aquisição e aplicação de telha numa quinta em que J. Gruber também tinha a sua residência familiar.


35 —      C‑464/01, EU:C:2005:32.


36 —      Acórdão Gruber (C‑464/01, EU:C:2005:32, n.° 54). O sublinhado é meu.


37 —      Idem, n.° 46.


38 —      V., por exemplo, acórdãos Shearson Lehman Hutton (C‑89/91, EU:C:1993:15, n.° 18) e Gabriel (C‑96/00, EU:C:2002:436, n.° 39).


39 —      Sobre esta discussão, N. Reich, H.‑W. Micklitz, P. Rott e K. Tonner, European Consumer Law, 2ª ed. Intersentia, 2014, p. 53.


40 —      Relatório sobre a proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores, Comissão do mercado interno e da proteção dos consumidores, de 22 de fevereiro 2011, A7‑0038/2011, p. 36, emenda n.º 59. O sublinhado é meu.


41 —      Documento do Conselho 10481/11, de 20 de maio de 2011, p. 3.


42 —      Documento do Conselho 11218/11, de 8 de junho 2011, p. 5.


43 —      A Diretiva 2011/83 substitui as Diretivas 85/577/CEE e 9/7/CE, e altera as Diretivas 93/13/CEE e 1999/44/CE. No que respeita à Diretiva 93/13/CEE, embora a Proposta da Comissão (COM (2008) 614 final) previsse uma revogação total da diretiva e a sua integração na nova diretiva, a Diretiva 2011/83 acaba por se limitar a inserir na Diretiva 93/13, através do seu artigo 32.°, um novo artigo 8.°‑A, relativo às disposições mais estritas que os Estados‑Membros podem introduzir para a proteção dos consumidores.


44 —      É inegável que o critério do objetivo predominante encerra alguma complexidade quanto à sua aplicação prática. Sobre esta discussão: L. D. Loacker, «Verbraucherverträge mit gemischter Zwecksetzung», Juristenzeitung 68, 2013, pp. 234 a 242.


45 —      C‑45/96, EU:C:1998:111.


46 —      Idem, n.° 23. No entanto, a aplicação do brocardo accesorium sequitur principale não foi considerada suficiente para considerar que o âmbito de aplicação da Diretiva 87/102 abrangia um contrato de fiança celebrado para garantir o reembolso de um crédito, mesmo quando nem o fiador nem o beneficiário do crédito tenham atuado no âmbito da sua atividade profissional. V., a este respeito, acórdão Berliner Kindl Brauerei (C‑208/98, EU:C:2000:152).


47 —      C‑419/11, EU:C:2013:165.


48 —      Idem, n.° 40.


49 —      No entanto, o critério da natureza acessória como elemento para determinar a aplicabilidade do direito da União é limitado. V., a esse respeito, conclusões do advogado‑geral P. Léger no processo Berliner Kindl Brauerei (C‑208/98, EU:C:1999:537, n.° 65).