Language of document : ECLI:EU:T:2003:127

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

6 de Maio de 2003 (1)

«Decisão n.° 2455/2001/CE - Recurso de anulação - Inadmissibilidade»

No processo T-45/02,

DOW AgroSciences BV, com sede em Roterdão (Países Baixos),

DOW AgroSciences Ltd, com sede em Hitchin (Reino Unido),

representadas por K. Van Maldegem e C. Mereu, advogados,

recorrentes,

apoiadas por

European Crop Protection Association (ECPA), com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por D. Waelbroeck e D. Brinckman, advogados,

interveniente,

contra

Parlamento Europeu, representado por C. Pennera e M. Moore, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e

Conselho da União Europeia, representado por M. Sims-Robertson e B. Hoff-Nielsen, na qualidade de agentes,

recorridos,

apoiados por

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Valero Jordana e K. Fitch, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial da Decisão n.° 2455/2001/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Novembro de 2001, que estabelece a lista das substâncias prioritárias no domínio da política da água e altera a Directiva 2000/60/CE (JO L 331, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, J. Azizi e M. Jaeger, juízes,

secretário: H. Jung,

profere o presente

Despacho

     Enquadramento jurídico

Directiva 91/414/CEE

1.
    Em 15 de Julho de 1991, o Conselho adoptou a Directiva 91/414/CEE, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO L 230, p. 1). A fim de assegurar que tais produtos «não exerçam [...] qualquer influência inaceitável para o ambiente em geral e, em especial, qualquer efeito prejudicial para a saúde humana ou animal ou para as águas subterrâneas», a Directiva 91/414 prevê que as substâncias activas cuja incorporação em produtos fitofarmacêuticos é autorizada sejam inscritas numa lista comunitária junta como anexo I à directiva (Directiva 91/414, décimo considerando e artigo 5.°).

2.
    O procedimento previsto para avaliar se uma substância activa pode ser inscrita no anexo I da Directiva 91/414 não impede um Estado-Membro de autorizar uma empresa a colocar no mercado do seu território, por tempo limitado, produtos fitofarmacêuticos que contenham uma substância activa ainda não inscrita nessa lista, na medida em que seja assegurado que a empresa em causa submeta um dossier conforme com as exigências comunitárias e que o Estado-Membro em causa examine a conformidade da substância activa e dos produtos fitofarmacêuticos com as condições fixadas na directiva (Directiva 91/414, décimo quarto considerando e n.° 2 do artigo 8.°).

Directiva 2000/60/CE e acto impugnado

3.
    Em 23 de Outubro de 2000, o Parlamento Europeu e o Conselho adoptaram a Directiva 2000/60/CE, que estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água (JO L 327, p. 1). Essa directiva estabelece um «enquadramento para a protecção das águas de superfície interiores, das águas de transição, das águas costeiras e das águas subterrâneas» (primeiro parágrafo do artigo 1.°). Em particular, esse enquadramento visa «uma protecção reforçada e um melhoramento do ambiente aquático, nomeadamente através de medidas específicas» concebidas para a redução gradual «das descargas, das emissões e perdas de substâncias prioritárias [e para a] cessação ou eliminação por fases de descargas, emissões e perdas [de substâncias perigosas prioritárias]» [primeiro parágrafo, alínea c), do artigo 1.°)].

4.
    Por força do n.° 2 do artigo 16.° da Directiva 2000/60, a Comissão apresentará ao Parlamento e ao Conselho «uma proposta, em que definirá uma lista prioritária de substâncias, de entre as que apresentam um risco significativo para o ambiente aquático ou por seu intermédio.» Em conformidade com o n.° 3 do artigo 16.°, «[a] proposta da Comissão deverá também identificar as substâncias (perigosas) prioritárias».

5.
    O n.° 11 do artigo 16.° da Directiva 2000/60 dispõe que «[a]s listas prioritárias de substâncias propostas pela Comissão passarão, depois de adoptadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, a constituir o anexo X da presente directiva».

6.
    Foi assim que, em 20 de Novembro de 2001, o Parlamento Europeu e o Conselho adoptaram a Decisão 2455/2001/CE, que estabelece a lista das substâncias prioritárias no domínio da política da água e altera a Directiva 2000/60 (JO L 331, p. 1, a seguir «acto impugnado»). O clorpirifos e a trifluralina estão incluídos na lista de substâncias prioritárias assim estabelecida. Uma nota de pé de página dispõe que essas substâncias poderão ser reclassificadas como substâncias perigosas prioritárias. A esse propósito, especifica-se que a Comissão fará uma proposta ao Parlamento e ao Conselho respeitante à classificação definitiva do clorpirifos e da trifluralina no prazo de doze meses a contar da adopção do acto impugnado.

7.
    No que se refere às substâncias prioritárias que constam do anexo X, prevê-se, no n.° 6, primeiro travessão, do artigo 16.° da Directiva 2000/60, que «a Comissão apresentará propostas de controlos para a redução gradual das descargas, emissões e perdas de substâncias em causa». No que se refere às substâncias perigosas prioritárias, prevê-se, no segundo travessão da mesma disposição, que «a Comissão apresentará propostas de controlos para a cessação ou supressão gradual das descargas, emissões e perdas [...] incluindo um calendário adequado para o efeito». Além disso, o n.° 7 do artigo 16.° dispõe que «[a] Comissão apresentará propostas de normas de qualidade aplicáveis às concentrações das substâncias prioritárias nas águas de superfície, nos sedimentos ou no biota». O n.° 8 do artigo 16.° obriga a Comissão a «no prazo de dois anos a contar da inclusão da substância em causa na lista de substâncias prioritárias, [...] [apresentar] propostas, nos termos dos n.os 6 e 7».

8.
    As medidas assim propostas pela Comissão serão, sendo esse o caso, adoptadas pelo Parlamento e pelo Conselho, em conformidade com o disposto no n.° 1 do artigo 16.° da Directiva 2000/60.

Factos e tramitação do processo

9.
    A Dow AgroSciences BV e a Dow AgroSciences Ltd (a seguir designadas conjuntamente por «recorrentes») exercem actividade no domínio do fabrico e da comercialização do clorpirifos e da trifluralina.

10.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 26 de Fevereiro de 2002, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

11.
    Por requerimentos separados apresentados respectivamente em 30 e 12 de Abril de 2002, o Parlamento e o Conselho suscitaram, ao abrigo n.° 1 do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, uma questão prévia de admissibilidade. As recorrentes apresentaram as observações sobre a questão prévia em 12 de Julho de 2002.

12.
    Por despachos de 5 de Julho e de 26 de Setembro de 1995, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância autorizou a Comissão e a European Crop Protection Association (a seguir «ECPA») a intervir, respectivamente em apoio dos pedidos dos recorridos e das recorrentes.

13.
     A Comissão e a ECPA apresentaram alegações de intervenção sobre a questão da admissibilidade respectivamente em 30 de Agosto e 8 de Novembro de 2002, a respeito das quais as partes principais foram convidadas a apresentar observações.

Pedidos das partes

14.
     Na petição, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar o recurso admissível e procedente;

-    anular a decisão impugnada, de modo a dela eliminar o clorpirifos e a trifluralina;

-    condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas.

15.
     Na questão prévia de admissibilidade, a recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar o recurso manifestamente inadmissível ou, a título subsidiário, rejeitar o recurso por inadmissível;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

16.
    O Parlamento, na questão prévia de admissibilidade, e a Comissão, na alegação de intervenção, concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar o recurso inadmissível na sua totalidade;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

17.
    Nas observações sobre a questão prévia de admissibilidade, as recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso admissível e procedente;

-    conhecer do mérito antes de decidir a questão prévia de admissibilidade ou, a título subsidiário, conhecer da questão prévia de admissibilidade em conjunto com o mérito dos autos;

-    anular a decisão impugnada, de modo a dela eliminar o clorpirifos e a trifluralina;

-    condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas.

18.
    No articulado de intervenção, a ECPA pede ao Tribunal que se digne:

-    declarar o recurso admissível e examinar a procedência da causa;

-    condenar o Conselho nas despesas da intervenção.

Quanto à admissibilidade

19.
    Por força do n.° 3 do artigo 114.° do Regulamento de Processo, a tramitação ulterior do processo no que respeita à questão prévia de admissibilidade é oral, salvo decisão em contrário do Tribunal. O Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) considera que, no caso vertente, está suficientemente informado pelas peças processuais e que não há lugar a abertura da fase oral do processo.

Argumentos das partes

20.
    O Parlamento e o Conselho, apoiados pela Comissão, invocam a questão prévia da admissibilidade do recurso. Consideram, em primeiro lugar, que o acto impugnado não constitui um acto recorrível na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE. Com efeito, o acto impugnado de forma alguma altera a situação jurídica das recorrentes. De qualquer forma, o pedido tendente à anulação parcial da decisão impugnada é inadmissível na medida em que a decisão constitui, na realidade, uma directiva, que não afecta as recorrentes nem directa nem individualmente.

21.
    As recorrentes, apoiadas pela ECPA, respondem, em primeiro lugar, que a decisão impugnada é um acto vinculativo do Parlamento e do Conselho, que produz efeitos jurídicos definitivos susceptíveis de afectar os seus interesses. Insistem no facto de que, em conformidade com o disposto no artigo 16.° da Directiva 2000/60, serão tomadas medidas com vista à redução ou eliminação gradual das descargas, emissões e perdas das substâncias identificadas pela decisão impugnada. Uma vez que o clorpirifos e a trifluralina foram incluídos de forma irrevogável na lista das substâncias prioritárias, a decisão impugnada obriga os operadores económicos a reduzir a produção, comercialização e uso dessas substâncias. Além disso, ao identificar o clorpirifos e a trifluralina como substâncias perigosas prioritárias cuja produção, comercialização e uso são susceptíveis de ser proibidos, a decisão impugnada cria as condições jurídicas para a proibição definitiva num prazo de doze meses dos clorpirifos e da trifluralina e dos produtos que contenham essas substâncias. Sublinham o facto de a inscrição do clorpirifos e da trifluralina na lista das substâncias prioritárias ser irreversível, não prevendo a decisão impugnada nem a Directiva 2000/60 qualquer medida de revogação.

22.
    Nas observações sobre a questão prévia de admissibilidade, as recorrentes salientam que o acto impugnado identifica as substâncias prioritárias a que se aplicarão as medidas de controlo que serão posteriormente adoptadas. Toda a ulterior regulamentação apenas poderá ter por objecto as modalidades de redução ou de eliminação gradual das descargas, emissões e perdas das substâncias visadas pela decisão impugnada. As recorrentes deixarão de poder pôr em causa a inscrição do clorpirifos e da trifluralina na lista do anexo X da Directiva 2000/60 no quadro de um recurso interposto das medidas de controlo posteriormente adoptadas relativamente a essas substâncias. O acto impugnado altera, portanto, o «estatuto jurídico» do clorpirifos e da trifluralina e, em consequência, das recorrentes, na sua qualidade de distribuidores das referidas substâncias.

23.
    As recorrentes acrescentam que, contrariamente ao que pretendem os recorridos, a decisão impugnada constitui, pelo seu nome e pelo seu conteúdo, uma «decisão», e não uma directiva. De qualquer forma, o debate sobre a natureza do acto impugnado reveste pouca importância, visto existir jurisprudência no sentido de uma medida de carácter normativo poder dizer directa e individualmente respeito a uma pessoa singular ou colectiva (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, pp. 279 e 283, e de 22 de Novembro de 2001, Antillean Rice Mills/Conselho, C-451/98, Colect., p. I-8949, n.° 46).

24.
    Em segundo lugar, as recorrentes observam que o acto impugnado lhes diz directamente respeito. Lembram que a condição relativa à afectação directa requer que a medida comunitária produza directamente efeitos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua execução, já que esta tem carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem indicação de outras regras intermediárias (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1971, International Fruit Company e o./Comissão, 41/70 a 44/70, Colect., p. 131, de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Colect., p. 407, de 29 de Março de 1979, NTN Toyo Bearing e o./Conselho, 113/77, Recueil, p. 1185, de 11 de Julho de 1985, Salerno e o./Comissão e Conselho, 87/77, 130/77, 22/83, 9/84 e 10/84, Recueil, p. 2523, e de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C-152/88, Colect., p. I-2477). Ora, no caso em apreço, a decisão impugnada inclui o clorpirifos e a trifluralina na lista das substâncias prioritárias sem impor aos Estados-Membros qualquer outra medida de aplicação. Estes estão vinculados pela lista tal como foi estabelecida pelo acto impugnado. A decisão produz, portanto, efeitos jurídicos precisos, incondicionais e directamente aplicáveis.

25.
    Em terceiro lugar, o acto impugnado diz individualmente respeito às recorrentes. A esse propósito, observam, em primeiro lugar, que são titulares de direitos preexistentes afectados pelo acto impugnado. Explicam, em particular, que detêm autorizações para a colocação no mercado na maior parte dos Estados-Membros, de produtos à base de clorpirifos e de trifluralina em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 8.° da Directiva 91/414. As recorrentes participaram, além disso, no processo de exame com vista a essas substâncias serem retomadas no anexo I da Directiva 91/414 enquanto substâncias activas que preenchem os critérios de segurança do artigo 5.° desta última directiva. A decisão impugnada, que limita a utilização do clorpirifos e da trifluralina, afecta os direitos das recorrentes a comercializar essas substâncias. Uma vez que as recorrentes adquiriram esses direitos em conformidade com as disposições da Directiva 91/414, o acto impugnado viola direitos específicos das recorrentes (acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho, C-309/89, Colect., p. I-1853). De qualquer forma, o acto impugnado afecta, de maneira particularmente séria, um grupo muito restrito de operadores económicos ao qual pertencem as recorrentes (acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, Colect., p. 1339, e de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C-358/89, Colect., p. I-2501; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 1997, Federolio/Comissão, T-122/96, Colect., p. II-1559). Com efeito, toda a actividade económica das recorrentes é posta em perigo pelo acto impugnado.

26.
    Em segundo lugar, as recorrentes observam que, quando adoptaram a decisão impugnada, as instituições comunitárias eram obrigadas a ter em conta os seus direitos específicos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, e Sofrimport/Comissão, referido no n.° 24 supra; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, CCE de Vittel e o./Comissão, T-12/93, Colect., p. II-1247, e de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, T-480/93 e T-483/93, Colect., p. II-2305). Nas observações sobre a questão prévia de admissibilidade, referem-se, nesse contexto, em particular, ao n.° 2, alínea a), do artigo 16.° da Directiva 2000/60, que lhes confere o direito a que os seus produtos sejam objecto de uma avaliação científica com base no risco. As recorrentes referem ainda o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Maio de 2002, Jégo-Quéré/Comissão (T-177/01, Colect., p. II-2365), e as conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C-50/00 P, Colect., pp. I-6677, I-6681).

27.
    Nas observações sobre a questão prévia de admissibilidade, as recorrentes alegam ainda que, no caso em apreço, a questão da admissibilidade não pode ser plenamente compreendida sem o exame do mérito. Lembram, a esse propósito, que detêm autorizações para a colocação no mercado de produtos à base de clorpirifos e de trifluralina, em conformidade com o n.° 2 do artigo 8.° da Directiva 91/414. As recorrentes participaram, além disso, no processo de exame com vista a essas substâncias serem retomadas no anexo I da Directiva 91/414 enquanto substâncias activas que preenchem os critérios de segurança do artigo 5.° desta última directiva. Para se apreciar plenamente a qualidade para agir das recorrentes, é necessário examinar os seus direitos e a sua confiança legítima no âmbito do processo regulamentar que conduziu à inscrição do clorpirifos e da trifluralina no anexo I da Directiva 91/414.

28.
    A ECPA observa que, em conformidade com o disposto no artigo 13.° da Directiva 91/414, os dados científicos e as informações comunicadas pelas recorrentes no quadro do processo de exame com vista a incluir o clorpirifos e a trifluralina no anexo I da Directiva 91/414 estão protegidos durante um período de cinco anos a contar da inscrição da substância no referido anexo. Referindo o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Setembro de 2002, Pfizer/Conselho (T-13/99, Colect., p. I-3305, n.os 98 e 100), a ECPA considera que as recorrentes são, assim, titulares de direitos específicos na acepção do acórdão Codorniu/Conselho (referido no n.° 25 supra) e que a inclusão do clorpirifos e da trifluralina na lista estabelecida pela decisão impugnada afecta as recorrentes em razão de certas qualidades que lhes são particulares e que as caracterizam em relação a qualquer outra pessoa.

29.
    Finalmente, as recorrentes sublinham não lhes poder ser assegurada, no caso vertente, uma protecção jurisdicional suficiente nos órgãos jurisdicionais nacionais.

Apreciação do Tribunal

30.
    Nos termos do quarto parágrafo do artigo 230.° CE, «qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito».

31.
    Deve, antes de mais, recordar-se que o termo «decisão» que consta do quarto parágrafo do artigo 230.° CE deve ser entendido no sentido técnico resultante do artigo 249.° CE e que o critério de distinção entre um acto de natureza normativa e uma decisão na acepção deste último artigo deve ser procurado no carácter geral, ou não, do acto em questão (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1962, Confédération nationale des producteurs de fruits et légumes e o./Conselho, 16/62 e 17/62, Colect. 1962-1964, p. 175, e de 29 de Junho de 1993, Gibraltar/Conselho, C-298/89, Colect., p. I-3605, n.° 15).

32.
    No caso em apreço, a decisão impugnada, que se baseia directamente no n.° 1 do artigo 175.° CE, é um acto legislativo adoptado pelo Parlamento e pelo Conselho no termo do processo previsto no artigo 251.° CE. A decisão estabelece a lista das substâncias prioritárias, incluindo as substâncias perigosas prioritárias, prevista nos n.os 2 e 3 do artigo 16.° da Directiva 2000/60. Em conformidade com o n.° 11 do artigo 16.° da Directiva 2000/60, essa lista «passa a constituir o anexo X daquela directiva» (artigo 1.° do acto impugnado). A decisão impugnada altera, portanto, a Directiva 2000/60, cujo carácter geral não é contestado, aditando-lhe um anexo que identifica as substâncias relativamente às quais os n.os 6 a 8 do artigo 16.° da Directiva 2000/60 obrigam a Comissão a propor medidas específicas com vista a proteger e a melhorar o meio aquático.

33.
    Daqui decorre que, apesar do seu título, a decisão impugnada não pode ser considerada constitutiva de uma decisão na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE. Tal acto participa, pelo contrário, do carácter geral da Directiva 2000/60 (v., neste sentido, acórdão Gibraltar/Conselho, referido no n.° 31 supra, n.° 23; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 2000, Fédération nationale d'agriculture biologique des régions de France e o./Conselho, T-268/99, Colect., p. II-2893, n.° 38).

34.
    Importa, no entanto, examinar se, apesar do carácter geral da decisão impugnada, se pode todavia considerar que este diz directa e individualmente respeito às recorrentes, na medida em que inclui o clorpirifos e a trifluralina na lista das substâncias prioritárias. Resulta, com efeito, de jurisprudência assente que o carácter geral de um acto não exclui com isso que possa dizer directa e individualmente respeito a certos operadores económicos interessados (v. acórdãos Extramet Industrie/Conselho, referido no n.° 25 supra, n.os 13 e 14, Codorniu/Conselho, referido no n.° 25 supra, n.° 19, e Antillean Rice Mills/Conselho, referido no n.° 23 supra, n.° 46; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Junho de 1998, UEAPME/Conselho, T-135/96, Colect., p. II-2335, n.° 69, e de 27 de Junho de 2000, Salamander e o./Parlamento e Conselho, T-172/98, T-175/98 a T-177/98, Colect., p. II-2487, n.° 30).

35.
    No tocante, em primeiro lugar, à questão de saber se a decisão impugnada diz directamente respeito às recorrentes, deve recordar-se que a condição da afectação directa requer que o acto criticado produza directamente efeitos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários desse acto, que estão encarregados da sua execução, já que esta tem carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermediárias (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C-386/96 P, Colect., p. I-2309, n.° 43, e jurisprudência aí referida, acórdão Salamander e o./Parlamento e Conselho, referido no n.° 34 supra, n.° 52).

36.
    A este propósito, recorde-se que as recorrentes detêm, em vários Estados-Membros, autorizações para a colocação no mercado de produtos à base de clorpirifos e de trifluralina.

37.
    Todavia, não pode considerar-se que a decisão impugnada, que identifica essas substâncias como prioritárias, produz, por si mesmo, efeitos sobre a situação jurídica das recorrentes. Contrariamente ao que estas afirmam, a inclusão do clorpirifos e da trifluralina na lista das substâncias prioritárias não obriga os operadores económicos a reduzir a produção, a comercialização ou o uso dessas substâncias.

38.
    Com efeito, a decisão impugnada identifica unicamente as substâncias, entre as quais o clorpirifos e a trifluralina, relativamente às quais a Comissão é obrigada a propor ao Parlamento e ao Conselho medidas específicas em conformidade com os n.os 6 a 8 do artigo 16.° da Directiva 2000/60. O Parlamento e o Conselho adoptarão, sendo esse o caso, as medidas propostas pela Comissão, com base no n.° 1 do artigo 16.° da Directiva 2000/60. No entanto, a inclusão do clorpirifos e da trifluralina no anexo X da Directiva 2000/60 não dá qualquer indicação precisa quanto às medidas que serão propostas pela Comissão e que, sendo esse o caso, serão posteriormente adoptadas pelo Parlamento e pelo Conselho, não afectando, como tal, a situação jurídica das recorrentes.

39.
    A este propósito, sublinhe-se ainda que a Directiva 2000/60 tem efectivamente em conta a eventualidade de não serem aceites as propostas da Comissão que se reportam às substâncias prioritárias. Assim, o n.° 8 do artigo 16.° dessa directiva dispõe que «[n]o caso das substâncias incluídas na primeira lista prioritária, e na falta de acordo a nível comunitário seis anos a contar da data de entrada em vigor da presente directiva, os Estados-Membros estabelecerão normas de qualidade ambiental relativas a essas substâncias para todas as águas de superfície afectadas por descargas das mesmas, bem como controlos sobre as principais fontes dessas descargas com base, nomeadamente, na ponderação de todas as opções técnicas de redução das emissões». A mesma disposição acrescenta ainda que «[n]o caso das substâncias posteriormente incluídas na lista prioritária, e na falta de acordo a nível comunitário, os Estados-Membros tomarão essas medidas cinco anos a contar da data da inclusão das substâncias na lista».

40.
    Resulta de tudo o que precede que a decisão impugnada não produz directamente efeitos na situação jurídica das recorrentes. Não diz, portanto, directamente respeito às recorrentes na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE.

41.
    Não preenchendo as recorrentes uma das condições de admissibilidade exigidas pelo quarto parágrafo do artigo 230.° CE, o presente recurso deve ser julgado inadmissível.

42.
    Há, no entanto, que examinar ainda, para se ser exaustivo, se a decisão impugnada diz individualmente respeito às recorrentes. A este respeito, recorde-se que, para que as pessoas singulares ou colectivas possam ser consideradas individualmente afectadas por um acto de carácter geral, é necessário que sejam atingidas pelo acto em causa em razão de determinadas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que as caracterize relativamente a qualquer outra pessoa, individualizando-as, por isso, de forma idêntica à de um destinatário da decisão (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça Plaumann/Comissão, referido no n.° 23 supra, pp. 283 e 284, e de 22 de Novembro de 2001, Nederlandse Antillen/Comissão, C-452/98, Colect., p. I-8973, n.° 60).

43.
    O facto de as recorrentes deterem autorizações para a colocação no mercado de produtos à base de clorpirifos e de trifluralina, em conformidade com as disposições da Directiva 91/414, não é suficiente para individualizar as recorrentes na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE. Com efeito, mesmo que se admita que a decisão impugnada afecta a sua posição no mercado, as recorrentes, que não alegaram qualquer direito exclusivo de propriedade intelectual sobre as substâncias identificadas pela decisão impugnada, encontram-se numa situação comparável à de qualquer outro operador que possa, no presente ou no futuro, exercer actividade na comercialização dessas substâncias (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Janeiro de 2002, Rica Foods/Comissão, T-47/00, Colect., p. II-113, n.° 39, e despacho Federolio/Comissão, referido no n.° 25 supra, n.° 67).

44.
    As recorrentes não podem também afirmar que a decisão impugnada afecta direitos por elas adquiridos no quadro da Directiva 91/414. Com efeito, uma vez que não obriga os operadores económicos a reduzir a produção, comercialização ou o uso de clorpirifos e de trifluralina (v., supra, n.° 37), a decisão impugnada não pode ser considerada como tendo incidência sobre as autorizações que as recorrentes detêm para a colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos que contêm essas substâncias. Pelas mesmas razões, as recorrentes não têm fundamento para afirmar que a decisão impugnada afecta direitos específicos ou causou um prejuízo excepcional de natureza a individualizá-las em relação a qualquer outro operador económico (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Junho de 2000, Euromin/Conselho, T-597/97, Colect., p. II-2419, n.° 49).

45.
    As recorrentes sustentam ainda que as instituições comunitárias estavam obrigadas a ter em conta a sua posição particular antes de adoptarem a decisão impugnada.

46.
    Importa recordar que o facto de as instituições comunitárias estarem obrigadas, nos termos de disposições específicas, a atender às consequências do acto que pretendem adoptar sobre a situação de determinados particulares é susceptível de os individualizar (acórdãos Piraiki-Patraiki e o./Comissão, referido no n.° 26 supra, Sofrimport/Comissão, referido no n.° 24 supra, e do Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão, C-390/95 P, Colect., p. I-769, n.os 25 a 30; acórdão Antillean Rice Mills e o./Comissão, referido no n.° 26 supra, n.° 67).

47.
    Forçoso é todavia reconhecer que nenhuma disposição de direito comunitário impõe que o Parlamento e o Conselho, quando estabelecem a lista das substâncias prioritárias no domínio da água em conformidade com o disposto no n.° 11 do artigo 16.° da Directiva 2000/60, atendam à situação particular de operadores económicos, como as recorrentes, que detenham, em relação aos produtos fitofarmacêuticos, autorizações de colocação no mercado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 2001, Emesa Sugar/Conselho, T-43/98, Colect., p. II-3519, n.° 53). O n.° 2, alínea a), do artigo 16.° da Directiva 2000/60, a que as recorrentes se referem, diz unicamente respeito à avaliação dos riscos a assumir para efeitos da adopção da decisão impugnada, sem conceder qualquer protecção específica a um operador económico. Nos termos da Directiva 2000/60, a protecção dos titulares de autorizações concedidas nos termos da Directiva 91/414 apenas intervém, com efeito, na fase do processo de adopção de medidas de controlo que tenham por objecto as substâncias identificadas pela decisão impugnada. Assim, o n.° 6, segundo parágrafo, do artigo 16.° da Directiva 2000/60 dispõe que, quando os controlos incluam a revisão das autorizações pertinentes concedidas ao abrigo da Directiva 91/414, tal revisão deve ser realizada nos termos desta última directiva.

48.
    Finalmente, quanto ao argumento da ECPA extraído do acórdão Pfizer/Conselho, referido no n.° 28 supra, recorde-se que a decisão impugnada nesse processo proibia a utilização da virginiamicina como aditivo na alimentação dos animais. Em contraste, no caso ora em apreço, a decisão impugnada não tem qualquer efeito coercivo em relação às recorrentes. Estas podem, com efeito, continuar, sem qualquer restrição, a produzir e comercializar as substâncias referidas na lista estabelecida pela decisão impugnada enquanto o Parlamento e o Conselho, ou os Estados-Membros não tiverem tomado medidas específicas de controlo relativamente a essas substâncias.

49.
    Resulta de tudo o que precede que o presente recurso deve ser julgado inadmissível.

50.
    Contudo, não estando em condições de requererem a anulação da decisão impugnada, as recorrentes mantêm a possibilidade de invocar a sua ilegalidade nos órgãos jurisdicionais nacionais, que se pronunciarão tendo em consideração o disposto no artigo 234.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1998, Kruidvat/Comissão, C-70/97 P, Colect., p. I-7183, n.os 48 e 49, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2000, Conseil national des professions de l'automobile e o./Comissão, T-45/00, Colect., p. II-2927, n.° 26). Dispõem, assim, de uma protecção jurisdicional suficiente nos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, acórdão Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, referido no n.° 26 supra, n.° 40).

Quanto às despesas

51.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido pedido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que decidir que suportarão, para além das suas próprias despesas, as do Parlamento e do Conselho, de acordo com o pedido por estes formulado.

52.
    Em conformidade com n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a Comissão e a ECPA suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)     O recurso é julgado inadmissível.

2)    As recorrentes suportarão as suas próprias despesas bem como as do Parlamento e do Conselho.

3)    A Comissão e a European Crop Protection Association suportarão as suas próprias despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 6 de Maio de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

K. Lenaerts


1: Língua do processo: inglês.