Language of document : ECLI:EU:C:2024:155

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

22 de fevereiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Despedimentos coletivos — Diretiva 98/59/CE — Artigo 2.o, n.o 1 — Constituição da obrigação de informação e de consulta — Número de despedimentos previstos ou reais — Artigo 1.o, n.o 1 — Cessações voluntárias de contratos de trabalho antes dos despedimentos — Modalidades de cálculo do número de despedimentos»

No processo C‑589/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Superior de Justicia de Islas Baleares (Tribunal Superior de Justiça das Ilhas Baleares, Espanha), por Decisão de 29 de agosto de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 23 de setembro de 2022, no processo

J.L.O.G.,

J.J.O.P.

contra

Resorts Mallorca Hotels International SL,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: F. Biltgen (relator), presidente de secção, N. Wahl e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de J.L.O.G. e J.J.O.P., por J. L. Valdés Alias, abogado,

–        em representação da Resorts Mallorca Hotels International SL, por M. Sánchez Rubio, abogado,

–        em representação do Governo Espanhol, por I. Herranz Elizalde, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por I. Galindo Martín e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 1.o, n.o 1, e do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 98/59/CE do Conselho, de 20 de julho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos (JO 1998, L 225, p. 16).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe J.L.O.G. e J.J.O.P. à Resorts Mallorca Hotels International SL, a respeito da validade do seu despedimento.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 98/59 dispõe:

«Para efeitos da aplicação da presente diretiva:

a)      Entende‑se por “despedimentos coletivos” os despedimentos efetuados por um empregador, por um ou vários motivos não inerentes à pessoa dos trabalhadores, quando o número de despedimentos abranger, segundo a escolha efetuada pelos Estados‑Membros:

i)      ou, num período de 30 dias:

–        no mínimo 10 trabalhadores, nos estabelecimentos que empreguem habitualmente mais de 20 e menos de 100,

–        no mínimo 10 % do número dos trabalhadores, nos estabelecimentos que empreguem habitualmente no mínimo 100 e menos de 300 trabalhadores,

–        no mínimo 30 trabalhadores, nos estabelecimentos que empreguem habitualmente no mínimo 300;

ii)      ou, num período de 90 dias, no mínimo 20 trabalhadores, qualquer que seja o número de trabalhadores habitualmente empregados nos estabelecimentos em questão;

[…]

Para o cálculo do número de despedimentos previsto no primeiro parágrafo, alínea a), são equiparadas a despedimentos as cessações do contrato de trabalho por iniciativa do empregador por um ou vários motivos não inerentes à pessoa dos trabalhadores, desde que o número de despedimentos seja, pelo menos, de cinco.»

4        O artigo 2.o desta diretiva, que faz parte da secção II, com a epígrafe «Informação e consulta», dispõe:

«1.      Sempre que tenciona efetuar despedimentos coletivos, a entidade patronal é obrigada a consultar em tempo útil os representantes dos trabalhadores, com o objetivo de chegar a um acordo.

2.      As consultas incidirão, pelo menos, sobre as possibilidades de evitar ou de reduzir os despedimentos coletivos, bem como sobre os meios de atenuar as suas consequências recorrendo a medidas sociais de acompanhamento destinadas, nomeadamente, a auxiliar a reintegração ou reconversão dos trabalhadores despedidos.

[…]»

 Direito espanhol

5        O artigo 51.o do Estatuto de los Trabajadores (Estatuto dos Trabalhadores), na versão resultante do Real Decreto Legislativo 2/2015, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (Real Decreto Legislativo n.o 2/2015 que aprova o Texto Consolidado da Lei do Estatuto dos Trabalhadores), de 23 de outubro de 2015 (BOE n.o 255, de 24 de outubro de 2015, p. 100224), com a epígrafe «Despedimento coletivo», prevê:

«1.      Para efeitos das disposições [do Estatuto dos Trabalhadores], entende‑se por “despedimento coletivo” a cessação de contratos de trabalho por razões económicas, técnicas, de organização ou de produção, quando, num período de 90 dias, a cessação abranja, no mínimo:

a)      10 trabalhadores, nas empresas que empreguem menos de 100 trabalhadores;

b)      10 % do número de trabalhadores, nas empresas que empreguem entre 100 e 300 trabalhadores;

c)      30 trabalhadores, nas empresas que empreguem mais de 300 trabalhadores.

[…]

Para o cálculo do número de cessações de contratos a que se refere o primeiro parágrafo do presente número serão também tomadas em conta quaisquer outras cessações ocorridas durante o período de referência por iniciativa do empresário, por motivos não inerentes à pessoa do trabalhador e distintos dos previstos no artigo 49.o, n.o 1, alínea c), da presente lei, desde que o seu número seja, pelo menos, de cinco.

Quando, em períodos sucessivos de 90 dias e com o objetivo de contornar o disposto no presente artigo, a empresa proceda a cessações de contratos nos termos do artigo 52.o, alínea c), da presente lei, em número inferior aos limiares referidos e sem que ocorram novas causas que justifiquem tal atuação, essas novas cessações considerar‑se‑ão efetuadas em fraude à lei e serão declaradas nulas e sem efeito.

2.      O despedimento coletivo deve ser precedido de um período de consultas com os representantes legais dos trabalhadores durante um período máximo de 30 dias civis ou de 15 dias no caso das empresas com menos de 50 trabalhadores. A consulta dos representantes legais dos trabalhadores deve incidir, no mínimo, sobre as possibilidades de evitar ou de reduzir os despedimentos coletivos e de atenuar as suas consequências, através de medidas sociais de acompanhamento, tais como medidas de reafetação, ou ações de formação ou de reconversão profissional para melhorar a empregabilidade. […]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6        A recorrida no processo principal tem por atividade a gestão e a exploração de hotéis.

7        Em 25 de setembro de 2019, a recorrida no processo principal notificou o Juzgado de lo Mercantil de Palma (Tribunal de Comércio de Palma de Maiorca, Espanha) do início de negociações com vista a chegar a um acordo de refinanciamento ou a obter adesões para uma concordata preventiva com os credores. Nessa data, a recorrida no processo principal dispunha de um efetivo de 43 trabalhadores que exerciam funções na sua sede.

8        Entre agosto de 2019 e dezembro de 2019, o número de hotéis geridos e explorados pela recorrida no processo principal passou de 20 para 7. Dos 13 hotéis cuja gestão foi abandonada, 7 pertenciam a diversas sociedades do Grupo Globales.

9        Em 30 de dezembro de 2019, a recorrida no processo principal assinou um acordo com as sociedades proprietárias desses sete estabelecimentos hoteleiros e com a AMLA Explotaciones Turísticas SA (a seguir «AMLA Explotaciones»), igualmente pertencente ao Grupo Globales. Este acordo previa que, a partir de 1 de janeiro de 2020, os contratos de arrendamento dos referidos estabelecimentos, geridos até então pela recorrida no processo principal, seriam rescindidos, que a exploração dos estabelecimentos seria transferida para a AMLA Explotaciones e que todos os contratos de trabalho do pessoal dos estabelecimentos em vigor em 31 de dezembro de 2019 seriam transferidos para o Grupo Globales, ficando este, assim, na qualidade de empregador, sub‑rogado nesses contratos.

10      Perante estas circunstâncias, a recorrida no processo principal, num documento elaborado ad hoc, perguntou a todos os membros do seu pessoal que trabalhavam na sede se estavam dispostos a ser entrevistados pelos responsáveis do Grupo Globales para preencher dez postos de trabalho de que o novo explorador poderia necessitar para fazer face ao aumento do volume de trabalho nos seus serviços comuns, decorrente da aquisição dos sete estabelecimentos hoteleiros.

11      Em 30 de dezembro de 2019, na sequência dessas entrevistas, nove trabalhadores assinaram um documento de conteúdo idêntico, indicando a sua intenção de deixar a recorrida no processo principal com efeitos a partir de 14 de janeiro de 2020. Estes nove trabalhadores assinaram, em 15 de janeiro de 2020, contratos de trabalho com a AMLA Explotaciones. Estes contratos continham uma cláusula que lhes reconhecia a antiguidade, a categoria e a remuneração de que beneficiavam junto da recorrida no processo principal e que indicava que essas condições eram reconhecidas a título pessoal e não implicavam, em caso algum, a existência de uma sub‑rogação de empresa, uma vez que a contratação tinha sido precedida da cessação da sua relação de trabalho com o anterior empregador.

12      Em janeiro de 2020, a recorrida no processo principal só empregava 32 trabalhadores na sua sede. Entre os 11 trabalhadores que deixaram de aí trabalhar figuravam os 9 trabalhadores que tinham assinado o referido aviso prévio de cessação voluntária da relação de trabalho em 30 de dezembro de 2019.

13      Em 31 de janeiro de 2020, os dois recorrentes no processo principal e 7 outros trabalhadores, então empregados da recorrida no processo principal, foram notificados do seu despedimento objetivo por motivos organizacionais e de produção. Na sequência destes 9 despedimentos, o número de efetivos na sede da recorrida no processo principal ficou reduzido a 23 trabalhadores.

14      Os recorrentes no processo principal impugnaram o seu despedimento no Juzgado de lo Social n.o 2 de Palma (Tribunal do Trabalho n.o 2 de Palma de Maiorca, Espanha), alegando que a recorrida no processo principal devia ter iniciado um procedimento de despedimento coletivo e agiu fraudulentamente ao encorajar artificialmente a saída voluntária de alguns trabalhadores para evitar ter de inicial esse procedimento.

15      Uma vez que a ação foi julgada improcedente com o fundamento de que o número de despedimentos não atingia os limiares fixados para desencadear obrigatoriamente um procedimento de despedimento coletivo, os recorrentes no processo principal interpuseram recurso no órgão jurisdicional de reenvio.

16      Perante esse órgão jurisdicional, a recorrida no processo principal alegou que as saídas voluntárias não podiam ser contabilizadas para efeitos do cálculo do número de despedimentos ou de cessações equiparáveis e que, uma vez que essas saídas voluntárias não podiam ser tomadas em conta, os limiares definidos para desencadear obrigatoriamente um procedimento de despedimento coletivo não tinham sido atingidos. Segundo a recorrida no processo principal, a sua decisão de despedir nove trabalhadores por razões objetivas não teve em conta o resultado do processo de entrevistas, que foi transparente e voluntário, através do qual os trabalhadores que o consideraram oportuno aceitaram a proposta de saída voluntária. Pelo contrário, essa decisão foi tomada em função da realidade existente à data da sua adoção e obedeceu à análise das suas necessidades em matéria de organização e de produção após a retoma pelo Grupo Globales de uma parte dos efetivos.

17      O órgão jurisdicional de reenvio, fazendo referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça, mais especificamente aos Acórdãos de 10 de setembro de 2009, Akavan Erityisalojen Keskusliitto AEK e o. (C‑44/08, EU:C:2009:533), de 11 de novembro de 2015, Pujante Rivera (C‑422/14, EU:C:2015:743), e de 21 de setembro de 2017, Ciupa e o. (C‑429/16, EU:C:2017:711), tem dúvidas quanto à questão de saber se, numa situação como a que está em causa no processo principal, por um lado, um empregador que prevê, numa situação de crise, a saída de um número de trabalhadores suscetível de ultrapassar, e que efetivamente ultrapassou, os limiares previstos para um despedimento coletivo, sem no entanto respeitar as obrigações de notificação e de consulta, viola o efeito útil da Diretiva 98/59 e, por outro, se as saídas pretensamente voluntárias de nove trabalhadores previamente aos despedimentos dos recorrentes no processo principal e de outros trabalhadores devem ser equiparadas a despedimentos e contabilizadas para efeitos do cálculo do número de despedimentos previsto no artigo 1.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva.

18      Nestas circunstâncias, o Tribunal Superior de Justicia de Illes Balears (Tribunal Superior de Justiça das Ilhas Baleares, Espanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve o artigo 2.o da Diretiva [98/59], à luz da interpretação feita pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 10 de setembro de 2009 (C‑44/08) EU:C:2009:533, ser interpretado no sentido de que as obrigações de consulta e de notificação, que constituem o efeito útil da diretiva, nascem no momento em que a empresa, no âmbito de um processo de reestruturação, projeta cessações de contratos de trabalho que podem ultrapassar, em número, o limiar estabelecido para os despedimentos coletivos, independentemente de, em última análise, o número de despedimentos ou de cessações equiparáveis não atingir esse limiar pelo facto de se ter conseguido reduzir esse número através de medidas empresariais adotadas sem a consulta prévia dos representantes dos trabalhadores?

2.      O artigo 1.o, n.o 1, último parágrafo, da Diretiva [98/59], na parte em que prevê que “[p]ara o cálculo do número de despedimentos previsto no primeiro parágrafo, alínea a), são equiparadas a despedimentos as cessações do contrato de trabalho por iniciativa do empregador por um ou vários motivos não inerentes à pessoa dos trabalhadores, desde que o número de despedimentos seja, pelo menos, de cinco”, abrange, num contexto de crise em que é previsível uma redução de pessoal, incluindo através de despedimentos, as cessações de contratos de trabalho propostas pela empresa, não pretendidas mas aceites pelos trabalhadores depois de lhes ser apresentada uma proposta sólida de trabalho imediato noutra empresa, quando tenha sido o empregador a acordar com essa outra empresa a possibilidade de realizar entrevistas com os seus trabalhadores com vista à sua eventual contratação?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

19      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 98/59 deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de consulta nele prevista se constitui a partir do momento em que o empregador, no âmbito de um plano de reestruturação, prevê ou projeta uma diminuição dos postos de trabalho cujo número pode ultrapassar os fixados para ser abrangida pelo conceito de «despedimentos coletivos» na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva ou apenas no momento em que, depois de ter adotado medidas que consistem em reduzir esse número, o empregador adquiriu a certeza de que tem efetivamente de proceder ao despedimento de um número de trabalhadores superior aos fixados por esta última disposição.

20      Para responder a esta questão, importa, antes de mais, recordar que, no que respeita à obrigação de o empregador proceder às consultas previstas no artigo 2.o da referida diretiva, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que as obrigações de consulta e de notificação se constituem antes da decisão do empregador de rescindir os contratos de trabalho (Acórdãos de 27 de janeiro de 2005, Junk, C‑188/03, EU:C:2005:59, n.o 37, e de 10 de setembro de 2009, Akavan Erityisalojen Keskusliitto AEK e o., C‑44/08, EU:C:2009:533, n.o 38).

21      Com efeito, a realização do objetivo, expresso no artigo 2.o, n.o 2, da Diretiva 98/59, de evitar as rescisões de contratos de trabalho ou de reduzir o seu número ficaria comprometida se a consulta dos representantes dos trabalhadores fosse posterior à decisão do empregador de rescindir os contratos de trabalho (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de janeiro de 2005, Junk, C‑188/03, EU:C:2005:59, n.o 38, e de 10 de setembro de 2009, Akavan Erityisalojen Keskusliitto AEK e o., C‑44/08, EU:C:2009:533, n.o 46).

22      Por conseguinte, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o procedimento de consulta previsto no artigo 2.o da Diretiva 98/59 deve ser iniciado pelo empregador no momento em que foi adotada uma decisão estratégica ou comercial que o obrigue a prever ou a projetar despedimentos coletivos (Acórdãos de 10 de setembro de 2009, Akavan Erityisalojen Keskusliitto AEK e o., C‑44/08, EU:C:2009:533, n.o 48, e de 21 de setembro de 2017, Ciupa e o., C‑429/16, EU:C:2017:711, n.o 34).

23      A este respeito, importa salientar que os processos que deram origem ao Acórdão de 21 de setembro de 2017, Ciupa e o. (C‑429/16, EU:C:2017:711), e ao Acórdão de 10 de setembro de 2009, Akavan Erityisalojen Keskusliitto AEK e o. (C‑44/08, EU:C:2009:533), estavam relacionados com decisões económicas que não tinham diretamente por objeto pôr termo a relações de trabalho específicas, mas que podiam, no entanto, ter repercussões no emprego de um certo número de trabalhadores.

24      É certo que o Tribunal de Justiça considerou, por um lado, que a constituição precoce da obrigação de consulta poderia conduzir a resultados contrários ao objetivo da Diretiva 98/59, como a restrição da flexibilidade das empresas quanto à sua reestruturação, a um aumento dos encargos administrativos e à incitação inútil dos trabalhadores a preocuparem‑se com a segurança do seu emprego (Acórdão de 10 de setembro de 2009, Akavan Erityisalojen Keskusliitto AEK e o., C‑44/08, EU:C:2009:533, n.o 45). Declarou, por outro lado, que, para proceder a consultas em conformidade com os seus objetivos, a saber, evitar rescisões de contratos de trabalho ou reduzir o seu número, bem como atenuar as suas consequências, é necessário que se determinem os fatores e os elementos pertinentes relativos aos despedimentos coletivos previstos. Ora, quando uma decisão que pode conduzir a despedimentos coletivos está apenas em projeto e, portanto, esses despedimentos coletivos mais não são do que uma probabilidade e os fatores pertinentes para as consultas não são conhecidos, os referidos objetivos não podem ser atingidos (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2009, Akavan Erityisalojen Keskusliitto AEK e o., C‑44/08, EU:C:2009:533, n.o 46).

25      Todavia, o Tribunal de Justiça precisou igualmente que, uma vez que, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 98/59, as consultas devem incidir, nomeadamente, sobre a possibilidade de evitar ou de reduzir os despedimentos coletivos previstos, uma consulta que começasse após a tomada de uma decisão que torna necessários tais despedimentos coletivos já não poderia incidir utilmente sobre o exame de alternativas possíveis para evitar estes despedimentos (Acórdão de 10 de setembro de 2009, Akavan Erityisalojen Keskusliitto AEK e o., C‑44/08, EU:C:2009:533, n.o 47).

26      No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que, entre agosto de 2019 e final de dezembro de 2019, o número de hotéis geridos e explorados pela recorrida no processo principal passou de vinte para sete. Em particular, em 30 de dezembro de 2019, esta celebrou um acordo em aplicação do qual a gestão de sete desses treze estabelecimentos foi abandonada e retomada, a partir de 1 de janeiro de 2020, pela AMLA Explotaciones.

27      Tendo em conta a envergadura da alteração da atividade de gestão e de exploração assim empreendida e as consequências razoavelmente previsíveis a nível do volume de trabalho na sua sede, a decisão de iniciar discussões sobre a cessão da atividade de gestão e de exploração desses sete estabelecimentos é suscetível de ser considerada uma decisão estratégica ou comercial que obrigava a recorrida no processo principal a prever ou a projetar despedimentos coletivos, na aceção da jurisprudência referida no n.o 22 do presente acórdão, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

28      A este respeito, por um lado, importa sublinhar que a recorrida no processo principal sabia que a transferência da gestão dos referidos estabelecimentos iria implicar um aumento do volume de trabalho na AMLA Explotaciones que necessitava da contratação de dez novos trabalhadores, razão pela qual perguntou aos membros do seu pessoal que trabalhavam na sede se estavam dispostos a ser entrevistados pelos responsáveis do Grupo Globales. Consequentemente, podia supor que ia sofrer uma diminuição do volume de trabalho da mesma envergadura ou de envergadura semelhante ao aumento do volume de trabalho que a AMLA Explotaciones ia ter.

29      Por outro lado, foi salientado no pedido de decisão prejudicial que a decisão da recorrida no processo principal de despedir nove trabalhadores obedecia à análise das suas necessidades em matéria de organização e de produção após a cessão da gestão e da exploração dos sete estabelecimentos em questão à AMLA Explotaciones e a saída de nove dos seus trabalhadores para esta última. Tendo em conta esta decisão, a recorrida no processo principal devia razoavelmente esperar ter de reduzir significativamente o número dos seus trabalhadores na sua sede, para que esse número se adequasse ao volume da sua atividade e do trabalho que restava.

30      Por conseguinte, uma vez que a decisão de ceder a atividade de gestão e de exploração dos sete hotéis à AMLA Explotaciones implicava necessariamente, para a recorrida no processo principal, a previsão de despedimentos coletivos, cabia‑lhe, dado que existia uma possibilidade de as condições definidas no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 98/59 estarem preenchidas, proceder às consultas previstas no artigo 2.o desta diretiva.

31      Esta conclusão impõe‑se tanto mais quanto a finalidade da obrigação de consulta prevista no artigo 2.o da referida diretiva — a saber, evitar rescisões de contratos de trabalho ou reduzir o seu número e atenuar as suas consequências — e o objetivo que prosseguia, no caso em apreço, a recorrida no processo principal ao perguntar aos seus trabalhadores se estavam dispostos a ser entrevistado pela AMLA Explotaciones — a saber, permitir a alguns dos seus trabalhadores estabelecer uma relação contratual com esta última e, por conseguinte, reduzir o número de despedimentos individuais — se sobrepõem em larga medida. Com efeito, uma vez que uma decisão que implicava uma diminuição significativa do número de hotéis geridos e explorados pela recorrida no processo principal era suscetível de implicar uma redução igualmente significativa da sua atividade e do volume de trabalho na sua sede e, portanto, do número de trabalhadores de que necessitava, a saída voluntária de um certo número de trabalhadores para a sociedade que retomava uma parte da atividade cedida era manifestamente suscetível de permitir evitar despedimentos coletivos.

32      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 98/59 deve ser interpretado no sentido de que a obrigação de consulta nele prevista se constitui a partir do momento em que o empregador, no âmbito de um plano de reestruturação, prevê ou projeta uma diminuição dos postos de trabalho cujo número pode ultrapassar os limiares de supressão de postos fixados no artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva e não no momento em que, depois de ter adotado medidas que consistem em reduzir esse número, o empregador adquire a certeza de que tem efetivamente de proceder ao despedimento de um número de trabalhadores superior a esses limiares.

 Quanto à segunda questão

33      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

34      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 98/59/CE do Conselho, de 20 de julho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos EstadosMembros respeitantes aos despedimentos coletivos,

deve ser interpretado no sentido de que:

a obrigação de consulta nele prevista se constitui a partir do momento em que o empregador, no âmbito de um plano de reestruturação, prevê ou projeta uma diminuição dos postos de trabalho cujo número pode ultrapassar os limiares de supressão de postos fixados no artigo 1.o, n.o 1, alínea a), da referida diretiva e não no momento em que, depois de ter adotado medidas que consistem em reduzir esse número, o empregador adquire a certeza de que tem efetivamente de proceder ao despedimento de um número de trabalhadores superior a esses limiares.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.