Language of document : ECLI:EU:C:2024:156

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

22 de fevereiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Diretiva 2008/104/CE — Trabalho temporário — Artigo 5.o, n.o 1 — Princípio da igualdade de tratamento — Artigo 3.o, n.o 1, alínea f) — Conceito de “condições fundamentais de trabalho e emprego de trabalhadores temporários” — Conceito de “remuneração” — Indemnização devida a título da incapacidade permanente total de um trabalhador temporário para a profissão habitual devido a um acidente de trabalho ocorrido durante a sua cedência»

No processo C‑649/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunal Superior de Justicia del País Vasco (Tribunal Superior de Justiça do País Basco, Espanha), por Decisão de 27 de setembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de outubro de 2022, no processo

XXX

contra

Randstad Empleo ETT, S. A. U,

Serveo Servicios, S. A. U., anteriormente Ferrovial Servicios, S. A.,

Axa Seguros Generales, S. A. de Seguros y Reaseguros,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: P. G. Xuereb, exercendo funções de presidente de secção, A. Kumin (relator) e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo Espanhol, por M. Morales Puerta, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por I. Galindo Martín e D. Recchia, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 20.o e 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 2.o TUE e do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao trabalho temporário (JO 2008, L 327, p. 9), lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da mesma diretiva.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe XXX, um trabalhador temporário, à Randstad Empleo ETT, S. A. U. (a seguir «Randstad Empleo»), sociedade com a qual celebrou um contrato de trabalho temporário, à Serveo Servicios, S. A. U., anteriormente Ferrovial Servicios, S. A. (a seguir «Serveo Servicios»), empresa utilizadora à qual foi cedido, e à companhia de seguros Axa Seguros Generales, S. A. de Seguros y Reaseguros (a seguir «Axa»), a respeito do montante da indemnização a que XXX tem direito a título da incapacidade permanente total para exercer a sua profissão habitual devido a um acidente de trabalho ocorrido durante a sua cedência nesta empresa utilizadora e que teve como consequência a cessação da sua relação de trabalho.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 91/383/CEE

3        O quarto considerando da Diretiva 91/383/CEE do Conselho, de 25 de junho de 1991, que completa a aplicação de medidas tendentes a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores que têm uma relação de trabalho a termo ou uma relação de trabalho temporário (JO 1991, L 206, p. 19), tem a seguinte redação:

«Considerando que, de acordo com investigações feitas, se conclui que, de um modo geral, os trabalhadores com uma relação de trabalho a termo ou uma relação de trabalho temporário estão, em certos setores, mais expostos aos riscos de acidentes de trabalho e de doenças profissionais do que os outros trabalhadores.»

4        O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«A presente diretiva aplica‑se:

[…]

2.      Às relações de trabalho temporário entre uma empresa de trabalho temporário, que é a entidade patronal, e o trabalhador, sendo este último colocado à disposição e sob a direção de uma empresa e/ou de um estabelecimento utilizadores para nele(s) trabalhar.»

5        O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Objeto», prevê:

«1.      A presente diretiva tem por objeto assegurar que os trabalhadores que possuam um dos tipos de relações de trabalho referidos no artigo 1.o beneficiem, em matéria de segurança e de saúde no trabalho, do mesmo nível de proteção de que beneficiam os outros trabalhadores da empresa e/ou do estabelecimento utilizadores.

2.      A existência de uma das relações de trabalho referidas no artigo 1.o não pode, em caso algum, justificar uma diferença de tratamento no [que] se refere às condições de trabalho, desde que se trate da proteção da segurança e da saúde no trabalho, nomeadamente no que respeita ao acesso aos equipamentos de proteção individual[.]

[…]»

6        Nos termos do artigo 8.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Relações de trabalho temporário: responsabilidade»:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que:

1.      Sem prejuízo da responsabilidade fixada pela legislação nacional da empresa de trabalho temporário, a empresa e/ou o estabelecimento utilizadores sejam responsáveis pelas condições de execução do trabalho durante a vigência do contrato.

2.      Para efeitos de aplicação do ponto 1, as condições de execução do trabalho limitam‑se às que se relacionam com a segurança, a saúde e a higiene no trabalho.»

 Diretiva 2008/104

7        Os considerandos 1, 10 a 13 e 15 a 17 da Diretiva 2008/104 enunciam:

«(1)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela [Carta]. Em especial, a presente diretiva visa assegurar o pleno respeito do artigo 31.o da Carta, que prevê o direito de todos os trabalhadores a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas […].

[…]

(10)      Na União Europeia, a cedência temporária de trabalhadores e a respetiva situação jurídica, o estatuto e as condições de trabalho dos trabalhadores temporários caracterizam‑se por uma grande diversidade.

(11)      O trabalho temporário responde não só às necessidades de flexibilidade das empresas, mas também à necessidade de os trabalhadores conciliarem a vida privada e profissional. Contribui deste modo para a criação de empregos, bem como para a participação e inserção no mercado de trabalho.

(12)      A presente diretiva estabelece um quadro de proteção para os trabalhadores temporários que se caracteriza pela não discriminação, pela transparência e proporcionalidade, sem deixar de respeitar a diversidade dos mercados de trabalho e das relações laborais.

(13)      A Diretiva [91/383] estabelece as disposições aplicáveis aos trabalhadores temporários em matéria de segurança e saúde no trabalho.

[…]

(15)      As relações de trabalho assumem geralmente a forma de contratos de duração indeterminada. No que se refere aos trabalhadores temporários ligados à empresa de trabalho temporário por um contrato permanente, tendo em conta a especial proteção relativa à natureza deste tipo de contrato de trabalho, há que prever a possibilidade de derrogações às disposições aplicáveis ao utilizador.

(16)      Para enfrentar de forma flexível a diversidade dos mercados de trabalho e das relações laborais, os Estados‑Membros podem dar aos parceiros sociais a possibilidade de definirem as condições de trabalho e emprego, desde que seja respeitado o nível geral de proteção dos trabalhadores temporários.

(17)      Além disso, em certas circunstâncias limitadas, os Estados‑Membros deverão ter a possibilidade de, com base em acordos celebrados pelos parceiros sociais a nível nacional e dentro de limites, derrogar ao princípio da igualdade de tratamento, desde que fique assegurado um nível adequado de proteção.»

8        O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe, no seu n.o 1:

«A presente diretiva é aplicável aos trabalhadores com um contrato de trabalho ou uma relação de trabalho com uma empresa de trabalho temporário, que sejam cedidos temporariamente a utilizadores a fim de trabalharem sob a autoridade e direção destes.»

9        O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Objetivo», prevê:

«A presente diretiva tem como objetivo assegurar a proteção dos trabalhadores temporários e melhorar a qualidade do trabalho temporário, assegurando que o princípio da igualdade de tratamento, tal como definido no artigo 5.o é aplicável aos trabalhadores temporários, reconhecendo às empresas de trabalho temporário a qualidade de empregadores, tendo em conta a necessidade de estabelecer um quadro de utilização do trabalho temporário por forma a contribuir efetivamente para a criação de emprego e para o desenvolvimento de formas de trabalho flexíveis.»

10      Nos termos do artigo 3.o da Diretiva 2008/104, sob a epígrafe «Definições»:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

f)      “Condições fundamentais de trabalho e emprego”, as condições de trabalho e emprego estabelecidas por legislação, regulamentação, disposições administrativas, convenções coletivas e/ou outras disposições de caráter geral vinculativas em vigor no utilizador, relativas:

i)      à duração do trabalho, às horas suplementares, aos períodos de pausa e de descanso, ao trabalho noturno e às férias e feriados,

ii)      à remuneração.

2.      A presente diretiva não prejudica o disposto na legislação nacional em matéria de definição de remuneração, contrato de trabalho, relação de trabalho ou de trabalhador.

[…]»

11      O artigo 5.o desta diretiva, sob a epígrafe «Princípio da igualdade de tratamento», enuncia:

«1.      As condições fundamentais de trabalho e emprego dos trabalhadores temporários são, enquanto durar a respetiva cedência ao utilizador, pelo menos iguais às condições que lhes seriam aplicáveis se tivessem sido recrutados diretamente pelo utilizador para ocuparem a mesma função.

[…]

2.      Em matéria de remuneração, os Estados‑Membros podem, após consulta aos parceiros sociais, prever a possibilidade de derrogar ao princípio previsto no n.o 1 sempre que os trabalhadores temporários ligados a uma empresa de trabalho temporário por um contrato permanente continuem a ser remunerados durante o período que decorre entre duas cedências.

3.      Após consulta aos parceiros sociais, os Estados‑Membros podem dar‑lhes a possibilidade de manterem ou celebrarem, ao nível adequado e sob reserva das condições estabelecidas pelos Estados‑Membros, convenções coletivas que, assegurando embora a proteção geral dos trabalhadores temporários, estabeleçam as condições de trabalho e emprego desses trabalhadores, as quais podem ser distintas das referidas no n.o 1.

4.      Desde que seja concedido aos trabalhadores temporários um nível de proteção adequado, os Estados‑Membros que não disponham de um sistema jurídico pelo qual as convenções coletivas possam ser declaradas universalmente aplicáveis ou um sistema em que a lei ou a prática permitam a extensão dessas disposições a todas as empresas semelhantes de um determinado setor ou região, podem, após consulta aos parceiros sociais a nível nacional e com base em acordos por eles celebrados, estabelecer disposições relativas às condições fundamentais de trabalho e de emprego que derroguem o princípio previsto no n.o 1. Tais disposições podem incluir um prazo de qualificação para a igualdade de tratamento.

[…]»

 Direito espanhol

 Lei 14/1994

12      O artigo 11.o da Ley 14/1994, por la que se regulan las empresas de trabajo temporal (Lei n.o 14/1994, relativa à Regulação das Empresas de Trabalho Temporário), de 1 de junho (BOE n.o 131 de 2 de junho de 1994), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei 14/1994»), prevê, no seu n.o 1:

«Os trabalhadores contratados para ser cedidos a empresas utilizadoras têm direito, durante os períodos de prestação de serviços nessas empresas, à aplicação das condições fundamentais de trabalho e emprego iguais às que lhes seriam aplicáveis se tivessem sido recrutados diretamente pela empresa utilizadora para ocuparem a mesma função.

Para este efeito, consideram‑se condições fundamentais de trabalho e emprego as relativas à remuneração, à duração do trabalho, às horas suplementares, aos períodos de descanso, ao trabalho noturno e às férias e feriados.

A remuneração inclui todas as retribuições financeiras, fixas ou variáveis, previstas, para o posto de trabalho a ocupar, na convenção coletiva aplicável à empresa utilizadora ligadas a esse posto de trabalho. A remuneração deve incluir, em todo o caso, a parte proporcional correspondente ao descanso semanal, aos prémios e gratificações extraordinários, aos feriados e às férias anuais. Incumbe à empresa utilizadora calcular o montante final a receber pelo trabalhador e, para esse efeito, deve indicar as retribuições a que se refere o presente parágrafo no contrato de cedência do trabalhador.

Além disso, os trabalhadores temporários têm direito a que lhes sejam aplicadas as mesmas disposições que são aplicadas aos trabalhadores da empresa utilizadora em matéria de proteção das mulheres grávidas e lactantes, de proteção dos menores e de igualdade de tratamento de homens e mulheres, e a serem objeto das mesmas ações destinadas a combater a discriminação por motivos de sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.»

 Estatuto dos Trabalhadores

13      O artigo 49.o do Estatuto de los Trabajadores (Estatuto dos Trabalhadores), na sua versão resultante do Real Decreto Legislativo 2/2015, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (Real Decreto Legislativo n.o 2/2015, que aprova o texto codificado da Lei relativa ao Estatuto dos Trabalhadores), de 23 de outubro de 2015 (BOE n.o 255, de 24 de outubro de 2015, p. 100224), enuncia, no seu n.o 1:

«O contrato de trabalho cessa:

[…]

e)      por morte, invalidez grave ou incapacidade permanente total ou absoluta do trabalhador […]»

 Convenção Coletiva do Trabalho Temporário

14      Por força do artigo 42.o do VI Convenio coletivo estatal de empresas de trabajo temporal (VI Convenção Coletiva Estatal das Empresas de Trabalho Temporário; a seguir «Convenção Coletiva do Trabalho Temporário»), os trabalhadores temporários têm direito a uma indemnização no montante de 10 500 euros em caso de incapacidade permanente total para exercerem a sua profissão habitual devido a um acidente de trabalho.

 A Convenção Coletiva do Setor dos Transportes

15      O artigo 31.o do Convenio colectivo para el sector de la industria del transporte de mercancías por carretera y agencias de transporte de Álava (Convenção Coletiva para o Setor da Indústria do Transporte Rodoviário de Mercadorias e das Agências de Transporte de Álava, Espanha) (a seguir «Convenção Coletiva do Setor dos Transportes») prevê uma indemnização de 60 101,21 euros em caso de incapacidade permanente total ou absoluta de um trabalhador para o exercício da profissão habitual devido a um acidente de trabalho.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

16      XXX celebrou um contrato de trabalho temporário, que entrou em vigor em 1 de outubro de 2016, com a Randstad Empleo, que o cedeu à Serveo Servicios para exercer as funções de operador de armazém especialista. Em conformidade com este contrato, a Convenção Coletiva do Trabalho Temporário é Aplicável a esta relação de trabalho.

17      Durante esta cedência, XXX foi vítima, em 24 de outubro de 2016, de um acidente de trabalho. Por Decisão da Dirección Provincial del Instituto Nacional de la Seguridad Social de Álava (Direção Provincial do Instituto Nacional da Segurança Social de Álava, Espanha), de 16 de março de 2019, confirmada pelo Juzgado de lo Social n.o 2 de Vitoria‑Gasteiz (Tribunal do Trabalho n.o 2 de Vitoria‑Gasteiz, Espanha), por Sentença de 12 de setembro de 2019, foi declarado que XXX sofria de uma incapacidade permanente total para exercer a sua profissão habitual devido a esse acidente de trabalho.

18      Em 21 de novembro de 2019, a Axa pagou, com base no artigo 42.o da Convenção Coletiva do Trabalho Temporário, uma indemnização no montante de 10 500 euros a XXX, a título da sua incapacidade permanente total para exercer a sua profissão habitual. No entanto, XXX considera que lhe deveria ter sido paga a esse título uma indemnização no montante de 60 101,21 euros, com base no artigo 31.o da Convenção Coletiva do Setor dos Transportes.

19      Assim, em 7 de fevereiro de 2020, o sindicato Eusko Langileen Alkartasuna (sindicato Solidariedade dos Trabalhadores Bascos) intentou, na qualidade de representante de XXX, uma ação de indemnização no Juzgado de lo Social n.o 3 de Vitoria (Tribunal do Trabalho n.o 3 de Vitoria, Espanha) contra, por um lado, a Randstad Empleo, a Serveo Servicios e a Axa e, por outro lado, o Fondo de Garantía Salarial (Fundo de Garantia Salarial, Espanha), para que fosse paga a XXX a quantia de 49 601,21 euros, a saber, a diferença de montante entre a indemnização paga a XXX ao abrigo do artigo 42.o da Convenção Coletiva do Trabalho Temporário e a indemnização prevista no artigo 31.o da Convenção Coletiva do Setor dos Transportes, acrescida de 20 % ou de juros de mora. Esse órgão jurisdicional julgou o pedido improcedente por Sentença de 30 de dezembro de 2021, com o fundamento, nomeadamente, de que a convenção aplicável a XXX era a Convenção Coletiva do Trabalho Temporário e que, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), os complementos em matéria de prestações de segurança social concedidos numa base voluntária e que não fazem parte da garantia salarial mínima prevista no artigo 11.o da Lei 14/1994, tal como a indemnização pedida no caso em apreço por XXX, não estavam abrangidos pelo conceito de «remuneração».

20      O sindicato Solidariedade dos Trabalhadores Bascos interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal Superior de Justicia del País Vasco (Tribunal Superior de Justiça do País Basco, Espanha), o órgão jurisdicional de reenvio. Perante esse órgão jurisdicional, XXX alega que deveria ter recebido uma indemnização ao abrigo do artigo 31.o da Convenção Coletiva do Setor dos Transportes, uma vez que essa indemnização está abrangida pelo conceito de «condições fundamentais de trabalho e emprego», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2008/104. Em contrapartida, as recorridas no processo principal consideram que a Convenção Coletiva do Trabalho Temporário é aplicável a XXX e que uma indemnização como a que está em causa no processo principal não está abrangida pelo âmbito de aplicação das «condições fundamentais de trabalho e emprego», na aceção desta diretiva.

21      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à conformidade da interpretação feita pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) do artigo 11.o da Lei 14/1994, que visa transpor a Diretiva 2008/104, com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação consagrados nos artigos 20.o e 21.o da Carta, bem como com o artigo 5.o desta diretiva. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio entende que, por força desta interpretação, os complementos em matéria de prestações da segurança social concedidos numa base voluntária não estão abrangidos pelo conceito de «remuneração», na aceção deste artigo 11.o, uma vez que não estão diretamente relacionados com o trabalho. Resulta da referida interpretação que a indemnização em causa no processo principal não está abrangida pelo conceito de «condições essenciais de trabalho e emprego» e que, por conseguinte, XXX não tem direito à indemnização que reclama ao abrigo do artigo 31.o da Convenção Coletiva do Setor dos Transportes.

22      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta a finalidade da Diretiva 2008/104, em especial do seu artigo 5.o, há que interpretar de forma ampla o conceito de «condições fundamentais de trabalho e emprego», em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para que XXX possa ter direito à mesma indemnização a que um trabalhador diretamente recrutado pela Serveo Servicios teria direito na mesma situação. Com efeito, a interpretação efetuada pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) do artigo 11.o da Lei 14/1994 poderia conduzir a uma situação absurda em que dois trabalhadores lesionados no mesmo acidente de trabalho obteriam uma indemnização diferente, consoante tivessem ou não sido recrutados diretamente pela empresa utilizadora.

23      Além disso, no que respeita ao facto de o contrato de trabalho de XXX ter sido rescindido na sequência da incapacidade permanente total deste último para exercer a sua profissão habitual, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, no Acórdão de 12 de maio de 2022, Luso Temp (C‑426/20, EU:C:2022:373), o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «condições fundamentais de trabalho e emprego» incluía uma indemnização que uma entidade patronal está obrigada a pagar a um trabalhador, em razão da cessação da sua relação de trabalho.

24      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera que XXX passou a sofrer de uma deficiência na sequência do acidente de trabalho em causa e que, por essa razão, perdeu o seu emprego. Ora, não lhe reconhecer o direito a ser indemnizado da mesma maneira que os trabalhadores diretamente recrutados pela Serveo Servicios que se encontram na mesma situação, a saber, ao abrigo do artigo 31.o da Convenção Coletiva do Setor dos Transportes, poderia constituir uma discriminação em razão da deficiência, proibida pelo artigo 21.o da Carta.

25      Nestas condições, o Tribunal Superior de Justicia del País Vasco (Tribunal Superior de Justiça do País Basco) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem os artigos 20.o e 21.o da [Carta], o artigo 2.o TUE e os artigos 3.o, n.o 1, alínea f), e 5.o da diretiva [2008/104], ser interpretados no sentido de que se opõem a uma interpretação jurisprudencial da norma espanhola que exclui do conceito de “condições fundamentais de trabalho e emprego” uma indemnização devida a um trabalhador cedido por uma empresa de trabalho temporário cujo contrato de trabalho foi cessado quando foi declarado em situação de incapacidade permanente total devido a um acidente de trabalho sofrido na empresa utilizadora dos seus serviços?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

26      A título preliminar, importa recordar que a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Com efeito, no âmbito do processo instituído pelo artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça apenas está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação de um diploma da União com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (Acórdão de 12 de janeiro de 2023, DOBELES HES, C‑702/20 e C‑17/21, EU:C:2023:1, n.o 85 e jurisprudência referida).

27      Por outro lado, o Tribunal de Justiça insiste na importância da indicação, pelo juiz nacional, das razões precisas que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça. A este respeito, é indispensável que o juiz nacional forneça, na própria decisão de reenvio, um mínimo de explicações sobre os motivos da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita e sobre o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe foi submetido (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Toplofikatsia Sofia e o., C‑208/20 e C‑256/20, EU:C:2021:719, n.o 19 e jurisprudência referida).

28      Estas exigências relativas ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial figuram expressamente no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que é suposto o órgão jurisdicional de reenvio conhecer e respeitar escrupulosamente, no quadro da cooperação instituída pelo artigo 267.o TFUE. As mesmas são recordadas no n.o 15 das Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1) (Acórdão de 9 de setembro de 2021, Toplofikatsia Sofia e o., C‑208/20 e C‑256/20, EU:C:2021:719, n.o 20 e jurisprudência referida).

29      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação dos artigos 20.o e 21.o da Carta, do artigo 2.o TUE, bem como do artigo 3.o, n.o 1, alínea f), e do artigo 5.o da Diretiva 2008/104. Todavia, esse órgão jurisdicional não indica com a precisão e a clareza exigidas as razões que o levaram a interrogar‑se sobre a interpretação dos artigos 20.o e 21.o da Carta e do artigo 2.o TUE, nem o nexo que estabelece entre estas disposições e a legislação nacional em causa no processo principal.

30      Com efeito, primeiro, embora os artigos 20.o e 21.o da Carta estabeleçam, respetivamente, os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação, há que constatar, à semelhança da Comissão Europeia, que o órgão jurisdicional de reenvio se limita a indicar, a respeito destas disposições, que o facto de não reconhecer a XXX o direito a ser indemnizado como se fosse um trabalhador diretamente recrutado pela Serveo Servicios poderia constituir uma discriminação em razão de uma deficiência, proibida por este artigo 21.o

31      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio não precisou em que medida o facto de indemnizar XXX com base no artigo 42.o da Convenção Coletiva do Trabalho Temporário e não com base no artigo 31.o da Convenção Coletiva do Setor dos Transportes é suscetível de constituir uma discriminação em seu detrimento relacionada com uma deficiência. Com efeito, como resulta da decisão de reenvio, há que constatar, à semelhança do Governo Espanhol, que, para decidir a questão de saber em qual das convenções coletivas um trabalhador se pode basear para pedir uma indemnização por incapacidade permanente total para exercer a sua profissão habitual, o que é determinante é o estatuto desse trabalhador, sendo irrelevante, neste contexto, uma eventual deficiência de que o referido trabalhador sofra.

32      Nestas condições, também não há que examinar a situação de XXX à luz dos artigos 2.o e 3.o da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16), respeitantes, nomeadamente, à discriminação em razão de deficiência, disposições a que o órgão jurisdicional faz referência, sem que, todavia, precise em que medida estas disposições são pertinentes para decidir o litígio no processo principal.

33      Por outro lado, uma vez que a decisão de reenvio contém uma referência ao artigo 14.o da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO 2006, L 204, p. 23), nos termos do qual «[n]ão haverá qualquer discriminação direta ou indireta em razão de sexo», há que referir que os autos de que dispõe o Tribunal de Justiça não contêm o menor indício de uma discriminação de XXX em razão do sexo.

34      Segundo, no que respeita ao artigo 2.o TUE, basta salientar que o pedido de decisão prejudicial não é conforme com a jurisprudência recordada nos n.os 27 e 28 do presente acórdão, na medida em que não contém nenhuma precisão quanto às razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação desta disposição nem quanto ao nexo que estabelece entre a referida disposição e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

35      Tendo em conta o que precede, o pedido de decisão prejudicial só é admissível na parte em que diz respeito ao artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, e ao artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da Diretiva 2008/104.

 Quanto à questão prejudicial

36      Com a sua questão, e tendo em conta o que resulta do n.o 35 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, tal como interpretada pela jurisprudência nacional, por força da qual a indemnização a que os trabalhadores temporários têm direito, a título de uma incapacidade permanente total para exercerem a sua profissão habitual, devido a um acidente de trabalho ocorrido na empresa utilizadora e que teve como consequência a cessação da sua relação de trabalho temporária, é inferior à indemnização a que esses trabalhadores teriam direito, na mesma situação e pelo mesmo motivo, se tivessem sido recrutados diretamente por essa empresa utilizadora, para aí exercerem a mesma função durante o mesmo período.

 Quanto ao conceito de «condições fundamentais de trabalho e emprego», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da mesma diretiva

37      Em primeiro lugar, há que examinar se uma indemnização, devida a um trabalhador temporário a título da incapacidade permanente total deste último para exercer a sua profissão habitual, em resultado de um acidente de trabalho ocorrido na empresa utilizadora e que teve como consequência a cessação da sua relação de trabalho temporária, está abrangida pelo conceito de «condições fundamentais de trabalho e emprego», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da mesma.

38      Embora a redação do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104 não contenha nenhuma indicação que permita saber se o conceito de «condições fundamentais de trabalho e emprego» que nele figura deve ser interpretado no sentido de que inclui ou não tal indemnização, este conceito faz nomeadamente referência, em conformidade com a definição enunciada no artigo 3.o, n.o 1, alínea f), desta diretiva, ao conceito de «remuneração».

39      A este respeito, há que salientar que este último conceito não é definido pela Diretiva 2008/104.

40      Embora seja verdade que, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 2008/104, esta «não prejudica o disposto na legislação nacional em matéria de definição de remuneração», importa precisar que esta disposição não pode ser interpretada como uma renúncia do legislador da União a determinar, ele próprio, o alcance do conceito de «remuneração», na aceção desta diretiva, significando esta disposição unicamente que esse legislador pretendeu preservar o poder de os Estados‑Membros definirem esse conceito na aceção do direito nacional, aspeto que a referida diretiva não se destina a harmonizar (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2016, Betriebsrat der Ruhrlandklinik, C‑216/15, EU:C:2016:883, n.os 30 a 32).

41      Como resulta de jurisprudência constante, a determinação do significado e do alcance dos termos para os quais o direito da União não forneça nenhuma definição deve fazer‑se de acordo com o seu sentido habitual na linguagem corrente, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (Acórdão de 1 de Agosto de 2022, Navitours, C‑294/21, EU:C:2022:608, n.o 25 e jurisprudência referida).

42      Primeiro, de acordo com o seu sentido habitual na linguagem corrente, o conceito de «remuneração» é entendido de forma geral como o dinheiro pago por um determinado trabalho ou pela prestação de um serviço.

43      A este respeito, importa recordar que resulta de jurisprudência constante que a característica essencial da remuneração reside no facto de constituir a contrapartida económica da prestação em causa, contrapartida que é normalmente definida entre o prestador e o destinatário do serviço (Acórdão de 11 de novembro de 2021, Manpower Lit, C‑948/19, EU:C:2021:906, n.o 45 e jurisprudência referida).

44      Por outro lado, o conceito de «remuneração» é definido no artigo 157.o, n.o 2, TFUE como «o salário ou vencimento ordinário, de base ou mínimo, e quaisquer outras regalias pagas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie, pela entidade patronal ao trabalhador em razão do emprego deste último». Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, este conceito deve ser interpretado em sentido amplo e compreende, nomeadamente, todas as regalias em dinheiro ou em espécie, atuais ou futuras, desde que sejam concedidas, ainda que indiretamente, pelo empregador ao trabalhador, em razão do trabalho deste último, seja nos termos de um contrato de trabalho, de disposições legislativas ou a título voluntário (Acórdão de 8 de maio de 2019, Praxair MRC, C‑486/18, EU:C:2019:379, n.o 70 e jurisprudência referida).

45      Além disso, o Tribunal de Justiça precisou que, entre as regalias qualificadas de «remuneração», na aceção do artigo 157.o TFUE, figuram precisamente as que são pagas pela entidade patronal em razão da existência de relações de trabalho assalariado que têm por objeto garantir uma fonte de rendimentos aos trabalhadores, mesmo que estes não exerçam, em casos específicos, nenhuma atividade prevista pelo contrato de trabalho. Além disso, a natureza de remuneração dessas prestações não pode ser posta em dúvida pelo simples facto de também obedecerem a considerações de política social (Acórdão de 19 de setembro de 2018, Bedi, C‑312/17, EU:C:2018:734, n.o 34 e jurisprudência referida).

46      A este respeito, importa observar que resulta da jurisprudência que a «remuneração», na aceção do artigo 157.o, n.o 2, TFUE, faz parte das «condições de emprego», na aceção da cláusula 4, n.o 1, do acordoquadro relativo ao trabalho a tempo parcial, celebrado em 6 de junho de 1997, que figura em anexo à Diretiva 97/81/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, respeitante ao Acordoquadro relativo ao trabalho a tempo parcial celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (JO 1998, L 14, p. 9), conforme alterada pela Diretiva 98/23/CE do Conselho, de 7 de abril de 1998 (JO 1998, L 131, p. 10), e do artigo 4.o, n.o 1, do Acordoquadro  relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado em 18 de março de 1999, que figura em anexo à Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordoquadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo (JO 1999, L 175, p. 43) (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de abril de 2008, Impact, C‑268/06, EU:C:2008:223, n.os 131 e 132, e de 22 de novembro de 2012, Elbal Moreno, C‑385/11, EU:C:2012:746, n.os 20 e 21).

47      Ora, o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104 visa, de forma ainda mais específica do que as referidas cláusulas, assegurar uma tutela efetiva dos trabalhadores atípicos e precários, de modo que uma interpretação análoga à que foi adotada pela jurisprudência referida nos n.os 44 e 45 do presente acórdão do conceito de «remuneração», na aceção do artigo 157.o TFUE, se impõe, a fortiori, para determinar o alcance deste conceito, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea f), ii), desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2022, Luso Temp, C‑426/20, EU:C:2022:373, n.o 36).

48      Embora seja certo que uma indemnização como a referida no n.o 37 do presente acórdão não é diretamente paga como contrapartida de uma prestação de trabalho realizada por um trabalhador temporário, importa, todavia, considerar que tal indemnização constitui uma regalia em dinheiro que, por um lado, é indiretamente concedida pelo empregador ao trabalhador em razão do emprego deste último na medida em que essa indemnização está prevista numa convenção coletiva aplicável à relação de trabalho e, por outro, é paga a esse trabalhador com o objetivo de compensar a perda de rendimentos resultante da incapacidade deste último para exercer a sua profissão habitual, de modo que tem por objeto garantir‑lhe uma fonte de rendimentos.

49      Por conseguinte, o conceito de «remuneração», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea f), ii), da Diretiva 2008/104, é suficientemente amplo para abranger uma indemnização a que os trabalhadores temporários têm direito a título de uma incapacidade permanente total para exercerem a sua profissão habitual, devido a um acidente de trabalho ocorrido na empresa utilizadora.

50      Segundo, no que respeita ao contexto em que se insere o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), ii), da mesma diretiva, há que constatar que, nos termos do considerando 13 desta diretiva, a Diretiva 91/383 estabelece as disposições aplicáveis aos trabalhadores temporários em matéria de segurança e de saúde no trabalho.

51      Ora, resulta do n.o 1 do artigo 2.o da Diretiva 91/383, lido em conjugação com o seu artigo 1.o, n.o 2, que esta diretiva tem por objeto assegurar que os trabalhadores temporários beneficiem, em matéria de segurança e de saúde no trabalho, do mesmo nível de proteção de que beneficiam os outros trabalhadores da empresa utilizadora. Além disso, nos termos deste artigo 2.o, n.o 2, lido em conjugação com este artigo 1.o, n.o 2, a existência de uma relação de trabalho temporário não pode justificar uma diferença de tratamento no que se refere às condições de trabalho, desde que se trate da proteção da segurança e da saúde no trabalho, tanto mais que, como resulta do quarto considerando da referida diretiva, os trabalhadores temporários estão, em certos setores, mais expostos aos riscos de acidentes de trabalho do que os outros trabalhadores.

52      Além disso, o artigo 8.o da Diretiva 91/383 prevê, em substância, que os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para que, sem prejuízo da responsabilidade fixada pela legislação nacional no que respeita à empresa de trabalho temporário, a empresa utilizadora seja responsável pelas condições de execução do trabalho relacionadas com a segurança, higiene e saúde no trabalho durante a vigência do contrato.

53      Por conseguinte, há que considerar, por um lado, que a proteção da «segurança» e da «saúde» no trabalho está abrangida pelas «condições de trabalho», na aceção da Diretiva 91/383, e que o trabalhador temporário deve, a este respeito, ser tratado, durante a sua cedência, da mesma maneira que os trabalhadores contratados diretamente pela empresa utilizadora.

54      Por outro lado, uma indemnização como a referida no n.o 37 do presente acórdão está ligada à proteção da «segurança» e da «saúde» no trabalho, na medida em que a responsabilidade da empresa utilizadora e, eventualmente, da empresa de trabalho temporário, no que se refere às condições de execução do trabalho relacionadas com essa proteção, é acompanhada da reparação de danos na hipótese de a referida proteção não ser concedida, a saber, nomeadamente, quando ocorre um acidente de trabalho durante o período da cedência de um trabalhador temporário que tem como consequência a incapacidade permanente total desse trabalhador para exercer a sua profissão habitual.

55      Tendo em conta a remissão efetuada pela Diretiva 2008/104 para a Diretiva 91/383, importa, por conseguinte, declarar que o contexto em que se insere o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da mesma diretiva, corrobora a interpretação segundo a qual o conceito de «remuneração», à qual o conceito de «condições fundamentais de trabalho e emprego», que figura nessas disposições, faz referência, abrange uma indemnização como a referida no n.o 37 do presente acórdão.

56      Terceiro, no que respeita aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2008/104, resulta do seu considerando 1 que esta diretiva visa assegurar o pleno respeito do artigo 31.o da Carta, que, em conformidade com o seu n.o 1, prevê, de maneira geral, o direito de todos os trabalhadores a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas. As Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17) indicam, a este respeito, que o conceito de «condições de trabalho» deve ser entendido na aceção do artigo 156.o TFUE, embora esta última disposição não defina o conceito. À luz do objetivo de proteção dos direitos do trabalhador temporário prosseguido pela referida diretiva, esta falta de precisão milita a favor de uma interpretação lata do referido conceito (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2022, Luso Temp, C‑426/20, EU:C:2022:373, n.o 40 e jurisprudência referida).

57      Por conseguinte, na medida em que a Diretiva 2008/104 tem por objetivo assegurar a proteção dos trabalhadores temporários em matéria de segurança e de saúde no trabalho, há que concluir, à semelhança da Comissão, que se, em caso de acidente de trabalho, o risco financeiro para as empresas utilizadoras fosse menor no que respeita a estes trabalhadores do que em relação aos trabalhadores que contratam diretamente, estas empresas seriam menos incentivadas a investir na segurança dos trabalhadores temporários, o que levaria ao desvirtuamento deste objetivo.

58      Consequentemente, os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2008/104 corroboram a interpretação do conceito de «remuneração», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea f), ii), desta diretiva, enquanto «condição fundamental de trabalho e emprego», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva, segundo a qual este conceito inclui uma indemnização a que um trabalhador temporário tem direito por incapacidade permanente total para exercer a sua profissão habitual, devido um acidente de trabalho ocorrido na empresa utilizadora.

59      Esta interpretação não é infirmada, contrariamente ao que alega, em substância, o Governo Espanhol, pelo facto de essa indemnização ser paga após a cessação da relação de trabalho temporário, ou ainda pelo facto de essa indemnização ter pretensamente a sua origem unicamente na declaração de incapacidade permanente absoluta do trabalhador temporário em causa para trabalhar e, por conseguinte, na cessação da sua relação de trabalho.

60      Com efeito, por um lado, importa precisar que a circunstância de a indemnização em causa ser paga após a cessação da relação de trabalho não exclui a possibilidade de ter a natureza de remuneração, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea f), ii), da Diretiva 2008/104 (v., por analogia, Acórdão de 8 de maio de 2019, Praxair MRC, C‑486/18, EU:C:2019:379, n.o 70).

61      Por outro lado, importa recordar que uma interpretação do conceito de «condições fundamentais de trabalho e emprego» que excluísse a indemnização que um empregador é obrigado a pagar a um trabalhador temporário, pelo simples facto de esta indemnização estar vinculada à cessação da sua relação laboral, do âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, seria contrária tanto ao contexto em que esta disposição se insere como aos objetivos prosseguidos por esta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2022, Luso Temp, C‑426/20, EU:C:2022:373, n.o 39 e 45).

62      Além disso, há que declarar, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, que o acidente de trabalho em causa no processo principal, que é o facto gerador da incapacidade permanente total de XXX para exercer a sua profissão habitual, ocorreu durante a «cedência ao utilizador», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, pelo que não se pode admitir que a indemnização paga em razão dessa incapacidade tenha origem unicamente na cessação da relação de trabalho de XXX.

63      Tendo em conta tudo o que precede, há que considerar que uma indemnização devida a um trabalhador temporário a título da incapacidade permanente total deste último para exercer a sua profissão habitual, em resultado de um acidente de trabalho ocorrido na empresa utilizadora e que teve como consequência a cessação da sua relação de trabalho temporária, está abrangida pelo conceito de «condições fundamentais de trabalho e emprego», na aceção do artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da mesma.

 Quanto ao alcance do princípio da igualdade de tratamento previsto no artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104

64      No que respeita, em segundo lugar, ao alcance do princípio da igualdade de tratamento, há que salientar que, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, os trabalhadores temporários devem, durante a sua cedência a uma empresa utilizadora, beneficiar de condições fundamentais de trabalho e emprego pelo menos iguais às condições que lhes seriam aplicáveis se tivessem sido recrutados diretamente por essa empresa para exercerem a mesma função.

65      Por conseguinte, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, num primeiro momento, as condições fundamentais de trabalho e emprego que seriam aplicáveis ao trabalhador temporário em causa se tivesse sido recrutado diretamente pela empresa utilizadora para aí exercer a mesma função que exerce efetivamente, durante o mesmo período, e, mais precisamente, no caso em apreço, a indemnização a que teria direito, a título da incapacidade permanente total para exercer a sua profissão habitual, devido a um acidente de trabalho e que teve como consequência a cessação da sua relação de trabalho. Num segundo momento, cabe a esse órgão jurisdicional comparar essas condições fundamentais de trabalho e emprego com as que são efetivamente aplicáveis a esse trabalhador temporário durante a sua cedência a essa empresa utilizadora, para se assegurar, com base em todas as circunstâncias pertinentes em causa no processo principal, do respeito ou não do princípio da igualdade de tratamento relativamente ao referido trabalhador temporário (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2022, Luso Temp, C‑426/20, EU:C:2022:373, n.o 50).

66      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, tendo em conta a interpretação, pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), do artigo 11.o da Lei 14/1994, os trabalhadores temporários só têm direito, em caso de incapacidade permanente total para exercerem a sua profissão habitual, a uma indemnização ao abrigo do artigo 42.o da Convenção Coletiva do Trabalho Temporário, cujo montante é inferior ao da indemnização a que os trabalhadores diretamente recrutados pela empresa utilizadora têm direito ao abrigo do artigo 31.o da Convenção Coletiva do Setor dos Transportes. Mais precisamente, segundo os autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, XXX, enquanto trabalhador temporário, tem direito a uma indemnização no montante de 10 500 euros com base na primeira dessas convenções coletivas, ao passo que, se tivesse sido recrutado diretamente pela Serveo Servicios, teria direito a uma indemnização no montante de 60 101,21 euros com base na segunda dessas convenções coletivas.

67      Se for efetivamente esse o caso, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, há que considerar que, ao contrário do que dispõe o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, XXX não beneficiou, durante a sua cedência à Serveo Servicios, de condições fundamentais de trabalho e emprego pelo menos iguais às que lhe teriam sido aplicáveis se tivesse sido recrutado diretamente por esta empresa utilizadora para exercer a mesma função durante o mesmo período.

68      A este respeito, há que observar que, embora os Estados‑Membros tenham a possibilidade, por força do artigo 5.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2008/104, de prever, em determinadas condições precisas, derrogações ao princípio da igualdade de tratamento, a decisão de reenvio e os autos de que o Tribunal de Justiça dispõe não contêm nenhuma informação relativa a uma eventual aplicação de uma dessas derrogações em Espanha.

69      Além disso, importa recordar que, embora seja certo que, por força do artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2008/104, os parceiros sociais têm a possibilidade de celebrar convenções coletivas que estabeleçam, para as condições de trabalho e emprego dos trabalhadores temporários, disposições que podem ser distintas das referidas no n.o 1 deste artigo, tais convenções devem, todavia, em conformidade com este n.o 3, lido em conjugação com os considerandos 16 e 17 desta diretiva, garantir a proteção geral dos trabalhadores temporários.

70      Ora, a obrigação de garantir a proteção geral dos trabalhadores temporários exige, nomeadamente, que sejam lhes concedidas regalias em matéria de condições fundamentais de trabalho e emprego suscetíveis de compensar a diferença de tratamento sofrida por esses trabalhadores, devendo o respeito desta obrigação ser apreciado de maneira concreta (v., neste sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2022, TimePartner Personalmanagement, C‑311/21, EU:C:2022:983, n.os 44 e 50). Assim, para que se possa derrogar o princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104 através da Convenção Coletiva do Trabalho Temporário, é necessário, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que esta convenção coletiva permita garantir a XXX essa proteção geral, concedendo‑lhe regalias compensatórias no que respeita às condições fundamentais de trabalho e emprego que permitam contrabalançar os efeitos da diferença de tratamento que sofre.

71      Por último, importa recordar que o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um órgão jurisdicional nacional, chamado a pronunciar‑se sobre um litígio que opõe exclusivamente particulares, deve, ao aplicar as disposições de direito interno adotadas a fim de transpor as obrigações previstas por uma diretiva, tomar em consideração todas as normas de direito nacional e interpretá‑las, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade dessa diretiva, para alcançar uma solução conforme com o objetivo prosseguido pela mesma, excluindo‑se, contudo, uma interpretação contra legem do direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2022, Luso Temp, C‑426/20, EU:C:2022:373, n.o 56 e 57 e jurisprudência referida).

72      Por conseguinte, na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que XXX teria direito à indemnização que reclama ao abrigo do artigo 31.o da Convenção Coletiva do Setor dos Transportes se tivesse sido recrutado diretamente pela Serveo Servicios, competiria a esse órgão jurisdicional, nomeadamente, verificar se o artigo 11.o da Lei 14/1994 pode ser objeto de uma interpretação conforme com as exigências da Diretiva 2008/104 e, portanto, ser interpretado de outra forma que não conduza a privar XXX dessa indemnização, pois tal interpretação seria contrária ao artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, como resulta do n.o 67 do presente acórdão.

73      Do conjunto das considerações precedentes resulta que, o artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da mesma diretiva, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, tal como interpretada pela jurisprudência nacional, por força da qual a indemnização a que os trabalhadores temporários têm direito, a título de uma incapacidade permanente total para exercerem a sua profissão habitual, devido a um acidente de trabalho ocorrido na empresa utilizadora e que teve como consequência a cessação da sua relação de trabalho temporária, é inferior à indemnização a que esses trabalhadores teriam direito, na mesma situação e pelo mesmo motivo, se tivessem sido recrutados diretamente por essa empresa utilizadora, para aí exercerem a mesma função durante o mesmo período.

 Quanto às despesas

74      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

O artigo 5.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2008/104/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa ao trabalho temporário, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), da mesma diretiva,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional, tal como interpretada pela jurisprudência nacional, por força da qual a indemnização a que os trabalhadores temporários têm direito, a título de uma incapacidade permanente total para exercerem a sua profissão habitual, devido a um acidente de trabalho ocorrido na empresa utilizadora e que teve como consequência a cessação da sua relação de trabalho temporária, é inferior à indemnização a que esses trabalhadores teriam direito, na mesma situação e pelo mesmo motivo, se tivessem sido recrutados diretamente por essa empresa utilizadora, para aí exercerem a mesma função durante o mesmo período.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.