Language of document : ECLI:EU:C:2024:147

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

22 de fevereiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Impostos cobrados em violação do direito da União — Obrigação de reembolsar o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e de pagar juros sobre o montante deste — Reembolso resultante de erros cometidos na contabilidade do sujeito passivo — Reembolso resultante da alteração retroativa das modalidades de cálculo do IVA dedutível relativo às despesas gerais do sujeito passivo»

No processo C‑674/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo rechtbank Gelderland (Tribunal de Primeira Instância de Guéldria, Países Baixos), por Decisão de 26 de outubro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de outubro de 2022, no processo

Gemeente Dinkelland

contra

Ontvanger van de Belastingdienst/Grote ondernemingen, kantoor Zwolle,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de Gemeente Dinkelland, por D. van der Zijden, consultor fiscal,

–        em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman e J. M. Hoogveld, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Jokubauskaitė e W. Roels, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do direito da União em matéria da obrigação de os Estados‑Membros pagarem juros sobre o montante do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) reembolsado que foi cobrado em violação do direito da União.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre o Gemeente Dinkelland (município de Dinkelland, Países Baixos) e o Ontvanger van de Belastingdienst/Grote ondernemingen, kantoor Zwolle (Serviço de Tesouraria da Administração Fiscal/Grandes empresas, Repartição de Zwolle, Países Baixos) (a seguir «Administração Fiscal»), a propósito da recusa deste último em pagar ao município de Dinkelland juros sobre um montante de IVA cujo reembolso obteve.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 9.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347; p. 1; a seguir «Diretiva IVA»), dispõe:

«1.      Entende‑se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende‑se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.

2.      Para além das pessoas referidas no n.o 1, é considerada sujeito passivo qualquer pessoa que proceda a título ocasional à entrega de um meio de transporte novo expedido ou transportado com destino ao adquirente, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, para fora do território de um Estado‑Membro mas no território da Comunidade.»

4        O artigo 168.o desta diretiva tem a seguinte redação:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b)      O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18.o e o artigo 27.o;

c)      O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade como artigo 2.o, n.o 1, alínea b), subalínea i);

d)      O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21.o e 22.o;

e)      O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado‑Membro.»

5        O artigo 173.o da referida diretiva prevê:

«1.      No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efetuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.o, 169.o e 170.o, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.

Esta proporção deve ser determinada para o conjunto das operações efetuadas pelo sujeito passivo.

2.      Os Estados‑Membros podem tomar as medidas seguintes:

[…]

c)      Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;

[…]»

6        Nos termos do artigo 183.o da mesma diretiva:

«Quando o montante das deduções exceder o montante do IVA devido relativamente a um período de tributação, os Estados‑Membros podem efetuar o reporte do excedente para o período seguinte, ou proceder ao respetivo reembolso nas condições por eles fixadas.

Todavia, os Estados‑Membros podem não autorizar o reporte ou o reembolso quando o excedente for insignificante.»

7        O artigo 203.o da Diretiva IVA tem a seguinte redação:

«O IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura.»

8        O artigo 250.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«Os sujeitos passivos devem apresentar uma declaração de IVA da qual constem todos os dados necessários para o apuramento do montante do imposto exigível e do montante das deduções a efetuar, incluindo, na medida em que tal seja necessário para o apuramento do valor tributável, o montante global das operações relativas a esse imposto e a essas deduções, bem como o montante das operações isentas.»

 Direito neerlandês

9        O artigo 28c da Invorderingswet 1990 (Lei relativa à Cobrança Fiscal de 1990) (a seguir «Lei relativa à Cobrança») prevê:

«1.      Se o cobrador de impostos for obrigado, por decisão do inspetor, a restituir um montante tributado, pelo facto de esse montante ter sido cobrado em violação do direito da União, são pagos, a pedido do sujeito passivo, juros sobre o montante cobrado.

2.      Os juros sobre o montante cobrado, referidos no n.o 1, são calculados de modo simples sobre o período que começa no dia seguinte ao da data em que o imposto foi pago, liquidado ou entregue e que termina no dia anterior à data da restituição, e são calculados com base no montante a restituir ou já restituído ao sujeito passivo. Em derrogação do n.o 1, os juros sobre o montante cobrado, referidos no n.o 1, não são calculados sobre os dias relativamente aos quais são pagos juros fiscais por força do Capítulo VA da [Algemene wet inzake rijksbelastingen (Lei geral dos Impostos Nacionais)] ou relativamente aos quais são pagos juros sobre o montante cobrado por força do artigo 28b.

[…]»

10      Segundo o artigo 30.o ha da Algemene wet inzake rijksbelastingen (Lei Geral dos Impostos Nacionais), se não for tomada uma decisão de reembolso no prazo de oito semanas a contar da receção do pedido de reembolso, são devidos juros relativos ao período que se inicia oito semanas após a receção do pedido de reembolso e que termina catorze dias após a data da decisão de reembolso. Quando o reembolso estiver relacionado com uma tomada de posição da Administração Fiscal relativamente ao pagamento do imposto pago mediante declaração, são igualmente devidos juros relativos ao período que se inicia no dia seguinte ao do pagamento e que termina 14 dias após a data da decisão de reembolso. Nos outros casos, não há lugar ao pagamento de juros.

11      A Wet op het BTW‑compensatiefonds (Lei relativa ao Fundo de Compensação do IVA) só é aplicável aos municípios, províncias e organismos públicos regionais autorizados a atribuir concessões de transporte público. Nos termos desta lei, essas entidades públicas têm direito a uma contribuição do fundo de compensação do IVA (a seguir «FCT») para compensar o IVA relativo aos bens e aos serviços que utilizam no âmbito de atividades não económicas.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12      O município de Dinkelland exerce simultaneamente atividades não económicas, designadamente atos que pratica enquanto autoridade pública, e atividades económicas, podendo estas últimas estar sujeitas a IVA ou isentas.

13      No que diz respeito às suas atividades económicas, o município de Dinkelland é um sujeito passivo na aceção do artigo 9.o da Diretiva IVA. Por conseguinte, desde que estejam preenchidos os requisitos previstos no artigo 168.o desta diretiva, este município tem o direito de deduzir o IVA que lhe foi imposto pelos seus fornecedores de bens e serviços.

14      No que diz respeito às suas atividades não económicas, o município de Dinkelland não é considerado sujeito passivo de IVA e, por conseguinte, não beneficia do direito à dedução do IVA a montante, mas tem direito a uma contribuição do FCT, que lhe permite compensar o IVA pago ou devido por este.

15      Assim, para cada fatura que lhe é emitida e na qual figura o IVA, este município deve determinar se o bem ou a prestação adquiridos são imputáveis a uma atividade não económica ou a uma atividade económica e, neste último caso, se beneficia do direito à dedução do IVA pago a montante.

16      As despesas gerais do referido município, que não podem ser diretamente imputadas a uma determinada atividade, podem dar lugar, em parte, a uma dedução do IVA e, noutra parte, a uma contribuição por parte do FCT. Os respetivos alargamentos desta dedução e desta contribuição são estabelecidos pelo município de Dinkelland, com base na sua contabilidade, aplicando um critério de repartição do imposto a montante.

17      Relativamente aos anos de 2012 a 2016, este município pagou IVA e recebeu contribuições do FCT com base nas declarações que efetuou.

18      Na sequência de alterações introduzidas na regulamentação nacional sobre a contabilidade dos municípios, aplicáveis a partir de 14 de abril de 2016, bem como da alteração da qualificação fiscal de algumas das suas atividades, o município de Dinkelland elaborou uma nova chave de repartição do IVA pago a montante, nos termos da qual o direito à contribuição do FCT foi reduzido e o direito à dedução desse IVA foi aumentado.

19      Além disso, este município mandou proceder a um exame da sua contabilidade, que revelou erros na qualificação de certas prestações por si fornecidas e na inscrição de certas rubricas devedoras ou credoras.

20      As correções efetuadas na contabilidade do município de Dinkelland por estas duas razões levaram a um novo cálculo do IVA devido e do IVA a montante dedutível para os anos de 2012 a 2016. Nesta base, em 29 de setembro de 2017, o município pediu o reembolso de uma parte do montante de IVA pago relativamente a esses anos.

21      Por decisão de 1 de julho de 2020, a Administração Fiscal concedeu o reembolso do montante exigido, num total de 705 943 euros. Com base no artigo 30.o ha da Lei geral dos Impostos Nacionais, a Administração Fiscal concedeu igualmente juros fiscais, no montante de 75 498 euros, calculados sobre o montante reembolsado, relativamente ao período que teve início oito semanas após a receção do pedido de reembolso e que terminou catorze dias após a notificação da decisão de reembolso.

22      Em 31 de julho de 2020, o município de Dinkelland pediu o pagamento dos juros sobre o montante cobrado previstos no artigo 28c da Lei relativa à Cobrança, calculados sobre o montante reembolsado, a título de um período com início no dia do pagamento do IVA. A Administração Fiscal indeferiu este pedido por decisão de 9 de setembro de 2020, confirmada por decisão de 15 de julho de 2021, que indeferiu a reclamação deste município.

23      O Município de Dinkelland interpôs recurso desta última decisão no rechtbank Gelderland (Tribunal de Primeira Instância de Guéldria, Países Baixos), que é o órgão jurisdicional de reenvio.

24      Esse órgão jurisdicional salienta que a Administração Fiscal não aplicou o artigo 28c da Lei relativa à Cobrança, adotada na sequência do Acórdão de 18 de abril de 2013, Irimie (C‑565/11, EU:C:2013:250), e que prevê que, quando um imposto cobrado em violação do direito da União é reembolsado, devem ser pagos ao sujeito passivo juros relativos a um período que se inicia no dia seguinte ao pagamento desse imposto.

25      Contrariamente à Administração Fiscal, o órgão jurisdicional de reenvio considera que um reembolso resultante de um aumento do IVA a montante cuja dedução não foi reclamada anteriormente tem efetivamente por objeto um montante «recebido», na aceção do artigo 28c da Lei relativa à Cobrança. Assim sendo, esse órgão jurisdicional interroga‑se quanto a saber se o montante reembolsado no caso em apreço foi cobrado em violação do direito da União.

26      Segundo o referido órgão jurisdicional, a Administração Fiscal não pode ser considerada responsável pelos erros cometidos na contabilidade do município de Dinkelland. No entanto, resulta do n.o 56 do Acórdão de 28 de abril de 2022, Gräfendorfer Geflügel‑ und Tiefkühlfeinkost Produktions e o. (C‑415/20, C‑419/20 e C‑427/20, EU:C:2022:306), que a obrigação de pagar juros sobre o montante reembolsado decorre da indisponibilidade, durante um determinado período, do montante indevidamente pago, independentemente da eventual falta imputável ao sujeito passivo.

27      No que respeita à alteração do critério de repartição do IVA pago a montante, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se se, dado que o reembolso do montante de IVA decorrente dessa alteração resulta essencialmente da alteração das regras contabilísticas aplicáveis aos municípios, se pode considerar que a indisponibilidade do referido montante decorre de uma violação do direito da União.

28      Nestas condições, o Rechtbank Gelderland (Tribunal de Primeira Instância de Guéldria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve a norma jurídica segundo a qual devem ser pagos juros de mora porque há direito ao reembolso do imposto cobrado em violação do direito da União ser interpretada no sentido de que, no caso de ser concedido ao sujeito passivo o reembolso do imposto sobre o volume de negócios, devem ser pagos juros de mora ao mesmo sujeito passivo, numa situação em que:

a)      o reembolso resulta de erros administrativos do sujeito passivo, conforme descrito na presente decisão, e que não são de modo nenhum imputáveis ao inspetor tributário;

b)      o reembolso resulta de um novo cálculo [do critério] de repartição relativ[o] à dedução do imposto sobre o volume de negócios das despesas gerais, nas circunstâncias descritas na presente decisão?

2.      Em caso de resposta afirmativa à [primeira] questão, a partir de que data existe, nesses casos, direito ao pagamento de juros de mora?»

 Quanto às questões prejudiciais

29      Com as suas duas questões, às quais há que responder conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que obriga a pagar juros a um sujeito passivo a partir do pagamento de um montante de IVA, que, em seguida, é reembolsado pela Administração Fiscal, quando esse reembolso resulte, em parte, da constatação de que esse sujeito passivo, na sequência de erros cometidos na sua contabilidade, não exerceu plenamente o seu direito à dedução do IVA pago a montante relativamente aos anos em causa e, em parte, de uma alteração, com efeito retroativo, das modalidades de cálculo do IVA dedutível relativo às despesas gerais do referido sujeito passivo.

30      Quando um Estado‑Membro tenha cobrado impostos em violação das regras do direito da União, os sujeitos passivos têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente os prejuízos decorrentes da indisponibilidade de quantias de dinheiro devido à exigibilidade prematura do imposto (Acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 205, e de 23 de abril de 2020, Sole‑Mizo e Dalmandi Mezőgazdasági, C‑13/18 e C‑126/18, EU:C:2020:292, n.o 35 e jurisprudência referida).

31      Resulta dessa jurisprudência que o princípio da obrigação de os Estados‑Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre deste último direito (Acórdão de 23 de abril de 2020, Sole‑Mizo e Dalmandi Mezőgazdasági, C‑13/18 e C‑126/18, EU:C:2020:292, n.o 36 e jurisprudência referida).

32      Numa situação de restituição de um imposto cobrado por um Estado‑Membro em violação do direito da União, o princípio da efetividade exige que as normas nacionais relativas ao cálculo dos juros eventualmente devidos não privem o sujeito passivo de uma indemnização adequada pela perda gerada pelo pagamento indevido do imposto (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Littlewoods Retail e o., C‑591/10, EU:C:2012:478, n.o 29, e de 23 de abril de 2020, Sole‑Mizo e Dalmandi Mezőgazdasági, C‑13/18 e C‑126/18, EU:C:2020:292, n.o 43 e jurisprudência referida).

33      Esse prejuízo depende, nomeadamente, da duração da indisponibilidade da quantia indevidamente paga em violação do direito da União e ocorre assim, em princípio, no período entre a data do pagamento indevido do imposto em causa e a data da sua restituição (Acórdão de 18 de abril de 2013, Irimie, C‑565/11, EU:C:2013:250, n.o 28).

34      Por conseguinte, para determinar se o direito da União obriga a pagar juros a um sujeito passivo a partir do pagamento de um montante de IVA que, posteriormente, é objeto de reembolso, há que verificar se se deve considerar que esse montante foi «cobrado em violação do direito da União», na aceção da jurisprudência mencionada nos n.os 30 a 33 do presente acórdão.

35      Em primeiro lugar, um montante de IVA cobrado pelo facto de o sujeito passivo não ter exercido o seu direito à dedução constitui um montante «cobrado».

36      Em segundo lugar, no que respeita ao conceito de «violação do direito da União», em primeiro lugar, quando o sujeito passivo fatura o IVA por erro, a cobrança deste não ocorre em violação do direito da União, mas em aplicação do artigo 203.o da Diretiva IVA, que dispõe que qualquer pessoa que mencione o IVA numa fatura é devedora do imposto mencionado nessa fatura (v., neste sentido, Acórdão de 13 de outubro de 2022, HUMDA, C‑397/21, EU:C:2022:790, n.o 34 e jurisprudência referida).

37      Por outro lado, nos termos do artigo 250.o, n.o 1, da Diretiva IVA, os sujeitos passivos devem apresentar uma declaração de IVA da qual constem todos os dados necessários para o apuramento do montante do imposto exigível e do montante das deduções a efetuar. Por conseguinte, a Administração Fiscal não age em violação do direito da União quando cobra um montante de IVA com base nessa declaração, mesmo que o sujeito passivo, por razões que lhe são próprias, não tenha incluído os dados necessários para que se verifique o alcance do seu direito à dedução, previsto no artigo 168.o desta diretiva, e não tenha, assim, exercido esse direito.

38      Por conseguinte, não se pode considerar que um montante de IVA é cobrado «em violação do direito da União» pelo facto de o sujeito passivo não ter exercido o seu direito à dedução por erro.

39      Em segundo lugar, só se pode considerar que um montante de IVA reembolsado devido à alteração, com efeito retroativo, das modalidades de cálculo do IVA dedutível relativo às despesas gerais de um sujeito passivo foi cobrado «em violação do direito da União», na aceção da jurisprudência mencionada nos n.os 30 a 33 do presente acórdão, se as modalidades iniciais desse cálculo, que fundamentaram a cobrança desse montante, forem incompatíveis com o direito da União em razão da regulamentação nacional aplicável ou de uma exigência da Administração Fiscal.

40      A este respeito, importa observar que, nos termos do artigo 168.o da Diretiva IVA, o IVA pago a montante só é dedutível quando os bens ou os serviços pelos quais foi pago são utilizados para efeitos das operações tributadas.

41      Ora, os montantes de IVA pagos a montante pelas despesas gerais correspondem à aquisição de bens e de serviços utilizados no conjunto das atividades do sujeito passivo.

42      Por conseguinte, há que distinguir, por um lado, a repartição desses montantes de IVA consoante as despesas gerais se refiram a atividades económicas ou a atividades não económicas e, por outro, quando essas despesas dizem respeito a atividades económicas e a sua repartição consoante se refiram a operações, tributadas, que confiram direito a dedução ou a operações isentas que não dão direito a dedução.

43      Quanto à repartição dos montantes de IVA pagos a montante consoante as correspondentes despesas digam respeito a atividades económicas ou a atividades não económicas, importa recordar que o IVA que incidiu a montante sobre a aquisição de bens e de serviços por um sujeito passivo não pode conferir direito à dedução uma vez que esses bens e serviços foram utilizados para atividades que, tendo em conta o seu caráter não económico, não entram no âmbito de aplicação da Diretiva IVA (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2021, Balgarska natsionalna televizia, C‑21/20, EU:C:2021:743, n.o 54 e jurisprudência referida).

44      As disposições da Diretiva IVA não comportam normas que tenham por objeto os métodos ou os critérios que os Estados‑Membros estão obrigados a aplicar quando adotam disposições que permitem uma repartição dos valores do IVA pagos a montante consoante as correspondentes despesas digam respeito a atividades económicas ou a atividades não económicas (v., por analogia, Acórdão de 13 de março de 2008, Securenta, C‑437/06, EU:C:2008:166, n.o 33).

45      Nestas condições e a fim de que os sujeitos passivos possam efetuar os cálculos necessários, incumbe aos Estados‑Membros estabelecer os métodos e os critérios adequados para esse efeito, no respeito dos princípios subjacentes ao sistema comum do IVA (v., por analogia, Acórdão de 13 de março de 2008, Securenta, C‑437/06, EU:C:2008:166, n.o 34).

46      Por conseguinte, os Estados‑Membros devem exercer o seu poder de apreciação a fim de assegurar que a dedução só será efetuada para a parte do IVA que é proporcional ao montante referente às operações que conferem direito a dedução. Devem, pois, zelar para que o cálculo do pro rata entre atividades económicas e atividades não económicas reflita objetivamente a parte de imputação real das despesas a montante a cada uma destas duas atividades (v., por analogia, Acórdão de 13 de março de 2008, Securenta, C‑437/06, EU:C:2008:166, n.o 37).

47      No âmbito do exercício do seu poder de apreciação, os Estados‑Membros estão habilitados a aplicar, se for caso disso, qualquer critério de repartição adequado (v., por analogia, Acórdão de 13 de março de 2008, Securenta, C‑437/06, EU:C:2008:166, n.o 38).

48      Quanto à repartição dos montantes de IVA pagos a montante consoante as despesas correspondentes se refiram a operações que conferem direito a dedução ou a operações que não conferem direito a dedução, resulta do artigo 173.o, n.o 1, da diretiva IVA que a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante às operações que dão direito a dedução. Nos termos do artigo 173.o, n.o 2, alínea c), da referida diretiva, os Estados‑Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.

49      Como tal, desde que sejam respeitadas as exigências indicadas nos n.os 43 a 48 do presente acórdão, o direito da União não se opõe a que um Estado‑Membro autorize ou obrigue o sujeito passivo a estabelecer, através de um critério de repartição elaborado sob a sua responsabilidade, as modalidades de cálculo do IVA dedutível relativo aos seus custos gerais.

50      No caso em apreço, o cálculo do IVA dedutível relativo às despesas gerais do município de Dinkelland resulta de um critério, estabelecido por este município com base na sua contabilidade, que permite a repartição dessas despesas entre as atividades não económicas e as atividades económicas do referido município e, no âmbito destas últimas, entre as operações tributáveis, que conferem direito à dedução do IVA, e as operações isentas, que não conferem esse direito. O mesmo município obteve o reembolso do montante de IVA em causa devido à aplicação retroativa aos anos de 2012 a 2016 de um novo critério de repartição.

51      Em resposta a um pedido de esclarecimentos, que o Tribunal de Justiça enviou, em 19 de julho de 2023, ao órgão jurisdicional de reenvio, este último clarificou que, por força da regulamentação neerlandesa, a utilização efetiva é o critério de imputação dos bens e dos serviços, incluindo os relativos às despesas gerais, a uma atividade não económica ou a uma atividade económica, bem como, no âmbito desta, a operações que confiram direito à dedução do IVA.

52      Por conseguinte, nada indica que a regulamentação neerlandesa em causa no processo principal não esteja em conformidade com as exigências indicadas nos n.os 43 a 48 do presente acórdão.

53      Dito isto, resulta igualmente da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de esclarecimentos que esta regulamentação não especifica as modalidades de determinação da utilização efetiva dos bens e dos serviços abrangidos pelas despesas gerais. A regulamentação nacional sobre a contabilidade dos municípios em vigor até 2016 permitia, contrariamente à regulamentação que a alterou, imputar as despesas gerais às atividades principais. Os municípios dispunham de uma certa margem de manobra na aplicação desta imputação.

54      O órgão jurisdicional de reenvio salientou também que, apesar de terem sido realizadas consultas entre o município de Dinkelland e a Administração Fiscal por razões de segurança jurídica, não tinha sido celebrado nenhum acordo entre ambas, tendo a Administração Fiscal aceitado apenas a metodologia que consiste em determinar a utilização efetiva dos bens e dos serviços com base na contabilidade desse município. Aliás, a metodologia aplicada em aplicação da regulamentação nacional sobre a contabilidade dos municípios em vigor até 2016 não reflete a utilização efetiva dos bens e dos serviços de forma inexata por princípio.

55      Além disso, não resulta da resposta do órgão jurisdicional de reenvio a esse pedido de esclarecimentos que a eventual inexatidão da qualificação fiscal de certas atividades, inicialmente adotada, cuja modificação retroativa foi efetuada devido a alterações factuais e de conceção, se devia à regulamentação nacional aplicável ou a uma exigência da Administração Fiscal.

56      Decorre do exposto, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, que o critério de repartição utilizado inicialmente pelo município de Dinkelland para os anos de 2012 a 2016 foi fixado sob a exclusiva responsabilidade deste último.

57      Como tal, tendo em conta as considerações constantes do n.o 39 do presente acórdão, o montante de IVA dedutível calculado com base nesse critério de repartição não constitui um montante recebido «em violação do direito da União», na aceção da jurisprudência mencionada nos n.os 30 a 33 do presente acórdão.

58      Por último, importa recordar que, mesmo na falta de um montante «cobrado em violação do direito da União», na aceção da jurisprudência mencionada nos n.os 30 a 33 do presente acórdão, há que remeter para o artigo 183.o da Diretiva IVA quando um crédito de IVA deva, pela sua natureza, ser analisado como um «excedente» de IVA na aceção desta disposição.

59      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que, mesmo que o artigo 183.o da Diretiva IVA não preveja uma obrigação de pagar juros sobre o excedente de IVA a reembolsar nem precise o momento a partir do qual esses juros são devidos, o princípio da neutralidade do sistema fiscal do IVA exige que as perdas financeiras geradas por causa do reembolso de um excedente de IVA sejam compensadas pelo pagamento de juros de mora. Todavia, a obrigação de pagar esses juros só existe quando o reembolso do IVA pago em excesso não for efetuado num prazo razoável. (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2021, technoRent International e o., C‑844/19, EU:C:2021:378, n.o 40).

60      No caso em apreço, no caso de esta disposição ser aplicável, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, importa salientar que, no caso de o prazo aplicável para o tratamento de um pedido de reembolso de IVA pela Administração Fiscal ser um prazo de oito semanas, como o previsto no artigo 30.o ha da Lei geral dos Impostos Nacionais, esse prazo não se afigura desrazoável, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 59 do presente acórdão, para o tratamento de um pedido de reembolso de IVA pela Administração Fiscal, incluindo as operações efetivas de reembolso.

61      Tendo em conta todas as considerações anteriores, há que responder às questões submetidas que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que não obriga a pagar juros a um sujeito passivo a partir do pagamento de um montante de IVA, que é, em seguida, reembolsado pela Administração Fiscal, quando esse reembolso resulte, em parte, da verificação de que esse sujeito passivo, na sequência de erros cometidos na sua contabilidade, não exerceu plenamente o seu direito à dedução do IVA pago a montante relativamente aos anos em causa e, em parte, de uma alteração, com efeito retroativo, das modalidades de cálculo do IVA dedutível relativo às despesas gerais do referido sujeito passivo quando essas modalidades são estabelecidas unicamente sob a responsabilidade deste último.

 Quanto às despesas

62      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O direito da União deve ser interpretado no sentido de que não obriga a pagar juros a um sujeito passivo a partir do pagamento de um montante de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), que, é, em seguida, reembolsado pela Administração Fiscal, quando esse reembolso resulte, em parte, da verificação de que esse sujeito passivo, na sequência de erros cometidos na sua contabilidade, não exerceu plenamente o seu direito a dedução do IVA pago a montante relativamente aos anos em causa e, em parte, de uma alteração, com efeito retroativo, das modalidades de cálculo do IVA dedutível relativo às despesas gerais do referido sujeito passivo quando essas modalidades são estabelecidas unicamente sob a responsabilidade deste último.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.