Language of document : ECLI:EU:C:2023:151

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NICHOLAS EMILIOU

apresentadas em 2 de março de 2023(1)

Processo C601/21

Comissão Europeia

contra

República da Polónia

«Incumprimento de Estado — Contratos públicos — Artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24/UE — Derrogações — Produção de documentos de identidade e de outros documentos oficiais — Proteção dos interesses essenciais de segurança dos Estados‑Membros — Medidas menos invasivas»






I.      Introdução

1.        Para as autoridades públicas, na União Europeia e noutros locais, a necessidade de proteger a integridade dos documentos públicos e a confiança do público nesses documentos (como passaportes, cartões de eleitor ou cartões profissionais de membros da polícia, do exército e dos serviços de informação) suscita preocupações significativas em matéria de segurança. Especialmente no mundo atual, em que as pessoas podem viajar de forma fácil e rápida, e os dados ainda mais, essas autoridades estão envolvidas numa competição sem fim à vista contra os criminosos para desenvolver materiais e técnicas que tornem a falsificação e a adulteração de documentos públicos o mais difícil possível.

2.        O artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (2), e o artigo 346.o, n.o 1, TFUE permitem, no essencial, aos Estados‑Membros excluir certos contratos públicos dos procedimentos previstos nessa diretiva quando a proteção dos seus interesses essenciais de segurança possa ser prejudicada, desde que não existam medidas menos restritivas.

3.        Que interesses públicos podem ser considerados «interesses essenciais de segurança» para esse efeito? Qual é a margem de manobra dos Estados‑Membros a este respeito? Tem um Estado‑Membro direito a escolher o nível de proteção que considere mais adequado em relação a esses interesses? Até que ponto vai o dever do Estado‑Membro de ponderar e, se necessário, adotar medidas que possam ser menos restritivas?

4.        Estas são, em suma, as principais questões jurídicas que se levantam no presente processo, as quais tentarei clarificar com as presentes conclusões.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União Europeia

5.        Nos termos do artigo 346.o, n.o 1, TFUE:

«As disposições dos Tratados não prejudicam a aplicação das seguintes regras:

a)      Nenhum Estado‑Membro é obrigado a fornecer informações cuja divulgação considere contrária aos interesses essenciais da sua própria segurança.

[…]»

6.        O artigo 1.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2014/24, relativo ao objeto e âmbito de aplicação da diretiva, conforme alterado e atualmente em vigor, prevê o seguinte:

«1.      A presente diretiva estabelece as regras aplicáveis aos procedimentos de contratação adotados por autoridades adjudicantes relativamente a contratos públicos […] cujo valor estimado não seja inferior aos limiares definidos no artigo 4.o

[…]

3.      A aplicação da presente diretiva está sujeita ao disposto no artigo 346.o do TFUE.»

7.        O artigo 2.o, pontos 1 e 9 da Diretiva 2014/24, define «contratos públicos de serviços» como «contratos públicos que tenham por objeto a prestação de serviços distintos daqueles a que se refere o ponto 6» (3).

8.        O artigo 15.o, n.os 2 e 3, da mesma diretiva, relativo à «defesa e segurança», dispõe o seguinte:

«2.      A presente diretiva não se aplica a contratos públicos […] que não sejam excluídos nos termos do n.o 1, na medida em que a proteção dos interesses essenciais de segurança de um Estado‑Membro não possa ser garantida por medidas menos invasivas, por exemplo mediante a imposição de requisitos destinados a proteger a natureza confidencial das informações que as autoridades adjudicantes disponibilizam num procedimento de adjudicação nos termos da presente diretiva.

Além disso, e em conformidade com o artigo 346.o, n.o 1, alínea a), do TFUE, a presente diretiva não se aplica a contratos públicos […] que não sejam excluídos nos termos do n.o 1 do presente artigo, na medida em que a aplicação da presente diretiva obrigue um Estado‑Membro a fornecer informação cuja divulgação considere contrária aos interesses essenciais da sua própria segurança.

3.      Caso a adjudicação e a execução do contrato público […] sejam declaradas secretas ou tenham de ser acompanhadas por medidas especiais de segurança, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas em vigor num Estado‑Membro, a presente diretiva não se aplica desde que o Estado‑Membro tenha determinado que os interesses essenciais em causa não podem ser garantidos por medidas menos invasivas, por exemplo tal como as referidas no n.o 2, primeiro parágrafo.»

B.      Direito polaco

9.        O artigo 11.o, n.o 4, da ustawa z dnia 11 września 2019 r. — Prawo zamówień publicznych (Lei de 11 de setembro de 2019 relativa aos Contratos Públicos, a seguir «Pzp de 2019») prevê o seguinte:

«As disposições da presente lei não se aplicam aos contratos de produção de:

1)      documentos públicos em branco referidos no artigo 5.o, n.o 2, da lei relativa aos Documentos Públicos de 22 de novembro de 2018 […], bem como à sua personalização ou individualização;

2)      selos fiscais;

3)      carimbos e vinhetas de controlo referidos na lei de 20 de junho de 1997, que estabelece o Código da Estrada […];

4)      boletins de voto e boletins de voto em braille referidos, respetivamente, no artigo 40.o, n.o 1, e no artigo 40.o‑A, n.o 1, da lei de 5 de janeiro de 2011, que estabelece o Código Eleitoral […] e no artigo 20.o da lei de 14 de março de 2003, relativa ao Referendo Nacional […];

5)      sinais holográficos apostos nos certificados de direito de voto referidos no artigo 32.o, n.o 1, da lei de 5 de janeiro de 2011, relativa ao Código Eleitoral;

6)      sistemas de microprocessadores com software para gestão de documentos públicos, sistemas informáticos e bases de dados necessários à utilização dos documentos públicos referidos no artigo 5.o, n.o 2, da lei de 22 de novembro de 2018, relativa aos Documentos Públicos, que contenham um Chip Eletrónico, de acordo com a sua Finalidade.»

10.      A seguinte lista de documentos públicos consta do artigo 5.o, n.o 2, da Lei relativa aos Documentos Públicos, de 22 de novembro de 2018: 1) documentos de identidade; 2) passaportes; 3) cédulas marítimas referidas no artigo 10.o, n.o 1, da Lei relativa ao Trabalho Marítimo, de 5 de agosto de 2015; 4) documentos emitidos nos termos do artigo 44.o, n.o 1, e do artigo 83.o, n.o 1, da Lei relativa aos Registos do Estado Civil, de 28 de novembro de 2014; 5) documentos emitidos a estrangeiros nos termos dos artigos 37.o e 226.o da Lei relativa aos Estrangeiros de 12 de dezembro de 2013; 6) documentos emitidos a membros de missões diplomáticas e postos consulares de Estados estrangeiros ou a qualquer pessoa a eles equiparada em virtude de leis, convenções ou do direito internacional consuetudinário, bem como documentos emitidos aos membros da sua família que façam parte do seu agregado familiar nos termos do artigo 61.o da Lei relativa aos Estrangeiros, de 12 de dezembro de 2013; 7) documentos emitidos aos cidadãos da União Europeia nos termos do artigo 48.o, n.o 1, da Lei de 14 de julho de 2006, relativa à Entrada, Permanência e Saída do Território da República da Polónia de Nacionais de Estados‑Membros da União Europeia e dos Membros da sua Família; 8) documentos emitidos a membros da família de cidadãos da União Europeia nos termos do artigo 30.o, n.o 1, e do artigo 48.o, n.o 2, da Lei de 14 de julho de 2006; 9) documentos emitidos a estrangeiros nos termos do artigo 55.o, n.o 1, e do artigo 89.o, n.o 1, da Lei de 13 de junho de 2003, relativa à Concessão de Proteção a Estrangeiros no Território da República da Polónia; 10) títulos executivos emitidos por órgãos jurisdicionais ou oficiais de justiça; 11) cópias de sentenças que ponham termo ao processo e que declarem a aquisição, existência ou extinção de um direito ou que estejam relacionadas com o estado civil; 12) cópias de sentenças ou certidões, emitidas por um órgão jurisdicional, que habilitem a representação de uma pessoa, a prática de um ato jurídico ou a administração de bens específicos; 13) cópias de despachos de órgãos jurisdicionais e oficiais de justiça relativos à aposição da fórmula executiva numa ordem de execução diferente das enumeradas no artigo 777.o, n.o 1, pontos 1) e 11), da Lei de 17 de novembro de 1964, que estabelece o Código de Processo Civil, se o seu Objeto for uma Ordem de Execução Não Emitida pelo Órgão Jurisdicional; 14) cópias e extratos de documentos relativos aos atos notariais referidos no artigo 79.o, n.o 1, alínea b), e n.o 4, da Lei de 14 de fevereiro de 1991, relativa à Profissão de Notário, bem como as autorizações referidas no artigo 79.o, n.o 2 e as reclamações referidas no artigo 79.o, n.o 5, da referida lei; 15) certificados de membro da tripulação aérea; 16) documentos militares pessoais emitidos a pessoas inscritas no registo militar, nos termos do artigo 54.o, n.o 1, da Lei de 21 de novembro de 1967, relativa à Obrigação Geral de Defesa da República da Polónia; 17) documentos militares pessoais emitidos nos termos do artigo 48.o, n.o 1, da Lei de 11 de setembro de 2003, relativa ao Serviço Militar Profissional; 18) documentos de identidade emitidos nos termos do artigo 137.o‑C, n.o 1, dessa mesma lei; 19) documentos de identidade emitidos nos termos do artigo 54.o‑A, n.o 1, da Lei de 21 de novembro de 1967, relativa à Obrigação Geral de Defesa da República da Polónia; 20) anotações em passaportes referidas no artigo 19.o, n.o 1, da Lei de 13 de julho de 2006, relativa aos Passaportes; 21) vinhetas de visto; 22) o «cartão polaco» («Karta Polaka»); 23) cartões que atestam a incapacidade ou o grau de incapacidade; 24) autorizações para trabalhar como médico; 25) autorizações para exercer medicina dentária; 26) cartas de condução; 27) certificados de registo profissional e certidões do registo automóvel, com exceção das certidões do registo automóvel referidas no artigo 73.o, n.o 3, da Lei de 20 de junho de 1997, relativa ao Código da Estrada; 28) livretes de veículos («karta pojazdu»); 29) certificados temporários referidos no artigo 71.o, n.o 1, da Lei de 20 de junho de 1997, que estabelece o Código da Estrada; 30) o cartão tacográfico referido no artigo 2.o, n.o 4, da Lei relativa a Tacógrafos, de 5 de julho de 2018; 31) o certificado ADR referido no artigo 2.o, n.o 10, da Lei de 19 de agosto de 2011, relativa ao Transporte de Mercadorias Perigosas; 31a) o documento de registo referido no artigo 4.o, n.o 1, da Lei de 12 de abril de 2018, relativa ao Registo de Iates e Outras Embarcações até 24 Metros de Comprimento; e 32) cartões profissionais de: a) agentes da polícia, b) guardas de fronteira, c) agentes de segurança do Estado, d) agentes da Agência de Segurança Interna, e) agentes do Serviço de Informações f) agentes do Departamento Central de Combate à Corrupção, g) agentes do Serviço de Contrainformações Militares e soldados profissionais nomeados para um cargo nesse serviço, h) agentes do serviço de informações militares e soldados profissionais nomeados para um cargo no serviço de informações militares, i) agentes e pessoal da administração penitenciária, j) funcionários das administrações tributária e aduaneira, k) pessoas que trabalham em unidades organizativas da autoridade tributária nacional, l) inspetores da Inspeção do Transporte Rodoviário, m) membros da polícia militar.

III. Antecedentes do processo e procedimento précontencioso

11.      Nos termos do artigo 90.o da Diretiva 2014/24, os Estados‑Membros deviam transpor esta diretiva até 18 de abril de 2016.

12.      Em 14 de julho de 2016, a Comissão Europeia recebeu das autoridades polacas uma notificação das medidas nacionais de transposição da referida diretiva. Tendo considerado que a República da Polónia não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força dessa diretiva, a Comissão enviou‑lhe uma notificação para cumprir em 25 de janeiro de 2019.

13.      Por carta de 25 de março de 2019, as autoridades polacas responderam à notificação para cumprir, informando a Comissão da sua intenção de rever certos aspetos das medidas de transposição, a fim de assegurar o cumprimento, nomeadamente, da Diretiva 2014/24. No entanto, as autoridades polacas rejeitaram algumas das objeções da Comissão.

14.      Em 5 de novembro de 2019, as autoridades polacas informaram a Comissão da adoção de uma nova lei, a Pzp de 2019, destinada a substituir, a partir de 1 de janeiro de 2021, a legislação nacional anteriormente em vigor.

15.      Em 28 de novembro de 2019, a Comissão enviou à República da Polónia um parecer fundamentado, assinalando as falhas na transposição da Diretiva 2014/24. Nesse parecer fundamentado, a Comissão aceitou que, com a nova legislação, as autoridades polacas tinham efetivamente corrigido alguns dos problemas anteriormente identificados. Contudo, a Comissão manteve as outras objeções suscitadas na sua notificação para cumprir que tinha sido contestada pelas autoridades polacas.

16.      Na sua resposta de 28 de janeiro de 2020, as autoridades polacas voltaram a discordar das alegações da Comissão, sustentando que a legislação nacional em causa cumpre as disposições da Diretiva 2014/24.

17.      Nessas circunstâncias, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

IV.    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos

18.      Por petição apresentada em 28 de setembro de 2021, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que:

–        declare que, ao introduzir exceções, não previstas na Diretiva 2014/24, atinentes à produção de certos documentos, impressos, selos e carimbos, a República da Polónia não cumpriu as suas obrigações decorrentes do artigo 1.o, n.os 1 e 3, e do artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24, em conjugação com o artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE; e

–        condene a República da Polónia nas despesas.

19.      Na sua contestação, apresentada em 17 de dezembro de 2021, a República da Polónia conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        julgar a ação improcedente; e

–        condenar a Comissão no pagamento das despesas.

20.      A Comissão apresentou uma réplica em 9 de fevereiro de 2022, e a República da Polónia apresentou uma tréplica em 21 de março de 2022, tendo ambas apresentado alegações orais na audiência realizada em 1 de dezembro de 2022.

V.      Análise

A.      Argumentos das partes

21.      Na sua petição, a Comissão mencionou que, ao transpor a Diretiva 2014/24 para o direito nacional, a República da Polónia excluiu do âmbito de aplicação desta diretiva os contratos de produção de uma vasta e diversificada série de documentos e outros objetos (a seguir «documentos em causa»). Com efeito, esses contratos foram diretamente adjudicados à Polska Wytwórna Papierów Wartościowych (a seguir «PWPW») — uma empresa pública estabelecida na Polónia e integralmente detida pelo Tesouro — sem que tivessem sido organizados quaisquer concursos públicos para esse fim.

22.      A Comissão recorda que a Diretiva 2014/24 prevê expressamente os casos em que as suas disposições não são aplicáveis. A Comissão salienta que a lista de derrogações é, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, exaustiva, e que as derrogações em causa devem ser objeto de interpretação estrita.

23.      Na opinião da Comissão, o Governo polaco não pode validamente invocar o artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24 para justificar a exclusão dos contratos de produção dos documentos em causa das regras da contratação pública. A este respeito, a Comissão remete para as conclusões do Tribunal de Justiça que constam do Acórdão de 20 de março de 2018, Comissão/Áustria (Imprensa do Estado) (4), que, na sua opinião, são aplicáveis mutatis mutandis ao caso em apreço. Nesse acórdão, o Tribunal declarou, nomeadamente, que as medidas adotadas pelos Estados‑Membros não podem ser excluídas, no seu conjunto, da aplicação das regras da contratação pública, apenas por terem sido tomadas no interesse da segurança pública ou da defesa nacional. Cabe ao Estado‑Membro que invoca essas derrogações demonstrar que a necessidade de proteger esses interesses não poderia ter sido satisfeita através de um concurso público.

24.      A Comissão entende que alguns dos interesses invocados pelo Governo polaco não estão relacionados com a segurança desse Estado‑Membro, muito menos com os seus interesses essenciais de segurança. Além disso, mesmo em relação aos interesses que possam ser enquadrados nesse conceito, a Comissão sustenta que o Governo polaco não demonstrou que o objetivo de proteger tais interesses não pode ser protegido de igual forma através de medidas alternativas, menos restritivas.

25.      A Comissão alega, especialmente, que o Governo polaco não explicou por que razão a PWPW seria a única empresa com a experiência e com os necessários certificados técnicos para produzir os documentos em causa de acordo com as normas mais elevadas de segurança. Nesse contexto, a Comissão observa que várias empresas ativas na União Europeia (incluindo algumas estabelecidas na Polónia) oferecem garantias semelhantes em termos de capacidade técnica, estabilidade financeira e segurança. De facto, a PWPW concorre contra essas empresas em concursos para a produção de documentos equivalentes aos que estão em causa no presente processo para outros Estados‑Membros da União (ou até para países fora da União Europeia).

26.      A Comissão alega que nada impede a autoridade adjudicante de impor requisitos particularmente exigentes aos proponentes (em termos de capacidades técnicas e financeiras, idoneidade moral, etc.) e de lhes pedir que apresentem os elementos comprovativos necessários em apoio da sua proposta. Especialmente, na opinião da Comissão, os artigos 42.o e 58.o da Diretiva 2014/24 conferem às autoridades nacionais uma ampla margem de manobra a este respeito. Por exemplo, um operador económico pode ser obrigado a concordar com a realização de controlos adequados por parte das autoridades e a prestar garantias quanto à segurança e à pontualidade do fornecimento, bem como dar garantias de solvência. O contrato poderia igualmente incluir cláusulas relativas à indemnização e à responsabilidade financeira e disciplinar em caso de incumprimento.

27.      A Comissão manifesta dúvidas sobre se o argumento do Governo polaco relativo à impossibilidade de facto de a PWPW ficar insolvente é correto, uma vez que as disposições da União relativas à fiscalização dos auxílios estatais são aplicáveis aos auxílios financeiros concedidos a essa empresa pelo Tesouro.

28.      Por seu turno, a República da Polónia sublinha que tem um vasto sistema de segurança de documentos oficiais e que a PWPW é uma entidade inteiramente controlada e gerida pelo Estado. Acrescenta que, ao abrigo do direito nacional, as ações ou os direitos associados às ações detidas pelo Tesouro (como as da PWPW) não podem, em princípio, ser vendidos. Excecionalmente, a eventual venda dessas ações poderia estar sujeita à condição de ser aprovada pelo Conselho de Ministros, mas a mesma só poderia ser realizada a favor de outras empresas públicas que não podem ser vendidas a acionistas privados.

29.      Segundo a República da Polónia, tal configuração permite uma plena fiscalização tanto do funcionamento dos órgãos da PWPW como do processo de produção de documentos oficiais. Nestas circunstâncias, confiar a tarefa de produzir esses documentos a essa entidade, sem passar pela sujeição a um procedimento de concurso público, limitaria o círculo de entidades que têm acesso a informações consideradas classificadas. Tal solução asseguraria também a continuidade da produção, eliminando ao mesmo tempo os riscos associados à insolvência do produtor ou à má execução de um eventual contrato público.

30.      No que respeita aos argumentos da Comissão relativos à insolvência de uma empresa como a PWPW, o Governo polaco salienta que, embora a insolvência de empresas detidas pelo Tesouro seja obviamente possível, esse risco é quase nulo, dada a sua importância estratégica. A República da Polónia sustenta que a Comissão não apresentou nenhumas razões pelas quais, em caso de dificuldades financeiras da PWPW, não seria possível conceder auxílios estatais a essa empresa.

31.      Na opinião do Governo polaco, a situação factual e jurídica no presente processo não é semelhante à analisada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/Áustria supra referido. A este respeito, menciona que o estatuto jurídico da empresa austríaca responsável pela impressão de documentos oficiais era significativamente diferente do da PWPW, uma vez que se tratava de uma sociedade de responsabilidade limitada cujas ações estavam cotadas na bolsa de valores e eram detidas por particulares. Além disso, considera que o controlo do Governo austríaco sobre a empresa era muito mais limitado do que no presente processo na República da Polónia. Com estes fundamentos, o Governo polaco alega que o nível de proteção dos interesses essenciais do Estado que foi escolhido pelas autoridades, ao abrigo do direito austríaco, era inferior ao escolhido na Polónia e que não lhe pode ser exigido que reduza esse nível de proteção para o nível escolhido por outros Estados.

32.      A República da Polónia sustenta ainda que as garantias contratuais propostas pela Comissão não permitem evitar uma ameaça aos seus interesses de segurança que fosse decorrente de uma eventual aquisição do operador económico em questão ou da influência nos seus órgãos de direção por parte dos serviços secretos de um país terceiro ou de um grupo criminoso organizado. No que respeita ao risco de insolvência do produtor dos documentos, a solução proposta pela Comissão, que visa estabelecer um critério de elegibilidade sob a forma de um certificado de capacidade financeira que permita a execução do contrato de forma segura e sem entraves, não permitiria evitar uma deterioração súbita da situação financeira do operador económico em causa.

33.      As exclusões previstas no direito nacional são, assim, na opinião do Governo polaco, uma medida proporcional, adequada e necessária para alcançar o objetivo de garantir os interesses essenciais de segurança da Polónia a um nível considerado adequado. A fim de demonstrar a proporcionalidade da utilização das derrogações, segundo o Governo polaco, não é necessário provar que, caso a diretiva em questão seja aplicável, a probabilidade de uma ameaça aos interesses essenciais de segurança do Estado‑Membro em causa é particularmente elevada. Com efeito, mesmo a mais ínfima possibilidade de verificação de prejuízos significativos para os interesses de segurança do Estado constituiria, na opinião desse Governo, um fundamento para recorrer às derrogações em causa.

34.      Em termos mais gerais, o Governo polaco alega que a Comissão não demonstrou que o nível de segurança do Estado que pode ser alcançado ao confiar a produção de documentos a uma entidade selecionada nos termos da Diretiva 2014/24 seria tão elevado como quando essa tarefa é confiada a uma empresa detida pelo Tesouro.

B.      Apreciação

35.      Importa desde já referir que, como alega a Comissão, sem que o Governo polaco o conteste, a Diretiva 2014/24 é, em princípio, aplicável aos contratos públicos de produção dos documentos em causa. Com efeito, é pacífico entre as partes que os contratos públicos em questão i) não dizem respeito a serviços, setores e situações para os quais os artigos 7.o a 12.o da Diretiva 2014/24 preveem exclusões, e ii) têm um valor não inferior aos limiares estabelecidos no artigo 4.o dessa diretiva. Além disso, o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 deixa claro que, em princípio, esta diretiva se aplica à adjudicação de contratos públicos «organizados nos domínios da defesa e da segurança».

36.      No entanto, o Governo polaco argumenta que tais contratos poderiam ser adjudicados sem recurso aos procedimentos previstos na Diretiva 2014/24, uma vez que algumas das derrogações previstas no artigo 15.o, n.os 2 e 3, desta diretiva são aplicáveis ao caso em apreço.

37.      Nas secções seguintes, começarei por fixar o quadro analítico relevante (1), e em seguida apreciarei os argumentos das partes à luz desse quadro (2). A minha conclusão será no sentido de que não se pode considerar que a legislação nacional em causa, na sua redação atual, esteja inteiramente abrangida pelo âmbito das derrogações discutidas nas presentes conclusões e que, consequentemente, viola as disposições da Diretiva 2014/24 (3).

1.      Quadro analítico relevante

a)      Artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24 e artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE

38.      O artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24 prevê quatro situações em que esta diretiva «não se aplica». Essas derrogações à aplicação da diretiva — todas elas respeitantes aos procedimentos de contratação relacionados com o domínio da «defesa e segurança», como deixa claro a epígrafe dessa disposição (5) — são as seguintes.

39.      Em primeiro lugar, nos termos do artigo 15.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24, a mesma não se aplica a contratos públicos «na medida em que a proteção dos interesses essenciais de segurança de um Estado‑Membro não possa ser garantida por medidas menos invasivas.» Em segundo lugar, nos termos do artigo 15.o, n.o 2, segundo parágrafo, a diretiva não se aplica na medida em que a sua aplicação «obrigue um Estado‑Membro a fornecer informação cuja divulgação considere contrária aos interesses essenciais da sua própria segurança.» Em terceiro lugar, o artigo 15.o, n.o 3, prevê duas situações adicionais, dispondo que a diretiva não se aplica quando o contrato público i) seja «declarad[o] secret[o]», ou ii) «tenh[a] de ser acompanhad[o] por medidas especiais de segurança, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas em vigor num Estado‑Membro.» Também ao abrigo deste número, tal só é válido desde que «o Estado‑Membro tenha determinado que os interesses essenciais em causa não podem ser garantidos por medidas menos invasivas».

40.      Dito isto, há também que salientar que o artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE não parece acrescentar, no que diz respeito à situação em causa no presente processo, qualquer derrogação adicional (ou autónoma). Com efeito, o segundo parágrafo do artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2014/24 contém uma referência expressa ao artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE (6) e as duas disposições estão redigidas de forma muito semelhante. Por conseguinte, na minha opinião, a primeira disposição constitui uma aplicação do princípio estabelecido na segunda disposição, no domínio regido pela Diretiva 2014/24. Assim, uma vez apreciados os argumentos das partes à luz das disposições da diretiva, a meu ver não há necessidade de proceder a uma apreciação separada e independente ao abrigo do artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE (7). A este respeito, aproveito para observar que os argumentos das partes parecem ser coerentes com esta abordagem.

41.      O Governo polaco invoca três derrogações previstas no artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24: ou seja, todas as derrogações são invocadas, exceto a que diz respeito a contratos secretos (a seguir «derrogações em causa»). Contudo, nem nas suas alegações escritas nem nas suas alegações orais, esse Governo desenvolve argumentos que sejam específicos a uma ou a outra dessas derrogações; os argumentos da Comissão também não são mais específicos a esse respeito, o que me leva a pensar que ambas as partes concordam — pelo menos em princípio — que o quadro de análise das três derrogações em causa é em larga medida análogo.

42.      Partilho desse entendimento. Apesar de algumas diferenças na redação dos diferentes números e parágrafos do artigo 15.o da Diretiva 2014/24 (8), e de alguma terminologia que pode parecer confusa (9), estes números e parágrafos partilham os mesmos elementos‑chaves, exigindo assim que o Tribunal de Justiça proceda a uma apreciação relativamente semelhante.

b)      Âmbito das derrogações em causa

43.      Essencialmente, as derrogações em causa permitem a qualquer Estado‑Membro excluir a contratação de certos serviços dos procedimentos estabelecidos na Diretiva 2014/24 quando estiverem preenchidas as seguintes condições: i) os interesses públicos protegidos estão relacionados com os «interesses de segurança» desse Estado‑Membro, ii) esses interesses podem ser considerados «essenciais», iii) a aplicação da diretiva em questão pode, na opinião desse Estado‑Membro, prejudicar a proteção desses interesses, e iv) a proteção desses interesses não pode ser garantida por medidas menos invasivas.

44.      Passo a tentar esclarecer o significado destas condições.

1)      Conceito de «interesses essenciais de segurança»

45.      No que diz respeito às condições i) e ii), é a cada Estado‑Membro que incumbe definir os interesses públicos específicos que constituem os seus «interesses essenciais de segurança» (10). Ao mesmo tempo, porém, o poder de apreciação dos Estados‑Membros a esse respeito não pode ser ilimitado, pois, caso contrário, os termos essenciais e segurança ficariam privados de todo o efeito útil.

46.      Posso admitir que definir «segurança» de uma forma precisa e exaustiva é uma tarefa impossível. Em meu entender, o que é realmente abrangido por esse conceito depende de múltiplos fatores que podem variar entre os diferentes Estados‑Membros e também ao longo do tempo. O mesmo se aplica à circunstância de ser especificado que os interesses relacionados com a segurança que são protegidos pelos Estados‑Membros devem ser «essenciais». Este adjetivo exige uma apreciação que, pelo menos até certo ponto, é necessariamente subjetiva, por depender em grande medida de considerações históricas, políticas e geopolíticas que podem variar de um Estado para o outro (11).

47.      Contudo, a menos que as condições estabelecidas no artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24 sejam reduzidas a uma mera formalidade, o Tribunal de Justiça deve poder verificar se, ao invocar as derrogações em causa, um Estado‑Membro excedeu a sua margem de apreciação (12), já que a exclusão da contratação pública se destina a proteger interesses que ou não estão relacionados, ou que apenas vagamente estão relacionados, com a segurança (13).

48.      A este respeito, penso que o termo «segurança» — que figura tanto no artigo 15.o da Diretiva 2014/24 como no artigo 346.o TFUE — corresponde aos termos «segurança pública» (14) e «segurança nacional» (15) que podem ser encontrados em várias disposições do direito da União, e que o mesmo se sobrepõe em grande medida ao termo «segurança interna» (16) que figura numa série de outras disposições do direito da União (e é provavelmente mais amplo do que este termo).

49.      Como o Tribunal declarou em relação ao termo «segurança nacional», este termo consiste no «interesse primordial de proteger as funções essenciais do Estado e os interesses fundamentais da sociedade e inclui a prevenção e a repressão de atividades suscetíveis de desestabilizar gravemente as estruturas constitucionais, políticas, económicas ou sociais fundamentais de um país, em especial de ameaçar diretamente a sociedade, a população ou o Estado enquanto tal» (17). Por outras palavras, este termo refere‑se a questões relacionadas com a segurança das instituições ou das pessoas de um Estado‑Membro face a ameaças de uma certa importância decorrentes de circunstâncias que podem ser internas (crime organizado, motins, etc.) ou externas (informação ou contrainformação, ciberguerra, etc.) ao Estado. Essas ameaças podem ser específicas desse Estado (como forças paramilitares ou grupos nacionalistas armados) ou ser de natureza global (como uma pandemia letal), de origem humana (acidentes nucleares, catástrofes ambientais, atos de terrorismo, etc.) ou natural (terramotos, maremotos, cheias, etc.).

50.      Por sua vez, o termo «essencial» implica necessariamente alguma seletividade relativamente às funções e aos interesses públicos que (mesmo que relacionados com a segurança) podem ser abrangidos por essas derrogações. Na minha opinião, este termo deve ser interpretado no sentido de que limita as derrogações em causa aos elementos centrais da política de segurança dos Estados‑Membros, com exclusão das questões que apenas indireta ou vagamente dizem respeito à segurança pública (18).

51.      Para ser claro, não tenho dúvidas de que se poderá considerar que diversas situações — relacionadas, por exemplo, com a saúde pública, a proteção ambiental, a privacidade, as finanças públicas, etc. — quando sejam de natureza sistémica ou de grande escala, também suscitam questões de segurança pública. Contudo, hesito bastante em subscrever uma interpretação do artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24 que resultaria no alargamento do âmbito das derrogações aí estabelecidas para lá de interesses que, quando afetados, têm um impacto imediato e manifesto na segurança das instituições ou das pessoas de um Estado‑Membro.

52.      Esta abordagem é coerente com o princípio de interpretação segundo o qual as exceções às normas de aplicação geral da União, como as que estão em causa na presente ação, devem ser objeto de interpretação estrita (19).

2)      Prejuízo

53.      No que diz respeito à condição iii) referida no n.o 43, supra, cumpre fazer três observações baseadas na própria redação do artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24.

54.      Em primeiro lugar, o texto da disposição — que sublinha a margem de apreciação do Estado‑Membro («considere», «tenha determinado») — deixa claro que um Estado‑Membro não tem de apresentar elementos de prova positivos e irrefutáveis de que a aplicação da Diretiva 2014/24 a certos contratos públicos prejudicaria efetivamente a proteção dos seus interesses essenciais de segurança. Basta que o Estado‑Membro explique, com base em elementos específicos e credíveis (20) por que razão tem fundamentos razoáveis para considerar (21) que a aplicação das regras da contratação pública relativamente a certos contratos públicos pode comprometer (22) os seus interesses essenciais de segurança.

55.      Em segundo lugar, decorre também do acima exposto que a ameaça aos interesses de segurança invocada por um Estado‑Membro não tem de ser efetiva nem certa: a meu ver, podem ser suficientes riscos potenciais (23). No entanto, esses riscos não podem ser puramente especulativos ou hipotéticos, devendo antes ser reais.

56.      Em terceiro lugar, o texto do artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24 («a proteção […] não possa ser garantida», «a divulgação […] contrária aos», «os interesses […] em causa não podem ser garantidos»), sugere também que as ameaças (reais ou potenciais) à segurança devem ter um nível mínimo de gravidade. Entendo que dificilmente se pode considerar que os termos desta disposição abrangem acontecimentos ou situações que, devido à sua extensão, dimensão e impacto limitados, não representam uma ameaça suficientemente grave ao bom funcionamento das instituições de um Estado‑Membro e ao bem‑estar geral da sua população (24).

57.      Estes são elementos que, na minha opinião, podem ser sujeitos a fiscalização jurisdicional. Tal como o Tribunal de Justiça tem considerado repetidamente, nem todas as medidas adotadas pelos Estados‑Membros no contexto das exigências legítimas de interesse nacional estão excluídas do âmbito de aplicação do direito da União pelo simples facto de, designadamente, tais medidas serem tomadas no interesse da segurança pública (25). Particularmente, nem o artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24 nem o artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE podem ser interpretados no sentido de que conferem aos Estados‑Membros o poder de derrogarem as disposições da diretiva através da mera invocação desse interesse (26).

58.      Dada a significativa liberdade concedida aos Estados‑Membros a esse respeito (27), o nível de fiscalização do Tribunal de Justiça deve, contudo, a meu ver, incidir sobre a razoabilidade ou sobre a plausibilidade (28).

3)      Proporcionalidade da medida

59.      Por fim, a condição iv) mencionada no n.o 43, supra, consiste na indisponibilidade de «medidas menos invasivas». Isto significa que, em conformidade com o princípio da proporcionalidade, para poder invocar validamente as derrogações previstas no artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24, os Estados‑Membros devem demonstrar que a exclusão dos contratos públicos em questão dos procedimentos de concurso é uma medida adequada e necessária para proteger os seus interesses essenciais de segurança.

60.      Neste contexto, um aspeto específico pode necessitar de alguma clarificação: o Governo polaco argumenta que, ao abrigo das disposições em causa, os Estados‑Membros são livres de fixar o grau de proteção dos seus interesses de segurança no nível que considerarem mais adequado. Consequentemente, as medidas nacionais adotadas para assegurar esse nível de proteção não podem ser consideradas desproporcionadas, a menos que alguma medida alternativa disponível também permita assegurar o mesmo grau de proteção. Daqui decorre que, segundo o Governo polaco, um Estado‑Membro não pode ser obrigado a aceitar um nível de proteção inferior ao que escolheu com fundamento no facto de as medidas alternativas serem menos restritivas do comércio no interior da União.

61.      Tendo‑lhe sido perguntado na audiência se partilhava dessa opinião, a Comissão deu uma resposta negativa. No entanto, parece‑me que se esforçou por explicar as razões da sua posição e, em todo o caso, não mencionou nenhuma disposição do direito da União que conferisse à União Europeia um poder de fiscalização das escolhas dos Estados‑Membros neste âmbito.

62.      A esse respeito, tendo a concordar com a posição do Governo polaco. A menos que uma questão seja de tal natureza e dimensão que afete a segurança da União Europeia e, por conseguinte, se enquadre na política externa e de segurança comum (29), a União Europeia não tem competência específica em relação à segurança nacional/pública dos EstadosMembros. De facto, as disposições relevantes do Tratado destinam‑se essencialmente a estabelecer limites à ação da União Europeia — quer em geral (30), quer quando atua em alguns domínios específicos (como o mercado interno (31) e o espaço de liberdade, segurança e justiça (32)) — quando a mesma possa afetar os interesses de segurança dos Estados‑Membros. Como o Tribunal de Justiça tem sublinhado repetidamente, decorre do artigo 4.o, n.o 2, TUE que «a segurança nacional continua a ser da exclusiva responsabilidade de cada Estado‑Membro» (33).

c)      Ónus da prova

63.      É ponto assente que, no âmbito de uma ação ao abrigo do artigo 258.o TFUE, é à Comissão que incumbe demonstrar a existência do incumprimento alegado. Esta instituição deve apresentar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que este possa verificar a existência desse incumprimento, sendo que não se pode fundar numa qualquer presunção (34).

64.      Depois de a Comissão ter fornecido elementos suficientes para demonstrar a existência do incumprimento alegado, incumbe ao Estado‑Membro contestar, de forma substancial e pormenorizada, os elementos assim apresentados e as consequências que daí decorrem (35). Particularmente, quando um Estado‑Membro invoca uma derrogação prevista no direito da União — como no presente processo — cabe a esse Estado‑Membro provar que as condições relevantes estão preenchidas (36). O ónus que recai sobre o Estado‑Membro demandado inclui a exigência de analisar a aptidão e a proporcionalidade da medida adotada pelo mesmo e de apresentar elementos precisos que permitam sustentar a sua argumentação (37).

65.      Contudo, o ónus da prova imposto a esse Estado‑Membro — acrescentou o Tribunal de Justiça — não pode ir ao ponto de exigir que este demonstre, de maneira positiva, que nenhuma outra medida imaginável permite realizar o referido objetivo nas mesmas condições (38). Isto significa, a meu ver, que antes de adotarem derrogações ao direito da União, os Estados‑Membros são obrigados a analisar atentamente a possibilidade de recurso a medidas menos restritivas(39), não sendo, no entanto, de esperar que identifiquem cada uma das medidas alternativas que poderiam hipoteticamente ser previstas e que expliquem a razão pela qual todas devem ser postas de parte. A isto acrescentaria que um Estado‑Membro não pode ser obrigado a adotar medidas alternativas quando tais medidas são de viabilidade ou eficácia incerta, ou resultariam num encargo (organizativo ou financeiro) intolerável para o Estado‑Membro em questão.

66.      É face a este quadro analítico que passo agora a analisar o mérito dos argumentos das partes.

2.      Análise dos argumentos das partes

67.      A fim de determinar se, no caso em apreço, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2014/24, é necessário verificar, em primeiro lugar, se os interesses que a legislação nacional em causa procurou proteger podem ser considerados «interesses essenciais de segurança», na aceção do artigo 15.o, n.os 2 e 3, desta diretiva. Em segundo lugar, há que verificar se o Estado‑Membro em questão tinha fundamentos razoáveis para considerar que a aplicação das regras da contratação pública aos contratos públicos em questão poderia dar origem a ameaças reais e suficientemente graves à segurança pública. Em terceiro lugar, deve ser analisada a proporcionalidade da legislação nacional em causa.

68.      Nesta fase, há, contudo, que fazer algumas observações preliminares.

a)      Observações preliminares

69.      Devo, desde já, declarar que a apreciação jurídica no presente processo se torna por vezes bastante complicada pelo facto de ambas as partes terem, em geral, desenvolvido os seus argumentos de uma forma bastante genérica, ao passo que a legislação nacional em causa exclui da contratação pública — como a Comissão assinala corretamente — os contratos de produção de uma série bastante vasta e diversificada de documentos e outros objetos.

70.      Não creio que esses documentos e objetos possam, para efeitos do presente processo, ser tratados como se pertencessem a um grupo homogéneo. Os mesmos não contêm informações semelhantes e não desempenham a mesma função. Pelo menos em certa medida, são também produzidos a partir de diferentes materiais e com base em diferentes técnicas. As razões pelas quais esses documentos foram excluídos dos concursos públicos variam, sendo inegável que o seu grau de sensibilidade, bem como a sua capacidade para afetar os interesses de segurança da República da Polónia, diferem — até significativamente.

71.      Assim sendo, não é de surpreender que, muitas vezes, os argumentos apresentados por uma das partes tenham um certo peso, mas apenas em relação a alguns dos documentos em causa. Este desfasamento entre os argumentos jurídicos das partes e a situação factual subjacente tem, a meu ver, um impacto significativo na apreciação jurídica que o presente processo exige que o Tribunal de Justiça realize e, de forma mais particular, na forma como este litígio pode ser resolvido. Voltarei a este ponto no final das presentes conclusões.

b)      Proteção dos interesses essenciais de segurança

72.      O Governo polaco alega que a produção dos documentos em causa é uma atividade suscetível de afetar os seus interesses essenciais de segurança, na aceção do artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24. No essencial, o principal argumento do Governo polaco tem duas vertentes. Em primeiro lugar, o Governo polaco refere a necessidade de assegurar a continuidade do fornecimento dos documentos necessários para garantir o funcionamento correto e contínuo da administração pública. Em segundo lugar, esse Governo sublinha que a atividade de produção dos documentos em questão exige a utilização de informações confidenciais (ou secretas) que não devem ser divulgadas a pessoas não autorizadas, bem como de tecnologias e knowhow específicos que não devem ser obtidos por essas pessoas. A este respeito, o Governo polaco refere‑se às ameaças à segurança decorrentes de fenómenos como a ciberguerra, o terrorismo, o crime organizado, o tráfico de seres humanos e a introdução clandestina de migrantes.

73.      Sou de opinião que se enquadra na margem de apreciação de um Estado‑Membro considerar que assegurar a continuidade do fornecimento dos documentos necessários para que o seu aparelho administrativo funcione devidamente constitui um dos seus interesses essenciais de segurança. Também não tenho dificuldades em concordar com o Governo polaco que o combate à ciberguerra, ao terrorismo, ao crime organizado, ao tráfico de seres humanos e à introdução clandestina de migrantes não só se enquadra diretamente no conceito de «segurança pública/nacional» mas também se pode considerar que constitui um elemento central — e, portanto, «essencial» — da sua política de segurança.

74.      Dito isto, devo observar que — tanto nas suas alegações escritas como na audiência — foi suscitada a questão de saber se a exclusão de certos documentos específicos das regras da contratação pública estava verdadeiramente ligada ao combate às ameaças acima mencionadas. Parece‑me que o Governo polaco foi algo vago nas suas respostas sobre este ponto e acabou por se referir a outros objetivos que as exclusões em questão prosseguiriam. Esse Governo referiu, nomeadamente, os seguintes interesses públicos: i) proteger os consumidores e a saúde pública relativamente às autorizações para trabalhar como médico ou dentista, ii) proteger os cofres públicos no que diz respeito a selos fiscais, iii) garantir a segurança dos veículos no que respeita aos documentos relativos ao seu estatuto, e iv) assegurar a confiança do público no resultado das eleições no que respeita aos boletins de voto e aos sinais holográficos apostos em certificados de direito de voto.

75.      Embora concorde que assegurar a confiança do público na equidade das eleições possa ser considerado um dos interesses essenciais de segurança de um Estado‑Membro, não considero convincentes os argumentos apresentados pelo Governo polaco em relação aos outros interesses mencionados no número anterior das presentes conclusões. Como referido acima, podem realmente existir circunstâncias em que seja possível considerar que as ameaças à saúde pública afetam interesses essenciais de segurança. Também não excluiria que, em circunstâncias muito excecionais, as ameaças às finanças públicas possam ter uma tal dimensão e gravidade que seja possível considerar que têm impacto nos interesses essenciais de segurança de um Estado‑Membro (40). No entanto, não é fácil imaginar as circunstâncias em que as questões de proteção dos consumidores ou de segurança rodoviária se enquadrariam no conceito de «interesses essenciais de segurança».

76.      Contudo, e independentemente do acima exposto, não vejo — nem o Governo polaco referiu — qualquer ameaça ou risco específico para a saúde pública, para a proteção do consumidor, para a segurança rodoviária e para as finanças públicas que, no caso em apreço, pudessem atingir o limiar mínimo de gravidade exigido para serem plausivelmente considerados um «interesse essencial de segurança». Por exemplo, o mero facto, alegado pelo Governo polaco, de que a existência de certificados médicos falsos significaria que algumas pessoas seriam tratadas por pessoas sem as qualificações médicas adequadas, e que a existência de selos fiscais falsos resultaria na perda de receitas para o Tesouro polaco é, a meu ver, manifestamente insuficiente para justificar a aplicação das derrogações previstas no artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24.

77.      Entre os documentos em causa, há, além disso, alguns em relação aos quais o Governo polaco não explicou a relação lógica com a proteção dos seus interesses de segurança. Também não vejo qualquer relação óbvia relativamente a esses documentos. Para mencionar apenas alguns: carimbos e vinhetas de controlo referidos no código da estrada, cédulas marítimas, documentos relacionados com o registo do estado civil, títulos executivos, sentenças ou despachos emitidos por órgãos jurisdicionais ou oficiais de justiça, certificados de tripulantes aéreos, cartões que atestam a incapacidade, cartas de condução, livretes de veículos, cartões de tacógrafo, cartões profissionais de certos funcionários públicos, como funcionários tributários e aduaneiros ou inspetores do transporte rodoviário.

78.      À luz do acima exposto, entendo que, no caso em apreço, a República da Polónia pode invocar validamente as derrogações em causa, uma vez que as exclusões das regras da contratação pública se destinem a: i) proteger esse Estado‑Membro das ameaças decorrentes da ciberguerra, do terrorismo, do crime organizado, do tráfico de seres humanos e da introdução clandestina de migrantes, ii) assegurar a confiança do público nos resultados das eleições, e iii) assegurar o fornecimento de documentos necessários ao funcionamento da administração pública. Inversamente, considero que outros alegados riscos para a segurança da República da Polónia — como os riscos para a saúde pública, para a proteção dos consumidores, para a segurança rodoviária e para as finanças públicas — não são de molde a justificar a aplicação das derrogações em causa.

c)      Prejuízo para os interesses de segurança

79.      Quanto à probabilidade e gravidade do prejuízo para os interesses de segurança em causa, entendo que o Governo polaco pode razoavelmente considerar que a atividade de produção dos documentos em causa poderia, se fosse confiada a uma empresa que não cumpra normas de segurança rigorosas, criar ameaças para os seus interesses essenciais de segurança que são simultaneamente reais e significativas.

80.      Em algumas circunstâncias, os danos que poderiam resultar de fugas de informação poderiam ser — como o Governo polaco argumenta e a Comissão reconhece — de natureza quase irreversível. Os danos poderão, com efeito, ser duradouros e difíceis de reparar: os documentos falsificados podem continuar a circular durante algum tempo e podem ser facilmente produzidos novos documentos. Não se pode excluir que, em circunstâncias extremas, certas alterações dos procedimentos e técnicas utilizadas para emitir alguns dos documentos em causa possam ser necessárias para evitar mais ameaças no futuro.

81.      No entanto, tenho dúvidas de que se possa considerar que uma possível perturbação na produção de todos e cada um dos documentos da lista em questão represente uma ameaça suficientemente grave ao bom funcionamento da administração pública polaca. A necessidade de assegurar a continuidade do fornecimento só pode, a meu ver, ser validamente invocada no caso de documentos estritamente indispensáveis e insubstituíveis para o aparelho administrativo no quadro das funções essenciais do Estado, de modo que até um atraso relativamente pequeno na entrega desses documentos poderia ser tolerado. Não me parece que a grande maioria dos documentos em causa preencha esses critérios.

d)      Princípio da proporcionalidade

82.      Em terceiro lugar, é necessário determinar se a decisão do Governo polaco no sentido de excluir os contratos públicos em questão da aplicação das regras dos concursos públicos é compatível com o princípio da proporcionalidade. No entanto, à luz da própria redação das disposições em causa (41), a fim de respeitar a competência dos Estados‑Membros no domínio da segurança nacional/pública, parece‑me que apenas se justifica um critério de proporcionalidade em duas fases (42) Isto significa que o Tribunal de Justiça apenas é obrigado a verificar se a legislação nacional em causa é adequada para alcançar o objetivo declarado e se a mesma não vai além do estritamente necessário para o efeito.

1)      Adequação da medida

83.      Em primeiro lugar, no que respeita à adequação da exclusão para alcançar o seu objetivo declarado, a apreciação pode ser relativamente simples: é para mim bastante óbvio que a centralização da produção dos documentos em causa numa única entidade, integralmente detida e diretamente controlada pelo Estado, que opera no território polaco, é suscetível de reduzir os riscos de i) o pessoal não autorizado poder ter acesso a material sensível e a informações confidenciais (ou secretas) e assim falsificar os documentos em questão ou replicar a tecnologia e o knowhow necessários para o efeito (43), e ii) a empresa poder deparar‑se com dificuldades financeiras que poderiam ameaçar a continuidade do fornecimento dos documentos em causa.

84.      Com efeito, as autoridades públicas podem intervir — e, por fim, ter a última palavra — em todas as escolhas‑chaves (operacionais, comerciais, técnicas, em matéria de recursos humanos, etc.) feitas pela entidade em questão. Os poderes de controlo (por exemplo, nas instalações da empresa ou sobre o pessoal da entidade) também podem ser exercidos, se for caso disso, através da utilização dos poderes conferidos às forças policiais. O facto de a adjudicatária ser também integralmente detida pelo Tesouro (e de o direito nacional prever certas limitações no que respeita à venda das suas ações) constitui igualmente uma garantia de que a propriedade da adjudicatária não pode «cair nas mãos erradas», o que poderia ocorrer no caso das empresas cujas ações são negociadas publicamente em bolsas de valores. Além disso, o controlo público deve permitir às autoridades competentes detetar de forma mais fácil e rápida situações de dificuldades financeiras da empresa, podendo assim adotar medidas de reparação adequadas em tempo útil.

85.      Por conseguinte, a legislação nacional em causa é suscetível de dar uma contribuição significativa para a proteção dos interesses de segurança invocados pela República da Polónia.

2)      Necessidade da medida

86.      O segundo aspeto — o da necessidade da medida — suscita, a meu ver, questões mais complexas.

87.      A questão crucial é se o Governo polaco demonstrou que a aplicação das derrogações em causa era necessária para proteger os seus interesses essenciais de segurança. Para o efeito, esse Governo tinha de demonstrar que a proteção de tais interesses não poderia ter sido alcançada se se tivesse lançado um concurso público como o previsto na Diretiva 2014/24 (44).

88.      Neste contexto, deve ter‑se presente que, de acordo com o que o Governo polaco alegou no presente processo, o nível de proteção dos interesses em causa escolhido por esse Governo é particularmente elevado. Este é um elemento que, como mencionado nos n.os 60 a 62, supra, deve ser tido em conta na apreciação da existência de medidas menos restritivas.

89.      A Comissão sugere, essencialmente, que uma combinação de especificações técnicas (ao abrigo do artigo 42.o da Diretiva 2014/24 (45)) e critérios de seleção rigorosos (ao abrigo do artigo 58.o da Diretiva 2014/24 (46)) seria tão eficaz na proteção dos interesses invocados pelo Governo polaco como a exclusão da contratação pública. A Comissão assinala igualmente as disposições que permitem às autoridades adjudicantes modificar os contratos públicos (artigo 72.o da Diretiva 2014/24 (47)) e rescindi‑los (artigo 73.o da Diretiva 2014/24 (48)), em circunstâncias específicas.

90.      Sou de opinião que, em certa medida, a Comissão tem um argumento válido. Com efeito, no que diz respeito à garantia da continuidade do fornecimento, não há motivos para crer que as empresas privadas oferecem, por definição, garantias inferiores. Como confirmado na audiência pelo Governo polaco, a PWPW é uma «sociedade anónima», ou seja, uma sociedade de responsabilidade limitada que — pelo menos formalmente — não é diferente de muitas outras empresas privadas. Como tal, essa empresa pode enfrentar dificuldades financeiras e, se a sua situação financeira se deteriorar gravemente, pode mesmo entrar em insolvência.

91.      Como é óbvio, compreendo que o Governo polaco faria tudo o que estivesse ao seu alcance para manter essa empresa financeiramente viável e, se necessário, salvá‑la de um processo de insolvência. No entanto, como a Comissão corretamente assinala, pode haver alguns limites à capacidade desse Governo para o fazer. Entre outras, poderão ser aplicáveis as regras da União em matéria de controlo dos auxílios estatais. Não se deve ignorar, neste contexto, que a PWPW exerce uma série de atividades (conceção gráfica, produção e personalização de vários documentos, oferta de soluções informáticas, etc.) e está ativa em diversos mercados geográficos (tanto dentro como fora da União Europeia), onde concorre com outras empresas.

92.      Na minha opinião, facilmente poderia ser previsto um conjunto de medidas para minimizar os riscos de continuidade do fornecimento alegados pelo Governo polaco. Por exemplo, nada impede esse Governo de exigir que os proponentes/adjudicatários, designadamente: i) cumpram critérios financeiros rigorosos para participar no concurso, ii) transmitam periodicamente balanços e relatórios financeiros detalhados, a fim de permitir à administração controlar a «saúde» da empresa, e iii) se comprometam a transferir a produção em caso de insolvência (ou de incapacidade superveniente de executar devidamente o contrato).

93.      Por conseguinte, sou de opinião que a legislação nacional em causa, tendo em conta que visa garantir a continuidade do fornecimento dos documentos em causa, vai além do necessário para assegurar a proteção dos interesses essenciais de segurança invocados pelo Governo polaco. O mesmo nível de proteção desses interesses poderia ser alcançado mesmo que a produção dos documentos em causa fosse confiada a uma ou mais empresas através do lançamento de um concurso público.

94.      Em contrapartida, parece‑me que as medidas sugeridas pela Comissão não são tão eficazes como a exclusão da contratação pública, no que diz respeito à necessidade de evitar fugas de informação ou tecnologia. Por outras palavras, essas medidas alternativas não atingiriam, na minha opinião, o mesmo grau de proteção que o escolhido pelo Governo polaco.

95.      Para começar, para mim é claro que a mera introdução no contrato de regras relativas à responsabilidade disciplinar ou financeira e à indemnização em caso de fugas ou outras violações das regras de segurança não tem uma eficácia comparável: a própria lógica da exclusão de certos contratos da contratação pública é minimizar o risco de ocorrência do dano. Uma compensação financeira ex post facto paga pelo adjudicatário ou a imposição de sanções disciplinares às pessoas em causa parecem‑me ter muito pouca utilidade para a República da Polónia e, consequentemente, não constituem substitutos válidos para medidas ex ante mais robustas que possam evitar as violações. Estou obviamente ciente de que as cláusulas de indemnização e de responsabilidade também se destinam a dissuadir os potenciais infratores. No entanto, quando se trata de desencorajar pessoas que possam estar ligadas, por exemplo, a grupos terroristas, serviços secretos estrangeiros ou organizações criminosas poderosas de tentarem aceder a informações altamente sensíveis, os efeitos preventivos de tais cláusulas parecem bastante limitados.

96.      A Comissão sugeriu que, a fim de assegurar a capacidade do Governo polaco de recorrer, se necessário, aos poderes públicos das forças policiais para controlar a empresa em questão e o seu pessoal, o adjudicatário poderia ser obrigado a realizar as suas operações na Polónia. Neste contexto, a Comissão refere o facto de que outras empresas estabelecidas na Polónia já terem os certificados de segurança necessários para realizar atividades como as exercidas pela PWPW.

97.      Alguns dos argumentos da Comissão têm um certo peso. Com efeito, poderia ser solicitado ao adjudicatário que produzisse os documentos mais sensíveis na Polónia a fim de permitir um controlo mais eficaz e, se necessário, a execução da lei por parte das autoridades públicas.

98.      Contudo, o Governo polaco pode — legitimamente, a meu ver — considerar importante poder influenciar ou supervisionar algumas decisões‑chaves tomadas pela empresa que possam ter um impacto direto ou indireto na segurança das atividades exercidas por essa empresa (contratação de pessoal, apenas para dar um exemplo). Dificilmente se poderá contestar que o grau de intervenção que a administração pública pode exercer ao lidar com uma empresa pública é superior ao que pode exercer em relação a uma empresa privada, independentemente das cláusulas e salvaguardas que poderiam ser incluídas no contrato. Como tenho repetidamente afirmado, cabe, em princípio, à República da Polónia escolher o nível adequado de proteção dos interesses em causa.

99.      As mesmas considerações podem aplicar‑se, mutatis mutandis, à produção de boletins de voto e de sinais holográficos nos certificados de direito de voto.

100. Por conseguinte, considero que a República da Polónia pode invocar o artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24, desde que as exclusões da contratação pública digam respeito a documentos cuja falsificação pode ter um impacto negativo no combate desse Estado à ciberguerra, ao terrorismo, ao tráfico de seres humanos, à introdução clandestina de migrantes e ao crime organizado, bem como aos documentos que possam ter impacto na regularidade e equidade das eleições (ou na perceção das mesmas pelo público).

3.      Conclusões: solução do presente processo

101. A análise exposta supra leva‑me às seguintes conclusões.

102. Em primeiro lugar, alguns dos interesses invocados pelo Governo polaco no presente processo podem ser considerados «interesses essenciais de segurança», na aceção do artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24. Refiro‑me às necessidades de i) combater a ciberguerra, o terrorismo, o tráfico de seres humanos, a introdução clandestina de migrantes e o crime organizado, ii) assegurar a continuidade do fornecimento dos documentos necessários ao correto funcionamento da administração pública, e iii) assegurar a confiança do público no resultado equitativo das eleições. Pelo contrário, não encontro, no presente processo, qualquer elemento que justifique tratar os interesses relacionados com a saúde pública, a proteção dos consumidores, a segurança rodoviária e a proteção das finanças públicas como «interesses essenciais de segurança» para efeitos da Diretiva 2014/24.

103. Em segundo lugar, entendo que a República da Polónia tem fundamentos razoáveis para considerar que as ameaças que pretende evitar ou minimizar com a legislação nacional em causa são reais e suficientemente graves. No entanto, não vejo tal ameaça quando os documentos cuja continuidade de fornecimento a República da Polónia pretende assegurar não são insubstituíveis ou indispensáveis para o bom funcionamento da administração do Estado.

104. Em terceiro lugar, — ao centralizar a produção dos documentos em causa numa única entidade, integralmente detida e diretamente controlada pelo Estado — a legislação nacional em causa só parcialmente cumpre o princípio da proporcionalidade. Mais especificamente, pode considerar‑se que tal legislação apenas é necessária para alcançar o nível de proteção adequado escolhido pelo Governo polaco no que diz respeito aos documentos cuja falsificação possa efetivamente prejudicar o combate da República da Polónia à ciberguerra, ao terrorismo, ao tráfico de seres humanos, à introdução clandestina de migrantes ou ao crime organizado, ou comprometer a confiança do público no resultado das eleições. Em contrapartida, existem medidas alternativas menos invasivas para evitar os riscos, invocados por esse Governo, para a continuidade do fornecimento dos documentos em causa.

105. Tudo isto significa que, na minha opinião, tanto a Comissão quanto a República da Polónia foram parcialmente vencedoras e parcialmente vencidas no presente processo. Sendo assim, a questão crucial torna‑se, obviamente, a de saber em que medida a presente ação deve ser julgada procedente e em que medida deve ser julgada improcedente.

106. Para abordar esta questão, terei agora de voltar à questão que aflorei nas minhas observações preliminares: tanto a Comissão como o Governo polaco desenvolveram, geralmente, os seus argumentos de uma forma bastante genérica, apesar de a legislação nacional em causa excluir dos contratos públicos a produção de uma série bastante vasta e diversificada de documentos e outros objetos(49).

107. Questionadas na audiência sobre se consideravam ter tido devidamente em conta as características específicas de cada documento, ambas as partes alegaram não serem obrigadas a fazê‑lo. O Governo polaco reiterou a opinião de que todos os documentos em causa se revestem de uma importância crucial para a proteção dos seus interesses de segurança e, consequentemente, todos podem ser excluídos dos contratos públicos. Por seu turno, a Comissão declarou que, até agora, o Governo polaco se recusou a iniciar qualquer discussão significativa sobre o assunto e, de qualquer forma, deveria ter sido esse Governo a explicar ao Tribunal de Justiça as especificidades de cada documento.

108. Não posso esconder ter sentido alguma frustração ao receber estas respostas. Com efeito, devido a essa abordagem das partes, e apesar de uma apreciação cuidadosa dos fundamentos da Comissão e das objeções da República da Polónia, bem como de uma análise dos elementos de prova apresentados por ambas as partes, não consigo «traçar uma linha» precisa entre os documentos que podem ser legitimamente excluídos das regras da contratação pública e os que não podem.

109. Normalmente, no âmbito de ações e recursos diretos, a falta de fundamentação dos pedidos de uma parte não dá origem a qualquer problema processual importante: os princípios da repartição do ónus da prova (50) podem conduzir o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre as diferentes questões controvertidas. No presente processo, porém, considero particularmente difícil identificar, em relação a alguns aspetos do litígio, a parte sobre a qual recai o ónus de provar (ou refutar) um determinado facto. Neste tipo de pingue‑pongue processual em que o ónus muda cada vez que uma das partes apresenta um fumus boni juris, por vezes pode ser difícil decidir — falando metaforicamente — quem marcou o ponto.

110. Além disso, sentiria algum desconforto ao sugerir ao Tribunal de Justiça que decidisse o presente litígio com base numa aplicação automática (e, portanto, ouso dizer, cega) das regras relativas ao ónus da prova. Não há dúvida de que incumbe a cada uma das partes escolher cuidadosamente a abordagem que pretende adotar em termos de estratégia de litigância, uma vez que as escolhas a esse respeito têm muitas vezes consequências. Quando um órgão jurisdicional profere uma decisão definitiva sobre uma determinada matéria e não há possibilidade de recorrer dessa decisão, a matéria passa a ser res judicata e, como tal, não pode ser sujeita a outras ações judiciais.

111. Assim, uma vez terminado um processo judicial, a realidade processual substitui qualquer outra realidade «alternativa».

112. No entanto, embora tal possa normalmente ser considerado um simples facto da vida, hesitaria em subscrever uma aplicação extrema desta abordagem — que poderia, in extremis, levar os juízes a abandonar o senso comum e a adotar decisões não razoáveis — no âmbito dos processos por incumprimento.

113. Como o Tribunal de Justiça tem declarado repetidamente, no âmbito desses processos, compete‑lhe verificar os alegados incumprimentos, mesmo quando o demandado não os contesta (51). Isto pode ser explicado, a meu ver, devido às potenciais consequências de grande alcance que, para um Estado‑Membro, podem decorrer de um acórdão desfavorável proferido ao abrigo do artigo 258.o ou 259.o TFUE: esse Estado‑Membro será obrigado a alterar a medida nacional impugnada. Isto também é verdade independentemente da circunstância de que, com uma melhor defesa, teria sido possível demonstrar que essa medida estava efetivamente em conformidade com o direito da União (52). A não alteração da medida nacional impugnada poderá expor esse Estado‑Membro a sanções financeiras (53) e a ações por responsabilidade (54).

114. Assim, a minha opinião é que, quando não é inteiramente claro quem é obrigado a provar o quê, porque ambas as partes parecem ser responsáveis pela incompletude dos autos, pode revelar‑se sensata uma abordagem do Tribunal de Justiça em que este evite pronunciar‑se sobre questões que não sejam estritamente indispensáveis para decidir o litígio. Isto parece‑me particularmente importante num caso, como o do presente processo, em que a procedência de um argumento da demandante ou da demandada poderia ter repercussões imediatas na proteção de certos interesses essenciais de segurança de um Estado‑Membro.

115. Neste contexto, creio que o Tribunal de Justiça tem, fundamentalmente, duas opções.

116. Por um lado, o Tribunal poderia — como fez em alguns processos iniciais em que considerou que as informações fornecidas por ambas as partes não lhe permitiam proceder a uma avaliação suficientemente precisa das questões em causa — proferir um acórdão interlocutório. Nesses acórdãos, o Tribunal de Justiça ordenou às partes que reexaminassem certas questões decorrentes do litígio à luz das orientações contidas nesses acórdãos e que lhe apresentassem observações até uma determinada data, após a qual o Tribunal de Justiça proferiria um acórdão que pusesse termo ao processo (55).

117. Por outro lado, o Tribunal de Justiça poderia simplesmente declarar que, ao excluir a produção de certos documentos, impressos, selos e carimbos das regras relativas aos contratos públicos previstas na Diretiva 2014/24, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1.o, n.os 1 e 3, e do artigo 15.o, n.os 2 e 3, desta diretiva, em conjugação com o artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE. Com efeito, a minha análise demonstrou que a legislação nacional em causa exclui indubitavelmente das regras relativas aos contratos públicos uma (provavelmente grande) série de documentos relativamente aos quais não são aplicáveis as derrogações previstas no artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24.

118. Por razões de economia processual, considero preferível a segunda opção. A este respeito, gostaria de salientar que, à luz do pedido apresentado pela Comissão (56), o Tribunal de Justiça não decidiria ultra petita nem infra petita. Ao mesmo tempo, o acórdão do Tribunal de Justiça daria orientações suficientes ao Governo polaco sobre a forma como a legislação nacional em questão deveria ser alterada para passar a cumprir o direito da União. Com efeito, há que ter presente que, segundo jurisprudência assente, o dispositivo do acórdão, que descreve o incumprimento das obrigações estabelecidas pelo Tribunal de Justiça numa ação ao abrigo do artigo 258.o TFUE, deve ser interpretado à luz dos fundamentos do acórdão (57).

119. Além disso, qualquer desacordo futuro entre a Comissão e a República da Polónia sobre a questão de saber se esta última conseguiu dar pleno cumprimento ao acórdão do Tribunal de Justiça poderia ser resolvido, se necessário, i) no âmbito de um processo por incumprimento ao abrigo do artigo 260.o, n.o 2, TFUE e, caso tal desacordo persistisse mesmo após esse processo, ii) no âmbito de um recurso de anulação interposto, ao abrigo do artigo 263.o TFUE, pela República da Polónia contra qualquer decisão da Comissão que determinasse a necessidade e o montante das sanções devidas por esse Estado‑Membro (58).

120. Por todas estas razões, entendo que o Tribunal de Justiça deve decidir que a legislação nacional em causa, na sua redação atual, não preenche as condições estabelecidas no artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva2014/24 e, por conseguinte, viola as disposições da referida diretiva.

VI.    Quanto às despesas

121. Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas, a menos que, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal de Justiça decida que, além das suas próprias despesas, uma parte deve suportar uma fração das despesas da outra parte.

122. No presente processo, tanto a Comissão como a República da Polónia requereram a condenação da outra parte nas despesas e foram vencedoras nalguns pedidos e vencidas noutros. Consequentemente, considero correto que cada uma das partes seja condenada a suportar as suas próprias despesas.

VII. Conclusão

123. Tendo em conta as considerações expostas, proponho que o Tribunal de Justiça:

–        Declare que, ao excluir a produção de certos documentos, impressos, selos e carimbos das regras relativas aos contratos públicos previstas na Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, a República da Polónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1.o, n.os 1 e 3, e do artigo 15.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2014/24, em conjugação com o artigo 346.o, n.o 1, alínea a), TFUE; e

–        Condene a Comissão Europeia e a República da Polónia a suportar as suas próprias despesas.


1      Língua original: inglês.


2      JO 2014, L 94, p. 65.


3      O ponto 6 diz respeito à definição de «contratos de empreitada de obras públicas».


4      C‑187/16, EU:C:2018:194, a seguir «Acórdão Comissão/Áustria».


5      Da mesma forma, o título da subsecção da Diretiva 2014/24 que inclui o artigo 15.o intitula‑se «Procedimentos de contratação que envolvem aspetos de defesa ou de segurança».


6      Uma outra referência a essa disposição do Tratado pode ser encontrada no artigo 1.o, n.o 3, da diretiva.


7      V., por analogia, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Comissão/Áustria (Imprensa do Estado) (C‑187/16, EU:C:2017:578, n.os 43 e 45; a seguir «Conclusões no processo Comissão/Áustria»).


8      Como, nomeadamente, o facto de segundo parágrafo do artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2014/24 ao contrário do primeiro parágrafo do artigo 15.o, n.o 2 e do artigo 15.o, n.o 3, do mesmo artigo, não exigir expressamente a ausência de «medidas menos invasivas» tão eficazes. No entanto, a falta desse requisito é, a meu ver, irrelevante, uma vez que decorre, em todo o caso, do princípio da proporcionalidade.


9      O segundo parágrafo do artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2014/24 começa com o termo «além disso», o que sugere que complementa o que está previsto no primeiro parágrafo, do mesmo artigo. Contudo, parece‑me que a situação (formulada de forma mais ampla) prevista no primeiro parágrafo abrange também a situação (definida de forma mais estrita) prevista no segundo parágrafo.


10      V., neste sentido, Acórdão no processo Comissão/Áustria, n.o 75.


11      Só para dar um exemplo, os riscos que uma eventual crise energética representa podem talvez ser considerados «interesses essenciais de segurança» por um Estado que seja um importador significativo de energia (ou dos materiais utilizados para gerar energia), ao passo que podem não o ser para um Estado que seja autossuficiente em termos energéticos. V., por exemplo, Acórdão de 10 de julho de 1984, Campus Oil e o. (72/83, EU:C:1984:256, n.os 34 e 35). Isto é ainda mais verdadeiro no atual contexto geopolítico.


12      No mesmo sentido, Conclusões do advogado‑geral G. Cosmas no processo Albore (C‑423/98, EU:C:2000:158, n.o 58).


13      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Comissão/Alemanha (C‑284/05, C‑294/05, C‑372/05, C‑387/05, C‑409/05, C‑461/05 e C‑239/06, EU:C:2009:76, n.os 129 a 133).


14      Artigos 36.o, 45.o, 52.o, 65.o e 202.o TFUE.


15      Artigo 4.o, n.o 2, TUE.


16      Artigos 71.o, 72.o e 276.o TFUE.


17      Acórdão de 6 de outubro de 2020, La Quadrature du Net e o. (C‑511/18, C‑512/18 e C‑520/18, EU:C:2020:791, n.o 135).


18      V., por exemplo, artigo 4.o, n.o 2, TUE que fala de «funções essenciais do Estado, nomeadamente as que se destinam a garantir a integridade territorial, a manter a ordem pública e a salvaguardar a segurança nacional» O itálico é meu.


19      V. Acórdão no processo Comissão/Áustria, n.o 77 e jurisprudência referida.


20      Sublinhando a importância do dever de fundamentação dos Estados‑Membros a esse respeito, v. Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Comissão/Alemanha (C‑284/05, C‑294/05, C‑372/05, C‑387/05, C‑409/05, C‑461/05 e C‑239/06, EU:C:2009:76, n.os 131, 142, e 160), e Conclusões no processo Comissão/Áustria, n.o 48.


21      Sobre a necessidade de abordar a questão do ponto de vista do Estado‑Membro, v., por analogia, Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Comissão/Grécia (C‑120/94, EU:C:1995:109, n.o 58).


22      V., por analogia, Acórdão de 16 de setembro de 1999, Comissão/Espanha (C‑414/97, EU:C:1999:417, n.o 24).


23      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral G. Cosmas no processo Albore (C‑423/98, EU:C:2000:158, n.o 31).


24      V., neste sentido, Acórdãos de 13 de julho de 2000, Albore (C‑423/98, EU:C:2000:401, n.o 22), e de 14 de março de 2000, Église de scientologie (C‑54/99, EU:C:2000:124, n.o 17 e jurisprudência referida).


25      V. Acórdão no processo Comissão/Áustria, n.o 76 e jurisprudência referida.


26      V., por analogia, Acórdão de 2 de abril de 2020, Comissão/Polónia, Hungria e República Checa (Mecanismo temporário de recolocação de requerentes de proteção internacional) (C‑715/17, C‑718/17 e C‑719/17, EU:C:2020:257, n.o 145 e jurisprudência referida).


27      V. Acórdão de 30 de setembro de 2003, Fiocchi munizioni/Comissão (T‑26/01, EU:T:2003:248, n.o 58).


28      Sobre este assunto, mais genericamente, v. minhas Conclusões no processo BCE/Crédit lyonnais (C‑389/21 P, EU:C:2022:844, n.os 41 a 74).


29      V. especialmente o artigo 24.o, n.o 1, TUE («A competência da União em matéria de política externa e de segurança comum abrange […] todas as questões relativas à segurança da União […]»), e o artigo 42.o, n.o 1, TUE («A política comum de segurança e defesa faz parte integrante da política externa e de segurança comum»). O sublinhado é meu.


30      Como acima mencionado, o artigo 4.o, n.o 2, TUE dispõe, designadamente, que a União Europeia respeita as funções essenciais dos Estados‑Membros, «nomeadamente as que se destinam a garantir a integridade territorial, a manter a ordem pública e a salvaguardar a segurança nacional.» O sublinhado é meu.


31      V. artigos 36.o, 45.o, 52.o e 65.o TFUE.


32      V. artigos 71.o, 72.o e 276.o TFUE.


33      V. Acórdão de 5 de Abril 2022, Commissioner of An Garda Síochána e o (C‑140/20, EU:C:2022:258, n.o 57 e jurisprudência referida.


34      V., entre outros, Acórdão de 26 de abril de 2018, Comissão/Bulgária (C‑97/17, EU:C:2018:285, n.o 69 e jurisprudência referida).


35      V., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2021, Comissão/Espanha (Deterioração do espaço natural de Doñana) (C‑559/19, EU:C:2021:512, n.o 47 e jurisprudência referida).


36      V., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2016, Comissão/Chipre (C‑515/14, EU:C:2016:30, n.o 54 e jurisprudência referida).


37      V., neste sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2014, Comissão/Bélgica (C‑296/12, EU:C:2014:24, n.o 33 e jurisprudência referida).


38      V. Acórdão de 29 de julho de 2019, Comissão/Áustria (Engenheiros civis, agentes de patentes e veterinários) (C‑209/18, EU:C:2019:632, n.o 82 e jurisprudência referida).


39      V., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Comissão/Áustria (C‑28/09, EU:C:2011:854, n.o 140 e jurisprudência referida).


40      A jurisprudência sobre este ponto é muito restritiva: os interesses de natureza económica não constituem, em princípio, interesses essenciais de segurança. V., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 1999, Comissão/Espanha (C‑414/97, EU:C:1999:417, n.o 22).


41      V. n.os 8 e 59, supra.


42      O critério da total proporcionalidade exigiria que o Tribunal de Justiça verificasse se a medida nacional estabelece um justo equilíbrio entre os interesses em causa: o interesse prosseguido pelo Estado com a medida em questão e o interesse das pessoas afetadas negativamente pela mesma. V., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, Comissão/Hungria (Ensino superior) (C‑66/18, EU:C:2020:792, n.os 178 e 179 e jurisprudência referida).


43      No mesmo sentido, Conclusões no processo Comissão/Áustria, n.o 56.


44      V., neste sentido, Acórdão no processo Comissão/Áustria, n.os 78 e 79 e jurisprudência referida.


45      Especialmente, o artigo 42.o, n.o 1, da Diretiva 2014/24 dispõe o seguinte: «As especificações técnicas […] devem constar dos documentos do concurso. As especificações técnicas definem as características exigidas para as obras, serviços ou fornecimentos. […].»


46      O artigo 58.o da Diretiva 2014/24, com a epígrafe «Critérios de seleção», prevê, no n.o 1, que os critérios de seleção podem estar relacionados com: a) A habilitação para o exercício da atividade profissional; b) A capacidade económica e financeira; e c) A capacidade técnica e profissional. O n.o 3 dessa disposição prevê que «[n]o que se refere à capacidade económica e financeira, as autoridades adjudicantes podem impor requisitos destinados a assegurar que os operadores económicos disponham da capacidade económica e financeira necessária para executar o contrato.» Por sua vez, o n.o 4 da mesma disposição estabelece que «[n]o que respeita à capacidade técnica e profissional, as autoridades adjudicantes podem impor requisitos de molde a assegurar que os operadores económicos disponham dos recursos humanos e técnicos e da experiência necessários para assegurar um nível de qualidade adequado na execução do contrato. As autoridades adjudicantes podem exigir, em especial, que os operadores económicos tenham um nível suficiente de experiência, comprovado por referências adequadas de contratos executados no passado».


47      Nos termos do artigo 72.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2014/24, os contratos e acordos‑quadros podem ser modificados sem novo processo de contratação quando, entre outras coisas, estiverem preenchidas várias condições cumulativas. Uma dessas condições [subalínea i)] é que «a necessidade de modificação decorre de circunstâncias que uma autoridade adjudicante diligente não possa prever».


48      O artigo 73.o da Diretiva 2014/24 diz respeito às circunstâncias em que as autoridades adjudicantes têm a possibilidade de rescindir um contrato público durante a sua vigência.


49      V. n.os 9, 10, 69 e 70 das presentes conclusões.


50      Os princípios fundamentais nesta matéria foram recordados supra, nos n.os 63 a 65, das presentes conclusões.


51      V., por exemplo, Acórdão de 16 de janeiro de 2014, Comissão/Espanha (C‑67/12, EU:C:2014:5, n.o 30 e jurisprudência referida).


52      Neste contexto, não se deve ignorar que, no âmbito dos procedimentos por infração, existe apenas um nível de competência jurisdicional: por conseguinte, as partes dispõem de uma única oportunidade perante os Tribunais da União, por assim dizer.


53      V. artigo 260.o, n.o 2, TFUE.


54      V., a este respeito, os Acórdãos de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 57), e de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (C‑524/04, EU:C:2007:161, n.o 120).


55      V., por exemplo, Acórdãos de 27 de fevereiro de 1980, Comissão/Reino Unido (170/78, EU:C:1980:53), e de 17 de dezembro de 1980, Comissão/Bélgica (149/79, EU:C:1980:297).


56      V. n.o 18 das presentes conclusões.


57      V, entre muitos, Acórdão de 22 de outubro de 2013, Comissão/Alemanha (C‑95/12, EU:C:2013:676, n.os 37, 40 e 45 e jurisprudência referida).


58      O artigo 51.o, alínea c), do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, conforme recentemente alterado, reserva estes recursos ao Tribunal de Justiça.