Language of document : ECLI:EU:C:2020:536

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

9 de julho de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Contrato de mútuo hipotecário — Cláusula de limitação da variabilidade da taxa de juro (chamada cláusula “de taxa mínima”) — Contrato de novação — Renúncia à propositura de ações contra as cláusulas de um contrato — Falta de caráter vinculativo»

No processo C‑452/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.o 3 de Teruel (Tribunal de Primeira Instância e de Instrução n.o 3 de Teruel, Espanha), por Decisão de 26 de junho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de julho de 2018, no processo

XZ

contra

Ibercaja Banco SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, S. Rodin (relator), D. Šváby, K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: L. Carrasco‑Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de setembro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de XZ, inicialmente por D. J. Fernández Yubero e, em seguida, por J de la Torre García, R. López Garbayo e M. Pradel Gonzalo, abogados,

–        em representação da Ibercaja Banco, SA, por J. M. Rodríguez Cárcamo e A. M. Rodríguez Conde, abogados,

–        em representação do Governo espanhol, inicialmente por M. J. García‑Valdecasas Dorrego e, em seguida, por L. Aguilera Ruiz, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Baquero Cruz, N. Ruiz García Napoleόn e C. Valero, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de janeiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 3.o a 6.o da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litigio que opõe XZ à Ibercaja Banco SA relativamente a cláusulas estipuladas num contrato de mútuo hipotecário que celebraram.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 3.o da Diretiva 93/13 dispõe:

«1.      Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2.      Considera‑se que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão.

O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma cláusula isolada terem sido objeto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão.

Se o profissional sustar que uma cláusula normalizada foi objeto de negociação individual, caber‑lhe‑á o ónus da prova.

3.      O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

4        O artigo 4.o dessa diretiva prevê:

«1.      Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.      A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

5        O artigo 5.o da referida diretiva tem a seguinte redação:

«No caso dos contratos em que as cláusulas propostas ao consumidor estejam, na totalidade ou em parte, consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível. Em caso de dúvida sobre o significado de uma cláusula, prevalecerá a interpretação mais favorável ao consumidor. Esta regra de interpretação não é aplicável no âmbito dos processos previstos no n.o 2 do artigo 7.o»

6        O artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva precisa:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

7        Nos termos do artigo 8.o da Diretiva 93/13:

«Os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.»

8        O n.o 1, alínea q), do anexo dessa diretiva, que contém uma lista indicativa e não exaustiva das cláusulas que podem ser declaradas abusivas, tem a seguinte redação:

«Cláusulas que têm como objetivo ou como efeito:

[…]

q)      Suprimir ou entravar a possibilidade de intentar ações judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor […]»

 Direito espanhol

 Real Decreto Legislativo 1/2007

9        A Diretiva 93/13 foi transposta para o direito espanhol, no essencial, pela Ley 7/1998 sobre condiciones generales de la contratación (Lei 7/1998 das Condições Gerais dos Contratos), de 13 de abril de 1998 (BOE n.o 89, de 14 de abril de 1998, p. 12304), que foi reformulada, juntamente com outras disposições que transpõem diferentes diretivas da União em matéria de proteção dos consumidores, pelo Real Decreto Legislativo 1/2007 por el que se aprueba el texto refundido de la Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios y otras leyes complementarias (Real Decreto Legislativo 1/2007, que aprova o texto consolidado da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e outras leis complementares), de 16 de novembro de 2007 (BOE n.o 287, de 30 de novembro de 2007, p. 49181).

10      O artigo 10.o do Real Decreto Legislativo 1/2007 dispõe:

«É nula a renúncia prévia aos direitos que o Real Decreto Legislativo reconhece aos consumidores e utilizadores, sendo, ainda, nulos os atos praticados em violação da lei, em conformidade com o disposto no artigo 6.o do Código Civil [espanhol].»

11      O artigo 83.o do Real Decreto Legislativo 1/2007 precisa, além disso, que «[a]s cláusulas abusivas são automaticamente nulas e consideram‑se não escritas».

 Código Civil

12      Nos termos do artigo 1208.o do Código Civil:

«A novação é nula se o for igualmente a obrigação originária, exceto se a causa de nulidade só puder ser invocada pelo devedor, ou se a ratificação validar os atos nulos na sua origem.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      Por escritura pública de 23 de dezembro de 2011, XZ adquiriu a uma promotora um bem imóvel por um montante de 148 813,04 euros e, ao fazê‑lo, sub‑rogou‑se a essa promotora na qualidade de devedor do crédito hipotecário concedido pela instituição de crédito Caja de Ahorros de la Inmaculada de Aragón, que passou a Ibercaja Banco. XZ aceitou, assim, o conjunto dos contratos e as condições relativas a esse mútuo hipotecário (a seguir «contrato de mútuo hipotecário») tal como tinham sido definidos entre o devedor inicial e a instituição de crédito.

14      O contrato de mútuo hipotecário continha uma cláusula relativa às taxas de juro máxima e mínima aplicáveis a esse mútuo, concretamente uma chamada taxa anual «máxima» de 9,75 % e uma taxa anual, chamada «mínima», de 3,25 %.

15      Esse contrato hipotecário foi objeto de um contrato modificativo em 4 de março de 2014 (a seguir «contrato de novação»), no referente, designadamente, à cláusula de «taxa mínima» estipulada, tendo esta descido para uma taxa nominal anual de 2,35 %. Além disso, o contrato de novação continha uma cláusula com a seguinte redação: «As partes confirmam a validade e a aplicação do empréstimo, consideram que as suas condições são adequadas e, por conseguinte, renunciam expressa e reciprocamente ao exercício de ações judiciais contra a outra parte no que diz respeito ao contrato celebrado e às suas cláusulas, assim como às liquidações e pagamentos efetuados até à data, cuja legalidade reconhecem». Por menção manuscrita, XZ indicou, além disso, que estava consciente e que compreendia que «a taxa de juro do empréstimo nunca desce[ria] da taxa nominal anual de 2,35 %».

16      XZ intentou no órgão jurisdicional de reenvio, o Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.o 3 de Teruel (Tribunal de Primeira Instância e de Instrução n.o 3 de Teruel), uma ação em que pedia a declaração de nulidade da cláusula «de taxa mínima» que constava do contrato de mútuo hipotecário por abusiva e a condenação da instituição de crédito a reembolsá‑la dos montantes indevidamente pagos com base na referida cláusula desde a subscrição desse mútuo.

17      A Ibercaja Banco opôs às pretensões de XZ as cláusulas do contrato de novação, tendo a recorrente no processo principal também pedido ao órgão jurisdicional de reenvio para precisar em que medida os atos jurídicos modificativos de um contrato, em especial uma das suas cláusulas cujo caráter abusivo se invoca, são também «contaminadas» por essa cláusula e, por conseguinte, privadas de caráter vinculativo, em conformidade com o artigo 83.o do Real Decreto Legislativo 1/2007.

18      O órgão jurisdicional de reenvio observa que foi na sequência do Acórdão 241/2013 do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha), de 9 de maio de 2013, que declarou a nulidade das cláusulas «de taxa mínima» que constavam dos contratos hipotecários por falta de clareza e transparência, que a Ibercaja Banco iniciou um processo de renegociação dessas cláusulas nos contratos de mútuo hipotecário que tinha concedido. Assim sendo, esse órgão jurisdicional tem dúvidas de que a renegociação de uma cláusula abusiva seja compatível com o princípio estabelecido no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, segundo o qual as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor.

19      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o próprio contrato de novação pode não cumprir os requisitos do «teste de transparência» fixado pelo Tribunal Supremo (Supremo Tribunal). Este órgão jurisdicional realça, designadamente, no litígio em causa no processo principal o grande desequilíbrio existente entre os direitos e as obrigações estipuladas em detrimento do devedor, a falta de informação quanto ao prejuízo que este podia sofrer devido à aplicação da nova cláusula «de taxa mínima» e a impossibilidade de o devedor recuperar os prejuízos sofridos na sequência da renúncia a qualquer ação judicial contra a instituição de crédito credora.

20      Tendo em consideração o exposto, o Juzgado de Primera Instancia e Instrucción n.o 3 de Teruel (Tribunal de Primeira Instância e de Instrução n.o 3 de Teruel) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o princípio da não vinculação das cláusulas abusivas (artigo 6.o da Diretiva [93/13]) abranger também os contratos e negócios jurídicos posteriores às referidas cláusulas, tal como acontece com o contrato de novação?

Atendendo a que a nulidade absoluta determina que a referida cláusula nunca existiu na vida jurídica‑económica do contrato, pode concluir‑se que os atos jurídicos posteriores e os seus efeitos sobre a referida cláusula, isto é, o contrato de novação, desaparecem igualmente da realidade jurídica, devendo considerar‑se como inexistente e sem qualquer efeitos?

2)      Os documentos que modificam ou aceitam cláusulas não negociadas, que possam violar o princípio da cláusula abusiva e da transparência, adquirem a natureza de condições gerais da contratação, para efeitos do disposto no artigo 3.o da Diretiva [93/13], sendo afetadas pelas mesmas causas de nulidade que os atos originais objeto da novação ou transação?

3)      Deve a renúncia às ações judiciais, prevista no contrato de novação, ser igualmente declarada nula, já que os contratos assinados pelos clientes não os informavam de que a cláusula era nula, nem dos montantes ou valores que tinham direito a receber a título de reembolso dos juros pagos pela aplicação inicial das “cláusulas de taxa mínima”?

Deste modo, sublinha‑se que o cliente assinava uma renúncia às ações sem ter sido informado, pelo banco, sobre aquilo a que estava a renunciar e a que montantes renunciava.

4)      Uma vez analisado o contrato de novação, nos termos da jurisprudência do TJUE e dos artigos 3.o, n.o 1, e 4.o, n.o 2, da Diretiva [93/13], a nova “cláusula de taxa mínima” incluída padece também de falta de transparência, na medida em que o banco deixa novamente de cumprir os critérios de transparência estipulados no Acórdão do Supremo Tribunal […] de 9 de maio de 2013, ao não informar o cliente sobre os verdadeiros custos económicos da referida cláusula no seu crédito, para que este pudesse saber a taxa de juro (e o respetivo valor) que teria que pagar caso fosse aplicada a nova “cláusula de taxa mínima” e a taxa de juro (e o respetivo valor) que teria que pagar caso não fosse aplicada qualquer “cláusula de taxa mínima” e fosse aplicada a taxa de juro acordada no crédito hipotecário, sem limitação em caso de descida?

Isto é, ao impor o documento denominado como de novação sobre as “cláusulas de taxa mínima”, a instituição financeira deveria ter respeitado os deveres de transparência previstos nos artigos 3.o, n.o 1, e 4.o, n.o 2, da Diretiva [93/13], informando o consumidor sobre os montantes em que terá sido lesado pela aplicação das “cláusulas de taxa mínima”, assim como sobre a taxa de juro a aplicar caso não existissem as referidas cláusulas e se, por não ter procedido em conformidade, estes documentos padecem igualmente de nulidade?

5)      Podem as cláusulas de renúncia referentes às ações incluídas nas condições gerais do contrato de novação, atendendo ao seu conteúdo, ser consideradas cláusulas abusivas, à luz do artigo 3.o, n.o 1, nos termos do anexo das cláusulas abusivas e, especificamente [n.o 1], alínea q) desse anexo […], na medida em que limitam o direito dos consumidores de exercer os direitos que podem nascer com, ou revelar‑se após, a assinatura do contrato, tal como sucedeu com a possibilidade de exigir a devolução total dos juros pagos (nos termos do Acórdão do [Tribunal de Justiça] de 21 de dezembro de 2016)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

21      Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, cujo caráter abusivo pode ser declarado judicialmente, possa validamente ser objeto de um contrato de novação entre esse profissional e esse consumidor, pelo qual este renuncia aos efeitos gerados pela declaração do caráter abusivo dessa cláusula.

22      É de recordar que, por força do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 53).

23      Assim, uma cláusula contratual declarada abusiva deve ser considerada, em princípio, inexistente desde o início, pelo que não pode produzir efeitos para o consumidor (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 61).

24      Por conseguinte, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, incumbe ao juiz nacional rejeitar a aplicação de cláusulas abusivas a fim de que não produzam efeitos vinculativos para o consumidor, salvo se o consumidor a isso se opuser (Acórdão de 26 de março de 2019, Abanca Corporación Bancaria e Bankia, C‑70/17 e C‑179/17, EU:C:2019:250, n.o 52 e jurisprudência aí referida).

25      Contudo, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o direito a uma proteção efetiva do consumidor engloba a faculdade de renunciar a invocar os seus direitos, de forma que o juiz nacional deve ter em conta, tal sendo o caso, a vontade manifestada pelo consumidor quando, consciente do caráter não vinculativo de uma cláusula abusiva, manifeste, todavia, que se opõe a que ela seja excluída, dando assim um consentimento livre e esclarecido à cláusula em questão (v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2016, Sales Sinués e Drame Ba, C‑381/14 e C‑385/14, EU:C:2016:252, n.o 25).

26      Assim, a Diretiva 93/13 não vai ao ponto de tornar obrigatório o sistema de proteção contra a utilização de cláusulas abusivas pelos profissionais, que instituiu em benefício dos consumidores. Por conseguinte, quando o consumidor preferir não invocar este sistema de proteção, este não é aplicado (Acórdão de 3 de outubro de 2019, Dziubak, C‑260/18, EU:C:2019:819, n.o 54).

27      Incumbe ao juiz nacional ter em conta, sendo o caso, a vontade manifestada pelo consumidor quando, consciente do caráter não vinculativo de uma cláusula abusiva, manifeste, todavia, que se opõe a que ela seja excluída, dando assim um consentimento livre e esclarecido à cláusula em questão (v., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2013, Banif Plus Bank, C‑472/11, EU:C:2013:88, n.o 35).

28      Portanto, há que admitir, analogamente, como salientou, em substância, o advogado‑geral nos n.os 39 a 42 das suas conclusões,  que um consumidor pode renunciar a invocar o caráter abusivo de uma determinada cláusula no âmbito de um contrato de novação pelo qual o consumidor renuncia aos efeitos causados pela declaração do caráter abusivo de uma tal cláusula, desde que essa renúncia resulte de um consentimento livre e esclarecido.

29      Entretanto, como resulta da jurisprudência referida no n.o 25 do presente acórdão, a renúncia do consumidor a invocar a nulidade da cláusula abusiva só pode ser tida em conta se, no momento dessa renúncia, esse consumidor estivesse consciente do caráter não vinculativo dessa cláusula e das consequências daí decorrentes. É só nessa hipótese que se pode considerar que a sua adesão à novação de uma tal cláusula resulta de um consentimento livre e esclarecido, no respeito dos requisitos previstos no artigo 3.o da Diretiva 93/13, o que cabe ao juiz nacional verificar.

30      Resulta destas considerações que há que responder à primeira questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, cujo caráter abusivo pode ser declarado judicialmente, possa ser objeto de um contrato de novação entre esse profissional e esse consumidor, pelo qual este renuncia aos efeitos que decorreriam da declaração do caráter abusivo dessa cláusula, desde que essa renúncia resulte de um consentimento livre e esclarecido do consumidor, o que cabe ao juiz nacional verificar.

 Quanto à segunda questão

31      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que uma cláusula de um contrato entre um profissional e um consumidor, com vista a alterar uma cláusula potencialmente abusiva de um contrato anterior celebrado entre estes ou a regular as consequências do caráter abusivo dessa outra cláusula, não foi objeto de negociação individual, podendo, eventualmente, ser declarada abusiva.

32      Há que recordar que, ao abrigo do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, a fiscalização do caráter abusivo de uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor incide sobre cláusulas que não foram objeto de negociação individual.

33      O artigo 3.o, n.o 2, dessa diretiva precisa que se considera que uma cláusula não foi objeto de negociação individual sempre que tenha sido redigida previamente pelo profissional e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão. A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que constituía uma cláusula que não foi objeto de negociação individual a que é redigida para uma utilização generalizada (Acórdão de 15 de janeiro de 2015, Šiba, C‑537/13, EU:C:2015:14, n.o 31).

34      Ora, esses pressupostos podem estar preenchidos também relativamente a uma cláusula que pretende modificar uma cláusula potencialmente abusiva de um contrato anterior celebrado entre as mesmas partes, ou regular as consequências do caráter abusivo dessa outra cláusula. A circunstância de a nova cláusula pretender modificar uma cláusula anterior que não foi objeto de negociação individual não dispensa só por si o juiz nacional de fiscalizar se o consumidor não pôde influir efetivamente, na aceção do artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, no conteúdo dessa nova cláusula.

35      No processo principal, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio atender a todas as circunstâncias em que tal cláusula foi apresentada ao consumidor para determinar se este podia influir no seu conteúdo.

36      No caso em apreço, o facto de a celebração do contrato de novação em causa no processo principal se inscrever na política geral de renegociação dos contratos de mútuo hipotecário assentes numa taxa variável e com uma cláusula «de taxa mínima», lançada pela Ibercaja Banco na sequência do Acórdão 241/2013 do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), de 9 de maio de 2013, poderia constituir um indício de que XZ não pôde influir no conteúdo da nova cláusula «de taxa mínima».

37      O mesmo se passa pelo facto de, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, a instituição de crédito não ter entregado a XZ uma cópia do contrato nem lhe ter permitido ficar com ela para dele poder tomar conhecimento.

38      Seja como for, o facto de XZ ter precedido a sua assinatura do contrato de novação de uma menção manuscrita que indicava ter compreendido o mecanismo da cláusula «de taxa mínima» não permite por si só inferir que essa cláusula foi objeto de negociação individual e que o consumidor efetivamente pôde influir no conteúdo da referida cláusula.

39      Resulta do exposto que há que responder à segunda questão submetida que o artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que uma cláusula de um contrato entre um profissional e um consumidor, com vista a alterar uma cláusula potencialmente abusiva de um contrato anterior celebrado entre estes ou a regular as consequências do caráter abusivo dessa outra cláusula, não foi objeto de negociação individual, podendo, eventualmente, ser declarada abusiva.

 Quanto à quarta questão

40      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 3.o, n.o 1, 4.o, n.o 2, e 5.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que a exigência de transparência que incumbe a um profissional por força dessas disposições implica que, quando este celebra com um consumidor um contrato de mútuo hipotecário com uma taxa variável, que fixa uma cláusula «de taxa mínima», deve prestar ao consumidor as informações necessárias para compreender as consequências económicas que para ele decorrem, no momento da celebração desse contrato, do mecanismo induzido por essa cláusula «de taxa mínima».

41      Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes desse contrato.

42      Por força do artigo 4.o, n.o 2, dessa diretiva, a avaliação do caráter abusivo das cláusulas de tal contrato não incide, todavia, nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas «de maneira clara e compreensível».

43      Além disso, o artigo 5.o da referida diretiva dispõe que, quando a totalidade ou parte das cláusulas apresentadas ao consumidor sejam consignadas por escrito, essas cláusulas deverão ser sempre redigidas de «forma clara e compreensível».

44      Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a exigência de transparência prevista no artigo 4.o, n.o 2, e artigo 5.o da Diretiva 93/13 não pode ficar reduzida apenas ao caráter compreensível nos planos formal e gramatical da cláusula em causa. Dado que o sistema de proteção instituído pela referida diretiva assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade em face do profissional, no que respeita designadamente ao nível de informação, esta exigência de redação clara e compreensível das cláusulas contratuais e, portanto, de transparência, imposta pela mesma diretiva, deve ser entendida de maneira extensiva (Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 50).

45      Em consequência, a exigência de uma cláusula contratual ser redigida de maneira clara e compreensível impõe que o contrato exponha com transparência o funcionamento concreto do mecanismo a que a cláusula em questão se reporta e, sendo caso disso, a relação entre este mecanismo e o estabelecido noutras cláusulas, de modo que esse consumidor possa avaliar, com base em critérios precisos e inteligíveis, as consequências económicas que daí decorrem para ele (Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C‑186/16, EU:C:2017:703, n.o 45).

46      No caso de um contrato de mútuo hipotecário, cabe ao juiz nacional proceder às verificações necessárias a este respeito, à luz de todos os elementos factuais pertinentes, entre os quais a publicidade e a informação facultadas pelo mutuante no âmbito da negociação de um contrato de mútuo. Em especial, incumbe ao juiz nacional, quando analisa as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, verificar se foram comunicados ao consumidor todos os elementos suscetíveis de ter incidência no alcance do seu compromisso que lhe permitam avaliar, designadamente, o custo total do seu empréstimo. Têm um papel decisivo nesta apreciação, por um lado, a questão de saber se as cláusulas estão redigidas de maneira clara e compreensível de modo que permita que um consumidor médio, esteja em condições de avaliar esse custo e, por outro, a circunstância ligada à falta de menção, no contrato de crédito, de informações consideradas essenciais, à luz da natureza dos bens ou dos serviços objeto desse contrato (Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 52).

47      Em especial, a informação, antes da celebração de um contrato, sobre as cláusulas contratuais e as consequências da referida celebração é de importância fundamental para o consumidor. É, nomeadamente, com base nesta informação que este decide se deseja vincular‑se às condições previamente redigidas pelo profissional (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 50 e jurisprudência aí referida).

48      Por outro lado, a avaliação do caráter abusivo de uma cláusula contratual deve fazer‑se com referência ao momento da celebração do contrato em causa, tendo em conta todas as circunstâncias que o profissional podia conhecer no momento da celebração do contrato e que eram suscetíveis de afetar a execução subsequente do referido contrato, dado que uma cláusula contratual pode implicar um desequilíbrio entre as partes que se manifesta apenas durante a execução do contrato (Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C‑186/16, EU:C:2017:703, n.o 54).

49      Por conseguinte, o cumprimento por um profissional do requisito da transparência previsto no artigo 4.o, n.o 2, e no artigo 5.o da Diretiva 93/13 deve ser apreciado relativamente aos elementos de que o profissional dispunha na data da celebração do contrato com o consumidor.

50      Tratando‑se, em especial, de uma cláusula «de taxa mínima» estipulada num contrato de mútuo com taxa de juro variável, há que realçar que as repercussões financeiras de um mecanismo de limitação na descida das variações das taxas de juro dependem necessariamente da evolução do índice de referência com base no qual é calculada tal taxa.

51      Nessas circunstâncias, devem ser dadas ao consumidor em causa as condições que lhe permitam avaliar as consequências económicas que decorrem para ele de uma tal cláusula (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2019, GT, C‑38/17, EU:C:2019:461, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

52      Todavia, no caso de uma cláusula que consiste em limitar as flutuações de descida da taxa variável calculada com base num índice, é certo que o valor exato dessa taxa não pode ser determinado num contrato de mútuo para toda a sua duração. Assim, não se pode exigir a um profissional que forneça informações precisas quanto às consequências financeiras ligadas às variações da taxa de juro no decorrer do contrato, uma vez que essas variações dependem de acontecimentos futuros não previsíveis e independentes da vontade desse profissional. Em especial, a aplicação de uma taxa de juro variável implica a termo, pela sua própria natureza, uma flutuação dos montantes das prestações vincendas, de modo que o referido profissional pode não estar em condições de precisar a incidência exata da aplicação de uma cláusula «de taxa mínima» nessas mensalidades.

53      Não é menos verdade que o Tribunal de Justiça declarou que, no caso de um mútuo hipotecário, o fornecimento de informações sobre a evolução passada do índice com base no qual é calculada a taxa aplicável constitui um elemento particularmente relevante (v., neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C‑125/18, EU:C:2020:138, n.o 56).

54      Com efeito, a partir dessa informação, o consumidor pode ficar em condições de compreender, atendendo às flutuações no passado, a eventualidade de não poder vir a beneficiar de taxas inferiores à «taxa mínima» que lhe é proposta.

55      Relativamente aos montantes a que o consumidor renunciaria ao aderir a uma nova cláusula «de taxa mínima» e que correspondem à diferença entre os montantes pagos pelo consumidor por aplicação da cláusula «de taxa mínima» inicial e aqueles cujo pagamento seria devido se não existisse a cláusula «de taxa mínima», há que salientar que, em princípio, esses montantes podem ser facilmente determinados por um consumidor médio normalmente informado e razoavelmente avisado, uma vez que pode dispor de todos os dados necessários junto do profissional, no caso, a instituição de crédito, que tem a perícia e os conhecimentos necessários para esse efeito.

56      Decorre destas considerações que se deve responder à quarta questão submetida que o artigo 3.o, n.o 1, o artigo 4.o, n.o 2, e o artigo 5.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que a exigência de transparência que incumbe a um profissional por força dessas disposições implica que, no momento da celebração de um contrato de mútuo hipotecário com uma taxa variável que fixa uma cláusula «de taxa mínima», o consumidor deve ter a possibilidade de compreender as consequências económicas que para ele decorrem do mecanismo induzido por essa cláusula «de taxa mínima», designadamente por meio da disponibilização de informações relativas à evolução no passado do índice com base no qual é calculada a taxa de juro.

 Quanto à terceira e quinta questões

57      Com a sua terceira e quinta questões, que há que apreciar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 1, interpretado em conjugação com o n.o 1, alínea q), do anexo, e o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que deve ser qualificada de «abusiva» uma cláusula de um contrato de novação que altera uma cláusula de um contrato anterior e pela qual um profissional e um consumidor renunciam mutuamente a ações judiciais para invocar pretensões relativas, designadamente, tanto à cláusula alterada por esse contrato de novação como à cláusula novatória.

58      Decorre da decisão de reenvio que, mediante o contrato de novação, a Ibercaja Banco e XZ acordaram uma redução da taxa da cláusula «de taxa mínima» que era aplicável nos termos do contrato de mútuo hipotecário e uma renúncia recíproca a ações judiciais relativas à antiga e à nova cláusulas «de taxa mínima».

59      Visto que essa cláusula de renúncia é estipulada no âmbito de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, o caráter abusivo dessa cláusula pode ser declarado pelo juiz nacional nos termos do exame previsto no artigo 3.o da Diretiva 93/13, contanto que a referida cláusula não tenha sido objeto de negociação individual e sob reserva dos limites previstos no artigo 4.o, n.o 2, dessa diretiva.

60      Assim, conforme resulta do artigo 3.o, n.o 1, da referida diretiva, uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor entre os direitos e as obrigações das partes decorrentes do contrato.

61      Cabe ao juiz nacional verificar se as cláusulas contratuais sob a sua apreciação devem ser qualificadas de abusivas, tendo em conta, em princípio, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da mesma diretiva, todas as circunstâncias do caso (Acórdão de 7 de agosto de 2018, Banco Santander e Escobedo Cortés, C‑96/16 e C‑94/17, EU:C:2018:643, n.o 66).

62      É ao tribunal nacional que cabe determinar se, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, uma cláusula respeita as exigências de boa‑fé, de equilíbrio e de transparência. Todavia, o Tribunal de Justiça é competente para inferir das disposições da Diretiva 93/13 os critérios que o juiz nacional pode ou deve aplicar nessa apreciação (Acórdão de 28 de julho de 2016, Verein für Konsumenteninformation, C‑191/15, EU:C:2016:612, n.o 65).

63      Por outro lado, tal como resulta do artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 93/13, o seu anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser declaradas abusivas. Acresce que o n.o 1, alínea q), desse anexo tem em vista, enquanto cláusulas suscetíveis de serem consideradas abusivas, aquelas que tenham como objetivo ou como efeito «[s]uprimir ou entravar a possibilidade de intentar ações judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor».

64      Além disso, o facto de um profissional e um consumidor renunciarem reciprocamente a ações judiciais relativamente a uma cláusula de um contrato não obsta a que o juiz nacional conheça do caráter abusivo de tal cláusula, visto que essa cláusula pode produzir efeitos vinculativos para o consumidor.

65      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, pelo contrato de novação, a Ibercaja Banco e XZ acordaram, por um lado, numa redução da taxa da cláusula «de taxa mínima» que era aplicável em virtude do contrato de mútuo hipotecário e por outro, numa renúncia mútua a ações judiciais relativamente à antiga e à nova cláusulas «de taxa mínima».

66      No que respeita, em primeiro lugar, à renúncia por parte de XZ em invocar num tribunal nacional as suas pretensões relativas à cláusula «de taxa mínima» inicial, há que salientar que, tal como resulta dos n.os 25 a 28 do presente acórdão, a Diretiva 93/13 não se opõe a que um consumidor renuncie contratualmente ao benefício que poderá retirar da declaração de caráter abusivo da cláusula de um contrato, quando essa renúncia decorra de um consentimento livre e esclarecido.

67      Além disso, conforme salientou o advogado‑geral nos n.os 70 a 73 das suas conclusões, há que distinguir a renúncia a ações judiciais quando estipulada num acordo, como uma transação, cujo objeto é a regulação de uma controvérsia existente entre um profissional e um consumidor, da renúncia prévia a qualquer ação judicial incluída num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional tal como a visada nos n.os 75 e 76 do presente acórdão.

68      Contudo, uma cláusula que estipula a renúncia recíproca a qualquer ação judicial no âmbito de um acordo que visa a resolução de um litígio entre um profissional e o consumidor, a propósito da validade de uma cláusula de um contrato que vincula essas duas partes é suscetível de ser abrangida pelo objeto principal desse acordo, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, e, em consequência, escapar à apreciação de um eventual caráter abusivo, uma vez que está redigida, de forma clara e compreensível, cabendo essa apreciação ao juiz nacional.

69      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio considera que XZ não obteve informações suficientes quanto ao caráter abusivo da cláusula «de taxa mínima» inicial e aos montantes cujo reembolso poderia obter em razão dos montantes indevidamente pagos com base nessa cláusula.

70      Conforme resulta do n.o 48 do presente acórdão, a apreciação do caráter abusivo de uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor deve ser feita por referência ao momento da celebração desse contrato, tendo em conta o conjunto das circunstâncias de que esse profissional pudesse ter conhecimento nesse momento e capazes de influir na execução posterior do referido contrato, podendo uma cláusula gerar entre as partes de um contrato um desequilíbrio que apenas se manifesta durante a execução desse contrato.

71      Ora, embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar quais as informações de que dispunha a Ibercaja Banco no dia da celebração do contrato de novação, há que realçar que, de acordo com as informações de que dispõe o Tribunal de Justiça, esse contrato foi celebrado em 4 de março de 2014. Com o seu Acórdão 241/2013, de 9 de maio de 2013, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) declarou, no âmbito de um processo intentado pelas associações de consumidores, que as cláusulas «de taxa mínima» estipuladas nos contratos de mútuo hipotecário não respeitavam, em princípio, os requisitos de clareza e de transparência podendo, por esse facto, ser declaradas abusivas. Ao fazê‑lo, o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) limitou os efeitos da declaração de nulidade dessas cláusulas para o futuro. Todavia, é apenas com o Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o. (C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980), que o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 se opõe a tal limitação.

72      Consequentemente, por um lado, embora o caráter abusivo da cláusula «de taxa mínima» inicial que liga a XZ à Ibercaja Banco fosse previsível no momento da celebração do contrato de novação, verifica‑se não se tratar de um facto certo, não tendo verificado esse caráter sido declarado entre as partes nesse contrato no âmbito do processo jurisdicional.

73      Por outro lado, o contexto jurídico no momento da celebração do contrato de novação não parecia permitir à Ibercaja Banco saber que a existência de uma cláusula «de taxa mínima» abusiva era a base de um direito ao reembolso integral dos montantes indevidamente pagos devido a essa cláusula.

74      Nessas circunstâncias, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar o nível de certeza que existia no momento da celebração do contrato de novação no que se refere ao caráter abusivo da cláusula «de taxa mínima» inicial, para determinar a extensão das informações que a Ibercaja Banco devia prestar à XZ em virtude da exigência de transparência que lhe cabia na apresentação da cláusula de renúncia às ações judiciais, bem como se XZ estava em condições de compreender as consequências jurídicas que para ela daí decorriam.

75      Em segundo lugar, no que respeita à renúncia das partes no litígio principal a invocarem as suas pretensões relativas à nova cláusula «de taxa mínima» no tribunal nacional, é de sublinhar que, tal como o advogado‑geral realçou nos n.os 43 e 44 das suas conclusões, um consumidor não pode validamente obrigar‑se a renunciar futuramente à proteção jurídica e aos direitos que lhe são conferidos pela Diretiva 93/13. Com efeito, não pode, por definição, apreender as consequências da sua aceitação de tal cláusula em litígios que possam suscitar‑se no futuro.

76      A este respeito, há que recordar que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, nos termos do qual os Estados‑Membros preveem que as cláusulas abusivas que constam de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculam os consumidores, nas condições estabelecidas nos seus direitos nacionais, tem caráter imperativo (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo e o., C‑154/15, C‑307/15 e C‑308/15, EU:C:2016:980, n.o 55). Ora, reconhecer a possibilidade de renúncia prévia do consumidor aos direitos que retira do sistema de proteção realizado por essa diretiva colidiria com o caráter imperativo dessa disposição e faria perigar a eficácia desse sistema.

77      Resulta destas considerações que há que responder à terceira e quinta questões submetidas que o artigo 3.o, n.o 1, interpretado em conjugação com o n.o 1, alínea q), do anexo, e o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, devem ser interpretados no sentido de que:

–        a cláusula estipulada num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor com vista à resolução de um litígio existente, pela qual esse consumidor renuncia a invocar num tribunal nacional as pretensões que poderia invocar na falta dessa cláusula, pode ser qualificada de «abusiva», designadamente, se o referido consumidor não tiver podido dispor das informações pertinentes que lhe teriam permitido compreender as consequências jurídicas para ele decorrentes dessa cláusula;

–        a cláusula pela qual o mesmo consumidor renuncia, relativamente a litígios futuros, a ações judiciais que tenham por base direitos que lhe são conferidos pela Diretiva 93/13 não vinculam o consumidor.

 Quanto às despesas

78      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que uma cláusula de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor, cujo caráter abusivo pode ser declarado judicialmente, possa ser objeto de um contrato de novação entre esse profissional e esse consumidor, pelo qual este renuncia aos efeitos que decorreriam da declaração do caráter abusivo dessa cláusula, desde que essa renúncia resulte de um consentimento livre e esclarecido do consumidor, o que cabe ao juiz nacional verificar.

2)      O artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que se pode considerar que uma cláusula de um contrato entre um profissional e um consumidor, com vista a alterar uma cláusula potencialmente abusiva de um contrato anterior celebrado entre estes ou a regular as consequências do caráter abusivo dessa outra cláusula, não foi objeto de negociação individual, podendo, eventualmente, ser declarada abusiva.

3)      O artigo 3.o, n.o 1, o artigo 4.o, n.o 2, e o artigo 5.o da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que a exigência de transparência que incumbe a um profissional por força dessas disposições implica que, no momento da celebração de um contrato de mútuo hipotecário com uma taxa variável que fixa uma cláusula «de taxa mínima», o consumidor deve ter a possibilidade de compreender as consequências económicas que para ele decorrem do mecanismo induzido por essa cláusula «de taxa mínima», designadamente por meio da disponibilização de informações relativas à evolução no passado do índice com base no qual é calculada a taxa de juro.

4)      O artigo 3.o, n.o 1, interpretado em conjugação com o n.o 1, alínea q), do anexo, e o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que:

–        a cláusula estipulada num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor com vista à resolução de um litígio existente, pela qual esse consumidor renuncia a invocar num tribunal nacional as pretensões que podia invocar na falta dessa cláusula, pode ser qualificada de «abusiva», designadamente, se o referido consumidor não tiver podido dispor das informações pertinentes que lhe teriam permitido compreender as consequências jurídicas para ele decorrentes dessa cláusula;

–        a cláusula pela qual o mesmo consumidor renuncia, relativamente a litígios futuros, a ações judiciais que tenham por base direitos que lhe são conferidos pela Diretiva 93/13 não vinculam o consumidor.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.