Language of document : ECLI:EU:C:2024:346

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

25 de abril de 2024 (*)

«Incumprimento de Estado — Artigo 258.o TFUE — Proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União — Diretiva (UE) 2019/1937 — Falta de transposição e comunicação das medidas de transposição — Artigo 260.o, n.o 3, TFUE — Pedido de condenação no pagamento de uma quantia fixa e de uma sanção pecuniária compulsória diária — Critérios de estabelecimento do montante da sanção — Aplicação automática de um coeficiente de gravidade — Determinação da capacidade de pagamento do Estado‑Membro — Critério demográfico»

No processo C‑147/23,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos dos artigos 258.o e 260.o, n.o 3, TFUE, intentada em 10 de março de 2023,

Comissão Europeia, representada por J. Baquero Cruz e M. Owsiany‑Hornung, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz, P. G. Xuereb, A. Kumin e I. Ziemele (relatora), juízes,

advogado‑geral: N. Emiliou,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de março de 2024,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        declarar que a República da Polónia, ao não adotar todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (JO 2019, L 305, p. 17), e ao não ter comunicado essas disposições à Comissão, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 26.o, n.os 1 e 3, dessa diretiva;

–        condenar a República da Polónia no pagamento de uma quantia fixa correspondente ao mais elevado dos dois montantes seguintes:

–        uma quantia fixa diária de 13 700 euros multiplicada pelo número de dias entre o dia seguinte ao termo do prazo de transposição da Diretiva 2019/1937 nela fixado e a data de cessação do incumprimento ou, na falta de regularização, o dia da prolação do acórdão no presente processo;

–        uma quantia fixa mínima de 3 836 000 euros;

–        se o incumprimento constatado no primeiro travessão perdurar até à data de prolação do acórdão no presente processo, condenar a República da Polónia no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 53 430 euros por dia de atraso a contar da data de prolação desse acórdão e até que a República da Polónia dê cumprimento às obrigações decorrentes da Diretiva 2019/1937, e

–        condenar a República da Polónia nas despesas.

 Quadro jurídico

 Diretiva 2019/1937

2        O artigo 1.o da Diretiva 2019/1937 enuncia:

«[…] [O]s potenciais denunciantes são frequentemente desencorajados de comunicar as suas preocupações ou suspeitas por receio de retaliação. Neste contexto, a importância de assegurar um nível equilibrado e eficaz de proteção dos denunciantes é cada vez mais reconhecida, tanto ao nível da União como ao nível internacional.»

3        Nos termos do artigo 1.o dessa diretiva:

«A presente diretiva tem por objetivo reforçar a aplicação do direito e das políticas da União em domínios específicos estabelecendo normas mínimas comuns para um nível elevado de proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União.»

4        O artigo 26.o da referida Diretiva 2019/1937 prevê:

«1.      Os Estados‑Membros põem em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva até 17 de dezembro de 2021.

[…]

3.      As disposições a que se referem os n.os 1 e 2, adotadas pelos Estados‑Membros, fazem referência à presente diretiva ou são acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. Os Estados‑Membros estabelecem o modo como é feita a referência. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.»

 Comunicação de 2023

5        A Comunicação da Comissão 2023/C 2/01, sob a epígrafe «Sanções financeiras em processos por infração» (JO 2023, C 2, p. 1, a seguir «comunicação de 2023»), consagra os seus pontos 3 e 4 respetivamente à «sanção pecuniária compulsória» e aos «pagamentos de quantia fixa».

6        O ponto 3 desta comunicação prevê, no seu segundo parágrafo:

«O montante da sanção pecuniária compulsória diária é calculado do seguinte modo:

–        multiplicação de um montante fixo por um coeficiente de gravidade e um coeficiente de duração;

–        multiplicação do resultado obtido por um montante fixado por Estado‑Membro (fator n) que reflete a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa.»

7        O ponto 3.2 da referida comunicação, relativo à aplicação do coeficiente de gravidade no quadro do cálculo da sanção pecuniária compulsória diária, tem a seguinte redação:

«Qualquer infração relativa ao incumprimento de um acórdão por parte de um Estado‑Membro ou à não comunicação das medidas de transposição de uma diretiva adotada ao abrigo de um processo legislativo é sempre considerada uma infração grave. Para adaptar o montante da sanção às circunstâncias específicas do caso concreto, a Comissão determina o coeficiente de gravidade com base em dois parâmetros, a saber, a importância das normas da União que não foram cumpridas ou objeto de transposição e as repercussões da infração nos interesses gerais e específicos.

Tendo em conta as considerações que se seguem, a gravidade da infração é determinada por um coeficiente, fixado pela Comissão, que oscila entre um mínimo de 1 e um máximo de 20.»

8        O ponto 3.2.2 da mesma comunicação enuncia:

«Para as ações intentadas ao abrigo do artigo 260.o, n.o 3, [TFUE], a Comissão aplica sistematicamente um coeficiente de gravidade de 10 em caso de não comunicação integral das medidas de transposição. Numa União baseada no respeito pelo Estado de direito, todas as diretivas legislativas devem ser consideradas de igual importância e exigir uma transposição completa pelos Estados‑Membros nos prazos por elas fixados.

Em caso de não comunicação parcial das medidas de transposição, a importância da lacuna de transposição deve ser tida em conta aquando da fixação do coeficiente de gravidade, que será inferior a 10. Além disso, podem ser tidos em conta os efeitos da infração sobre os interesses gerais e particulares […].»

9        Nos termos do ponto 3.3 da comunicação de 2023, sob a epígrafe «Aplicação do coeficiente de duração»:

«[…]

O coeficiente de duração é expresso sob a forma de um multiplicador compreendido entre 1 e 3. É calculado à razão de 0,10 por mês a contar da data do primeiro acórdão ou a partir do dia seguinte ao termo do prazo de transposição da diretiva em causa.

[…]»

10      O ponto 3.4 desta comunicação, com a epígrafe «Capacidade de pagamento do Estado‑Membro», prevê:

«[…]

A fim de ter um efeito dissuasivo, o nível da sanção que se impõe variará em função da capacidade de pagamento dos Estados‑Membros. Este efeito dissuasivo reflete‑se no fator n. Define‑se como uma média geométrica ponderada do produto interno bruto (PIB) […] do Estado‑Membro em causa em comparação com a média dos PIB dos Estados‑Membros, com uma ponderação equivalente a dois, e da população do Estado‑Membro em causa, em comparação com a média das populações dos Estados‑Membros, com uma ponderação equivalente a um. Esta fórmula representa a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa em relação à capacidade de pagamento dos demais Estados‑Membros:

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[…]

[…] [A] Comissão decidiu rever o seu método de cálculo do fator n, que assenta doravante predominantemente no PIB dos Estados‑Membros e, em segundo lugar, na sua população enquanto critério demográfico que permite manter uma diferenciação razoável entre os diferentes Estados‑Membros. O facto de se ter em conta a população dos Estados‑Membros num terço do cálculo do fator n reduz, numa medida […] razoável, a variação dos fatores n dos Estados‑Membros, em comparação com um cálculo baseado exclusivamente no PIB dos Estados‑Membros. Introduz igualmente um elemento de estabilidade no cálculo do fator n, uma vez que é pouco provável que a população varie significativamente numa base anual. Em contrapartida, o PIB de um Estado‑Membro poderá registar oscilações anuais mais acentuadas, nomeadamente em períodos de crise económica. Ao mesmo tempo, uma vez que o PIB do Estado‑Membro continua a representar dois terços do cálculo, subsiste como fator predominante para efeitos da avaliação da sua capacidade de pagamento.

[…]»

11      O ponto 4.2 da referida comunicação especifica o método de cálculo da quantia fixa do seguinte modo:

«A quantia fixa é calculada de forma globalmente semelhante ao método de cálculo da sanção pecuniária compulsória, ou seja:

–        Multiplicando um montante fixo por um coeficiente de gravidade;

–        Multiplicando o resultado pelo fator n;

–        Multiplicando o resultado pelo número de dias durante os quais a infração perdura […]

[…]»

12      O ponto 4.2.1 da mesma comunicação prevê:

«Para calcular a quantia fixa, o montante diário é multiplicado pelo número de dias durante os quais a infração perdura. Tal é definido do seguinte modo:

[…]

–        Para as ações intentadas ao abrigo do artigo 260.o, n.o 3, [TFUE], trata‑se do número de dias compreendido entre o dia seguinte ao termo do prazo de transposição previsto na diretiva em causa e a data em que é posto termo à infração ou, em caso de incumprimento, a data da prolação do acórdão nos termos do artigo 260.o [TFUE].

[…]»

13      Nos termos do ponto 4.2.2 da comunicação de 2023:

«Para o cálculo da quantia fixa, a Comissão aplica o mesmo coeficiente de gravidade e o mesmo fator n fixo que para o cálculo da sanção pecuniária compulsória […]

O montante fixo utilizado para calcular a quantia fixa é inferior ao das sanções pecuniárias compulsórias. […]

O montante fixo aplicável à quantia fixa é fixado no ponto 2 do anexo I.

[…]»

14      O anexo I desta comunicação, sob a epígrafe «Dados utilizados para determinar as sanções financeiras propostas ao Tribunal», prevê, no seu ponto 1, que o montante fixo para a sanção pecuniária compulsória referido no ponto 3 da referida comunicação é fixado em 3 000 euros por dia, no seu ponto 2, que o montante fixo para o pagamento da quantia fixa mencionada na secção 4.2.2 da referida comunicação é fixado em 1 000 euros por dia, o que corresponde a um terço do montante fixo para as sanções pecuniárias compulsórias e, no seu ponto 3, que o fator «n» para a República da Polónia é fixado em 1,37. No ponto 5 desse anexo I, é especificado que a quantia fixa mínima fixada para a República da Polónia ascende a 3 836 000 euros.

 Procedimento précontencioso

15      Em 27 de janeiro de 2022, a Comissão enviou uma notificação para cumprir à República da Polónia, alegando que esta não lhe tinha comunicado as medidas adotadas para transpor a Diretiva 2019/1937. Na sua resposta à notificação para cumprir, de 23 de março de 2022, a República da Polónia limitou‑se a indicar que essas medidas estavam em vias de adoção.

16      Em 15 de julho de 2022, a Comissão enviou um parecer fundamentado à República da Polónia, no qual a convidava a dar cumprimento às obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2019/1937 no prazo de dois meses, a contar da notificação do referido parecer.

17      Na sua resposta de 15 de setembro de 2022, a República da Polónia salientou a necessidade de levar a cabo consultas ministeriais aprofundadas sobre as questões abrangidas pela Diretiva 2019/1937, pelo que previa o encerramento dos trabalhos parlamentares no final de 2022, e que tencionava publicar no Jornal Oficial polaco as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que permitiam dar cumprimento à Diretiva 2019/1937 em janeiro de 2023. Por mensagem de correio eletrónico de 11 de janeiro de 2023, este Estado‑Membro especificou que essa publicação devia ocorrer durante o mês de agosto de 2023.

18      Foi nestas condições que a Comissão decidiu, em 15 de fevereiro de 2023, intentar a presente a ação.

 Quanto ao incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE

 Argumentos das partes

19      A Comissão lembra que, em aplicação do artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, os Estados‑Membros têm de adotar as disposições necessárias para a transposição das diretivas para o seu sistema jurídico nacional, nos prazos estabelecidos nessas diretivas, e comunicar‑lhe imediatamente essas disposições.

20      Esta instituição especifica que a existência de qualquer incumprimento dessas obrigações deve ser apreciada em função da situação em que o Estado‑Membro se encontrava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado que lhe foi enviado.

21      Ora, no caso em apreço, a República da Polónia não adotou as referidas disposições nem informou a Comissão da sua adoção antes do termo do prazo fixado no parecer fundamentado de 15 de julho de 2022.

22      Ainda que reconhecendo o incumprimento em causa, a República da Polónia justifica o atraso na transposição da Diretiva 2019/1937 para a sua ordem jurídica, antes de mais, pela necessidade de prolongar os trabalhos legislativos tendo em conta o amplo âmbito de aplicação dessa diretiva. A adoção das disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à referida diretiva exigiram amplas consultas públicas realizadas pelo Ministério da Família e da Política Social. O projeto de lei de transposição da Diretiva 2019/1937 sofreu, além disso, várias alterações ao longo das consultas interministeriais.

23      Em seguida, o processo de elaboração da lei de transposição da Diretiva 2019/1937 foi atrasado devido às dificuldades causadas pela pandemia de COVID‑19, que perturbou a organização dos trabalhos legislativos.

24      Por fim, a guerra na Ucrânia e o afluxo de refugiados dela resultante mobilizou em grande escala os recursos do Ministério da Família e da Política Social, encarregado da elaboração da referida lei.

25      Na sua réplica, a Comissão salienta, por um lado, que o legislador da União considerou que um prazo de dois anos bastava para permitir aos Estados‑Membros darem cumprimento às suas obrigações em matéria de transposição da Diretiva 2019/1937. Ora, as dificuldades invocadas pela República da Polónia estavam relacionadas com disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna que, nos termos de uma jurisprudência constante, não podem justificar um atraso da transposição da referida diretiva.

26      Por outro lado, as circunstâncias específicas ligadas à pandemia de COVID‑19 e à guerra na Ucrânia só podem ser relevantes para justificar esse atraso se o ato da União em causa previr a possibilidade de derrogações ou de exceções nessas circunstâncias ou se os critérios de uma situação de força maior estiverem preenchidos, o que não acontece no caso em apreço. Acresce que os Estados‑Membros só podem invocar a força maior para o período necessário para ultrapassar os obstáculos resultantes da situação em questão, período cuja duração não pode exceder dois anos. Ora, a presente ação foi intentada mais de treze meses depois do termo do prazo de transposição de dois anos previsto pela Diretiva 2019/1937. Por fim, a segunda invasão da Ucrânia pela Federação da Rússia teve início em 24 de fevereiro de 2022, ou seja, após o termo desse prazo.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

27      Nos termos do artigo 26.o, n.o 1, da Diretiva 2019/1937, os Estados‑Membros deviam, até 17 de dezembro de 2021, pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe dar cumprimento. Além disso, por força do artigo 26.o, n.o 3, dessa diretiva, incumbia aos Estados‑Membros comunicar à Comissão o texto dessas disposições.

28      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriores tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça [Acórdãos de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 15, e de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 28 e jurisprudência referida].

29      No caso em apreço foi fixado à República da Polónia um prazo de dois meses, num parecer fundamentado, datado de 15 de julho de 2022, para dar cumprimento às suas obrigações referidas nesse parecer.

30      Ora, como resulta da contestação e da tréplica apresentadas pela República da Polónia no presente processo, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado de 15 de julho de 2022 esta não tinha adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva 2019/1937 e, logo, esse Estado‑Membro também não tinha comunicado essas disposições à Comissão no termo desse prazo.

31      No entanto, como indicado nos n.os 22 a 24 do presente acórdão, segundo a República da Polónia, várias circunstâncias justificam o desrespeito do prazo de transposição dessa diretiva.

32      Primeiro, esse Estado‑Membro alega o prolongamento dos trabalhos legislativos atendendo ao amplo âmbito de aplicação da referida diretiva.

33      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um Estado‑Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar o incumprimento das obrigações decorrentes do direito da União, tais como a não transposição de uma diretiva no prazo previsto [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 19, e jurisprudência referida].

34      Além disso, nos termos do artigo 26.o, n.o 1, da Diretiva 2019/1937, o legislador da União considerou que um prazo de transposição de dois anos era suficiente para permitir aos Estados‑Membros cumprirem as suas obrigações.

35      Segundo, a República da Polónia defende que o procedimento de transposição dessa diretiva foi atrasado devido às dificuldades causadas pela pandemia de COVID‑19 e pelo afluxo de refugiados resultante da agressão contra a Ucrânia.

36      Ora, por um lado, admitindo que a República da Polónia considera que as dificuldades organizacionais ligadas à pandemia de COVID‑19 e ao afluxo de refugiados resultante da agressão contra a Ucrânia constituem um caso de força maior que impediu a transposição da Diretiva 2019/1937 no prazo fixado, importa, antes de mais, constatar que esse Estado‑Membro invoca na contestação, pela primeira vez, esses acontecimentos como justificação do atraso de transposição dessa diretiva. Em seguida, segundo jurisprudência constante, embora o conceito de «força maior» não pressuponha uma impossibilidade absoluta, exige, no entanto, que o incumprimento em causa seja devido a circunstâncias alheias a quem a invoca, anormais e imprevisíveis, cujas consequências não pudessem ter sido evitadas, apesar de todas as diligências desenvolvidas, só podendo, além disso, uma situação de força maior ser invocada relativamente ao período necessário para remediar essas dificuldades [Acórdão de 8 de junho de 2023, Comissão/Eslováquia (Direito de rescisão sem taxa), C‑540/21, EU:C:2023:450, n.o 81]. Ora, embora uma crise sanitária da envergadura da pandemia de COVID‑19 e o afluxo de refugiados resultante da agressão contra a Ucrânia sejam acontecimentos alheios à República da Polónia, anormais e imprevisíveis, não é menos verdade que incumbe a esse Estado‑Membro agir com toda a diligência exigida informando em tempo útil a Comissão das dificuldades encontradas, pelo menos antes do termo do prazo fixado no parecer fundamentado de 15 de julho de 2022. Por fim, é facto assente que a República da Polónia ainda não tinha procedido à transposição da Diretiva 2019/1937 no termo da fase escrita do presente processo, ou seja, quase um ano após o termo do prazo previsto no parecer fundamentado de 15 de julho de 2022 e mais de um ano e meio após o termo do prazo previsto no artigo 26.o, n.o 1, dessa diretiva.

37      Nestas circunstâncias, o incumprimento em causa não se pode justificar pela ocorrência de uma pandemia durante o ano 2020, nem pelas dificuldades encontradas por esse Estado‑Membro devido à agressão contra a Ucrânia, acontecimentos que, como o advogado-geral salientou, em substância, nos n.os 45 e 48 das suas conclusões, apenas tiveram uma incidência indireta no processo de transposição da referida diretiva.

38      Assim, a República da Polónia não pode invocar utilmente essas circunstâncias para justificar a falta de transposição da Diretiva 2019/1937 no prazo fixado. Por conseguinte, há que declarar que a República da Polónia, ao não ter adotado, no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado de 15 de julho de 2022, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva 2019/1937 e, logo, ao não ter comunicado essas disposições à Comissão, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 26.o, n.os 1 e 3, desta diretiva.

 Quanto às sanções pecuniárias nos termos do artigo 260.o, n.o 3, TFUE

 Argumentos das partes

39      Considerando que o incumprimento imputado à República da Polónia persistia no momento em que a Comissão intentou no Tribunal de Justiça a presente ação, a Comissão propõe, com base no artigo 260.o, n.o 3, TFUE, que se condene esse Estado‑Membro no pagamento simultâneo de uma quantia fixa e de uma sanção pecuniária compulsória diária.

40      Para a fixação dos montantes dessas sanções pecuniárias, a Comissão baseia‑se nos princípios gerais referidos no ponto 2 da comunicação de 2023 e no método de cálculo que consta nos n.os 3 e 4 dessa comunicação. Em particular, esta instituição indica que a determinação das referidas sanções deve basear‑se nos critérios fundamentais que são a gravidade da infração, a sua duração e a necessidade de assegurar o efeito dissuasivo da sanção financeira, para evitar reincidência.

41      Quanto, em primeiro lugar, à gravidade da infração, a Comissão recorda que o coeficiente aplicável ao abrigo da comunicação de 2023 oscila entre um mínimo de 1 e um máximo de 20. Esta instituição especifica que, em conformidade com o ponto 3.2.2 dessa comunicação, aplica sistematicamente um coeficiente de gravidade de 10 em caso de não comunicação integral das medidas de transposição de uma diretiva, revestindo todas as faltas de transposição de uma diretiva e de comunicação dessas medidas um mesmo grau de gravidade, independentemente da natureza das disposições da diretiva em causa. Essa automaticidade permite garantir a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, TUE.

42      Em segundo lugar, no que respeita à duração da infração, a Comissão salienta que, nos termos do ponto 3.3 da comunicação de 2023, o coeficiente de duração é expresso na forma de um multiplicador compreendido entre 1 e 3 e é calculado à razão de 0,10 por mês a contar a partir do dia seguinte ao termo do prazo de transposição da diretiva em causa até que a Comissão decida remeter a questão para o Tribunal. Sendo a duração deste período, no caso em apreço, de 13 meses, o coeficiente de duração a adotar é de 1,3.

43      Quanto, em terceiro lugar, ao critério relativo à necessidade de assegurar o efeito dissuasivo da sanção tendo em consideração a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa, este é expresso pelo fator «n» fixado por cada Estado‑Membro no ponto 3 do anexo I da comunicação de 2023. O seu cálculo assenta no rácio entre o PIB do Estado em causa e o PIB médio nacional da União multiplicado pelo rácio entre a população desse Estado e a população média nacional da União. O primeiro rácio tem uma ponderação de dois terços, e o segundo tem uma ponderação de um terço. Daí resulta, em relação à República da Polónia, um fator «n» de 1,37. Segundo a Comissão, a consideração da população do Estado‑Membro em causa como critério secundário para a fixação desse fator permite manter uma diferenciação razoável do fator «n» entre os Estados‑Membros e garantir certa estabilidade desse coeficiente, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça. Além disso, uma vez que os dados utilizados pela Comissão são atualizados todos os anos, têm‑se devidamente em conta as oscilações do PIB do Estado‑Membro em causa.

44      Por conseguinte, primeiro, relativamente ao cálculo do montante da quantia fixa, a Comissão propõe, nos termos do ponto 4.2 da comunicação de 2023, que se adote um coeficiente de gravidade de 10 e se aplique o fator «n» de 1,37. O produto desses dois elementos deve ser multiplicado pelo montante fixo da quantia fixa fixada no ponto 2 do anexo I dessa comunicação, ou seja 1 000 euros, o que corresponde ao montante de 13 700 euros, a multiplicar pelo número de dias durante os quais perdurou o incumprimento, em conformidade com o ponto 4.2.1 da referida comunicação. A Comissão indica que o pagamento dessa quantia fixa deve ser imposto desde que seja superior a 3 836 000 euros, montante da quantia fixa mínima fixada para a República da Polónia nos termos do ponto 5 do anexo I da comunicação de 2023.

45      Segundo, no atinente à fixação do montante da sanção pecuniária compulsória, a Comissão propõe multiplicar o montante fixo dessa sanção fixado no ponto 1 do anexo I da comunicação de 2023, que ascende a 3 000 euros por dia, pelo coeficiente de gravidade de 10, o coeficiente de duração de 1,3 e pelo fator «n» de 1,37, correspondente a uma sanção pecuniária compulsória de um montante de 53 430 euros por dia.

46      Por fim, a Comissão propõe que se considere que a data em que a obrigação de pagamento produz efeitos é a da prolação do acórdão a proferir no presente processo.

47      A República da Polónia considera que os montantes da sanção pecuniária compulsória e da quantia fixa propostos pela Comissão são excessivos e desproporcionados.

48      Por um lado, este Estado‑Membro salienta que a aplicação sistemática de um coeficiente de gravidade de 10 em caso de incumprimento total da obrigação de comunicar as medidas de transposição de uma diretiva obsta a qualquer tomada em consideração das circunstâncias específicas e próprias do processo legislativo e da evolução da legislação nacional. No caso em apreço, diferentes disposições da Diretiva 2019/1937 correspondem a normas em vigor na legislação nacional existente que, embora não tenham sido comunicadas enquanto tal à Comissão, devem ser tidas em conta para a determinação do coeficiente de gravidade. Antes de mais, o Código do Trabalho polaco contém uma disposição que aplica o artigo 19.o da Diretiva 2019/1937. Em seguida, o Código de Processo Administrativo polaco prevê a criação de canais de denúncia para as violações do direito, e a proteção das pessoas que denunciam essas violações. Por fim, a lei polaca sobre o Direito Bancário impõe aos bancos a implementação de sistemas de gestão e de controlo interno que permitem as denúncias das violações do direito e asseguram a proteção das pessoas que denunciam essas violações.

49      Ora, a fixação automática de um coeficiente de gravidade não permite ter em conta esses elementos da legislação nacional nem as consequências concretas do incumprimento constatado nos interesses privados e públicos.

50      Além disso, a República da Polónia salienta que cooperou com a Comissão ao longo de todo o procedimento pré‑contencioso, de modo que esta circunstância deve conduzir, em sua opinião, a uma redução do coeficiente de gravidade.

51      Por outro lado, a inclusão de um critério demográfico no âmbito do método de cálculo do fator «n» tem por consequência que a sanção pecuniária não traduz a capacidade financeira real do Estado‑Membro em causa, o que contraria a jurisprudência do Tribunal de Justiça. No seu caso particular, a República da Polónia salienta que a aplicação desse critério demográfico conduz a um agravamento injustificado do fator «n».

52      De qualquer modo, a República da Polónia considera que os montantes das sanções pecuniárias solicitados pela Comissão devem ser revistos devido a uma grande redução do ritmo de crescimento económico e a uma inflação elevada durante o ano de 2023 nesse Estado‑Membro.

53      Na sua réplica, a Comissão afirma, quanto ao fator de gravidade, antes de mais, que, se o Tribunal de Justiça decidisse ter em conta a importância das disposições do direito da União, e o apoio, em substância, da República da Polónia, a consequência seria que esse fator devia ser aumentado, uma vez que a Diretiva 2019/1937 tem uma importância especial quer para o interesse geral quer para os interesses particulares. Em seguida, as disposições nacionais invocadas por esse Estado‑Membro são irrelevantes no âmbito da determinação do referido fator de gravidade, uma vez que não lhe foram notificadas como medidas de transposição dessa diretiva. Por fim, a cooperação leal invocada pelo referido Estado‑Membro não desempenha nenhum papel em caso de falta total de comunicação das medidas de transposição de uma diretiva e, de qualquer modo, a cooperação de boa‑fé com a Comissão não pode constituir uma circunstância atenuante uma vez que se trata de uma obrigação resultante do artigo 4.o, n.o 3, TFUE.

54      Na sua tréplica, a República da Polónia defende que a Comissão não pode ignorar, no quadro da fixação do coeficiente de gravidade, a legislação nacional aplicável pelo simples motivo de esta não lhe ter sido notificada. Além disso, o projeto de lei sobre a proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União cumpriu as sucessivas etapas do processo legislativo.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

 Quanto à aplicação do artigo 260.o, n.o 3, TFUE

55      O artigo 260.o, n.o 3, TFUE prevê, no seu primeiro parágrafo, que, quando a Comissão propuser uma ação no Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 258.o TFUE, por considerar que o Estado‑Membro em causa não cumpriu a obrigação de comunicar as medidas de transposição de uma diretiva adotada de acordo com um processo legislativo, esta instituição pode, se o considerar adequado, indicar o montante da quantia fixa ou da sanção pecuniária compulsória a pagar por esse Estado‑Membro, que considere adaptado às circunstâncias. Nos termos do segundo parágrafo deste artigo 260.o, n.o 3, se o Tribunal de Justiça declarar o incumprimento, pode condenar o Estado‑Membro em causa no pagamento de uma quantia fixa ou de uma sanção pecuniária compulsória, no limite do montante indicado pela Comissão, produzindo a obrigação de pagamento efeitos na data estabelecida pelo Tribunal no seu acórdão.

56      Uma vez que, como resulta do n.o 38 do presente acórdão, está demonstrado que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado de 15 de julho de 2022, a República da Polónia não tinha adotado nem, consequentemente, comunicado à Comissão as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à transposição para o seu direito interno das disposições da Diretiva 2019/1937, o incumprimento declarado é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 260.o, n.o 3, TFUE.

57      Por outro lado, há que lembrar que o objetivo prosseguido pela introdução do mecanismo que figura no artigo 260.o, n.o 3, TFUE não é apenas incentivar os Estados‑Membros a pôr termo, o mais rapidamente possível, a um incumprimento que, na falta de tal disposição, tenderia a persistir, mas também aligeirar e acelerar o processo de aplicação de sanções pecuniárias nos casos de incumprimento da obrigação de comunicação das medidas nacionais de transposição de uma diretiva adotada de acordo com o processo legislativo [Acórdão de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 68 e jurisprudência referida].

58      A fim de alcançar esse objetivo, o artigo 260.o, n.o 3, TFUE prevê a aplicação de dois tipos de sanções pecuniárias, ou seja, uma quantia fixa e uma sanção pecuniária compulsória diária.

59      Embora a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória diária se afigure especialmente adaptada para incitar um Estado‑Membro a pôr termo, o mais rapidamente possível, a um incumprimento, a condenação no pagamento de uma quantia fixa assenta sobretudo na apreciação das consequências da não execução das obrigações que incumbem ao Estado‑Membro em causa para os interesses privados e públicos em presença, designadamente quando o incumprimento tiver persistido por um longo período [Acórdão de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 70 e jurisprudência referida].

60      A este respeito, a Comissão fundamenta a natureza e o montante das sanções pecuniárias pedidas, tendo em conta as orientações que adotou, como as contidas nas suas comunicações, que, embora não vinculem o Tribunal de Justiça, contribuem para garantir a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica da ação conduzida pela Comissão [v., neste sentido, Acórdão de 13 de janeiro de 2021, Comissão/Eslovénia (MiFID II) (C‑628/18, EU:C:2021:1, n.o 50).

61      No caso em apreço, a Comissão baseou‑se na comunicação de 2023 para justificar a condenação da República da Polónia no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória diária e de uma quantia fixa, bem como para fixar os seus montantes.

 Quanto à oportunidade de aplicar as sanções pecuniárias como propostas pela Comissão

62      É jurisprudência constante que, para apreciar a oportunidade de aplicar uma sanção pecuniária, incumbe ao Tribunal de Justiça, em cada processo e em função das circunstâncias do caso que deve apreciar, bem como do nível de persuasão e de dissuasão que se lhe afigure necessário, decretar as sanções pecuniárias adequadas, nomeadamente para evitar a repetição de infrações análogas ao direito da União [Acórdãos de 13 de janeiro de 2021, Comissão/Eslovénia (MiFID II), C‑628/18, EU:C:2021:1, n.o 71, e de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 72].

63      Primeiro, quanto à aplicação de um montante fixo, há que considerar que, não obstante o facto de a República da Polónia ter cooperado com os serviços da Comissão ao longo de todo o procedimento pré‑contencioso e de os ter mantido informados das dificuldades que encontrou ao tentar assegurar a transposição para o direito nacional da Diretiva 2019/1937, todos os elementos jurídicos e factuais que envolvem o incumprimento declarado, a saber, a falta total de comunicação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à transposição dessa diretiva no termo do prazo fixado no parecer fundamentado de 15 de julho de 2022 e mesmo na data da análise dos factos pelo Tribunal de Justiça, constitui um indicador de que a prevenção eficaz da repetição futura de infrações análogas ao direito da União é suscetível de exigir a adoção de uma medida dissuasiva como a aplicação de uma quantia fixa [v., por analogia, Acórdãos de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 70, e de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 73].

64      Segundo, quanto à imposição de uma sanção pecuniária compulsória, tal sanção só é, em princípio, aplicada se o incumprimento que visa punir perdurar até à análise dos factos pelo Tribunal de Justiça, que deve considerar‑se que ocorreu na data do encerramento do processo [Acórdão de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 89]. Importa esclarecer que, num caso em que, como o que está aqui em apreço, não foi realizada nenhuma audiência, a data a ter em conta a este respeito é a do encerramento da fase escrita do processo.

65      In casu, não se contesta que, à data do encerramento da fase escrita do processo no Tribunal de Justiça, ou seja, em 9 de agosto de 2023, a República da Polónia não tinha adotado nem, consequentemente, comunicado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à transposição da Diretiva 2019/1937 para o seu direito interno. Por conseguinte, deve ser declarado que o incumprimento desse Estado‑Membro perdurou até à análise dos factos pelo Tribunal de Justiça.

66      O Tribunal de Justiça considera, portanto, que a condenação da República da Polónia no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória diária, como solicitada pela Comissão, constitui um meio financeiro adequado para assegurar que este Estado‑Membro põe termo, o mais rapidamente possível, ao incumprimento declarado e cumpre as obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2019/1937. Em contrapartida, uma vez que não se pode excluir que, à data da prolação do acórdão no presente processo, a transposição desta diretiva esteja totalmente concluída, só é adequado aplicar uma sanção pecuniária compulsória desde que o incumprimento persista na data dessa prolação [v., por analogia, Acórdãos de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 61, e de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 91].

 Quanto ao montante das sanções pecuniárias

–       Quanto ao método de fixação do montante das sanções pecuniárias

67      Nos termos do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, só o Tribunal de Justiça é competente para aplicar uma sanção pecuniária a um Estado‑Membro. Todavia, no âmbito de um processo intentado ao abrigo dessa disposição, o Tribunal de Justiça apenas dispõe de um poder de apreciação enquadrado, uma vez que, caso declare o incumprimento, as propostas da Comissão vinculam‑no quanto à natureza da sanção pecuniária que pode aplicar e quanto ao montante máximo da sanção que pode decretar [Acórdão de 13 de janeiro de 2021, Comissão/Eslovénia (MiFID II), C‑628/18, EU:C:2021:1, n.o 71, e de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.os 49 e 51].

68      No exercício do seu poder de apreciação na matéria, tal como enquadrado pelas propostas da Comissão, cabe ao Tribunal de Justiça, como recordado no n.o 62 do presente acórdão, fixar o montante das sanções pecuniárias impostas a um Estado‑Membro nos termos do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, de forma que esse montante seja, por um lado, adequado às circunstâncias e, por outro, proporcional à infração cometida. Entre os fatores pertinentes para esse efeito figuram, designadamente, elementos como a gravidade do incumprimento declarado, o período durante o qual este perdurou e a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa [Acórdão de 13 de janeiro de 2021, Comissão/Eslovénia (MiFID II), C‑628/18, EU:C:2021:1, n.o 74, e de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.os 74 e 93].

69      No entanto, há também que recordar que, no âmbito desse poder de apreciação, orientações como as contidas nas comunicações da Comissão, que enunciam como regras indicativas variáveis matemáticas, não vinculam o Tribunal de Justiça, mas contribuem para garantir a transparência, a previsibilidade e a segurança jurídica da ação conduzida pela própria Comissão quando esta instituição faz propostas ao Tribunal de Justiça [v., neste sentido, Acórdãos de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, C‑610/10, EU:C:2012:781, n.o 116, e de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferro-níquel), C‑51/20, EU:C:2022:36, n.os 95 e 110].

70      Primeiro, relativamente à gravidade do incumprimento declarado, resulta do ponto 3.2 da comunicação de 2023 que, segundo a Comissão, a falta de comunicação das medidas de transposição de uma diretiva adotada ao abrigo de um processo legislativo é sempre considerada grave. Por conseguinte, este incumprimento justifica a aplicação automática de um coeficiente de gravidade de 10.

71      A República da Polónia contesta o nível desse coeficiente e a automaticidade da sua aplicação nas circunstâncias do incumprimento declarado.

72      A este respeito, há que recordar que a obrigação de adotar as medidas para assegurar a transposição completa de uma diretiva e a obrigação de comunicar essas disposições à Comissão constituem obrigações essenciais dos Estados‑Membros para assegurar a plena efetividade do direito da União, e que o incumprimento destas obrigações deve, como tal, ser considerado indubitavelmente grave [v., neste sentido, Acórdão de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 75 e jurisprudência referida).

73      No caso em apreço, há que salientar que a Diretiva 2019/1937 é um instrumento crucial do direito da União, uma vez que estabelece, ao abrigo do seu artigo 1.o, lido em conjugação com o seu primeiro considerando, normas mínimas comuns que asseguram um nível elevado de proteção equilibrada e eficaz das pessoas que denunciam violações desse direito nos domínios em que tais violações podem lesar especialmente o interesse geral. Com efeito, ao estabelecer um sistema de proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União num contexto profissional, esta diretiva contribui para prevenir as lesões do interesse público, em domínios particularmente sensíveis, como o dos contratos públicos, da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, da proteção do ambiente ou dos interesses financeiros da União. Assim, as disposições da referida diretiva preveem a obrigação, quer para as entidades do setor público quer para as do setor privado, de implementar canais de denúncia interna, procedimentos para a receção e seguimento das denúncias, garantindo os direitos das pessoas que denunciam violações do direito da União e as condições em que estas podem beneficiar da proteção dessa forma prevista.

74      Ora, a falta de transposição das disposições da Diretiva 2019/1937 lesa necessariamente o respeito pelo direito da União e a sua aplicação uniforme e efetiva, dado que violações desse direito podem não ser objeto de denúncia se as pessoas que delas tenham conhecimento não beneficiarem de proteção contra eventuais represálias.

75      Dito isto, o montante das sanções pecuniárias aplicadas a um Estado‑Membro ao abrigo do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, deve ser adaptado às circunstâncias e proporcionado à infração cometida, como recordado no n.o 68 do presente acórdão.

76      Assim, a aplicação automática de um mesmo coeficiente de gravidade em todos os casos de falta de transposição completa de uma diretiva e, logo, de não comunicação das medidas de transposição dessa diretiva obsta necessariamente à adaptação do montante das sanções pecuniárias às circunstâncias que caracterizam a infração e à aplicação de sanções proporcionadas.

77      Em particular, como o advogado‑geral salientou nos n.os 84 a 89 das suas conclusões, ao presumir que se deve considerar que a violação da obrigação de comunicar as medidas de transposição de uma diretiva tem a mesma gravidade seja qual for a diretiva em causa, a Comissão não pode adaptar as sanções pecuniárias em função das consequências do incumprimento dessa obrigação para os interesses privados e públicos, como previsto no ponto 3.2.2 da Comunicação de 2023.

78      A este respeito, a Comissão não pode invocar o princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, como consagrado no artigo 4.o, n.o 2, TUE, para justificar uma aplicação automática de um coeficiente de gravidade único em caso de não transposição completa de uma diretiva e, logo, de não comunicação das medidas necessárias à sua transposição. Com efeito, é manifesto que as consequências do não cumprimento das obrigações que oneram os Estados‑Membros nos interesses privados e públicos em presença podem variar, não só de um Estado‑Membro para outro mas também em função do conteúdo normativo da diretiva não transposta. Ora, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, este princípio exige, nomeadamente, que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (Acórdão de 19 de dezembro de 2018, Comissão/Áustria, C‑51/18, EU:C:2018:1035, n.o 55 e jurisprudência referida).

79      Por conseguinte, a Comissão não pode libertar‑se da sua obrigação de apreciar, em cada Estado‑Membro e para cada caso específico, as consequências da violação constatada para os interesses privados e públicos limitando‑se à aplicação automática de um coeficiente de gravidade no quadro da fixação das sanções pecuniárias, tendo em conta eventuais circunstâncias atenuante ou agravantes. Em particular, no caso em apreço, o incumprimento da obrigação de adotar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à transposição da Diretiva 2019/1937 reveste uma gravidade particular já que, como salientado no n.o 73 do presente acórdão, as disposições dessa diretiva, porquanto visam proteger as pessoas que denunciam as violações do direito da União nos domínios cobertos por esta, contribuem para assegurar a aplicação uniforme efetiva desse direito.

80      Segundo, no âmbito da apreciação da duração da infração, importa lembrar que, no que respeita ao início do período que há que ter em conta para fixar o montante da quantia fixa, a data a reter para a avaliação da duração do incumprimento em causa não é a do termo do prazo fixado no parecer fundamentado da Comissão, mas a data em que termina o prazo de transposição previsto pela diretiva em questão [Acórdão de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 81 e jurisprudência referida].

81      Terceiro, no que se refere à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa, resulta da jurisprudência que, sem prejuízo da possibilidade de a Comissão propor sanções financeiras baseadas numa pluralidade de critérios, para permitir, nomeadamente, a manutenção de uma diferenciação razoável entre os diversos Estados‑Membros, há que ter em conta o PIB desse Estado enquanto fator predominante, para efeitos da apreciação da sua capacidade de pagamento e da fixação de sanções suficientemente dissuasivas e proporcionadas, a fim de prevenir de forma efetiva a repetição futura de infrações análogas ao direito da União [Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferro-níquel), C‑51/20, EU:C:2022:36, n.os 111, 116 e 130, e de 28 de setembro de 2023, Comissão/Reino Unido (Marcação do gasóleo para efeitos fiscais), C‑692/20, EU:C:2023:707, n.o 115].

82      A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que importava ter em conta a evolução recente do PIB do Estado‑Membro, conforme esta se apresenta à data de apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferro-níquel), C‑51/20, EU:C:2022:36, n.o 107 e jurisprudência referida].

83      No caso em apreço, o fator «n», que representa a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa em comparação com a capacidade de pagamento dos demais Estados‑Membros, aplicado pela Comissão nos termos dos pontos 3.4 e 4.2 da Comunicação de 2023, define‑se como uma média geométrica ponderada do PIB do Estado‑Membro em causa em comparação com a média dos PIB dos Estados‑Membros, que representa dois terços do cálculo do fator «n», e da população do Estado‑Membro em causa em comparação com a média da população dos Estados‑Membros, que representa um terço do cálculo do fator «n», como resulta da equação mencionada no n.o 10 do presente acórdão. A Comissão justifica este método de cálculo do fator «n» simultaneamente com o objetivo de manter uma diferenciação razoável entre os fatores «n» dos Estados‑Membros, em comparação com um cálculo baseado exclusivamente no PIB dos Estados‑Membros e com o objetivo de garantir uma certa estabilidade no cálculo do fator «n», uma vez que é pouco provável que a população varie significativamente numa base anual.

84      Em primeiro lugar, embora seja verdade que o método de cálculo do fator «n» que resulta da comunicação de 2023 tenha em conta principalmente o PIB do Estado‑Membro em causa, há no entanto que declarar que esse método assenta na presunção segundo a qual existe uma correlação entre a dimensão da população de um Estado‑Membro e a sua capacidade de pagamento, o que não acontece necessariamente. Por conseguinte, a consideração de um critério demográfico como o que resulta do referido método acarreta uma dissociação do fator «n» com a capacidade real de pagamento do Estado‑Membro em causa, que pode levar à fixação de um fator «n» que não corresponde necessariamente a essa capacidade, como o advogado‑geral salientou nos n.os 119 a 121 dessas conclusões.

85      Em segundo lugar, embora a consideração de um critério demográfico para a fixação do fator «n», com vista à determinação da capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa, permita manter uma certa diferenciação entre os fatores «n» dos Estados‑Membros, este objetivo não pode justificar o facto de a capacidade de pagamento deste Estado‑Membro ser determinada em função de critérios que não refletem essa capacidade.

86      Logo, a determinação da capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa não pode incluir no método de cálculo do fator «n» a tomada em conta de um critério demográfico segundo as modalidades previstas nos pontos 3.4 e 4.2 da comunicação de 2023.

–       Quanto à quantia fixa

87      Em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 68 do presente acórdão, para efeitos do cálculo da quantia fixa que um Estado‑Membro pode ser condenado a pagar nos termos do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, compete ao Tribunal de Justiça, no exercício do seu poder de apreciação, fixar o seu montante de modo que seja, por um lado, adaptado às circunstâncias e, por outro, proporcionado à infração cometida. Entre os fatores pertinentes para este efeito figuram elementos como a gravidade do incumprimento declarado, o período durante o qual este subsistiu, bem como a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa [Acórdão de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 74 e jurisprudência referida).

88      No que respeita, antes de mais, à gravidade da infração cometida, esta não pode ser fixada através da aplicação automática de um coeficiente de gravidade, como especificado no n.o 79 do presente acórdão.

89      Além, disso, importa lembrar que, pelos motivos referidos nos n.os 72 a 74 do presente acórdão, o incumprimento da obrigação de adotar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para a transposição completa da Diretiva 2019/1937 e da obrigação de comunicar essas disposições à Comissão deve ser considerada de particular gravidade.

90      A gravidade desse incumprimento é, aliás, reforçada pela circunstância de, no termo da fase escrita do processo, a República da Polónia ainda não ter adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para a transposição da Diretiva 2019/1937, como este Estado‑Membro concedeu ele próprio nas observações escritas.

91      Dito isto, a República da Polónia afirma, na sua contestação, sem ser contrariada a este respeito pela Comissão, que já existem na sua legislação certas regras que protegem as pessoas que denunciam violações do direito, conformes com as exigências da Diretiva 2019/1937.

92      Nestas condições, há que observar, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 144 das suas conclusões, que não foi demonstrado que as consequências do incumprimento constatado no caso em apreço para os interesses privados e públicos eram tão negativas quanto o seriam no caso de não transposição completa da Diretiva 2019/1937. Dado que a Comissão afirma que não há que ter em conta essa legislação nacional no âmbito da apreciação do fator de gravidade, já que não lhe foi notificada, basta observar que essa argumentação é irrelevante pois a falta de notificação não influencia o facto de a existência da referida legislação ter impacto nesses interesses.

93      Não é menos verdade que a própria República da Polónia reconheceu, na sua contestação, que as regras que protegem as pessoas que denunciam violações do direito se encontram dispersas na ordem jurídica polaca e não contêm, contrariamente ao que exige o artigo 26.o, n.o 3, da Diretiva 2019/1937, referência explícita à proteção dessas pessoas.

94      Ora, a falta de regras específicas e claras relativas à proteção das pessoas que denunciam as violações do direito da União, como prevista pela Diretiva 2019/1937, obsta a uma proteção efetiva dessas pessoas e pode, portanto, pôr em causa a aplicação uniforme e efetiva desse direito nos domínios cobertos por essa diretiva.

95      Com efeito, como foi recordado no n.o 73 do presente acórdão, ao estabelecer um sistema de proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União num contexto profissional, a Diretiva 2019/1937 contribui para prevenir atos contrários ao interesse público, em domínios particularmente sensíveis, como o dos contratos públicos, da prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, da proteção do ambiente ou dos interesses financeiros da União.

96      Ora, como foi indicado no n.o 74 do presente acórdão, na falta de proteção efetiva, as pessoas que tenham conhecimento de uma violação do direito da União nesses domínios podem ser dissuadidas de a denunciar, uma vez que, ao fazê‑lo, podem ficar expostas a represálias.

97      Logo, atendendo ao objetivo enunciado no artigo 1.o da Diretiva 2019/1937, lido em conjugação com o seu primeiro considerando, esta diretiva visa, como é referido no n.o 73 do presente acórdão, estabelecer normas mínimas comuns que asseguram um nível elevado de proteção equilibrada e eficaz das pessoas que denunciam violações do direito da União, de modo que a não adoção das disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à transposição completa e precisa da referida diretiva é particularmente grave.

98      Além disso, visto que a República da Polónia alega que cooperou com a Comissão no decurso do procedimento pré‑contencioso, cabe recordar que o dever de cooperação leal para com a Comissão incumbe de qualquer forma aos Estados‑Membros por força do artigo 4.o, n.o 3, TUE, o que implica que qualquer Estado‑Membro é obrigado a facilitar a esta instituição o cumprimento da sua missão que consiste, nos termos do artigo 17.o TUE, em velar, na qualidade de guardiã dos Tratados, pela aplicação do direito da União sob a fiscalização do Tribunal de Justiça. Por conseguinte, só uma cooperação com a Comissão que se caracterize por diligências que demonstrem a intenção de dar cumprimento o mais rapidamente possível às obrigações que decorrem de uma diretiva pode ser tida em conta como circunstância atenuante no âmbito da apreciação da gravidade da infração [v., neste sentido, Acórdão de 28 de setembro de 2023, Comissão/Reino Unido (Marcação do gasóleo para efeitos fiscais), C‑692/20, EU:C:2023:707, n.os 106 e 107 e jurisprudência referida].

99      Ora, no caso em apreço, como resulta do n.o 17 do presente acórdão, a República da Polónia tinha anunciado na sua carta de 15 de setembro de 2022 que as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva 2019/1937 seriam publicadas no Jornal Oficial polaco durante o mês de janeiro de 2023, ou durante o mês de agosto de 2023, como anunciado por mensagem de correio eletrónico de 11 de janeiro de 2023, o que não aconteceu. Nestas condições, a cooperação da República da Polónia com a Comissão durante o procedimento pré‑contencioso não pode ser tida em conta como circunstância atenuante.

100    Em seguida, no que respeita à duração da infração, é facto assente que a República da Polónia não tinha, no termo do prazo de transposição previsto no artigo 26.o, n.o 1, da Diretiva 2019/1937, ou seja, em 17 de dezembro de 2021, adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para assegurar a transposição desta diretiva e, por conseguinte, também não tinha comunicado essas disposições à Comissão.

101    Tendo a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça sido encerrada em 9 de agosto de 2023, o incumprimento em causa tinha durado quase um ano e oito meses à data desse encerramento.

102    Por fim, no atinente à determinação da capacidade de pagamento da República da Polónia, não há que ter em conta, como foi exposto nos n.os 84 a 86 do presente acórdão, no método do cálculo do fator «n», a dimensão da população desse Estado‑Membro, como a Comissão a teve nos termos da comunicação de 2023.

103    Tendo em conta estas considerações e à luz do poder de apreciação reconhecido ao Tribunal de Justiça pelo artigo 260.o, n.o 3, TFUE, que prevê que este não pode, relativamente à quantia fixa cujo pagamento impõe, fixar um montante que exceda o montante indicado pela Comissão, há que considerar que a prevenção efetiva da repetição futura de infrações análogas à que resulta da violação do artigo 26.o, n.o 1, da Diretiva 2019/1937 e que prejudica a plena eficácia do direito da União exige a aplicação de uma quantia fixa cujo montante deve ser fixado em 7 000 000 de euros.

–       Quanto à sanção pecuniária compulsória diária

104    Importa recordar que, no exercício do seu poder de apreciação, compete ao Tribunal de Justiça fixar o montante da sanção pecuniária compulsória diária de modo que esta, por um lado, seja adaptada às circunstâncias e proporcionada ao incumprimento declarado e à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa e, por outro, não ultrapasse, em conformidade com o artigo 260.o, n.o 3, segundo parágrafo, TFUE, o montante indicado pela Comissão [Acórdão de 29 de fevereiro de 2024, Comissão/Irlanda (Serviços de comunicação social audiovisual), C‑679/22, EU:C:2024:178, n.o 92 e jurisprudência referida].

105    No âmbito da apreciação do Tribunal de Justiça para efeitos da fixação do montante da sanção pecuniária compulsória, os critérios a ter em consideração para assegurar a sua natureza coerciva, tendo em vista uma aplicação uniforme e efetiva do direito da União, são, em princípio, a duração da infração, o seu grau de gravidade e a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa. Para aplicar estes critérios, o Tribunal de Justiça deve ter em conta, em particular, as consequências do incumprimento para os interesses públicos e privados em causa, bem como a urgência em levar o Estado‑Membro em causa a cumprir as suas obrigações [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 63 e jurisprudência referida].

106    No que respeita, antes de mais, à gravidade da infração em causa, é facto assente que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado de 15 de julho de 2022, a República da Polónia não tinha cumprido as obrigações referidas no artigo 26.o, n.o 1, da Diretiva 2019/1937, de modo que, tendo em conta também as considerações constantes dos n.os 91 a 97 do presente acórdão, há que considerar que a plena eficácia do direito da União não foi, manifestamente, assegurada.

107    Quanto, em seguida, à duração da infração, que importa ter em conta para fixar o montante da sanção pecuniária compulsória a aplicar, há que declarar que o incumprimento em causa perdurou até depois do termo do prazo fixado no parecer fundamentado de 15 de julho de 2022.

108    Por fim, relativamente à determinação da capacidade de pagamento da República da Polónia, não há, como explicitado nos n.os 84 a 86 do presente acórdão, que ter em conta, no método de cálculo do fator «n», a dimensão da população desse Estado‑Membro como a Comissão teve nos termos da Comunicação de 2023.

109    Atendendo às considerações precedentes e tendo em conta o poder de apreciação reconhecido ao Tribunal de Justiça pelo artigo 260.o, n.o 3, TFUE, que prevê que este não pode, no que respeita à sanção pecuniária compulsória que aplica, fixar um montante que exceda o montante indicado pela Comissão, importa, no caso de o incumprimento declarado no n.o 38 do presente acórdão persistir na data da prolação do presente acórdão, condenar a República da Polónia a pagar à Comissão, a partir dessa data e até que este Estado‑Membro tenha posto termo a esse incumprimento, uma sanção pecuniária compulsória diária no montante de 40 000 euros.

 Quanto às despesas

110    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Polónia nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) decide:

1)      A República da Polónia, ao não ter adotado, no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado da Comissão Europeia de 15 de julho de 2022, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União, e, logo, ao não ter comunicado essas disposições à Comissão, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 26.o, n.os 1 e 3, desta diretiva.

2)      A República da Polónia, ao não ter, à data da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça, adotado as medidas necessárias para transpor para o seu direito interno as disposições da Diretiva 2019/1937, nem, por conseguinte, comunicado essas medidas à Comissão Europeia, persistiu no seu incumprimento.

3)      A República da Polónia é condenada a pagar à Comissão Europeia:

–        uma quantia fixa no montante de 7 000 000 de euros;

–        caso o incumprimento declarado no ponto 1 do dispositivo persista à data da prolação do presente acórdão, uma sanção pecuniária compulsória diária de 40 000 euros a contar dessa data e até que este EstadoMembro ponha termo a esse incumprimento.

4)      A República da Polónia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as da Comissão Europeia.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.