ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção
Alargada)
25 de Março de 1999 (1)
«CECA Auxílios de Estado Recurso de anulação Excepção de ilegalidade
Quinto código dos auxílios à siderurgia»
No processo T-37/97,
Forges de Clabecq SA, sociedade de direito belga em situação de falência, com
sede em Clabecq (Bélgica), representada por Alain Zenner, Dominique Jossart,
Gérard Leplat e Gilbert Demez, curadores, e representada no presente processo
por Pierre-Paul van Gehuchten, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio
escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Louis Schiltz, 2, Rue Fort
Reinsheim,
apoiada pelo
Reino da Bélgica, representado por Jan Devadder, consultor-geral no Serviço
Jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido
por Jean-Marie de Backer, Georges Vandersanden, Olivier Ralet e Laure Levi,
advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo na
Embaixada da Bélgica, 4, rue des Girondins,
Região da Valónia, representada por Jean-Marie de Backer, Georges
Vandersanden e Olivier Ralet, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio
escolhido no Luxemburgo na fiduciaire Myson SARL, 30, rue de Cessange,
e
Société wallonne pour la sidérurgie SA (SWS), sociedade de direito belga, com
sede em Liège (Bélgica), representada por Jean-Marie de Backer, Georges
Vandersanden e Olivier Ralet, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio
escolhido no Luxemburgo na fiduciaire Myson SARL, 30, rue de Cessange,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Gérard Rozet, consultor
jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no
gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre
Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto a anulação da decisão da Comissão, de 18 de Dezembro de
1996, que declara incompatíveis com o mercado comum certas intervenções
financeiras a favor da recorrente,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção Alargada),
composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, R. García-Valdecasas, V. Tiili,
P. Lindh e P. Mengozzi, juízes,
secretário: J. Palacio González, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 18 de Novembro de 1998,
profere o presente
Acórdão
Quadro jurídico
- 1.
- O Tratado que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (a seguir
«tratado» ou «Tratado CECA»), proíbe os auxílios de Estado a empresas
siderúrgicas, ao considerar, no seu artigo 4.°, alínea c), incompatíveis com o
mercado comum do carvão e do aço e, por conseguinte, proibidas, nas condições
previstas no referido tratado, «as subvenções ou auxílios concedidos pelos Estados
ou os encargos especiais por eles impostos, independentemente da forma que
assumam».
- 2.
- O artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado dispõe que:
«Em todos os casos não previstos no presente Tratado em que se revele necessária
uma decisão ou uma recomendação da Comissão para atingir, no funcionamento
do mercado comum do carvão e do aço e em conformidade com o disposto no
artigo 5.°, um dos objectivos da Comunidade, tal como vêm definidos nos artigos
2.°, 3.° e 4.°, essa decisão ou recomendação pode ser adoptada mediante parecer
favorável do Conselho, o qual deliberará por unanimidade após consulta do Comité
Consultivo.
A decisão ou a recomendação assim adoptada determinará eventualmente as
sanções aplicáveis.»
- 3.
- A fim de responder às exigências da reestruturação do sector da siderurgia, a
Comissão baseou-se nas referidas disposições do artigo 95.° do Tratado para
implementar, a partir dos anos 80, um regime comunitário de auxílios que autoriza
a concessão de auxílios de Estado à siderurgia em certos casos enumerados de
forma limitada. O regime comunitário dos auxílios à siderurgia em vigor durante
o período considerado no presente processo foi o instaurado pela Decisão
n.° 3855/91/CECA da Comissão, de 27 de Novembro de 1991, que cria normas
comunitárias para os auxílios à siderurgia (JO L 362, p. 57, a seguir «código dos
auxílios»).
- 4.
- Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do código dos auxílios «Todos os auxílios à
siderurgia, específicos ou não, financiados pelos Estados-Membros, pelas suas
autoridades regionais ou locais ou por intermédio de recursos estatais [...], só
podem ser considerados como auxílios comunitários e, consequentemente,
compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum, se respeitarem o
disposto nos artigos 2.° a 5.°»
Nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, «a noção de 'auxílio abrange os elementos
de auxílio, eventualmente incluídos nas transferências de recursos estatais,
efectuados por Estados-Membros, pelas autoridades regionais ou locais ou por
outros organismos, para empresas siderúrgicas, sob a forma de aquisição de
participações, de dotações de capital ou medidas de financiamento semelhantes [...]
que não podem ser consideradas como verdadeiras dotações de capital de risco de
acordo com a prática normal de investimento numa economia de mercado».
- 5.
- Os artigos 2.° a 5.° do código dos auxílios prevêm a possibilidade de considerar
compatíveis com o mercado comum, sob certas condições, os auxílios destinados
a cobrir as despesas das empresas siderúrgicas relativamente a projectos de
investigação e desenvolvimento, os auxílios com a finalidade de facilitar a
adaptação de novas normas legais de protecção do ambiente de instalações em
funcionamento há pelo menos dois anos antes da entrada em vigor dessas normas,
os auxílios a favor das empresas que cessem definitivamente a sua actividade de
produção siderúrgica CECA e os destinados a cobrir subsídios pagos aos
trabalhadores despedidos ou reformados antecipadamente, e certos auxílios às
empresas situadas na Grécia, em Portugal e no território da antiga República
Democrática Alemã. Este código não autoriza nem os auxílios ao funcionamento
nem os auxílios à reestruturação, salvo quando se trate de auxílios ao
encerramento.
Factos
- 6.
- A recorrente é uma empresa siderúrgica de direito belga, que, quando funcionava,
produzia aço líquido e produtos acabados planos, nomeadamente chapas e brames
planos.
- 7.
- A Société wallonne pour la sidérurgie SA (SWS), cujo capital é propriedade a
100% da Região da Valónia, tem por missão, no âmbito da política económica
desta região no sector da siderurgia, intervir no interesse de empresas privadas.
- 8.
- Na primeira metade dos anos 80, foi elaborado pela recorrente um plano de
recuperação e, nesse âmbito, foram-lhe concedidos vários créditos de investimento.
Estes créditos estavam, na sua maioria, cobertos por uma garantia de Estado. O
primeiro crédito foi de 1,5 mil milhões de BFR, um segundo de 850 milhões
de BFR e um terceiro de 1,5 mil milhões de BFR. O quarto e último crédito desta
série foi-lhe concedido em 1985 e era de 650 milhões de BFR. Este grupo de
créditos sob garantia do Estado foi correntemente chamado «empréstimos SNCI»
(contratos de empréstimo com a societè nationale du crédit à l'industrie). Por
decisões de 16 de Dezembro de 1982 e de 31 de Julho de 1985, a Comissão
autorizou, sob certas condições, uma parte deste plano de recuperação,
nomeadamente a respeitante ao primeiro e quarto créditos, de, respectivamente,
1,5 mil milhões de BFR e 650 milhões de BFR.
- 9.
- A Compagnie belge pour le financement de l'industrie (a seguir «Belfin»), criada
para assegurar o financiamento dos investimentos destinados à reestruturação do
sector industrial belga, com metade do capital pertencente ao sector público,
concedeu igualmente à recorrente vários empréstimos através de capitais obtidos
de instituições financeiras: 104 milhões de BFR em 1988 e 196 milhões de BFR em
1989, tendo estes dois contratos sido substituídos por um crédito de 300 milhões
de BFR em 1991, e de 200 milhões de BFR em 1994 em substituição de um
empréstimo celebrado em 1987.
- 10.
- Por carta de 25 de Junho de 1996, a Representação permanente da Bélgica junto
da União Europeia notificou à Comissão, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do código
dos auxílios, um plano que tinha como objectivo a manutenção das actividades da
recorrente. Do ponto de vista comercial, o plano era destinado a manter a fábrica
integrada, mas laborando a capacidade reduzida. Do ponto de vista financeiro, o
plano, tal como foi notificado, envolvia, por um lado, «medidas de
acompanhamento» provenientes de uma entrada de novos capitais da SWS no
montante de 1,5 mil milhões de BFR e do reescalonamento das dívidas da empresa
com o acordo da SNCI e da Belfin e, por outro, a aquisição pela SWS dos 21,3%
do capital social da empresa que anteriormente pertenciam à Socindus, uma
sociedade que reagrupa os interesses dos accionistas-gestores privados familiares.
A SWS tornou-se, assim, proprietária de 60,3% das acções, sendo o restante capital
disseminado pelo público.
- 11.
- Antes da redacção do referido plano, foram feitos vários diagnósticos relativos ao
estado de saúde da empresa, nomeadamente, a seu pedido, pelos consultores
Laplace Conseil e Davy Clecim. Por outro lado, o Sr. Gandois, decano dos
administradores da recorrente, tinha sido encarregado pelo Sr. Collignon,
Ministro-Presidente da Região da Valónia, de estudar a viabilidade do sector
siderúrgico na Região da Valónia e as acções a levar a cabo para consolidar essa
viabilidade, em especial a da recorrente. Os três relatórios eram unânimes quanto
à necessidade de medidas radicais e rápidas para assegurar a sobrevivência da
recorrente. Interrogada, nessa altura, pela Comissão quanto às suas intenções em
relação à recorrente, a SWS comunicou que o seu objectivo consistia em «evitar
a falência da empresa celebrando todos os acordos possíveis com os credores e os
banqueiros das Forges a fim de evitar uma catástrofe financeira e social» e
declarou que, «a pedido do Ministro-Presidente, a SWS não tomaria qualquer
decisão definitiva em relação às Forges de Clabecq antes de o Governo valão
poder analisar as conclusões do relatório Gandois».
- 12.
- Após a notificação, a Comissão, por carta de 5 de Julho de 1996, enviou um pedido
de informações suplementares à Representação permanente da Bélgica junto da
União Europeia. Desejou, nomeadamente, saber se tinham sido tomadas outras
medidas diferentes das notificadas. A este respeito, assinalou que a notificação não
continha qualquer informação sobre as condições do reescalonamento das dívidas
da recorrente e sobre a situação de um empréstimo de 500 milhões de BFR
concedido pela Região da Valónia no final de 1992, que não tinha considerado
como um auxílio sob certas condições relativas, nomeadamente, à taxa de juro.
Assinalava, além disso, que a imprensa belga tinha mencionado mais medidas, tais
como a concessão de novos empréstimos à recorrente. A Representação
permanente na Bélgica enviou essa carta à Região da Valónia.
- 13.
- Por carta de 23 de Julho de 1996, as autoridades belgas comunicaram as
informações suplementares. No que diz respeito ao empréstimo de 500 milhões
de BFR de 1992, informava-se que, «a pedido urgente do conselho de
administração (da recorrente) e para obter o apoio necessário dos banqueiros e
fornecedores ao estudo e à implementação de um plano de recuperação», a SWS
tinha decidido em 1996 remitir o seu crédito representando, no total, 555 milhões
de BFR. A carta especificava que essa remissão de crédito não constituía um
auxílio, uma vez que, de qualquer modo, a recorrente nunca a poderia reembolsar.
- 14.
- Quanto ao reescalonamento das dívidas, em anexo à carta constavam documentosalusivos a um acordo de princípio da SNCI e da Belfin de prorrogarem por três
anos o prazo de reembolso dos empréstimos. Este acordo de princípio era
subordinado a várias condições, nomeadamente ao parecer favorável da
Comunidade Europeia sobre a recapitalização da recorrente.
- 15.
- Precisava-se a seguir que a SWS tinha concedido à recorrente um crédito intercalar
de 200 milhões de BFR, a título de adiantamento sobre a recapitalização prevista.
Esse adiantamento seria indispensável para permitir à recorrente prosseguir as suas
actividades enquanto aguardava a decisão da Comissão. A carta anunciava que
outros adiantamentos seriam, sem dúvida, necessários.
- 16.
- Era sublinhado que, de qualquer modo, as medidas contidas no plano não
constituíam auxílios de Estado, dado que não havia recurso a fundos públicos e
apenas traduziam o comportamento razoável de um investidor privado em
economia de mercado. Por outro lado, a SWS não tinha a intenção de continuar
a ser a accionista maioritária da recorrente. Por último, era indicado na carta que
a SWS se colocava à disposição da Comissão para fornecer outras precisões e para
examinar as eventuais adaptações que esta propusesse.
- 17.
- Através de uma comunicação nos termos do artigo 6.°, n.° 4, do código dos auxílios,
publicada em 11 de Outubro de 1996 (JO 1997, C 301, p. 4), a Comissão notificou
o Governo belga e convidou-o, bem como a qualquer outra pessoa interessada, a
apresentar observações.
- 18.
- Na sua Decisão 97/271/CECA, de 18 de Dezembro de 1996, Aço CECA Forges
de Clabecq, relativa às intervenções financeiras da Região da Valónia a favor da
empresa siderúrgica Forges de Clabecq (JO 1997, L 106, p. 30, a seguir «decisão
recorrida»), a Comissão decidiu o seguinte:
«Artigo 1.°
As medidas tomadas pela Bélgica em favor das Forges de Clabecq,
designadamente:
uma entrada de capital de 1,5 mil milhões de francos belgas,
as garantias de Estado para os empréstimos Belfin e SNCI,
a remissão de créditos num montante de 802,3 milhões de francos belgas
(302,2 milhões de francos belgas no caso da SA Forges Finances e 500
milhões de francos belgas no caso da SWS),
os financiamentos intercalares num montante de 700 milhões de francos
belgas,
constituem auxílios nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 1.° [do código dos
auxílios].
Artigo 2.°
Os auxílios referidos no artigo 1.° são incompatíveis com o mercado comum dado
que não são conformes ao disposto nos artigos 2.° a 5.° [do código dos auxílios], tal
como previsto no n.° 2 do artigo 1.° [do referido código], sendo, por conseguinte,
proibidos por força da alínea c), do artigo 4.° do Tratado.
Artigo 3.°
A Bélgica deve suprimir os auxílios mencionados no artigo 1.° e exigir a restituição
dos auxílios ilegais já pagos, bem como dos juros devidos desde a data do
pagamento, no prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão.
[...]»
- 19.
- Em 19 de Dezembro de 1996, os administradores das Forges de Clabecq
reconheceram a falência da empresa. Por decisão do Tribunal de commerce de
Nivelles de 3 de Janeiro de 1997, foi declarada a falência.
- 20.
- A decisão recorrida foi notificada às autoridades belgas por carta de 23 de Janeiro
de 1997 e foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 24 de
Abril de 1997.
- 21.
- Mais tarde, em 1997, o activo da recorrente foi comprado por uma nova sociedade
denominada Duferco Clabecq, criada por iniciativa de um investidor privado, o
grupo Duferco. Em conformidade com a legislação belga relativa às falências, a
Duferco Clabecq não teve de assumir as dívidas da recorrente. A Comissão
aprovou certas intervenções da SWS a favor da Duferco Clabecq, porque
constituíam uma entrada de capital de risco segundo a prática normal das
sociedades em economia de mercado.
Tramitação processual e conclusões das partes
- 22.
- Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 25 de Fevereiro de 1997, a
recorrente interpôs o presente recurso. O processo foi atribuído a uma secção
composta por cinco juízes. Na petição, a recorrente solicitou que o processo fosse
atribuído à sessão plenária do Tribunal. A secção não deferiu esse pedido.
- 23.
- Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal em 6 de Março
de 1997, a recorrente apresentou um pedido de assistência judiciária. Por despacho
de 29 de Setembro de 1997, o Tribunal indeferiu esse pedido.
- 24.
- Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 21 de Março de 1997,
a recorrida suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade. A recorrente
apresentou as suas observações quanto à questão prévia de inadmissibilidade em
2 de Maio de 1997. Por despacho do Tribunal de 11 de Julho de 1997, a decisão
da questão prévia de inadmissibilidade foi reservada para final.
- 25.
- Por pedidos apresentados na Secretaria do Tribunal respectivamente em 24 de
Junho, 23 e 25 de Julho de 1997, a SWS, o Reino da Bélgica e a Região da
Valónia apresentaram um pedido de intervenção em apoio dos pedidos da
recorrente. Por despacho do presidente da terceira secção alargada do Tribunal,
de 31 de Outubro de 1997, a SWS, o Reino da Bélgica e a Região da Valónia
foram autorizados a intervir em apoio dos pedidos da recorrente.
- 26.
- Na réplica, a recorrente propôs a adopção de certas medidas de organização do
processo e, subsidiariamente, de uma medida de instrução. Estando suficientemente
esclarecido pelos documentos dos autos, o Tribunal decidiu não proceder a
medidas de organização do processo ou de instrução.
- 27.
- Visto o relatório do juiz relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo.
Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais do
Tribunal aquando da audiência pública de 18 de Novembro de 1998.
- 28.
- A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
anular a decisão recorrida;
decidir quanto às despesas nos termos legais.
- 29.
- A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:
julgar o recurso inadmissível ou, subsidiariamente, negar-lhe provimento;
condenar a recorrente nas despesas.
- 30.
- Os intervenientes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
anular a decisão recorrida;
condenar a recorrida nas despesas.
Quanto à admissibilidade
Argumentos das partes
- 31.
- A recorrida sustenta que o recurso foi interposto tardiamente. Não contesta que
o recurso tenha sido interposto no prazo de um mês a contar da notificação da
decisão em 23 de Janeiro de 1997. Todavia, considera que o início do prazo de
recurso não deve ser a data da notificação da decisão ao Estado belga, mas a data
em que a recorrente tomou conhecimento da decisão. No caso em apreço, é um
facto assente que essa data foi efectivamente antes de 23 de Janeiro de 1997. Isto
é, nomeadamente, demonstrado pelo facto de, na sua decisão de 3 de Janeiro de
1997, o Tribunal de commerce de Nivelles ter declarado que a recorrente tinha
declarado a falência em 19 de Dezembro de 1996 «devido a uma decisão adoptada
pela Comissão Europeia em 18 de Dezembro de 1996».
- 32.
- A recorrida considera que, nestas circunstâncias, o cálculo do prazo de um mês
deve basear-se na data de 18 de Dezembro de 1996. Por conseguinte, o recurso é
inadmissível porque foi interposto fora do prazo.
- 33.
- A título subsidiário, a recorrida expõe que, se a recorrente considerava não ter
conhecimento exacto da decisão, incumbia-lhe pedir o texto, num prazo razoável,
o que não fez.
- 34.
- Em apoio da sua argumentação, a Comissão cita, em especial, os acórdãos do
Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 1985, Hoogovens Groep/Comissão
(172/83 e 226/83, Colect., p. 2831), de 6 de Julho de 1988, Dillinger
Hüttenwerke/Comissão (236/86, Colect., p. 3761), e de 6 de Dezembro de 1990,
Wirtschaftsvereinigung Eisen- und Stahlindustrie/Comissão (C-180/88, Colect.,
p. I-4413), bem como o despacho do Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1993,
Ferriere Acciaierie Sarde/Comissão (C-102/92, Colect., p. I-801), que é citado
igualmente no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Maio de 1994,
Consorzio gruppo di azione locale «Murgia Messapica»/Comissão (T-465/93,
Colect., p. II-361, n.° 29).
- 35.
- A recorrente recorda que um recurso só pode ser interposto utilmente quando a
pessoa em causa teve conhecimento da fundamentação da decisão adoptada pela
Comissão. Ora, a recorrente tomou conhecimento do texto da decisão aquando da
sua notificação. Afirma, a este respeito, que, pouco tempo depois da adopção da
decisão, tinha contactado a Comissão a fim de obter o texto, mas que esta lhe tinha
respondido que não era possível enviar-lho antes da sua notificação formal ao
Estado belga.
- 36.
- A recorrente acrescenta que as interpretações da jurisprudência feitas pela
Comissão são erradas. A jurisprudência em questão é relativa a factos
completamente diferentes dos factos do caso em apreço. Os acórdãos e despachos
citados pela Comissão dizem efectivamente respeito à situação em que uma decisão
CECA não foi notificada nem publicada, e neles se decidiu que um recurso pode
ser interposto no prazo de um mês a contar do conhecimento efectivo da decisão,
na condição de o recorrente ter solicitado o texto da decisão num prazo razoável.
- 37.
- Por último, a recorrente expõe que a possibilidade de interpor um recurso antes
da notificação era, de qualquer modo, excluída pelo facto de, nos termos do artigo
15.° do Tratado CECA, uma decisão não poder produzir efeitos antes da sua
notificação.
- 38.
- O Governo belga sustenta a argumentação da recorrente.
- 39.
- A Região da Valónia e a SWS observam que a decisão foi notificada e que o
recurso foi interposto no prazo de um mês, prorrogado da dilação em razão da
distância, a contar dessa notificação. Concluem que o artigo 33.°, terceiro
parágrafo, do Tratado foi plenamente respeitado e que o recurso não pode ser
qualificado de extemporâneo.
Apreciação do Tribunal
- 40.
- Nos termos do artigo 33.°, terceiro parágrafo, do Tratado, os recursos de anulação
«devem ser interpostos no prazo de um mês a contar, conforme o caso, da
notificação ou da publicação da decisão ou recomendação». O Tribunal considera
que, em conformidade com o princípio da segurança jurídica, os particulares devem
poder confiar no texto claro dessa disposição. Por conseguinte, há que calcular os
prazos de recurso com base nas datas de notificação e de publicação das decisões
e recomendações da Comissão.
- 41.
- No caso em apreço, a decisão recorrida foi notificada ao Estado belga por carta
de 23 de Janeiro de 1997 e publicada no Jornal Oficial em 24 de Abril de 1997.
Conclui-se que o presente recurso, que foi interposto em 25 de Fevereiro de 1997,
efectivamente antes do fim do prazo de um mês, prorrogado da dilação em razão
da distância de dois dias aplicável aos recursos interpostos por pessoas instaladas
na Bélgica, a contar da data da publicação, não é extemporâneo.
- 42.
- Por outro lado, como a recorrente justamente o expôs, a jurisprudência citada pelaComissão em apoio da excepção de inadmissibilidade diz respeito à situação,
essencialmente diferente da do caso em apreço, em que a decisão não foi
notificada nem publicada.
- 43.
- Daqui resulta que a excepção de inadmissibilidade deve ser rejeitada.
Quanto ao mérito
- 44.
- A recorrente e os intervenientes invocam, essencialmente, sete fundamentos de
anulação. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 4.° do Tratado.
O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 95.° do Tratado. O terceiro
fundamento é relativo à violação do princípio da segurança jurídica. O quarto
fundamento é relativo à insuficiência de fundamentação. O quinto fundamento é
relativo à violação dos direitos de defesa. O sexto fundamento é relativo à violação
do direito fundamental ao trabalho, dos preâmbulos e objectivos dos Tratados
CECA e CE e do princípio da proporcionalidade. Por último, o sétimo fundamento
é relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento.
- 45.
- Além disso, a recorrente suscita, no âmbito do presente recurso de anulação e a
título subsidiário, a questão da ilegalidade do código dos auxílios. Esta questão
assenta em três fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à violação do
artigo 95.° do Tratado. O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 67.°
do Tratado e, na medida do necessário, à violação dos artigos 92.° e 93.° do
Tratado CE. O terceiro fundamento é relativo ao excesso de poder, a um erro
manifesto de apreciação e à violação do princípio da igualdade de tratamento.
Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 4.° do Tratado
Argumentos das partes
- 46.
- A recorrente expõe que não foi a Região da Valónia, mas a SWS que realizou
intervenções financeiras a seu favor. Isso tem por consequência que as intervenções
não podem ser qualificadas de auxílios de Estado. Com efeito, a SWS é uma
sociedade de direito privado, que, embora, propriedade a 100% da Região da
Valónia, não está sujeita a nenhum comportamento de autoridade pública da
Região da Valónia e que não recebe qualquer dotação em capital da Região para
fazer face aos custos das suas operações. A intervenção da SWS insere-se na sua
missão de accionista maioritária e não consiste, deste modo, numa entrada de
capital de fundos públicos. A recorrente acrescenta por outro lado que, embora
seja um facto que a SWS se tornou a sua accionista de referência, esta só possui
40% dos direitos de voto.
- 47.
- A recorrente expõe, seguidamente, que não é apropriado aplicar o critério do
«investidor privado em economia de mercado» ao sector da siderurgia, dado que
este sector tem necessidade de fundos públicos, a fim de poder sobreviver. O
referido critério, além disso, não foi objecto, no caso em apreço, de um exame
atento e individualizado da Comissão. A este respeito a recorrente observa que a
Comissão não apresentou nenhum documento que lhe permita ou que permita ao
Tribunal conhecer as condições em que o processo foi examinado. Assinala
também que, na sua decisão, a Comissão apenas considera que há «presunção de
auxílio sempre que, em empresas cujo capital é partilhado entre accionistas
públicos e privados, a contribuição pública atinge uma proporção sensivelmente
superior à repartição de origem e que a diminuição relativa da participação dos
accionistas privados se deve essencialmente às más perspectivas de rendibilidade
da empresa» (ponto V, quarto parágrafo, dos considerandos da decisão recorrida).
Ora, essa presunção não tem qualquer fundamento no direito comunitário. Além
disso, a presunção da Comissão assenta em falsas asserções factuais.
Nomeadamente, o antigo accionista de referência, a Socindus, continuou a
sustentar que acreditava nas possibilidades de restauração da competitividade da
empresa. A diminuição da participação dessa accionista privada apenas foi devida
à sua falta de meios para participar no plano de recuperação.
- 48.
- A recorrente acrescenta que só quando não há razões objectivas para esperar que
as medidas de intervenção tenham uma rentabilidade aceitável, é que se está em
presença de um auxílio de Estado. A este respeito, assinala que a asserção factual
expressa pela Comissão na decisão recorrida, segundo o qual o plano de
recuperação teria sido desaconselhado por um perito independente, é falsa. Os
relatórios Laplace Conseil e Davy Clecim comprovaram as possibilidades de
rentabilidade da empresa. O relatório Gandois foi parcial, dado que o Sr. Gandois
exercia, na altura, funções num concorrente belga e num organismo que representa
os interesses das empresas siderúrgicas francesas. Na audiência, a recorrente
sublinhou, além disso, que o mercado acreditava na rentabilidade das medidas de
intervenção. O facto de a bolsa ter reagido favoravelmente às referidas medidas foi
um indício importante a este respeito.
- 49.
- Por último, a recorrente expõe que, de qualquer modo, a consideração da
Comissão segundo a qual «o Estado substituiu o privado» na gestão e no
substracto accionista da empresa é irrelevante, uma vez que, nos termos do artigo
83.° do Tratado, a instituição da Comunidade em nada prejudica o regime de
propriedade das empresas. O facto de a Comissão se ter baseado na referida
consideração tem por consequência que as empresas públicas sejam discriminadas
em relação às empresas privadas.
- 50.
- A recorrente conclui que, por estas múltiples razões, a Comissão cometeu um erro
ao considerar que as intervenções em causa constituem auxílios de Estado na
acepção do artigo 4.°, alínea c), do Tratado.
- 51.
- Segundo o Governo belga, a Comissão considerou de forma errada que os
empréstimos concedidos pela Belfin à recorrente beneficiam de uma garantia de
Estado. Salienta, a este respeito, que só foi concedida essa garantia aos
empréstimos subscritos pela Belfin junto dos bancos , e não aos empréstimos que
foram concedidos pela Belfin às empresas. A existência de uma garantia de Estado
constitui precisamente uma diferença essencial entre as relações contratuais da
Belfin com os organismos bancários e as suas relações contratuais com as
empresas.
- 52.
- A título subsidiário, o Governo belga assinala que a garantia de Estado para os
montantes obtidos pela Belfin a título de empréstimos é sempre contragarantida
pelos destinatários dos empréstimos e é, assim, finalmente, de natureza privada.
Com efeito, esses destinatários contribuem para um «Fundo de Garantia», ao qual
estão vinculados os empréstimos da Belfin. Segundo o artigo 10.° da convenção de
accionistas da Belfin, as acções judiciais do Estado contra a Belfin, baseados na
invocação da garantia para os montantes obtidos de empréstimos, são propostas
até ao limite dos montantes que formam o Fundo de Garantia. A parte
interveniente conclui que, mesmo que o Tribunal considere que os empréstimos da
Belfin estavam sob garantia, essa garantia não constitui um auxílio de Estado.
Acrescenta, por outro lado, que a Belfin não é uma empresa pública, dado que o
seu substracto accionista privado é de 50%.
- 53.
- Quanto ao restante, o Governo belga sustenta a argumentação da recorrente.
- 54.
- A Região da Valónia e a SWS sustentam também a argumentação invocada pela
recorrente. Observam que o plano apresentado à Comissão era indispensável e
tinha por objectivo dar, a relativamente curto prazo, rentabilidade económica e
uma melhoria da situação financeira da recorrente. Em especial, a entrada em
capital de 1,5 mil milhões de BFR tinha por objectivo assegurar a viabilidade da
empresa e o seu desenvolvimento futuro. A Região da Valónia e a SWS sublinham
também que as intervenções da SWS eram limitadas ao que era estritamente
necessário e que, por conseguinte, a SWS se comportou como investidor privado
em economia de mercado. Expõem, ao mesmo tempo, que o critério de investidor
privado em economia de mercado não é razoável, dado que não é possível
preencher, na prática este critério. Com efeito, habitualmente um investidor
privado abstém-se de injectar capitais numa empresa em dificuldade. Ao impor o
referido critério aos Estados-Membros, a Comissão não tem em conta a sua função
de autoridade pública. Além disso, a Comissão aplicou mal este critério no caso em
apreço, ao não ter em consideração o facto de o plano permitir à recorrente,
nomeadamente através da redução das capacidades de produção, reencontrar a sua
viabilidade.
- 55.
- A recorrida recorda em primeiro lugar que deve ser entendido como auxílio na
acepção do artigo 4.°, alínea c), do Tratado, qualquer prestação em dinheiro ou em
espécie concedida para o apoio de uma empresa que não seja o pagamento pelo
comprador ou utilizador dos bens ou serviços que ela produz; o conceito de auxílio
compreende não apenas as prestações positivas, mas igualmente as intervenções
que, sob diversas formas, aliviam os encargos que, normalmente, incidem sobre o
orçamento de uma empresa. A recorrida recorda também que o conceito de auxílio
de Estado abrange tanto os auxílios concedidos directamente pelos
Estados-Membros ou pelas suas autoridades regionais ou locais como os concedidos
pelos organismos públicos ou privados instituídos com o objectivo de distribuir e
de gerir auxílios.
- 56.
- À luz desta interpretação do artigo 4.° do Tratado, a recorrida chama a atenção
para os estatutos da SWS. Deles resulta, entre outras coisas, que a SWS é uma
sociedade cujo capital é propriedade a 100% da Região da Valónia, que tem por
missão, como «instrumento privilegiado da política da Região da Valónia no sector
da siderurgia», gerir as participações e créditos públicos no sector da siderurgia,
e assegurar a execução de decisões de intervenção adoptadas pelo Governo da
Região Valã, bem como a gestão das participações, obrigações, adiantamentos ou
interesses que a Região da Valónia tenha ou venha a ter nas sociedades
siderúrgicas, por força dessas decisões. Para este efeito, a SWS deve assegurar a
execução e o controlo das decisões adoptadas a respeito das empresas que são
objecto de uma intervenção da Região da Valónia. A recorrida acrescenta que,
sempre nos termos dos estatutos da SWS, a Região da Valónia designa o
presidente e o vice-presidente da referida sociedade, aprova as eventuais alterações
dos seus estatutos, e deve dar autorização para a cessão das suas acções, que, de
qualquer modo, só podem ser detidas pela própria Região da Valónia ou por
instituições financeiras de interesse público designadas pelo Governo da Região
Valã.
- 57.
- A recorrida conclui que a argumentação da recorrente, segundo a qual a SWS
tomaou a decisão de intervir a favor das Forges de Clabecq e que essa intervenção
não corresponde a receitas de Estado é completamente falsa. A este respeito, faz
referência, a título complementar, a artigos de imprensa publicados nos jornais
belgas que mencionam expressamente a decisão do Governo da Região Valã, e
mais especialmente do Ministro-Presidente da Região da Valónia, o Sr. Collignon,
de dar um apoio financeiro de 1,5 mil milhões de BFR às Forges de Clabecq. As
informações dadas à Comissão pelas autoridades belgas aquando da notificação em
Junho de 1996 confirmam também que foi o Ministro-Presidente da Região da
Valónia que levou a cabo o processo decisório relativo às Forges de Clabecq. Por
último, a mesma conclusão pode ser retirada dos articulados apresentados pela
Região da Valónia no processo T-70/97, julgado inadmissível por despacho do
Tribunal de 29 de Setembro de 1997. Nesses articulados, a Região da Valónia fala
da «sua decisão do mês de Junho de 1996» e afirma que «foi a Região da Valónia
que dirigiu o projecto e que se declarou pronta a realizar os investimentos
necessários».
- 58.
- Em resposta aos argumentos do Governo belga, a recorrida observa que a SWSjuntou em anexo à sua carta de 23 de Julho de 1996 certos documentos, redigidos
pelo Ministério das Finanças belga e pela SNCI e a Belfin, dos quais resulta
inequivocamente que os empréstimos SNCI e Belfin, bem como as prorrogações
das datas de vencimento destes, estavam cobertas por uma garantia de Estado.
- 59.
- A recorrida recorda a seguir que o princípio do investidor em economia de
mercado figura no código dos auxílios. Sublinha que este princípio foi aplicado em
numerosos casos para determinar se existe um auxílio de Estado. A Comissão
examina nomeadamente, nos casos em que uma empresa recebe fundos públicos,
se um investidor em economia de mercado teria fornecido esses montantes em
condições similares. Esta política da Comissão foi, aliás, aprovada pelo Tribunal de
Justiça várias vezes.
- 60.
- Por último, a recorrida sublinha que aplicou o referido princípio tendo em
consideração o processo individual da recorrente, e que o artigo 83.° do Tratado,
por esta invocado, justifica precisamente o critério do investidor em economia de
mercado. Quanto às peritagens, a recorrida observa que estas faziam totalmente
parte do procedimento de notificação que a Comissão recebeu das autoridades
belgas em Junho de 1996, e que eram unânimes quanto à situação financeira e
comercial desastrosa da recorrente. Assinala também que teve plenamente em
conta todos os elementos referidos por essas peritagens.
- 61.
- Na tréplica, a recorrente precisa que a questão não é de saber se a Região da
Valónia dirigiu o plano de recuperação, mas saber se a SWS, sociedade de direito
privado, ou a sua accionista, a Região da Valónia, tomaram uma decisão
economicamente justificada pelas lógicas de mercado ou se se trata de uma decisão
puramente política e desprovida de justificação económica racional. A recorrente
considera, por outras palavras, que «a questão não é saber se a Região da Valónia
dirige o processo mas apreciar como o dirige. A Região da Valónia é, no caso em
apreço, a única accionista da accionista, sendo esta última minoritária em direitos
de voto, agindo temporariamente como accionista de referência da sociedade em
dificuldade».
Apreciação do Tribunal
- 62.
- O Tribunal verifica, em primeiro lugar, que a exactidão dos montantes das
intervenções indicados na decisão recorrida, alguns dos quais são claramente
superiores aos inicialmente notificados ou declarados de modo diferente pelas
autoridades belgas, não é contestada pela recorrente ou pelas partes intervenientes.
- 63.
- Há que recordar seguidamente que o conceito de auxílio referido no artigo 4.°,
alínea c), do Tratado compreende as prestações em dinheiro ou em espécie
concedidas para apoiar uma empresa, que não constitua o pagamento pelo
comprador ou utilizador dos bens ou serviços que ela produz e, além disso,
qualquer intervenção que atenúe os encargos que normalmente oneram o
orçamento de uma empresa (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro
de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, 30/59,
Colect. 1961, p. 553). Ora, manifestamente, nenhuma das medidas referidas pela
decisão recorrida é abrangida por este conceito.
- 64.
- Em primeiro lugar, é ponto assente que a entrada em capital no montante de 1,5
mil milhões de BFR e os adiantamentos concedidos no âmbito dessa entrada de
capital não constituiam um pagamento de bens produzidos pela recorrente, mas
medidas destinadas à recuperação da empresa. Assim, as referidas medidas devem
ser consideradas prestações em dinheiro concedidas para o apoio a uma empresa
e podem ser qualificadas de auxílio na acepção do artigo 4.°, alínea c), do Tratado.
- 65.
- É claro, em seguida, que as outras medidas referidas pela decisão recorrida
isentaram a recorrente de encargos que, de outro modo, ela deveria suportar. Pela
renúncia a créditos de empréstimos, a recorrente foi exonerada de certas dívidas
que oneravam o seu orçamento. Do mesmo modo, as garantias de Estado para os
empréstimos SNCI e Belfin, bem como os financiamentos intercalares, eram
susceptíveis de reduzir a pressão sobre o orçamento da recorrente.
- 66.
- Aliás, a fim de justificar as medidas adoptadas a favor da recorrente, a Região da
Valónia e a SWS alegaram que essas medidas eram indispensáveis para sanear, e
mesmo salvar a empresa (v. o n.° 54 supra). Isso demonstra precisamente que essas
intervenções tinham por objectivo atenuar os problemas financeiros da recorrente,
e que constituíam, assim, medidas de auxílio.
- 67.
- Conclui-se necessariamente que foi com fundamento jurídico que a Comissão
qualificou de auxílio cada uma das medidas referidas na decisão recorrida.
- 68.
- Quanto a questão de saber se esses auxílios são de natureza estatal, há que
recordar que, para apreciar o carácter estatal de um auxílio, não se deve fazer a
distinção entre, por um lado, os casos em que o auxílio é concedido directamente
pelo Estado-Membro ou por uma colectividade territorial e, por outro, aqueles em
que o auxílio é concedido por organismos públicos ou privados que o Estado ou
a colectividade territorial institui ou designa para gerir o auxílio (v., por exemplo,
os acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 1977, Steinike &
Weinlig/Alemanha, 78/76, Colect. 1977, p. 206, n.° 21, e de 21 de Março de 1991,
Itália/Comissão, C-303/88, Colect., p. I-1433, n.° 11; v. igualmente o artigo 1.°, n.° 2,
do código dos auxílios).
- 69.
- À luz desta jurisprudência, o Tribunal considera que o carácter estatal da entrada
de capital de 1,5 mil milhões de BFR, dos adiantamentos concedidos no âmbito
dessa entrada de capital, e das remissões de créditos de empréstimos está bem
provado, porque se trata de intervenções da SWS, que é propriedade a 100% da
Região da Valónia, que serve, segundo os seus próprios estatutos, de «instrumento
privilegiado da política da Região da Valónia», e que foi criada precisamente para
«favorecer, no interesse da economia regional e tendo em conta a política
económica da região, a criação, a reorganização ou a extensão de empresas
privadas» e para «promover a iniciativa económica pública». Resulta, além disso,
do processo, que os comportamentos da SWS a favor da recorrente estavam
directamente ligados às deliberações tomadas pelo Governo da Região Valã.
Assim, numa carta dirigida à Comissão, o Ministro-Presidente da Região da
Valónia refere que, após a decisão recorrida da Comissão, «a Região da Valónia
considerou que as condições que justificavam a sua decisão de Junho de 1996 de
participar nesse projecto de recapitalização já não estavam preenchidas e que, por
conseguinte, já não podia encarregar a SWS de dar o seu apoio à empresa» (anexo
II da tréplica).
- 70.
- Quanto aos empréstimos SNCI e Belfin, há que declarar em primeiro lugar que a
Comissão não os qualificou de auxílios enquanto tais, mas sim as garantias do
Estado que os cobrem. Há que referir em seguida que o argumento do Governo
belga, segundo o qual não existia uma garantia do Estado para os empréstimos da
Belfin, é contradito por uma carta de 25 de Junho de 1996 enviada pela Belfin à
recorrente e anexada pela SWS à sua carta de 23 de Julho de 1996 dirigida à
Comissão, segundo a qual o acordo de princípio com uma prorrogação de três anos
do calendário de reembolso do capital dos créditos concedidos à recorrente pela
Belfin era sujeito à condição de um «acordo de Estado (crédito público) de alargar
a sua garantia aos prazos de vencimento prorrogados». O carácter estatal das
garantias do Estado também não pode ser validamente refutado.
- 71.
- Quanto ao critério do investidor privado em economia de mercado, o Tribunal
recorda que , no âmbito da apreciação da compatibilidade com o mercado comum
de medidas adoptadas pelas autoridades públicas a favor de uma empresa, é
pertinente aplicar este critério, que é baseado nas possibilidades de a empresa
beneficiária obter as quantias em causa no mercado de capitais e que consiste em
saber se um investidor privado teria realizado a operação em causa nas mesmas
condições (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Março de
1990, Bélgica/Comissão, C-142/87, Colect., p. I-959, n.° 26, e o acórdão do Tribunal
de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Cityflyer Express/Comissão, T-16/96,
Colect., p. II-757, n.° 51). Contestar, como o fazem a recorrente e as partes
intervenientes, a pertinência deste critério no sector da siderurgia, porque, na
prática, este sector tem inevitavelmente necessidade de entradas públicas de
capital, equivale a negar a aplicabilidade de princípio da proibição enunciada no
artigo 4.°, alínea c), do Tratado, que diz precisamente respeito às subvenções e
auxílios concedidos pelos Estados. O Tribunal considera que o critério de investidor
privado em economia de mercado é tão pertinente no âmbito do artigo 4.° do
Tratado CECA como no âmbito do artigo 92.° do Tratado CE, na medida em que
serve para detectar as vantagens que falseiem ou ameacem falsear a concorrência.
Aliás, o critério está inserido no artigo 1.°, n.° 2, do código dos auxílios, e a
legalidade desse código não é contestada pela recorrente sob esta perspectiva.
- 72.
- Resulta dos documentos apresentados ao Tribunal no caso em apreço, e,
nomeadamente, da carta de notificação (anexo 3 da petição inicial), que as medidas
a favor da recorrente foram adoptadas para «assegurar a manutenção das
actividades» desta última, e que a SWS teve de executar essas medidas porque a
Socindus, sociedade que reagrupava os interesses dos accionistas-gestores privados
familiares e considerada a accionista privada responsável pela gestão da empresa,
se retirou desta. Resulta do mesmo documento que, apesar dos créditos de
investimento obtidos pela recorrente durante os anos 80 e 90 (v. os n.os 8 e 9
supra), a situação concorrencial e financeira da recorrente não cessava de se
deteriorar. Há todas as razões para pensar que, nessas circunstâncias, as
possibilidades de a recorrente encontrar um investidor privado disposto a injectar
na empresa quantias tão importantes como as quantias públicas referidas pela
decisão recorrida, eram reduzidas ou mesmo inexistentes. A este respeito, o facto
de a bolsa ter reagido favoravelmente às intervenções financeiras adoptadas a favor
da recorrente não equivale a um indício de que accionistas privados teriam eles
próprios efectuado uma injecção financeira dessa envergadura na empresa.
Também as medidas adoptadas a favor da recorrente não eram entradas de capital
de risco segundo as práticas normais das sociedades em economia de mercado, mas
constituíam, efectivamente, pelo contrário, medidas urgentes destinadas à
sobrevivência da empresa. Esta apreciação é, aliás, corroborada pelo facto de, no
dia a seguir ao dia em que tomou conhecimento da recusa da Comissão de
autorizar essas intervenções, a recorrente ter declarado a sua falência.
- 73.
- Por último, contrariamente ao que sugere a recorrente, nem a circunstância da
SWS ser uma accionista da empresa no momento em que efectuou as intervenções
acima referidas a favor desta nem o artigo 83.° do Tratado podem impedir que
essas intervenções sejam qualificadas de auxílios de Estado. Com efeito, o facto de
o artigo 83.° dispor que «a instituição da Comunidade em nada prejudica o regime
de propriedade das empresas» não impede que o artigo 4.° do Tratado possa ser
invocado contra autoridades estatais que, como accionistas de empresas, adoptem
medidas que não são entradas de capital de risco segundo as práticas normais de
sociedades em economia de mercado. Há que declarar, a este respeito, que a
decisão recorrida é dirigida contra as intervenções financeiras a favor da recorrente
e não contra a qualidade de accionista da SWS enquanto tal (v. supra n.° 18).
- 74.
- Resulta de todas estas considerações que a apreciação da Comissão, segundo a
qual as medidas em causa não eram entradas de capital de risco segundo a prática
normal dos investidores em economia de mercado e deviam, assim, ser
consideradas auxílios de Estado na acepção do artigo 1.°, n.° 2, do código dos
auxílios e nos termos do artigo 4.°, alínea c), do Tratado, não pode ser considerada
manifestamente errada.
- 75.
- Conclui-se que foi em plena conformidade com o direito que a Comissão qualificou
de entrada de capital público cada uma das medidas adoptadas a favor da
recorrente e referidas na decisão recorrida. Por conseguinte, o primeiro
fundamento de anulação deve ser julgado improcedente.
Quanto ao segundo fundamento de anulação, relativo à violação do artigo 95.° do
Tratado
Argumentos das partes
- 76.
- A Região da Valónia e a SWS observam que, como a própria Comissão
reconheceu na sua decisão, as medidas de intervenção a favor da recorrente não
eram abrangidas pelo âmbito de aplicação dos artigos 2.° a 5.° do código dos
auxílios. Nessas circunstâncias, a Comissão deveria, nos termos do artigo 95.° do
Tratado, ter obtido o parecer favorável do Conselho sobre essas medidas.
- 77.
- A recorrida recorda que, no âmbito do artigo 95.° do Tratado, dispõe de um poder
discricionário que deve utilizar no interesse comum. O exercício desse poder só
pode ser objecto de censura se for demonstrada a existência de uma inexactidão
material ou de um manifesto erro de apreciação. Essa demonstração não foi feita
pelas partes intervenientes.
Apreciação do Tribunal
- 78.
- O Tribunal verifica, em primeiro lugar, que as partes não contestaram que as
medidas em causa não relevavam de nenhuma das categorias de auxílios referidas
pelos artigos 2.° a 5.° do código dos auxílios (v. supra n.° 5).
- 79.
- O Tribunal recorda, em seguida, que o artigo 4.°, alínea c), do Tratado não proíbe
que a Comissão autorize, a título de derrogação, os auxílios de Estado que não
relevem das categorias referidas no código dos auxílios, fundamentando-se no
artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafo, do Tratado (acórdão do Tribunal de
Primeira Instância de 24 de Outubro de 1997, EISA/Comissão, T-239/94, Colect.,
p. II-1839, n.os 63 e 72). Todavia, contrariamente ao que sugerem a Região da
Valónia e a SWS, não se trata de uma obrigação da Comissão, mas apenas de um
poder discricionário que esta exerce quando é de opinião de que o auxílio
notificado é necessário para a realização dos objectivos do Tratado, e isso,
nomeadamente, para fazer face a situações imprevistas (acórdão EISA/Comissão,
já referido, mesmos números). Conclui-se que a Comissão, que deve agir no
interesse comunitário, só pode utilizar esse poder a título de excepção. Esta
interpretação é, aliás, corroborada pelo princípio consagrado no artigo 1.°, n.° 1, do
código dos auxílios, segundo o qual os auxílios à siderurgia só podem ser
considerados compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum, se
respeitarem o disposto nos artigos 2.° a 5.° do código dos auxílios (acórdão do
Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 1997, UK Steel
Association/Comissão, T-150/95, Colect., p. II-1433, n.° 95). Tal regime visa
precisamente assegurar condições de concorrência equitativas no sector da
siderurgia (mesmo acórdão, n.° 118; ponto I, quinto parágrafo, dos considerandos
do código dos auxílios).
- 80.
- Por último, convém recordar que uma violação do Tratado devida a uma
apreciação errada de uma situação decorrente de factos ou de circunstâncias
económicas só pode ser declarada verificada se for demonstrado um desvio de
poder por parte da Comissão ou um erro evidente na apreciação, em relação às
disposições no Tratado, da situação relativamente à qual a decisão da Comissão foi
adoptada (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 1960, Société
métallurgique de Knutange/Alta Autoridade, 15/59 e 29/59, Recueil, p. 9, 28;
despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1996,
Alemanha/Comissão, C-399/95 R, Colect., p. I-2441, n.os 61 e 62).
- 81.
- O Tribunal considera que, no caso em apreço, nada permite pensar que a
Comissão cometeu um erro evidente ao abster-se de autorizar, a título de
derrogação, os auxílios em causa. Bem pelo contrário, atendendo a que, apesar de
múltiplas intervenções importantes a favor da recorrente, esta se encontrava quase
em situação de falência, não era despropositado que a Comissão considerasse que
as novas medidas consideradas não asseguravam, independentemente do prazo, a
viabilidade da empresa e que não havia assim, qualquer objectivo no Tratado que
tornasse necessária a autorização dessas medidas. Além disso, a situação em que
a recorrente se encontrava aquando da concessão dos auxílios era previsível.
- 82.
- Os relatórios dos peritos redigidos em 1996 a respeito da situação da empresa e
das medidas a tomar confirmam estas apreciações. No relatório Laplace Conseil,
é referido que «a causa da [situação grave da empresa] encontra-se no interior das
Forges de Clabecq, no sistema de desresponsabilização em cadeia de todos os
actores: accionistas, administradores, direcção, quadros técnicos, encarregados e
representantes dos trabalhadores. Este sistema bloqueou a evolução da gestão dos
recursos humanos e, deste modo, da competitividade da empresa, no decurso dos
últimos 20 anos». Seguidamente afirma-se que «as Forges de Clabecq estão na
situação de longe mais crítica de todas as siderurgias da Região Valã» e que, à luz
dessa situação, «a reestruturação proposta não é uma panaceia» e serve, no
máximo, para «dar tempo [...] para realizar as necessárias transições industriais e
sociais». Entre essas transições necessárias, o relatório mencionava, entre outras,
uma «redução dos efectivos na ordem de 650 trabalhadores, antes do final de
1996». O relatório Gandois declarava que a recorrente «está exangue e só
sobrevive graças ao apoio da Região da Valónia», e considerava que seria
necessária uma capitalização de 4,5 mil milhões de BFR para haver uma hipótese
real de sanear a empresa. Todavia, desaconselhava essa recapitalização, porque
«tratava-se de um auxílio público proibido, criando uma discriminação manifesta
na concorrência entre os diversos actores do mercado siderúrgico. É evidente que
a economia de mercado não pode funcionar se cada Estado tiver a liberdade de
auxiliar uma empresa como deseja». Concluía: «As Forges de Clabecq actualmente
só prosseguem a sua actividade graças ao apoio de uma das suas accionistas que
é a Região da Valónia. Esta situação não pode durar. Na melhor das hipótese,
poder-se-á manter no local uma actividade ocupando 600 a 700 pessoas.» Por outro
lado, nada permite declarar que este relatório era parcial.
- 83.
- Conclui-se que não pode ser declarado que a Comissão cometeu um erro evidente
ao decidir não autorizar os auxílios em causa porque nenhum dos objectivos do
Tratado tornava necessária a sua autorização. Por conseguinte, o segundo
fundamento de anulação deve ser igualmente rejeitado.
Quanto ao terceiro fundamento de anulação, relativo à violação do princípio da
segurança jurídica
Argumentos das partes
- 84.
- O Governo belga sublinha que as garantias do Estado criticadas pela Comissão na
decisão recorrida são, na realidade, as que se referiam, por um lado, a uma parcela
de 680 milhões de BFR do primeiro crédito de investimento concedido à
recorrente no início dos anos 80 e, por outro, ao último crédito de 650 milhões
de BFR, concedido à recorrente em 1985. Sublinha que estes dois créditos foram
autorizados, sob determinadas condições, respectivamente pela decisão da
Comissão de 16 de Dezembro de 1982 (a seguir «decisão de 1982») e pela decisão
da Comissão de 31 de Julho de 1985 (a seguir «decisão de 1985»). Em 1986, a
Comissão confirmou mesmo a sua autorização, apesar de o limiar financeiro por
ela fixado ter sido ultrapassado.
- 85.
- O Governo belga considera que, nestas circunstâncias, não era permitido à
Comissão examinar estas mesmas medidas de intervenção à luz do código dos
auxílios actualmente em vigor, concluir pela sua ilegalidade e ordenar a sua
restituição. A este respeito, sublinha que cumpriu as condições de aprovação
impostas pela Comissão em 1982 e 1985 e que, de qualquer modo, a Comissão
nunca aplicou sanções pela sua violação.
- 86.
- O Governo belga acrescenta que a sua argumentação não é posta em causa pelos
diferentes reescalonamentos do reembolso que ocorreram relativamente aos
referidos créditos. Nomeadamente, as diferentes prorrogações do prazo de
vencimento alargaram e, desse modo, só minimamente alteraram, as garantias de
Estado; por conseguinte, a Comissão não tinha o direito de questionar de novo a
aprovação que dera a essas garantias. Na sua decisão, devia, de qualquer modo, ter
tomado posição exclusivamente quanto às extensões das garantias iniciais e não
quanto às garantias na sua totalidade.
- 87.
- A recorrida sublinha que a argumentação tecida pelo Governo belga não foi por
ele apresentada na resposta à notificação feita pela Comissão no âmbito do
procedimento do artigo 6.°, n.° 4, do código dos auxílios, nem numa outra fase do
processo pré-contencioso. A recorrida recorda, a este respeito, o princípio da
estrita concordância entre os fundamentos invocados no processo administrativo e
os desenvolvidos no âmbito do recurso. Por outro lado, a decisão da Comissão de
dar início ao procedimento do artigo 6.°, n.° 4, do código dos auxílios, dava já
claramente a entender que as garantias de Estado para os empréstimos SNCI e
Belfin não se consideravam cobertas por uma autorização prévia da Comissão.
- 88.
- Além disso, a decisão recorrida era um acto confirmativo em relação à decisão de
dar início ao processo de exame, que é um acto recorrível.
- 89.
- Por último, a parte interveniente modificou, através dessa argumentação, o âmbito
do litígio. Deste modo, não aceitou o litígio no estado em que ele se encontrava
aquando da sua intervenção.
- 90.
- Por todas estas razões, o presente fundamento é inadmissível.
- 91.
- Na audiência, o Governo belga sublinhou que, na sua qualidade de parte
interveniente no processo, tem o direito de apresentar qualquer fundamento
jurídico em apoio dos pedidos da recorrente. O facto de não ter apresentado certos
argumentos em resposta à carta de notificação que a Comissão lhe enviou, não é
relevante.
Apreciação do Tribunal
- 92.
- Há que declarar em primeiro lugar que, contrariamente ao que afirma a recorrida,
o Governo belga não deformou o quadro do litígio ao invocar um fundamento de
anulação que não foi suscitado pela recorrente. Como resulta do texto do artigo
116.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, o interveniente não pode alargar os
pedidos da parte em apoio dos quais intervém, mas pode escolher livremente os
fundamentos e argumentos que invoca em apoio dos referidos pedidos.
- 93.
- Esta liberdade de escolha não é, aliás, limitada aos argumentos invocados na fase
do processo administrativo. Na verdade, o Governo belga não poderia invocar
elementos factuais que não eram conhecidos da Comissão e que não quis
comunicar-lhe aquando do processo administrativo (v. acórdão do Tribunal de
Justiça de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C-278/92, C-279/92 e
C-280/92, Colect., p. I-4103, n.° 31), mas nada o impede de desenvolver, contra a
decisão final, um fundamento jurídico não suscitado na fase do processo
administrativo.
- 94.
- Contrariamente ao que a recorrida sugeriu nos seus articulados, a regra aplicada
pelo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Primeira Instância em matéria de
concordância entre fundamentos invocados no âmbito do processo pré-contencioso,
por um lado, e no âmbito do recurso, por outro (v., por exemplo, o acórdão do
Tribunal de Primeira Instância de 29 de Março de 1990, Alexandrakis/Comissão,
T-57/89, Colect., p. II-143, n.os 8 e 9, e o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 deNovembro de 1992, Comissão/Grécia, C-105/91, Colect., p. I-5871, n.° 12), não é
uma regra geral. Não se aplica para além do que decorre necessariamente de
certas disposições, como, em matéria de função pública, o artigo 91.°, n.° 2, do
Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e, em matéria de acções
por incumprimento, o artigo 169.° do Tratado. Por outro lado, mesmo no regime
específico instituído pelo artigo 169.° do Tratado, a regra da concordância não é
oponível ao Estado-Membro, que não tem, assim, a obrigação de limitar os seus
argumentos no processo contencioso aos apresentados a título de observações
durante o processo pré-contencioso.
- 95.
- Por último, há que recordar que as decisões finais adoptadas pela Comissão em
matéria de auxílios de Estado produzem efeitos jurídicos próprios e que as pessoas
interessadas podem, por isso, recorrer aos tribunais contra essas decisões, quer
tenham ou não impugnado a decisão de dar início ao processo de exame dos
auxílios controvertidos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Março
de 1998, Preussag Stahl/Comissão, T-129/96, Colect., p. II-609, n.° 31). Por
conseguinte, contrariamente ao que afirma a recorrida, o facto de o Reino da
Bélgica não ter recorrido judicialmente da decisão da Comissão de dar início ao
processo de exame contra as intervenções a favor da recorrente não impede que
possa agir como parte interveniente no recurso interposto da decisão final
adoptada pela Comissão.
- 96.
- Resulta de todas estas considerações liminares que o presente fundamento deve
ser examinado quanto ao mérito.
- 97.
- Segundo a jurisprudência constante, o princípio da segurança jurídica visa garantir
a previsibilidade das situações e das relações jurídicas que relevam do direito
comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Duff e o.,
C-63/93, Colect., p. I-569, n.° 20). Para esse efeito, é essencial que as instituições
comunitárias respeitem a intangibilidade dos actos que adoptaram e que afectam
a situação jurídica e material dos sujeitos de direito, de modo que só poderão
modificar esses actos no respeito das regras de competência e de processo
(acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1992, Deutsche
Bahn/Comissão, T-229/94, Colect., p. II-1689, n.° 113).
- 98.
- Todavia, uma violação deste princípio pode ser invocada utilmente se o sujeito de
direito, cuja situação jurídica e material era afectada pelo acto em causa, não
respeitou as condições que este acto lhe impõe (acórdão do Tribunal de Primeira
Instância de 15 de Outubro de 1997, IPK/Comissão, T-331/94, Colect., p. II-1665,
n.° 45).
- 99.
- No caso em apreço, é necessário declarar que, em 1996, já nenhuma das garantias
do Estado relativas aos empréstimos SNCI e Belfin relevava da autorização dada
pela Comissão nas suas decisões de 1982 e 1985. Com efeito, nos anos que se
seguiram às referidas decisões, as autoridades belgas fizeram algumas modificações
importantes nas condições de reembolso desses empréstimos, particularmente
favoráveis à recorrente. Resulta, nomeadamente das explicações dadas a este
respeito pelo Governo belga (alegações de intervenção, n.° 12) que o Estado belga
recuperou 198 milhões de BFR sobre o crédito de 650 milhões de BFR e que
permitiu a prorrogação por vários anos dos prazos de vencimento dos diversos
créditos SNCI e das garantias de Estado a eles ligadas.
- 100.
- Estas modificações não foram notificadas à Comissão e não podem ser
consideradas compatíveis com as condições a que as autorizações de 1982 e 1985
estavam subordinadas. Na decisão de 1982, a Comissão tinha referido ao Governo
belga que a autorização da medida notificada devia esgotar a possibilidade de a
recorrente continuar a procurar soluções para os seus problemas na assistência
financeira do Estado; esta modalidade da decisão de autorização é claramente
violada pelas modificações feitas seguidamente pelas autoridades belgas na medida
autorizada. Na decisão de 1985, a Comissão precisava que os auxílios autorizados
deviam ser efectuados antes de 31 de Dezembro de 1985, condição que excluía a
possibilidade de se fazerem posteriormente, a favor da recorrente, alterações
importantes ao regime de empréstimo autorizado. De qualquer modo, as
autorizações da Comissão em matéria de auxílios de Estado só podem,
manifestamente, dizer respeito às medidas tais como foram notificadas e não pode
consider-se que mantêm os seus efeitos para além do período inicialmente previsto
para a execução dessas medidas.
- 101.
- Nessas circunstâncias, o terceiro fundamento de anulação, relativo à não tomada
em consideração das decisões de 1982 e 1985, não pode ser acolhido.
Quanto ao quarto fundamento de anulação, relativo à insuficiência de fundamentação
Argumentos das partes
- 102.
- A recorrente observa que a decisão recorrida é apoiada por asserções falsas e que
a Comissão não expõe as razões pelas quais não julgou pertinentes as contestações
dessas asserções. Por exemplo, a Comissão afirmou na sua decisão, sem qualquer
fundamentação, que a Região da Valónia tinha decidido tomar o controlo da
empresa, que o plano de recuperação tinha sido desaconselhado por um perito
independente e que a diminuição da participação da accionista Socindus era
imputável às más perspectivas de rentabilidade da empresa.
- 103.
- A recorrente conclui que a decisão enferma de falta de fundamentação.
- 104.
- O Governo belga expõe que a decisão enferma de falta de fundamentação na
medida em que a Comissão condena os empréstimos SNCI e Belfin sem precisar
quais os empréstimos que ela visa exactamente e sem precisar qual é o elemento
de auxílio nas garantias de Estado ligadas a esses empréstimos. Considera que,
nessas circunstâncias, não é possível compreender o alcance da parte decisória da
decisão, segundo o qual «a Bélgica deve suprimir os auxílios mencionados no artigo
1.° e exigir a restituição dos auxílios ilegais já pagos, bem como dos juros devidos
desde a data do pagamento».
- 105.
- A Região da Valónia e a SWS são de opinião de que a Comissão fundamentou mal
a sua decisão, na medida em que aplicou princípios draconianos e teóricos sem ter
em conta as consequências económicas e sociais da sua decisão.
- 106.
- Em resposta à argumentação da recorrente, na parte em que é essencialmente
respeitante à exactidão de certas asserções factuais na decisão recorrida, a
Comissão refere-se à argumentação que desenvolveu para refutar o primeiro e
segundo fundamentos.
- 107.
- Quanto ao restante, sublinha que a sua análise jurídica e económica do caso da
recorrente é exposta de modo adequado na decisão.
Apreciação do Tribunal
- 108.
- O artigo 15.°, primeiro parágrafo, do Tratado dispõe que as decisões da Comissão
devem ser fundamentadas. Segundo a jurisprudência constante, a fundamentação
deve demonstrar de forma clara e inequívoca a argumentação da instituição, autora
do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida
adoptada e ao Tribunal exercer o seu controlo. Todavia, não é exigido que a
fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes,
na medida em que a fundamentação deve ser apreciada à luz não somente do seu
teor literal, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que
regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de
Outubro de 1997, British Steel/Comissão, T-243/94, Colect., p. II-1887, n.os 159 e
160; acórdão Hoogovens Groep/Comissão, já referido, n.° 24).
- 109.
- O Tribunal considera que, por um lado, os argumentos da recorrente relativos à
insuficiência de fundamentação consistem essencialmente em censurar a Comissão
por não ter apreciado correctamente certos factos e que, por outro lado, os
argumentos da Região da Valónia e da SWS pretendem censurar a Comissão por
não ter tido em conta, na sua decisão, as consequências económicas e sociais da
sua apreciação. Manifestamente, esses argumentos não dizem respeito à existência
de uma fundamentação, mas à sua exactidão. Assim, estes argumentos, não se
reportam realmente à obrigação de fundamentação (v., a este respeito, o acórdão
do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France,
C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.os 66 e 67, e o acórdão do Tribunal de Primeira
Instância de 14 de Maio de 1998, Buchmann/Comissão, T-295/94, Colect., p. II-813,
n.° 45). Os argumentos integram-se mais, respectivamente, no primeiro e sexto
fundamentos de anulação.
- 110.
- No âmbito do presente fundamento é suficiente referir que a recorrente estava em
situação de conhecer as razões que justificaram a decisão recorrida e de defender
os seus direitos, e que o Tribunal estava em condições de exercer a sua fiscalização
nessa matéria (v., a este respeito, o acórdão Preussag Stahl/Comissão, já referido,
n.° 9). Na decisão recorrida, a Comissão expôs abundantemente os elementos de
facto do caso em apreço e os argumentos das autoridades belgas tal como ela os
interpretou, bem como a sua apreciação jurídica de cada uma das intervenções a
favor da recorrente. Expôs amplamente as razões pelas quais considerava que as
intervenções em causa constituíam auxílios de Estado e eram incompatíveis com
o mercado comum. Quanto aos empréstimos SNCI e Belfin, o Governo belga não
pode invocar que lhe era impossível saber quais os empréstimos que estão em
causa. Resulta claramente da decisão recorrida que é visada a globalidade das
garantias ligadas à globalidade dos empréstimos Belfin e SNCI.
- 111.
- Resulta das considerações precedentes que o quarto fundamento de anulação deve
ser rejeitado.
Quanto ao quinto fundamento de anulação, relativo à violação dos direitos de defesa
Argumentos das partes
- 112.
- A recorrente, a Região da Valónia e a SWS observam que a Comissão não
dialogou com a SWS antes de tomar a sua decisão, quando a SWS lhe tinha
comunicado que estava disposta a dar informações complementares ou a alterar
parcialmente o plano de recuperação considerado. A recorrente surpreende-se, em
especial, devido ao facto de a Comissão não ter apresentado questões sobre os
relatórios Laplace Conseil e Davy Clecim ou quanto à pretensa ingerência da
Região da Valónia na operação projectada.
- 113.
- Além disso, a recorrente expõe que, no caso de o procedimento de exame não
dizer respeito às intervenções directas do Estado-Membro, mas à participação de
um outro operador, é essencial que não apenas o Estado-Membro mas igualmente
esse outro operador esteja em condições de dar utilmente a sua opinião.
- 114.
- Nestas circunstâncias, a recorrente entende que os direitos de defesa não foram
suficientemente respeitados.
- 115.
- O Governo belga sustenta esta argumentação.
- 116.
- A recorrida expõe que, aquando de um processo iniciado pela Comissão nos
termos do artigo 6.°, n.° 4, do código dos auxílios, o Estado-Membro em causa é
o principal interlocutor da Comissão, dado que a decisão tomada por esta última
lhe será dirigida. Quanto aos terceiros interessados, eles devem ser notificados para
apresentarem as suas observações. A recorrida sublinha que, no caso em apreço,
respeitou plenamente estes princípios.
Apreciação do Tribunal
- 117.
- Nos termos do artigo 6.°, n.° 4, do código dos auxílios, a Comissão deve notificar
os interessados para apresentarem observações, antes de declarar que um auxílio
não é compatível com o mercado comum. No caso em apreço, a Comissão cumpriu
esta obrigação. Em 11 de Outubro de 1996, publicou no Jornal Oficial uma
comunicação pela qual notificou o Governo belga para apresentar observações e
convidou os outros Estados-Membros e os outros interessados para apresentarem
observações no prazo de um mês (v. n.° 17 supra). Depois do termo deste prazo,
a Comissão enviou as observações recebidas às autoridades belgas.
- 118.
- O Tribunal considera que, nessas circunstâncias, a recorrente e as partes
intervenientes não podem invocar a violação dos direitos processuais da SWS. Em
especial, não há qualquer razão para censurar a Comissão por ter solicitado
informações complementares às autoridades belgas e não à Região da Valónia ou
à SWS. Como a Comissão observou justamente nos articulados que apresentou, o
seu modo de proceder era plenamente justificado, dado que as decisões finais em
matéria de auxílios de Estado devem ser dirigidas aos Estados-Membros. Por outro
lado, resulta dos autos que a SWS e a Região da Valónia participaram no processo
administrativo que precedeu a decisão recorrida. Por exemplo, vários documentos
apresentados à Comissão pela Representação permanente da Bélgica junto da
União Europeia foram redigidos pela SWS.
- 119.
- De resto, basta referir que a SWS e a Região da Valónia tiveram oportunidade,
enquanto interessadas, de apresentar observações em resposta à comunicação
publicada pela Comissão no Jornal Oficial.
- 120.
- Pelas razões acima expostas, há que rejeitar igualmente o quinto fundamento de
anulação.
Quanto ao sexto fundamento de anulação, relativo à violação do direito fundamental
ao trabalho, à violação dos preâmbulos e objectivos dos Tratados CECA e CE e do
princípio da proporcionalidade
Argumentos das partes
- 121.
- A recorrente, a Região da Valónia e a SWS sustentam que os fundamentos em que
assenta a decisão recorrida são contrários a princípios fundamentais,
nomeadamente o direito ao trabalho.
- 122.
- A este respeito, a Região da Valónia e a SWS expõem que a Comissão não teve
de qualquer forma em conta as incidências que a sua decisão poderia ter sobre o
despedimento dos trabalhadores da recorrente e sobre a situação social na região.
Assim, a Comissão violou o direito ao trabalho, que é reconhecido pelo Conselho
Europeu e em vários diplomas internacionais, tais como a Declaração Universal
dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional relativo aos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais, e a Carta Social Europeia. Sublinham que se trata de um
direito fundamental que faz, por conseguinte, parte da ordem jurídica comunitária.
Em sua opinião, uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve não só
preencher critérios relativos ao respeito da livre concorrência, mas igualmente
basear-se em considerações de natureza humana e social.
- 123.
- Devido à sua recusa de ter em conta as consequências graves da sua decisão no
plano social, a Comissão violou também o princípio da proporcionalidade, que
exige que, quando existe uma escolha entre várias medidas apropriadas, há que
recorrer à menos coerciva e velar para que os ónus impostos não sejam
desproporcionados em relação aos objectivos visados.
- 124.
- Ao causar despedimentos, a Comissão violou, por último, o preâmbulo do Tratado
CECA, pelo qual os Estados-Membros expressam a sua preocupação «em
contribuir para a melhoria do nível de vida e para o progresso da causa da paz
mediante a expansão das suas produções fundamentais», o artigo 2.° do Tratado
CECA, segundo o qual a Comunidade deve salvaguardar «a manutenção do nível
de emprego» e evitar «provocar nas economias dos Estados-Membros,
perturbações fundamentais e persistentes» e os objectivos semelhantes enunciados
no preâmbulo e no artigo 2.° do Tratado CE.
- 125.
- O Governo belga apoia este fundamento.
- 126.
- A recorrida sublinha que, na petição inicial, este fundamento foi formulado de uma
forma totalmente abstracta e indefinida. Por conseguinte, solicita ao Tribunal que
o declare inadmissível, porque não esteve em condições de defender os seus
interesses.
- 127.
- Quanto aos argumentos suscitados pela Região da Valónia e pela SWS, a Comissão
observa que são irrelevantes, dado que não pode afastar-se do Tratado, do código
dos auxílios e da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira
Instância. Sublinha, por outro lado, que as partes intervenientes não contestaram
a legalidade do código dos auxílios.
Apreciação do Tribunal
- 128.
- Tendo em conta a situação precária da empresa em causa, era previsível que a
decisão recorrida provocasse a sua falência e ocasionasse consequências sociais
importantes. Todavia, como acaba de ser decidido no âmbito do segundo
fundamento, a Comissão pôde razoavelmente concluir que os auxílios em causa não
podiam, de qualquer modo, assegurar o restabelecimento da viabilidade da
empresa. Ora, manifestamente, o direito ao trabalho e o artigo 2.° do Tratado não
podem ser interpretados no sentido de que a Comissão tinha a obrigação de
autorizar os auxílios públicos a favor de uma empresa sem viabilidade comercial
ou financeira, apenas para assegurar, artificialmente, a manutenção do emprego
nessa empresa. Tal interpretação seria incompatível com o princípio da
proporcionalidade, que, em matéria de auxílios de Estado, impõe, entre outras, que
seja mantida uma situação de sã concorrência no mercado comum (v., por analogia,
o acórdão Cityflyer Express/Comissão, já referido, n.° 55). Tendo a CECA por
missão estabelecer um mercado comum harmonioso (artigo 2.° do Tratado) e
devendo, em princípio, considerar incompatível com o mercado comum os auxílios
de Estado independentemente da forma que assumam (artigo 4.° do Tratado), a
Comissão não pode autorizar um auxílio a favor de uma empresa sem perspectivas
de viabilidade e perturbar, assim, o equilíbrio no mercado comum impondo uma
desvantagem sem justificação económica às empresas siderúrgicas concorrentes.
- 129.
- Conclui-se que o sexto fundamento de anulação deve ser rejeitado.
Quanto ao sétimo fundamento de anulação, relativo ao princípio da igualdade de
tratamento
Argumentos das partes
- 130.
- A Região da Valónia e a SWS sublinham que o Tratado CE e as linhas
orientadoras desenvolvidas pela Comissão em matéria de auxílios de Estado são
muito mais flexíveis do que as regras em matéria de auxílios de Estado formuladas
pelo Tratado CECA e pelo código dos auxílios. Na opinião delas, é provável que
as medidas de intervenção a favor da recorrente tivessem sido autorizadas se
fossem abrangidas pela aplicação do Tratado CE. Deste modo, ao recusar
interpretar a regulamentação CECA à luz da regulamentação CE e de ter em
conta o facto de que o Tratado CECA deixará de vigorar dentro de alguns anos,
a Comissão não tomou em consideração o princípio da igualdade de tratamento.
- 131.
- A recorrida observa que esta argumentação não tem em conta o artigo 232.° do
Tratado CE.
Apreciação do Tribunal
- 132.
- Resulta do artigo 232.° do Tratado CE que as disposições deste Tratado não
alteram as do Tratado CECA, que, por conseguinte, conservam o seu âmbito de
aplicação próprio (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1985,
Gerlach, 239/84, Recueil, p. 3507, n.° 9; despacho do Tribunal de Primeira Instância
de 29 de Setembro de 1997, D'Orazio e Hublau/Comissão, T-4/97, Colect.,
p. II-1505, n.° 18). Por conseguinte, o fundamento baseado no princípio da
igualdade de tratamento e no facto de as regras CE em matéria de auxílios de
Estado serem mais flexíveis do que as formuladas pelo Tratado CECA e pelo
código dos auxílios adoptado pela Comissão deve ser julgado improcedente.
- 133.
- O sétimo fundamento de anulação deve igualmente ser rejeitado.
Quanto ao primeiro fundamento de ilegalidade, relativo à violação do artigo 95.°,
terceiro e quarto parágrafos, do Tratado
Argumentos das partes
- 134.
- A recorrente expõe que a adopção de um código dos auxílios acarreta uma
alteração importante dos poderes da Comissão, ao autorizá-la a examinar auxílios,
a dar início a um processo contraditório a este respeito e, eventualmente, a
autorizar auxílios e a controlar a sua execução. Ora, qualquer modificação ou
alteração dos poderes da Comissão releva do âmbito de aplicação do artigo 95.°,
terceiro e quartos parágrafos, do Tratado. A Comissão não teve em conta essas
disposições, ao fundamentar a adopção do código noutras disposições do artigo 95.°
do Tratado. A recorrente considera, por outro lado, que o código dos auxílios não
diz respeito a «casos não previstos no [...] Tratado». Com efeito, os auxílios
financeiros comunitários e as acções relativas à produção são expressamente
previstos pelos artigos 54.° e 57.° do Tratado.
- 135.
- A Comissão recorda que o artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado
permite colmatar lacunas nos seus meios de acção, dando-lhe a possibilidade de
adoptar, mediante parecer favorável do Conselho, uma decisão que pareça
necessária para realizar um dos objectivos da Comunidade definidos nos artigos 2.°,
3.° e 4.° do Tratado, ao passo que o artigo 95.°, terceiro e quarto parágrafos, do
Tratado permite alterar e rever as regras do Tratado relativas ao exercício dos seus
poderes. Em sua opinião, o código dos auxílios corresponde ao primeiro e segundo
parágrafos do referido artigo, na medida em que tem por objectivo implementar,
para atingir o bom funcionamento do mercado comum, um sistema comunitário
que permita assegurar a concessão de certos tipos de auxílios à siderurgia
comunitária.
Apreciação do Tribunal
- 136.
- A Comissão está habilitada, por força do disposto no artigo 95.°, primeiro e
segundo parágrafos, do Tratado, em todos os casos não previstos no Tratado, a
tomar qualquer decisão geral ou individual necessária à realização dos objectivos
deste. Com efeito, as referidas disposições atribuem competência à Comissão para
adoptar uma decisão ou uma recomendação mediante parecer favorável do
Conselho, deliberado por unanimidade e após consulta do Comité Consultivo
CECA, em todos os casos não previstos no Tratado em que se revele necessária
essa decisão ou essa recomendação para atingir, no funcionamento do mercado
comum do carvão e do aço e em conformidade com o disposto no artigo 5.°, um
dos objectivos da Comunidade, tal como vêm definidos nos artigos 2.°, 3.° e 4.°
Donde resulta que, na medida em que, contrariamente ao disposto no Tratado CE,
o Tratado CECA não atribui à Comissão ou ao Conselho qualquer poder específico
para autorizar auxílios estatais, a Comissão está habilitada, por força do disposto
no artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, a tomar todas as medidas necessárias
para atingir os objectivos do Tratado e, portanto, a autorizar, segundo o processo
que este Tratado institui, os auxílios que considere necessários para atingir estes
objectivos. A Comissão é, assim, competente, na falta de disposições específicas do
Tratado, para adoptar qualquer decisão geral ou individual necessária à realização
dos objectivos deste Tratado. O artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, não
comportam qualquer precisão referente ao alcance das decisões que a Comissão
pode adoptar (acórdão EISA/Comissão, já referido, n.os 64 e 65). A adopção de um
código dos auxílios releva precisamente dessa competência conferida à Comissão
pelo artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado (mesmo acórdão,
n.os 66 e 72).
- 137.
- Daí se conclui que o primeiro fundamento de ilegalidade deve ser rejeitado.
Quanto ao segundo fundamento de ilegalidade, relativo à violação do artigo 67.° do
Tratado e, na medida do necessário, dos artigos 92.° e 93.° do Tratado CE
Argumentos das partes
- 138.
- A recorrente sublinha que o código dos auxílios é respeitante não apenas aos
auxílios concedidos a beneficiários específicos mas também aos auxílios não
específicos, como os destinados à investigação, ao desenvolvimento, à protecção do
ambiente, ou ao auxílio a certas regiões desfavorecidas. Segundo a recorrente, estas
matérias não entram no âmbito de aplicação do Tratado CECA mas relevam antes
dos artigos 92.° e 93.° do Tratado CE.
- 139.
- A recorrente considera também que o código dos auxílios é incompatível com o
artigo 67.° do Tratado CECA. Considera que «os auxílios gerais, susceptíveis de
terem repercussões sensíveis nas condições de concorrência nos mercados comuns
do carvão e do aço, não foram profundamente alterados pelo Tratado CECA [...]
Quando muito, o artigo 67.° do Tratado deu competência à Comissão, após
consulta do Comité Consultivo e do Conselho, a [...] dirigir [aos Estados-Membros]
recomendações, quando as suas acções fossem de natureza a provocar um
desequilíbrio grave».
- 140.
- A recorrida recorda que o artigo 4.°, alínea c), e o artigo 67.° do Tratado visam
dois domínios distintos, o primeiro proíbe certas intervenções dos
Estados-Membros no domínio que o Tratado submete à competência comunitária,
o segundo destina-se a impedir as infracções à concorrência no exercício dos
poderes conservados pelos Estados-Membros.
Apreciação do Tribunal
- 141.
- Como acaba de ser decidido no âmbito do primeiro fundamento de ilegalidade, o
artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado, constituía a base jurídica
apropriada para a adopção do código dos auxílios. Manifestamente, um código que
instaura certas regras gerais em matéria de auxílios à siderurgia não poderia ser
adoptado com base no Tratado CE. O artigo 67.° também não podia servir de base
jurídica, dado que este artigo não releva da matéria dos auxílios de Estado
(acórdão De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta autoridade, já
referido, pp. 42 e 43).
- 142.
- Conclui-se daí que o segundo fundamento de ilegalidade deve também ser
rejeitado.
Quanto ao terceiro fundamento de ilegalidade, relativo ao excesso de poder, a um erro
manifesto de apreciação e à violação do princípio de igualdade de tratamento
Argumentos das partes
- 143.
- A recorrente expõe que os poderes atribuídos à Comissão consistem na
organização do mercado e na «determinação, em benefício dos operadores, das
condições mais favoráveis para permitir o seu desenvolvimento, num contexto de
segurança jurídica». Ao adoptar o código dos auxílios, a Comissão ultrapassou esses
poderes, dado que o código «ocasionou efeitos económicos perversos»,
nomeadamente uma «situação de expectativa a que se viram obrigados os
operadores industriais». A este respeito, a recorrente explica que, no período de
1991 até 1996, a Comissão provocou uma grande incerteza. Designadamente,
absteve-se de reagir à crise no sector da siderurgia.
- 144.
- Além disso, a recorrente considera que o código dos auxílios criou uma
discriminação, na medida em que exige, como condição do auxílio ao
encerramento, o encerramento de um equipamento industrial completo. Com
efeito, esta condição tem por consequência que as empresas que disponham de
equipamentos industriais em locais de exploração distintos possam tomar a decisão
de encerramento de um equipamento industrial completo mais facilmente do que
aquelas que, como a recorrente, dispõem apenas de uma única instalação industrial.
Trata-se de um erro de apreciação por parte da Comissão, que esta tacitamente
reconheceu, ao eliminar a referida discriminação aquando da adopção de um novo
código em 1996.
- 145.
- A recorrida observa que o código dos auxílios dispunha, inequivocamente, que
entrava em vigor em 1 de Janeiro de 1992 e era aplicável até 31 de Dezembro de
1996. Considera que, nestas circunstâncias, não pode concluir-se que o código dos
auxílios foi fonte de incertezas quanto ao futuro dos auxílios à siderurgia.
- 146.
- Sublinha, em seguida, que os seus comportamentos durante o período 1991-1996
não são pertinentes quando se trata de examinar a legalidade do código dos
auxílios.
- 147.
- Por último, sustenta que o argumento da recorrente relativo à discriminação entre
as empresas que dirigem locais de exploração diferentes e as que operam numa
única unidade industrial deve ser rejeitado nos termos do artigo 4.°, n.° 2, quarto
travessão, do código dos auxílios, segundo o qual a autorização dos auxílios ao
encerramento é sujeita à condição de que a empresa não seja controlada directa
ou indirectamente por uma empresa siderúrgica e não controle, ela própria, tal
empresa.
Apreciação do Tribunal
- 148.
- A argumentação apresentada pela recorrente para demonstrar um «excesso de
poder» por parte da Comissão, equivale essencialmente a dizer que a Comissão
não teve suficientemente em conta a crise no sector da siderurgia e que cometeu
um erro manifesto de apreciação ao decidir que não era necessário adoptar um
código dos auxílios mais flexível.
- 149.
- O Tribunal conclui, visto o preâmbulo do código dos auxílios, que a Comissão
desejou, por um lado, «não privar a siderurgia do benefício dos auxílios à
investigação e desenvolvimento, bem como dos auxílios que se destinam a permitir
a adaptação das suas instalações a novas normas de protecção do ambiente» e
autorizar «auxílios sociais susceptíveis de favorecer o encerramento parcial de
instalações e também os auxílios ao financiamento da cessação definitiva de
quaisquer actividades» e, por outro, proibir «a concessão de auxílios ao
funcionamento ou ao investimento a favor das empresas siderúrgicas [... prevendo,
no entanto, uma derrogação relativa aos auxílios regionais ao investimento em
relação a certos Estados-Membros...] [a fim de continuar a] assegurar condições de
concorrência equitativas no âmbito deste sector». O Tribunal considera que esta
conciliação de objectivos não pode ser considerada desajustada, tanto mais que o
código não exclui que os auxílios que permitam uma reestruturação promissora
possam, em situações imprevistas e excepcionais, ser autorizados, nos termos do
artigo 95.° do Tratado (v. supra n.° 79). À luz desta asserção, é claro que os
princípios elaborados pela Comissão no código dos auxílios não estão viciados por
um erro manifesto de apreciação ou por «excesso de poder».
- 150.
- Quanto à pretensa violação do princípio da igualdade de tratamento, basta declarar
que, tendo em conta o artigo 4.°, n.° 2, do código dos auxílios, do qual resulta que
os auxílios ao encerramento dizem necessariamente respeito aos encerramentos de
fábricas siderúrgicas na sua integralidade, a recorrente não expôs em que medida
o encerramento seria realmente mais fácil para as empresas que dispõem de
equipamentos industriais em locais de exploração diferentes relativamente às
empresas que não dispõem de equipamentos industriais em locais de exploração
distintos.
- 151.
- Conclui-se que o terceiro fundamento de ilegalidade deve também ser rejeitado.
- 152.
- Resulta das considerações precedentes que deve ser negado provimento ao recurso.
Quanto às despesas
- 153.
- Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é
condenada nas despesas, se a parte contrária o tiver requerido. Tendo a recorrente
sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação nas despesas, deve a
recorrente ser condenada a suportar, além das suas despesas, as despesas
efectuadas pela Comissão.
- 154.
- O Reino da Bélgica suportará as suas despesas, em conformidade com o artigo
87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo.
- 155.
- Por força do terceiro parágrafo do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de
Processo, o Tribunal pode determinar que um interveniente, que não seja um
Estado-Membro, um Estado parte no acordo EEE, uma instituição ou o Órgão de
Fiscalização da EFTA, suporte as suas despesas. No caso em apreço, a Região da
Valónia e a SWS, intervenientes em apoio da recorrente, devem suportar as suas
próprias despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada),
decide:
1) É negado provimento ao recurso.
2) A recorrente suportará as suas despesas, bem como as despesas suportadas
pela recorrida.
3) Cada parte interveniente suportará as suas despesas.
Moura RamosGarcía-Valdecasas
Tiili
Lindh Mengozzi
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Março de 1999.
O secretário
O presidente
H. Jung
R. M. Moura Ramos