Language of document : ECLI:EU:C:1998:181

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

30 de Abril de 1998 (1)

«Concorrência — Distribuição automóvel — Validade do contrato de concessão exclusiva — Artigo 85.°, n.os 1 e 3, do Tratado CE — Regulamento (CEE) n.° 123/85 — Regulamento (CE) n.° 1475/95»

No processo C-230/96,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE, pela Cour d'Appel de Douai (França), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Cabour SA e Nord Distribution Automobile SA

e

Arnor «SOCO» SARL,

com a presença de: Automobiles Peugeot SA e Automobiles Citröen SA ,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE e determinadas disposições do Regulamento (CEE) n.° 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis (JO 1985, L 15, p. 16; EE 8 F2 p. 150) e (CE) n.° 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995 (JO L 145, p. 25),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: H. Ragnemalm, presidente de secção, R. Schintgen (relator), G. F. Mancini, P. J. G. Kapteyn e G. Hirsch, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro,


secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

—    em representação da Arnor «SOCO» SARL, por Henri-Patrick Bednarski, advogado no foro de Lille, Pierre Demolin e Yves Brulard, advogados nos foros de Mons e de Paris, e Miguel Troncoso Ferrer, advogado nos foros de Bruxelas e Pamplona,

—    em representação da Automobiles Peugeot SA e da Automobiles Citroën SA, por Xavier de Roux e Marie-Pia Hutin, advogados no foro de Paris, e Jacques Loesch, advogado no foro do Luxemburgo,

—    em representação do Governo francês, por Catherine de Salins, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Régine Loosli-Surrans, encarregada de missão na mesma direcção, na qualidade de agentes,

—    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Francisco Enrique González Diaz, membro do Serviço Jurídico, e Guy Charrier, funcionário nacional destacado junto deste serviço, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Arnor «SOCO» SARL, da Automobiles Peugeot SA e da Automobiles Citroën SA, do Governo francês e da Comissão, na audiência de 25 de Setembro de 1997,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 16 de Dezembro de 1997,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por acórdão de 20 de Junho de 1996, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de Julho seguinte, a cour d'appel de Douai apresentou, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado

CE, três questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE e de determinadas disposições do Regulamento (CEE) n.° 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis (JO 1985, L 15, p. 16; EE 8 F2 p. 150), e (CE) n.° 1475/95 da Comissão, de 28 de Junho de 1995 (JO L 145, p. 25).

2.
    Estas questões foram suscitadas no âmbito de uma acção por concorrência desleal intentada pela Cabour SA (a seguir «Cabour») e pela Nord Distribution Automobile SA (a seguir «Nord Distribution Automobile»), apoiadas pela Automobiles Peugeot SA (a seguir «Peugeot») e pela Automobiles Citroën SA (a seguir «Citroën»), contra a Arnor «SOCO» SARL (a seguir «Arnor»).

O litígio no processo principal

3.
    A Cabour e a Nord Distribution Automobile são, respectivamente, concessionárias exclusivas em Douai das marcas de automóveis Citroën e Peugeot. Considerando que a Arnor, que não pertence a nenhuma rede de distribuição de um construtor automóvel, tinha praticado actos de concorrência desleal e de publicidade ilegal e enganosa, ao vender também veículos automóveis novos destas marcas, a Cabour e a Nord Distribution Automobile propuseram uma acção no tribunal de comércio de Douai pedindo a condenação da Arnor a pagar-lhes indemnização por perdas e danos e a proibição da continuação dessas actividades.

4.
    Por decisão de 16 de Junho de 1994, o tribunal de commerce de Douai negou provimento à acção das demandantes no processo principal, por os contratos de concessão exclusiva Peugeot e Citroën serem incompatíveis com o Regulamento n.° 123/85, sendo, assim, inoponíveis à Arnor.

5.
    A Cabour e a Nord Distribution Automobile interpuseram recurso desta decisão, alegando que os actos de concorrência desleal alegadamente cometidos pela Arnor podiam ser punidos pelo direito nacional.

6.
    A Arnor respondeu que devia ser negado provimento à acção por concorrência desleal, por as sociedades concessionárias não terem provado que a sua rede de distribuição era lícita à luz do direito comunitário.

7.
    Considerando que a solução do litígio pendente depende da interpretação do direito comunitário, a cour d'appel de Douai decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1)    Pode o Regulamento n.° 123/85 da Comissão das Comunidades Europeias, de 12 de Dezembro de 1984, adoptado em aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado CEE, ser interpretado no sentido de que um contrato de concessão exclusiva que liga um construtor de automóveis a um

concessionário beneficia da isenção conferida pelo seu artigo 1.°, quando esse contrato:

    a)    não precisa em detalhe as 'justificações objectivas‘ referidas no artigo 5.°, n.° 2, alínea 1), a) e b), e no n.° 3 do mesmo artigo desse regulamento;

    b)    exclui, salvo demonstração de justificações objectivas não existentes no momento da celebração do contrato, toda e qualquer possibilidade de o concessionário vender veículos automóveis novos oferecidos por outros operadores que não o construtor, mesmo em estabelecimentos comerciais distintos daqueles onde são postos à venda produtos contratuais, devendo esta estipulação ser referida à interpretação do disposto nos artigos 3.°, alínea 3), e 5.°, n.° 2, do Regulamento;

    c)    prevê um objectivo de venda, segundo o qual o concessionário se compromete a desenvolver os seus melhores esforços para vender, no decurso de cada período anual, uma quantidade de veículos contratuais que, não sendo precisada por acordo entre as partes, é fixada pelo construtor a partir de estimativas previsionais que ele próprio estabelece ou de critérios que ele próprio determina, e precisa que, se o objectivo de venda não estiver realizado a 90% de 7/11 a 31 de Agosto do período anual em curso e se 'a percentagem de penetração global‘ dos veículos contratuais no território concedido, apreciada em 31 de Julho do período anual em curso for inferior de 15 a 45%, consoante a localização desse território, em relação à percentagem nacional de penetração para os mesmos veículos, o construtor pode, com um pré-aviso de três ou seis meses, alterar o território concedido e/ou retirar ao concessionário a exclusividade de implantação, ou rescindir o contrato de concessão, devendo estas estipulações ser referidas à interpretação do disposto no artigo 4.°, n.° 1, alínea 3), e do artigo 5.°, n.° 2, alíneas 2) e 3), do regulamento?

2)    Pode o Regulamento n.° 1475/95 da Comissão das Comunidades Europeias, de 28 de Junho de 1991, que substitui o Regulamento n.° 123/85 já referido, ser interpretado no sentido de que beneficia da isenção conferida pelo seu artigo 1.° um contrato de concessão exclusiva que inclui cláusulas como as visadas no n.° I, 2.°) e 3.°), da presente questão prejudicial, à luz, respectivamente, do disposto no artigo 3.°, alínea 3), e no artigo 4.°, n.° 1, alínea 3), do Regulamento n.° 1475/95, conjugado com o artigo 5.°, n.° 2, alíneas 2) e 3), e n.° 3?

3)    Se os Regulamentos n.os 123/85 e 1475/95 não puderem ser interpretados como fazendo beneficiar da isenção que prevêem contratos de concessão como os referidos nos n.os I e II da presente questão prejudicial, deve o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CEE ser interpretado no sentido de que uma

rede de distribuição exclusiva de um construtor automóvel que assenta, em relação a todo o território de um Estado-Membro, em contratos de concessão como esses é atingida pela proibição que aquele artigo contém?»

Quadro legal

8.
    O artigo 1.° do Regulamento n.° 123/85 e o artigo 1.° do Regulamento n.° 1475/95, que substituiu o Regulamento n.° 123/85 a partir de 1 de Outubro de 1995, isentam da proibição prevista no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado os acordos pelos quais um fornecedor encarrega um revendedor autorizado de promover a distribuição dos produtos num território determinado e se compromete a reservar-lhe, no âmbito desse território, a compra de veículos e de peças sobresselentes.

9.
    Em conformidade com o artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 123/85, a isenção concedida ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado aplica-se também quando o compromisso descrito no artigo 1.° estiver ligado ao compromisso do distribuidor de «não vender veículos automóveis novos concorrentes dos produtos contratuais e não vender, em estabelecimentos comerciais em que sejam oferecidos produtos contratuais, veículos automóveis novos que não sejam os fornecidos pelo construtor».

10.
    O artigo 4.°, n.° 1, ponto 3, do mesmo regulamento, prevê que a isenção abrange igualmente o compromisso pelo qual o distribuidor se obriga a «procurar vender, no território contratual e num período determinado, uma quantidade mínima de produtos contratuais, que o fornecedor fixará a partir de estimativas previsionais das vendas do distribuidor, se as partes não estiverem de acordo sobre o assunto».

11.
    O artigo 5.°, n.os 2, 3 e 4, do Regulamento n.° 123/85 está assim redigido:

«2. Quando o distribuidor, nos termos do n.° 1 do artigo 5.°, tiver assumido obrigações de melhorar a estrutura da distribuição e do serviço de venda e pós-venda, a isenção referida nas alíneas 3) e 5) do artigo 3.° aplica-se às obrigações de não vender veículos automóveis novos que não sejam os da gama abrangida pelo acordo, ou de não fazer deles objecto de um acordo de distribuição e de serviço de venda e pós-venda, desde que:

1)    As partes:

    a)    Acordem que o fornecedor consinta em liberar o distribuidor das obrigações referidas nas alíneas 3) e 5) do artigo 3.°, se o distribuidor demonstrar a existência de justificações objectivas para tal;

    b)    Acordem que o fornecedor se reserve o direito de só concluir acordos de distribuição e de serviço relativamente a produtos contratuais com determinadas outras empresas que exerçam a sua actividade no

território contratual, ou de modificar o território contratual, no caso de o fornecedor demonstrar a existência de justificações objectivas para tal;

2)    A duração do acordo seja de, pelo menos, quatro anos ou o pré-aviso para a denúncia do acordo celebrado por período indeterminado seja de, pelo menos, um ano para as duas partes, a não ser que:

    —    o fornecedor seja obrigado a pagar uma indemnização adequada porforça da lei ou de convenção especial, em caso de cessação do acordo,

        ou

    —    se trate da entrada do distribuidor na rede e do primeiro prazo estabelecido para o acordo ou da primeira possibilidade de denúncia;

3)    Cada uma das partes se obrigue a informar a outra, seis meses pelo menos, antes da cessação do acordo, que não deseja prorrogar um acordo celebrado por período determinado.

3. Uma parte só pode apresentar justificações objectivas determinadas, na acepção do presente artigo, que tenham sido indicadas com pormenor aquando da conclusão do acordo, se forem aplicadas sem discriminação, em casos comparáveis, a empresas da rede de distribuição.

4. As condições de isenção previstas no presente artigo não prejudicam o direito, para cada uma das partes, de resolução do acordo com fundamento em justa causa.»

12.
    A redacção dos artigos correspondentes do Regulamento n.° 1475/95 difere da do Regulamento n.° 123/85.

13.
    Assim, em aplicação do artigo 3.°, ponto 3, do Regulamento n.° 1475/95, a isenção continua a aplicar-se à obrigação de não vender veículos automóveis novos oferecidos por outrem que não o construtor a não ser em estabelecimentos separados, mas precisa-se que a venda de veículos novos de outra marca só é autorizada se for efectuada «em estabelecimentos separados, com uma gestão distinta, sob uma forma jurídica distinta e de modo a excluir qualquer confusão de marcas».

14.
    O artigo 4.°, n.° 1, ponto 3, do mesmo regulamento prevê que não constitui obstáculo à isenção a obrigação de o distribuidor «procurar vender, no território contratual e durante um período determinado, uma quantidade mínima de produtos contratuais, fixada pelas partes de comum acordo ou, no caso de as partes não chegarem a acordo sobre a quantidade mínima de produtos contratuais a vender anualmente, através de um terceiro perito, nomeadamente tendo em conta

as vendas anteriormente realizadas nesse território, bem como as estimativas previsionais de vendas relativamente a este território e a nível nacional».

15.
    O artigo 5.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1475/95 dispõe:

«2. Quando o distribuidor, tiver assumido obrigações referidas no n.° 1 do artigo 4.° para melhorar a estrutura da distribuição e do serviço de venda e pós-venda, a isenção aplica-se desde que:

...

2)    A duração do acordo seja, pelo menos, de cinco anos ou o pré-aviso para a denúncia do acordo celebrado por período indeterminado seja, pelo menos, de dois anos para as duas partes; este prazo é reduzido para um ano, no mínimo, quando:

    —    o fornecedor for obrigado a pagar uma indemnização adequada por força da lei ou de convenção especial, em caso de cessação do acordo,

        ou

    —    se tratar da entrada do distribuidor na rede e do primeiro prazo estabelecido para o acordo ou da primeira possibilidade de denúncia;

3)    Cada uma das partes se obrigue a informar a outra, pelo menos seis meses antes da cessação do acordo, de que não deseja prorrogar um acordo celebrado por período determinado.

3. As condições de isenção previstas nos n.os 1 e 2 não prejudicam:

    —    o direito de o fornecedor resolver o acordo mediante um pré-aviso de pelo menos um ano em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da rede,

    —    o direito de uma das partes resolver o acordo em virtude de a outra ter faltado a uma das suas obrigações essenciais.

Em cada caso, as partes devem, se não houver acordo, aceitar um sistema de resolução rápida do litígio, tal como o recurso a um terceiro perito ou a um árbitro, sem prejuízo do direito das partes de recorrerem para o tribunal competente nos termos das disposições de direito nacional aplicáveis».

Quanto à admissibilidade

16.
    O Governo francês, a Comissão, a Peugeot e a Citroën puseram em dúvida a pertinência das questões para a solução do litígio no processo principal, à luz dos acórdãos de 15 de Fevereiro de 1996, Grand garage albigeois e o. (C-226/94, Colect., p. I-651), e Nissan France e o. (C-309/94, Colect., p. I-677), dos quais resulta que, embora o Regulamento n.° 123/85 diga respeito às relações contratuais entre os fornecedores e os seus distribuidores autorizados, não tem, em contrapartida, por função regulamentar a actividade desses terceiros, que podem intervir no mercado fora do circuito dos acordos de distribuição.

17.
    Segundo eles, esta mesma conclusão vale no presente caso, pois o processo principal diz respeito não a um litígio entre um fornecedor e o seu distribuidor, mas a uma acção intentada por concessionários autorizados contra um revendedor independente das redes oficiais.

18.
    O Governo francês acrescenta que, em todo o caso, não há que responder à segunda questão, relativa à interpretação do Regulamento n.° 1475/95, dado que os factos que estão na origem do acórdão de reenvio se produziram apenas sob a vigência do Regulamento n.° 123/85.

19.
    No que concerne à interpretação das disposições do Regulamento n.° 123/85, a cour d'appel de Douai considera que a compatibilidade das cláusulas criticadas pela demandada no processo principal com o regulamento condiciona o resultado do litígio que tem que decidir. Em primeiro lugar, a decisão recorrida analisou este problema tendo chegado à conclusão de que as cláusulas são incompatíveis com o regulamento. Em segundo lugar, a questão de saber se a situação dos concessionários é juridicamente protegida em relação aos revendedores não autorizados pode ser determinante quanto à oponibilidade a terceiros dos contratos de concessão exclusiva. Com efeito, não estando esta situação protegida, uma acção por concorrência desleal só dificilmente obterá ganho de causa.

20.
    Quanto às disposições do Regulamento n.° 1475/95, a cour d'appel de Douai considera a sua interpretação necessária, pois a acção por concorrência desleal não se destina apenas à reparação do prejuízo sofrido à época da aplicabilidade do regulamento n.° 123/85, mas também à proibição da acção do revendedor independente no período posterior à entrada em vigor do Regulamento n.° 1475/95.

21.
    Para decidir quanto à admissibilidade das questões, há que recordar que, segundo uma jurisprudência constante, é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais nacionais a quem é submetido o litígio e que devem assumir a responsabilidade pela decisão judicial a proferir, apreciar, à luz das particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poderem proferir a sua decisão, como a pertinência das questões submetidas ao Tribunal. A rejeição de um pedido formulado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação do direito comunitário não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal (v., nomeadamente,

acórdão de 26 de Outubro de 1995, Furlanis, C-143/94, Colect., p. I-3633, n.° 12). Mas esse não é o caso do processo principal.

22.
    Com efeito, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio explicou suficientemente que, mesmo que os contratos de concessão exclusiva de veículos automóveis sejam inoponíveis a terceiros em virtude dos acórdãos grand garage albigeois e o. e Nissan France e o., já referidos, o destino de uma acção por concorrência desleal no seu direito nacional pode depender da validade desses contratos à luz do Regulamento n.° 123/85.

23.
    Por outro lado, a necessidade de impor, eventualmente, à demandada no processo principal que cesse as suas actividades no futuro basta para justificar a interpretação das disposições pertinentes do Regulamento n.° 1475/95 (v., neste sentido, acórdão de 11 de Novembro de 1997, Eurotunnel e o., C-408/95, ainda não publicado na Colectânea, n.° 24).

24.
    Nestas condições, há que responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional.

Quanto à primeira questão

25.
    Na sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o Regulamento n.° 123/85 deve ser interpretado no sentido de a isenção que concede se aplica a um contrato que, em primeiro lugar, não precisa quais as justificações objectivas que permitem às partes contratantes cumprir a obrigação de não fazer concorrência, seguidamente, proíbe o distribuidor de vender veículos novos de qualquer outra marca, mesmo em estabelecimentos comerciais distintos daqueles em que são vendidos os produtos contratuais e, finalmente, impõe ao distribuidor um objectivo determinado de venda, definido pelo construtor e que é punido, se não for atingido, com uma alteração do território concedido, com a retirada da exclusividade de implantação, ou com a rescisão do contrato de concessão.

26.
    Quanto à primeira parte desta questão, deve recordar-se que, nos termos do artigo 5.°, n.° 2, ponto 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 123/85, a isenção do compromisso de não vender veículos novos diferentes dos da gama contratual e de não celebrar, relativamente a estes, acordos de distribuição e de serviço de venda e de após-venda está subordinada à condição de as partes preverem a possibilidade de cumprir as suas obrigações respectivas através da prova da existência de justificações objectivas.

27.
    Tal como justamente sublinhou o advogado-geral no n.° 22 das suas conclusões, as disposições em questão limitam-se a enunciar o princípio de que as partes devem prever no seu contrato a possibilidade cumprimento da obrigação de não fazer concorrência através da prova dessas justificações objectivas, sem, no entanto, exigir

que o contrato contenha uma lista exaustiva das justificações susceptíveis de serem invocadas.

28.
    O artigo 5.°, n.° 2, ponto 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 123/85 deve, portanto, ser interpretado no sentido de que a isenção concedida pelo regulamento se aplica a uma cláusula de um contrato de concessão exclusiva que se limita a prever que as partes podem invocar, para cumprirem as respectivas obrigações de não fazer concorrência, justificações objectivas, sem precisar em que é que elas podem consistir.

29.
    Quanto à segunda parte da primeira questão, há que recordar que o artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 123/85 reserva ao construtor a possibilidade de impor ao distribuidor que não venda veículos novos concorrentes dos produtos contratuais e que não venda veículos novos fornecidos por outros construtores em estabelecimentos comerciais em que sejam postos à venda produtos contratuais.

30.
    Ora, tendo em conta o princípio geral da proibição de acordos, decisões e práticas concertadas anticoncorrenciais constante do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, as disposições de carácter derrogatório insertas no regulamento de isenção por categoria não podem ser objecto de interpretação extensiva e não podem ser interpretadas de modo a alargar os efeitos do regulamento para além do necessário à protecção dos interesses que visam garantir (acórdão de 24 de Outubro de 1995, Bayerische Motorenwerke, C-70/93, Colect., p. I-3439, n.° 28).

31.
    Por conseguinte, a derrogação prevista no artigo 3.°, ponto 3, do regulamento não abrange a obrigação eventualmente imposta ao concessionário de não vender veículos novos fornecidos por entidades diversas do construtor em estabelecimentosdiferentes daqueles em que são vendidos os produtos contratuais.

32.
    Esta interpretação impõe-se mesmo que o distribuidor possa invocar justificações objectivas, previstas no artigo 5.°, n.° 2. Com efeito, tal como justamente sublinhou o advogado-geral no ponto 25 das suas conclusões, a possibilidade de o distribuidor invocar justificações objectivas permite unicamente aos distribuidores, quando existam motivos justificados, vender veículos automóveis de outra marca, mas não concorrentes, mesmo nos locais em que são vendidos os produtos contratuais. Não pode, em contrapartida, ser interpretada no sentido de ser necessário demonstrar a existência de justificações objectivas para poder vender veículos fornecidos por entidades diversas do construtor em estabelecimentos diferentes daqueles em que são vendidos os produtos contratuais.

33.
    Os artigos 3.°, ponto 3, e 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 123/85 devem, pois, ser interpretados no sentido de que a isenção concedida pelo regulamento não se aplica a uma cláusula contratual que proíbe, salvo perante justificações objectivas, o distribuidor de vender veículos novos de qualquer outra marca, mesmo em estabelecimentos distintos daqueles em que são vendidos os produtos contratuais.

34.
    Quanto à terceira parte da primeira questão, há que recordar que, o artigo 4.°, n.° 1, ponto 3, do Regulamento n.° 123/85 permite que os construtores exijam aos distribuidores que se esforcem por vender dentro do território do acordo o número mínimo de produtos contratuais.

35.
    Daqui resulta, por um lado, que a possibilidade de fixar objectivos de venda está expressamente prevista no Regulamento n.° 123/85 e, por outro lado, que a obrigação imposta ao concessionário de atingir esse objectivo não deve consistir em mais do que uma simples obrigação de meios.

36.
    É ainda conveniente recordar que o artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 123/85 prevê prazos de rescisão do contrato e que o n.° 4 do mesmo artigo concede às partes a possibilidade de procederem à rescisão extraordinária do acordo.

37.
    Daqui resulta que o Regulamento n.° 123/85 não proíbe a previsão, na hipótese de o concessionário não atingir o objectivo de venda visado em razão de violação da sua obrigação de meios, de sanções que podem ir até à rescisão do acordo.

38.
    Os artigos 4.°, n.° 1, ponto 3, e 5.°, n.° 2, pontos 2 e 3, do Regulamento n.° 123/85 devem, portanto, ser interpretados no sentido de que a isenção concedida pelo regulamento se aplica a uma cláusula contratual que impõe ao distribuidor um objectivo determinado de venda e que prevê sanções, que podem ir até à rescisão do contrato no caso desse objectivo não ser atingido, na condição, todavia, de que a fixação do objectivo de venda constitua a expressão de uma simples obrigação de meios.

Quanto à segunda questão

39.
    Na sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se as respostas à segunda e terceira partes da primeira questão valem igualmente para as disposições correspondentes do Regulamento n.° 1475/95.

40.
    Quanto à primeira parte desta questão, basta recordar que o artigo 3.°, ponto 3, do Regulamento n.° 1475/95 prevê expressamente que a isenção se aplique à obrigação de só vender veículos automóveis novos de marca diferente em estabelecimentos separados, com uma gestão distinta, sob uma forma jurídica distinta e de modo a excluir qualquer confusão de marcas.

41.
    Os artigos 3.°, ponto 3, e 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1475/95 devem, portanto, ser interpretados no sentido de que a isenção concedida por este regulamento não se aplica a uma cláusula contratual que proíba, salvo existindo justificações objectivas, o distribuidor de vender veículos novos de outras marcas, mesmo em estabelecimentos comerciais distintos daqueles em que são vendidos os produtos contratuais.

42.
    Quanto à segunda parte da segunda questão, há que salientar, em primeiro lugar, que, embora o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1475/95 preveja, tal como o artigo 5.°, n.° 4, do Regulamento n.° 123/85, o direito de uma das partes rescindir extraordinariamente o acordo, o artigo do novo regulamento precisa expressamente que este direito resulta de incumprimento, pela contraparte, de uma das suas obrigações essenciais.

43.
    Há que recordar, seguidamente, que o artigo 4.°, n.° 1, ponto 3, do Regulamento n.° 1475/95 impõe uma condição suplementar em relação ao mesmo ponto do Regulamento n.° 123/85. Com efeito, para ser abrangida pela disposição em causa, a fixação de objectivos de venda deve não somente constituir apenas a expressão de uma simples obrigação de meios, mas além disso, ser fixada pelas partes de comum acordo ou, caso as partes não cheguem a acordo, por um terceiro perito.

44.
    Daqui resulta que, no âmbito do Regulamento n.° 1475/95, a fixação dos objectivos de venda não pode ser feita unilateralmente pelo construtor.

45.
    Os artigos 4.°, n.° 1, ponto 3, e 5.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1475/95 devem, portanto, ser interpretados no sentido de que a isenção concedida pelo regulamento se aplica a uma cláusula contratual que impõe ao distribuidor um objectivo determinado de venda e que prevê sanções que podem ir até à rescisão do contrato, no caso desse objectivo não ser atingido, na condição, todavia, de que a fixação do objectivo de venda constitua a expressão de uma simples obrigação de meios e que essa fixação seja feita pelas partes de comum acordo ou, na falta de acordo, por um terceiro perito.

Quanto à terceira questão

46.
    Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se a proibição estabelecida no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado se aplica a um contrato de concessão de automóveis quando este não beneficie de isenção por categoria.

47.
    A este respeito, há que recordar que o Regulamento n.° 123/85, tal como o Regulamento n.° 1475/95, como regulamentos de aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, se limitam a dar aos operadores económicos do sector dos veículos automóveis determinadas possibilidades, que lhe permitem, apesar da existência de certos tipos de cláusulas de exclusividade e de não concorrência nos seus acordos de distribuição e de serviços de venda e de pós-venda, fazê-los escapar à proibição do artigo 85.°, n.° 1. As disposições dos regulamentos de excepção não impõem, todavia, aos operadores económicos que façam uso destas possibilidades. Também não têm por efeito alterar o conteúdo desse acordo ou de o tornar nulo quando todas as condições desses regulamentos não estejam preenchidas (v. acórdão de 18 de Dezembro de 1986, VAG France, 10/86, Colect., p. 4071, n.° 12).

48.
    Quando um acordo não preenche todas as condições previstas por um regulamento de isenção, só é atingido pela proibição do artigo 85.°, n.° 1, se tiver por objecto ou por efeito restringir de modo sensível a concorrência no interior do mercado comum e se for susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros [v. acórdãos de 30 de Junho de 1966, La Technique Minière (LTM), 56/65, Colect. 1965-1968, p. 381, e de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect. 1965-1968, p. 423).

49.
    Compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, com base no conjunto de dados de que dispõe e tendo em conta o contexto económico e jurídico no âmbito do qual se insere o acordo, se, no processo que tem que decidir, estas condições estão preenchidas.

50.
    A este respeito, há que recordar que um acordo não pode ser isolado de circunstâncias de facto e de direito que tenham por consequência ter ele o efeito de impedir, de restringir ou de falsear o jogo da concorrência. Neste contexto, a existência de contratos similares é uma circunstância que, como outras circunstâncias, pode formar um conjunto constitutivo do contexto económico e jurídico em que o contrato deve ser apreciado (v. acórdão de 12 de Dezembro de 1967, Brasserie de Haecht, 23/67, Colect. 1965-1968, p. 703).

51.
    Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio constatar a nulidade de uma ou de várias cláusulas contratuais, é conveniente acrescentar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdão VAG France, já referido, n.° 14), as consequências da nulidade de pleno direito das cláusulas contratuais incompatíveis com o artigo 85.°, n.° 1, para todos os outros elementos do acordo e para outras obrigações que dele resultem, não são abrangidas pelo direito comunitário. Portanto, compete também ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz do direito nacional aplicável, o alcance e as consequências, para o conjunto das relações contratuais, de uma eventual nulidade de certas cláusulas contratuais em virtude do artigo 85.°, n.° 2.

52.
    Há, portanto, que responder à terceira questão que a proibição imposta pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado se aplica a cláusulas que se inserem num contrato de concessão de automóveis na hipótese de estas não beneficiarem da isenção por categoria se, tendo em conta o contexto económico e jurídico, estas cláusulas tiverem por objecto ou por efeito restringir de modo sensível a concorrência no interior do mercado comum e se forem susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros.

Quanto às despesas

53.
    As despesas efectuadas pelo Governo francês e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis.

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela Cour d'Appel de Douai, por acórdão de 20 de Junho de 1996, declara:

1.
    O artigo 5.°, n.° 2, ponto 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, deve ser interpretado no sentido de que a isenção concedida pelo regulamento se aplica a uma cláusula de um contrato de concessão exclusiva que se limita a prever que as partes podem invocar, para cumprirem as respectivas obrigações de não fazer concorrência, justificações objectivas, sem precisar em que é que elas podem consistir.

    Os artigos 3.°, ponto 3, e 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 123/85 devem ser interpretados no sentido de que a isenção concedida pelo regulamento não se aplica a uma cláusula contratual que proíbe, salvo perante justificações objectivas, o distribuidor de vender veículos novos de qualquer outra marca, mesmo em estabelecimentos distintos daqueles em que são vendidos os produtos contratuais.

    Os artigos 4.°, n.° 1, ponto 3, e 5.°, n.° 2, pontos 2 e 3, do Regulamento n.° 123/85 devem, portanto, ser interpretados no sentido de que a isenção concedida pelo regulamento se aplica a uma cláusula contratual que impõe ao distribuidor um objectivo determinado de venda e que prevê sanções, que podem ir até à rescisão do contrato no caso desse objectivo não ser atingido, na condição, todavia, de que a fixação do objectivo de venda constitua a expressão de uma simples obrigação de meios.

2.
    Os artigos 3.°, ponto 3, e 5.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1475/95 daComissão, de 28 de Junho de 1995, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, devem ser interpretados no sentido de que a isenção concedida por este regulamento não se aplica a uma cláusula contratual que proíba, salvo existindo justificações objectivas, o distribuidor de vender veículos novos de outras marcas, mesmo em estabelecimentos comerciais distintos daqueles em que são vendidos os produtos contratuais.

    Os artigos 4.°, n.° 1, ponto 3, e 5.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1475/95 devem ser interpretados no sentido de que a isenção concedida pelo regulamento se aplica a uma cláusula contratual que impõe ao distribuir um objectivo determinado de venda e que prevê sanções, que podem ir até à rescisão do contrato, no caso desse objectivo não ser atingido, na condição, todavia, de que a fixação do objectivo de venda constitua a expressão de uma simples obrigação de meios e que essa fixação seja feita pelas partes de comum acordo ou, na falta caso de acordo, por um terceiro perito.

3.
    A proibição imposta pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado aplica-se a cláusulas que se inserem num contrato de concessão de automóveis na hipótese de estas não beneficiarem da isenção por categoria se, tendo em conta o contexto económico e jurídico, estas cláusulas tiverem por objecto ou por efeito restringir de modo sensível a concorrência no interior do mercado comum e se forem susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros.

Ragnemalm
Schintgen
Mancini

Kapteyn

Hirsch

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Abril de 1998.

O secretário

O presidente da Sexta Secção

R. Grass

H. Ragnemalm


1: Língua do processo: francês.