ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
18 de Junho de 1998 (1)
«Acção por incumprimento Acordo Fixação de tabelas profissionais
Despachantes alfandegários Legislação que reforça os efeitos do acordo»
No processo C-35/96,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Enrico Traversa, membro
do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no
Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço,
Centre Wagner, Kirchberg,
contra
República Italiana, representada pelo professor Umberto Leanza, chefe do Serviço
do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade
de agente, assistido por Pier Giorgio Ferri, avvocato dello Stato, com domicílio
escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,
que tem por objecto obter a declaração de que a República Italiana, ao adoptar
e manter em vigor uma lei que impõe ao Consiglio nazionale degli spedizionieri
doganali (conselho nacional de despachantes alfandegários), através da atribuição
do correspondente poder de decisão, a adopção de uma decisão de associação de
empresas contrária ao artigo 85.° do Tratado CE, na medida em que fixa uma
tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários, não cumpriu as
obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5.° e 85.° do mesmo Tratado.
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: C. Gulmann, presidente de secção, M. Wathelet (relator),
J. C. Moitinho de Almeida, P. Jann e L. Sevón, juízes,
advogado-geral: G. Cosmas
secretário: R. Grass
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 4 de Dezembro de 1997,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de
Fevereiro de 1998,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- Por petição, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de
Fevereiro de 1996, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos
do artigo 169.° do Tratado CE, a presente acção destinada a obter a declaração de
que a República Italiana, ao adoptar e manter em vigor uma lei que impõe ao
Consiglio nazionale degli spedizionieri doganali (conselho nacional de despachantes
alfandegários, a seguir «CNSD»), através da atribuição do correspondente poder
de decisão, a adopção de uma decisão de associação de empresas contrária ao
artigo 85.° do Tratado CE, na medida em que fixa uma tabela obrigatória para
todos os despachantes alfandegários, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem
por força dos artigos 5.° e 85.° do mesmo Tratado.
- 2.
- Em Itália, a actividade dos despachantes alfandegários independentes rege-se pela
lei n.° 1612, de 22 de Dezembro de 1960, relativa ao reconhecimento jurídico da
profissão de despachante alfandegário e à instituição dos registos e do fundo de
previdência dos despachantes alfandegários (GURI n.° 4, de 5 de Janeiro de 1961,
a seguir «lei n.° 1612/1960») e por medidas de execução constantes
designadamente de decretos presidenciais e ministeriais.
- 3.
- A actividade de despachante alfandegário implica a prestação de serviços no
quadro do processo de desalfandegamento (artigo 1.° da lei n.° 1612/1960). O seu
exercício está dependente da posse de uma licença («patente») e da inscrição no
registo nacional de despachantes alfandegários. Este registo resulta do conjunto dos
registos regionais mantidos pelos Consigli compartimentali (conselhos regionais de
despachantes alfandegários) estabelecidos em todas as regiões alfandegárias
(artigos 2.° e 4.° a 12.° da lei n.° 1612/1960).
- 4.
- A fiscalização da actividade dos despachantes alfandegários é exercida pelos
conselhos regionais de despachantes alfandegários. Os membros destes conselhos
são eleitos por voto secreto, por um período de dois anos, renovável, pelos
despachantes inscritos no registo das diferentes direcções regionais; a presidência
é exercida por um membro eleito pelos seus pares (artigo 10.° da lei n.° 1612/1960).
- 5.
- Os conselhos regionais dos despachantes alfandegários são encabeçados pelo
CNSD, que é um organismo de direito público, composto por nove membros,
designados por voto secreto pelos membros dos conselhos regionais de
despachantes e é presidido por um membro eleito pelos seus pares (artigo 12.° da
lei n.° 1612/1960). Até 1992, o director-geral das alfândegas e dos impostos
indirectos era membro por inerência do CNSD, cuja presidência assegurava. Esta
regra foi, porém, revogada pelo artigo 32.° do decreto-lei n.° 331, de 30 de Agosto
de 1992 (a seguir «decreto-lei n.° 331/1992»). Os membros do CNSD são eleitos
por três anos e podem ser reeleitos (artigo 13.°, n.° 2, da lei n.° 1612/1960).
- 6.
- Só podem ser eleitos membros dos conselhos regionais ou do CNSD os
despachantes alfandegários inscritos nos registos (artigos 8.°, segundo parágrafo, e
22.°, segundo parágrafo, do decreto do Ministro das Finanças de 10 de Março de
1964).
- 7.
- O CNSD está encarregado designadamente de fixar a tabela de preços dos serviços
profissionais prestados pelos despachantes alfandegários, com base nas propostas
dos conselhos regionais [artigo 14.°, alínea d), da lei n.° 1612/1960]. Esta tabela é
obrigatória (artigo 11.°, segundo parágrafo, da lei n.° 1612/1960). Os infractores
sujeitam-se a medidas disciplinares, que vão desde a repreensão até à suspensão
temporária do registo, em caso de reincidência, ou mesmo até à exclusão definitiva
do registo em caso de duas suspensões em cinco anos decididas pelo conselho
regional (artigos 38.° a 40.° do decreto do Ministro das Finanças, de 10 de Março
de 1964, que regulamenta a lei n.° 1612/1960, GURI, supplemento ordinario,
n.° 102, de 24 de Abril de 1964).
- 8.
- Na sua reunião de 21 de Março de 1988, o CNSD aprovou a tabela de preços dos
serviços profissionais prestados pelos despachantes alfandegários (a seguir
«tabela»), nos seguintes termos:
«A presente tabela fixa os preços mínimos e máximos a aplicar às operações
alfandegárias e à prestação de serviços de natureza monetária, comercial ou fiscal,
incluindo o contencioso fiscal. A fixação concreta do preço entre o limite mínimo
e máximo terá em consideração as características, a natureza e a importância das
prestações» (artigo 1.°).
«Nos termos do disposto no artigo 1.°, é proibida qualquer derrogação, em
detrimento do mandante, da presente tabela, a qual anula qualquer convenção em
contrário...» (artigo 5.°)
«O Conselho Nacional dos Despachantes Alfandegários pode fixar derrogações
especiais e/ou temporárias aos limites mínimos previstos pela presente tabela»
(artigo 6.°).
«O Conselho Nacional dos Despachantes Alfandegários procederá à actualização
da presente tabela, em conformidade com os índices fornecidos pelo ISTAT
(Instituto central de estatística) sector industrial, a partir da data de aprovação
da correspondente decisão» (artigo 7.°).
- 9.
- Esta tabela foi aprovada pelo Ministro das Finanças italiano por decreto de 6 de
Julho de 1988 (GURI n.° 168, de 19 de Julho de 1988, p. 19).
- 10.
- Em aplicação do artigo 7.° da tabela, o CNSD decidiu, na sua reunião de 15 de
Dezembro de 1989, aumentar em 8% os preços constantes da tabela, a partir de
1 de Janeiro de 1990 (Comunicação do Ministério das Finanças publicada no GURI
n.° 299, de 23 de Dezembro de 1989).
- 11.
- A Comissão deu início a três procedimentos distintos contra a legislação italiana.
- 12.
- Em 24 de Março de 1992, intentou no Tribunal de Justiça uma acção destinada a
obter a declaração de que a República Italiana tinha infringido os artigos 9.° e 12.°
do Tratado CE, ao aprovar a tabela. Esta acção foi julgada improcedente por
acórdão de 9 de Fevereiro de 1994, Comissão/Itália (C-119/92, Colect., p. I-393),
por o importador não estar obrigado a recorrer em todos os casos aos serviços de
um despachante oficial (n.° 46).
- 13.
- Em 30 de Junho de 1993, a Comissão adoptou a Decisão 93/438/CEE, relativa a
um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (Processo IV/33.407
CNSD) (JO L 203, p. 27), pela qual considerou que a tabela constituía uma
infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. O CNSD interpôs um recurso de
anulação desta decisão, que está actualmente pendente no Tribunal de Primeira
Instância das Comunidades Europeias (processo T-513/93), que decidiu suspender
a instância até ser proferido acórdão pelo Tribunal de Justiça no presente processo
(despacho do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Maio de 1996, ainda não
publicado na Colectânea).
- 14.
- Finalmente, considerando que a legislação nacional em causa infringia os artigos
5.° e 85.° do Tratado, a Comissão deu início ao procedimento pré-contencioso que
está na origem da presente acção.
- 15.
- Por carta de 18 de Outubro de 1993, a Comissão convidou o Governo italiano a
apresentar as suas observações a este respeito no prazo de dois meses.
- 16.
- Não tendo obtido qualquer resposta, em 21 de Junho de 1995, a Comissão
endereçou à República Italiana um parecer fundamentado, convidando-a a tomar
as medidas necessárias para proceder em conformidade no prazo de dois meses a
contar da sua notificação.
- 17.
- Não tendo as autoridades italianas dado seguimento a este parecer fundamentado,
a Comissão intentou no Tribunal de Justiça a presente acção.
- 18.
- Por requerimento que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de Maio de 1996,
o Governo italiano levantou a questão prévia da inadmissibilidade, nos termos do
disposto no artigo 91.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.
- 19.
- O Tribunal decidiu remeter para final a decisão desta questão.
- 20.
- O Governo italiano não contestou a acção.
Quanto à inadmissibilidade do pedido
- 21.
- Com o seu primeiro fundamento, o Governo italiano alega que a Comissão não
podia intentar uma nova acção por incumprimento com base em acusações
fundadas nos artigos 5.° e 85.° do Tratado, sem desistir da primeira acção, na qual
invocava violação dos artigos 9.° e 12.° do Tratado.
- 22.
- E isso, em primeiro lugar, porque as práticas impugnadas ou consistem na
imposição de uma taxa ou na celebração de um acordo por uma associação de
empresas ratificado pelo Estado-Membro em causa, mas não podem ser as duas
coisas simultaneamente.
- 23.
- Resultaria ainda da economia geral das regras respeitantes à acção por
incumprimento que, uma vez intentada a acção, o Tribunal de Justiça deve
inevitavelmente proferir um acórdão em que se pronuncie quanto ao mérito, salvo
se o demandante desistir do pedido. Portanto, se a Comissão chegar à conclusão
que o Estado não faltou às obrigações cujo desrespeito lhe era imputado no
parecer fundamentado emitido no âmbito do primeiro processo, mas a outras
obrigações incompatíveis com as primeiras, não pode simultaneamente continuar
a solicitar ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre esse parecer e dar inícioa nova acção em que está em causa uma acusação distinta e incompatível com a
primeira.
- 24.
- Por último, alega que a Comissão, ao assim proceder, violou os direitos de defesa
do Governo italiano, porque o teria obrigado a defender-se simultaneamente em
dois processos que têm por objecto os mesmos factos, mas que se baseiam em
disposições diferentes.
- 25.
- Através do segundo fundamento que invoca, o Governo italiano alega a existência
de lacunas na carta de interpelação e no parecer fundamentado. Só a petição
conteria assim uma análise detalhada dos elementos constitutivos da alegada
infracção ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Tanto na carta de interpelação como no
parecer fundamentado, a Comissão ter-se-ia limitado, ao invés, relativamente à
violação do artigo 85.°, n.° 1, a remeter para a decisão 93/438. Ora, segundo
jurisprudência constante, o parecer fundamentado deve conter uma exposição
coerente e pormenorizada das razões que criaram na Comissão a convicção de que
o Estado interessado não cumpriu obrigações que lhe incumbem por força do
Tratado (acórdão de 11 de Julho de 1991, Comissão/Portugal, C-247/89, Colect.,
p. I-3659).
- 26.
- Quanto ao primeiro fundamento, além do facto de só a interpelação no presente
processo ter sido efectuada numa altura em que o Tribunal de Justiça ainda não
tinha proferido o seu acórdão no processo C-119/92, deve recordar-se que, nos
termos dos artigos 155.° e 169.° do Tratado CE, a Comissão é a guardiã da
legalidade comunitária. Nesta qualidade incumbe-lhe velar, no interesse geral
comunitário, pela boa aplicação do Tratado pelos Estados-Membros e obter a
declaração da existência de eventuais incumprimentos das obrigações dele
derivadas, para os fazer cessar (acórdão de 4 de Abril de 1974, Comissão/França,
167/73, Colect., p. 187, n.° 15).
- 27.
- Compete, pois, à Comissão apreciar a escolha do momento da propositura da
acção contra um Estado-Membro, indicar as disposições alegadamente violadas e
escolher o momento em que dá início ao procedimento por incumprimento contra
esse Estado, pelo que as considerações que determinam essa escolha não podem
afectar a admissibilidade da acção (acórdão de 1 de Junho de 1994,
Comissão/Alemanha, C-317/92, Colect., p. I-2039, n.° 4).
- 28.
- Por outro lado, como o objecto do litígio submetido ao Tribunal está circunscrito
pelo parecer fundamentado, dado que a acção judicial se deve basear nos mesmos
argumentos e fundamentos do que este (acórdão de 7 de Fevereiro de 1984,
Comissão/Itália, 166/82, Recueil, p. 459, n.° 16; de 1 de Dezembro de 1993,
Comissão/Dinamarca, C-234/91, Colect., p. I-6273, n.° 16, e de 12 de Janeiro de
1994, Comissão/Itália, C-296/92, Colect., p. I-1, n.° 11), a Comissão não tem
qualquer outra possibilidade, quando considera que uma legislação nacional
contestada infringe regras de direito comunitário, infracções estas cuja existência
pretende ver declarada, que não a de dar início a um novo procedimento por
incumprimento, a fim de cumprir plenamente as missões que lhe são confiadas
pelos artigos 155.° e 169.° do Tratado.
- 29.
- Resulta do que precede que o facto de um Estado-Membro dever defender-se em
dois processos distintos que têm por objecto os mesmos factos mas que se baseiam
em disposições diferentes não pode, por si só, ser constitutivo de uma violação dos
direitos da defesa. Além disso, o Governo italiano não adiantou qualquer outro
dado susceptível de demonstrar que o desenrolar dos dois processos, tomados
separadamente ou mesmo cumulativamente, originou uma violação dos seus
direitos de defesa.
- 30.
- Relativamente ao segundo fundamento, basta verificar que o parecer
fundamentado contém uma exposição coerente e precisa das razões que levaram
a Comissão à convicção de que o Estado interessado não cumpriu as obrigações
que lhe incumbem por força do Tratado.
- 31.
- Com efeito, embora sucintamente, a carta de interpelação e o parecer
fundamentado determinam claramente o objecto do litígio. Além disso, remetem
ambos expressamente para a decisão 93/438, na qual a Comissão expôs
pormenorizadamente o quadro de facto e jurídico em que é exercida a actividade
dos despachantes alfandegários e do CNSD (parte I, «Os factos», pp. 27 a 31),
dando a seguir a sua apreciação jurídica de modo igualmente pormenorizado (parte
II, «Apreciação jurídica», pp. 31 a 33). Finalmente, a carta de interpelação e o
parecer fundamentado contêm uma exposição detalhada da única questão que não
foi abordada na Decisão 93/428, a da imputação à República Italiana da infracção
ao direito comunitário alegadamente cometida pelo CNSD.
- 32.
- A acção é, pois, admissível.
Quanto ao mérito
- 33.
- A fim de decidir sobre a acção por incumprimento intentada pela Comissão, deve,
em primeiro lugar, examinar-se se a tabela constitui uma decisão de uma
associação de empresas na acepção do artigo 85.° do Tratado.
- 34.
- Na audiência, o Governo italiano sustentou que se, por exercer uma profissão
liberal, tal como um advogado, um topógrafo ou um intérprete, o despachante
alfandegário é um trabalhador independente, não pode todavia considerar-se
empresa para efeitos do artigo 85.° do Tratado, porque os serviços que presta têm
natureza intelectual e porque o exercício dessa profissão exige uma licença e
implica que sejam observadas determinadas condições. O Tratado distinguiria, aliás,
entre trabalhadores independentes e empresas, de modo que qualquer actividade
não assalariada não seria necessariamente exercida no quadro de uma empresa.
Além disso, faltaria o elemento organizacional indispensável, isto é, a conjunção de
elementos pessoais, materiais e incorpóreos afectados, de forma duradoura, ao
prosseguimento de um objectivo económico determinado.
- 35.
- Não sendo os despachantes alfandegários independentes empresas, o CNSD não
poderia constituir, por maioria de razão, uma associação de empresas na acepção
do artigo 85.° do Tratado.
- 36.
- Deve esclarecer-se em primeiro lugar que, segundo jurisprudência constante, o
conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade
económica, independentemente do seu estatuto jurídico e modo de funcionamento
(acórdãos de 23 de Abril de 1991, Höfner e Elser, C-41/90, Colect., p. I-1979,
n.° 21; de 16 de Novembro de 1995, Fédération française des sociétés d'assurances
e o., C-244/94, Colect., p. I-4013, n.° 14, e de 11 de Dezembro de 1997, Job Centre,
C-55/96, Colect., p. I-7119, n.° 21) e que qualquer actividade consistente na oferta
de bens ou serviços num determinado mercado constitui uma actividade económica
(acórdão de 16 de Junho de 1987, Comissão/Itália, 118/85, Colect., p. 2599, n.° 7).
- 37.
- Ora, a actividade exercida pelos despachantes alfandegários tem natureza
económica. Com efeito, estes prestam, contra remuneração, serviços consistentes
no cumprimento de formalidades aduaneiras, essencialmente formalidades
relacionadas com a importação, a exportação e o trânsito de mercadorias, bem
como outros serviços complementares, como por exemplo, serviços nos domínios
monetário, comercial e fiscal. Assumem, além disso, os riscos financeiros inerentes
ao exercício dessa actividade (acórdão de 16 de Dezembro de 1975. Suiker Unie
e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect.,
p. 563, n.° 541). Em caso de desequilíbrio entre as despesas e as receitas, o
despachante alfandegário tem que suportar ele próprio os défices.
- 38.
- Nestas condições, o facto de a actividade do despachante alfandegário ser uma
actividade intelectual, necessitar de uma licença e poder ser prosseguida sem a
conjunção de elementos materiais, incorpóreos e humanos não é susceptível de a
excluir do âmbito de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE.
- 39.
- Deve examinar-se, de seguida, se uma organização profissional como o CNSD se
comporta como uma associação de empresas, na acepção do n.° 1 do artigo 85.° do
Tratado, para efeitos de elaboração da tabela.
- 40.
- Deve recordar-se a este propósito que o estatuto de direito público de um
organismo nacional como o CNSD não obsta à aplicação do artigo 85.° do Tratado.
Segundo os seus próprios termos, este artigo aplica-se a acordos entre empresas
e a decisões de associações de empresas. Em consequência, o quadro jurídico em
que esses acordos são celebrados e em que são tomadas essas decisões, tal como
a qualificação jurídica dada a esse quadro pelas diferentes ordens jurídicas
nacionais, não relevam para efeitos da aplicabilidade das regras comunitárias da
concorrência, e designadamente do artigo 85.° do Tratado (acórdão de 30 de
Janeiro de 1985, Clair, 123/83, Recueil, p. 391, n.° 17).
- 41.
- Além disso, os membros do CNSD são representantes dos despachantes
alfandegários, aos quais nada na legislação nacional em causa impede de agir no
interesse exclusivo da profissão.
- 42.
- Com efeito, por um lado, os membros do CNSD só podem ser despachantes
alfandegários inscritos nos registos, visto que são eleitos de entre os membros dos
conselhos regionais, dos quais só fazem parte despachantes alfandegários (artigos
13.° da lei n.° 1612/1960, 8.°, segundo parágrafo, e 22.°, segundo parágrafo, do
decreto do Ministro das Finanças de 10 de Março de 1964). Importa sublinhar a
este respeito que, desde a alteração efectuada pelo decreto-lei n.° 331/1992, o
director-geral das alfândegas deixou de participar no CNSD na qualidade de
presidente. Finalmente, o Ministro das Finanças italiano, ao qual compete a
supervisão da organização profissional em causa, não pode intervir na designação
dos membros dos conselhos regionais e do CNSD.
- 43.
- Por outro lado, o CNSD está incumbido de elaborar a tabela de preços das
prestações profissionais dos despachantes alfandegários com base nas propostas dos
conselhos regionais [artigo 14.°, alínea d), da lei n.° 1612/1960]. Quanto a este
aspecto, nenhuma regra da legislação nacional em causa obriga ou sequer incita os
membros do CNSD ou dos conselhos regionais a ter em conta critérios de interesse
público.
- 44.
- De onde resulta que os membros do CNSD não podem ser qualificados como
peritos independentes (v. neste sentido os acórdãos de 17 de Novembro de 1993,
Reiff, C-185/91, Colect., p. I-5801, n.os 17 e 19; de 9 de Junho de 1994, Delta
Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, C-153/93, Colect., p. I-2517, n.os 16 e 18, e
de 17 de Outubro de 1995, DIP e o., C-140/94 a C-142/94, Colect., p. I-3257, n.os 18
e 19) e que não estão legalmente obrigados a fixar as tabelas tomando em
consideração não apenas os interesses das empresas ou das associações de
empresas do sector que os designou, mas igualmente o interesse geral e os
interesses das empresas dos outros sectores ou dos utentes dos serviços em causa
(acórdãos Reiff, n.os 18 e 24; Delta Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, n.° 17
e DIP e o., n.° 18).
- 45.
- Em segundo lugar, há que reconhecer que as decisões através das quais o CNSD
fixou uma tabela uniforme e obrigatória para todos os despachantes alfandegários
restringem a concorrência, na acepção do artigo 85.° do Tratado e que são
susceptíveis de afectar o comércio intra-comunitário.
- 46.
- Com efeito, a tabela fixa directamente o preço dos serviços dos despachantes
alfandegários. Prevê, para cada um dos diferentes tipos de operações, os preços
máximos e mínimos que podem ser pedidos aos clientes. Além disso, a tabela fixa
diferentes escalões em função do valor ou do peso da mercadoria a desalfandegar,
do tipo específico de mercadoria, ou mesmo do tipo de prestação profissional
(artigo 1.°).
- 47.
- Finalmente a tarifa é imperativa (artigo 5.°), de modo que um despachante não
pode, por sua própria iniciativa, afastar-se dessa tabela. Só o CNSD está habilitado
a autorizar derrogações (artigo 6.°).
- 48.
- Quanto à incidência sobre o comércio intra-comunitário, basta recordar que um
acordo que se estende a todo o território de um Estado-Membro tem, pela sua
própria natureza, por efeito consolidar barreiras de carácter nacional, entravando
assim a interpenetração económica pretendida pelo Tratado (acórdãos de 17 de
Outubro de 1972, Vereeniging van Cementhandelaren/Comissão, 8/72, Colect.,
p. 333, n.° 29, e de 11 de Julho de 1985, Remia e o./Comissão, 42/84, Recueil,
p. 2545, n.° 22).
- 49.
- Esta incidência é ainda mais significativa no presente caso em que diversos tipos
de operações de importação ou de exportação de mercadorias no interior da
Comunidade, bem como operações efectuadas entre operadores comunitários
exigem o cumprimento de formalidades aduaneiras e podem, por conseguinte,
tornar necessária a intervenção de um despachante alfandegário independente
inscrito no registo.
- 50.
- É o caso das operações denominadas de «trânsito interno», que abrangem o envio
de mercadorias de Itália para um Estado-Membro, quer dizer de um ponto para
outro do território aduaneiro da Comunidade, através do trânsito por um país
terceiro (por exemplo, a Suíça). Este tipo de operações reveste uma particular
importância em Itália, dado que uma grande parte das mercadorias expedidas das
regiões do Noroeste do país em direcção da Alemanha e dos Países Baixos transita
pela Suiça.
- 51.
- Resulta de quanto precede que, ao aprovar a tabela, o CNSD infringiu o artigo
85.°, n.° 1, do Tratado.
- 52.
- Em terceiro lugar, há que examinar em que medida esta infracção pode ser
imputada à República Italiana.
- 53.
- Recorde-se a este respeito que, se é verdade que o artigo 85.° do Tratado,
considerado isoladamente, diz apenas respeito à actuação das empresas e não a
medidas legislativas ou regulamentares dos Estados-Membros, não é menos certo
que este artigo, conjugado com o artigo 5.° do Tratado, impõe aos
Estados-Membros que não tomem ou mantenham em vigor medidas, mesmo de
natureza legislativa ou regulamentar, susceptíveis de eliminar o efeito útil das
regras de concorrência aplicáveis às empresas (relativamente ao artigo 85.° do
Tratado, v. os acórdãos de 21 de Setembro de 1988, Van Eycke, 267/86, Colect.,
p. 4769, n.° 16, Reiff, já referido, n.° 14 e Delta Schiffahrts- und
Speditionsgesellschaft, já referido, n.° 14; quanto ao artigo 86.° do Tratado, v. o
acórdão de 16 de Novembro de 1977, GB-Inno-BM, 13/77, Colect., p. 753, n.° 31).
- 54.
- É o que se passa designadamente quando um Estado-Membro impõe ou facilita
a celebração de acordos contrários ao artigo 85.°, quando reforça os efeitos ou
retira à sua própria legislação o seu carácter estatal, delegando em operadores
privados a responsabilidade da tomada de decisões de intervenção em matéria
económica (acórdãos já referidos Van Eycke, n.° 16; Reiff, n.° 14, e Delta
Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, n.° 14).
- 55.
- Forçoso é reconhecer que, ao aprovar a legislação nacional em causa, a República
Italiana não só ordenou a celebração de um acordo contrário ao artigo 85.° do
Tratado e renunciou a influenciar o seu teor, como contribuiu desse modo para
assegurar a sua observância.
- 56.
- Em primeiro lugar, o artigo 14.°, alínea d), da lei n.° 1612/1960 impõe ao CNSD
a elaboração de uma tabela obrigatória e uniforme para as prestações de serviços
dos despachantes alfandegários.
- 57.
- Em segundo lugar, como resulta dos n.os 41 a 44 do presente acórdão, a legislação
nacional em causa prescindiu totalmente a favor dos operadores económicos
privados da competência das autoridades públicas em matéria de fixação de preços.
- 58.
- Em terceiro lugar, a legislação italiana proíbe expressamente os despachantes
alfandegários inscritos no registo de efectuarem derrogações à tabela (artigo 11.°
da lei n.° 1612/1960), sob pena de proibição, de suspensão ou de exclusão definitiva
do registo (artigos 38.° a 40.° do decreto do Ministro das Finanças de 10 de Março
de 1964).
- 59.
- Em quarto lugar, se é verdade que nenhuma disposição legal ou regulamentar
confere ao Ministro das Finanças poderes para aprovar a tabela, não é menos certo
que o decreto do Ministro das Finanças de 6 de Julho de 1988 conferiu à tabela
a aparência de regulamentação pública. Em primeiro lugar, a sua publicação na
«Série geral» da Gazetta ufficiale della Repubblica italiana criou uma presunção de
conhecimento da tabela por terceiros à qual a decisão do CNSD não teria podido
nunca aceder. Em segundo lugar, o carácter oficial desse modo atribuído à tabela
facilita a aplicação pelos despachantes alfandegários dos preços por ela fixados.
Finalmente, é susceptível de dissuadir os clientes que pretendam contestar os
preços praticados pelos despachantes alfandegários.
- 60.
- Tendo em consideração quanto precede, deve declarar-se que a República Italiana,
ao adoptar e manter em vigor uma lei que impõe ao CNSD, através da atribuição
do correspondente poder de decisão, a adopção de uma decisão de associação de
empresas contrária ao artigo 85.° do Tratado CE, consistente na fixação de uma
tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários, não cumpriu as
obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5.° e 85.° do mesmo Tratado.
Quanto às despesas
- 61.
- Por força do disposto no n.° 2 do artigo 69.° do Regulamento de Processo, a parte
vencida deve ser condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a
República Italiana sido vencida, há que condená-la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
decide:
- 1.
- A República Italiana, ao adoptar e manter em vigor uma lei que impõe ao
Conselho nacional de despachantes alfandegários (Consiglio nazionale degli
spedizionieri doganali CNSD), através da atribuição do correspondente
poder de decisão, a adopção de uma decisão de associação de empresas
contrária ao artigo 85.° do Tratado CE, consistente na fixação de uma
tabela obrigatória para todos os despachantes alfandegários, não cumpriu
as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 5.° e 85.° do mesmo
Tratado.
- 2.
- A República Italiana é condenada nas despesas.
GulmannWathelet
Moitinho de Almeida
Jann Sevón
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Junho de 1998.
O secretário
O presidente da Quinta Secção
R. Grass
C. Gulmann