Language of document : ECLI:EU:C:1998:306

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

18 de Junho de 1998 (1)

«Livre prestação de serviços — Transportes marítimos — Empresas titulares de direitos exclusivos — Operações de atracagem de navios nos portos — Respeito das regras de concorrência — Estabelecimento de tarifas»

No processo C-266/96,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE, pelo Tribunale di Genova (Itália) e destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Corsica Ferries France SA

e

Gruppo Antichi Ormeggiatori del porto di Genova Coop. arl,

Gruppo Ormeggiatori del Golfo di La Spezia Coop. arl,

Ministero dei Trasporti e della Navigazione,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 3.°, 5.°, 30.°, 59.°, 85.°, 86.° e 90.°, n.° 1, do Tratado CE, bem como do Regulamento (CEE) n.° 4055/86 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados-Membros e Estados-Membros para países terceiros (JO L 378, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: C. Gulmann, presidente de secção, M. Wathelet (relator), J. C. Moitinho de Almeida, J.-P. Puissochet e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: N. Fennelly,


secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

—    em representação da Corsica Ferries France SA, por G. Conte e G. Giacomini, advogados no foro de Génova,

—    em representação do Gruppo Antichi Ormeggiatori del porto di Genova Coop. arl, por A. Tizzano, advogado no foro de Nápoles, e F. Munari, advogado no foro de Génova,

—    em representação do Gruppo Ormeggiatori del Golfo di La Spezia Coop. arl, por S. M. Carbone e G. Sorda, advogados no foro de Génova, e G. M. Roberti, advogado no foro de Nápoles,

—    em representação do Governo italiano, pelo professor U. Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por P. G. Ferri, avvocato dello Stato,

—    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por G. Marenco, consultor jurídico principal, e L. Pignataro, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Corsica Ferries France SA, representada por G. Conte e G. Giacomini, do Gruppo Antichi Ormeggiatori del porto di Genova Coop. arl, representado por F. Munari, do Gruppo Ormeggiatori del Golfo di La Spezia Coop. arl, representado por S. M. Carbone, G. Sorda e G. M. Roberti, do Governo italiano, representado por G. Aiello, avvocato dello Stato, e da Comissão, representada por L. Pignataro, na audiência de 6 de Novembro de 1997,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 22 de Janeiro de 1998,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 5 de Julho de 1996, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de Agosto seguinte, o Tribunale di Genova submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE, várias questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 3.°, 5.°, 30.°, 59.°, 85.°, 86.° e 90.°, n.° 1, do Tratado CE, bem como do Regulamento (CEE) n.° 4055/86 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados-Membros e Estados-Membros para países terceiros (JO L 378, p. 1).

2.
    Estas questões foram suscitadas no quadro de um litígio que opõe a Corsica Ferries France SA (a seguir «Corsica Ferries») ao Gruppo Antichi Ormeggiatori del porto di Genova Coop. arl (o grupo de pilotos de barra do porto de Génova, a seguir «grupo de pilotos de barra de Génova»), ao Gruppo Ormeggiatori del Golfo di La Spezia Coop. arl (o grupo de pilotos de barra do Golfo de La Spezia, a seguir «grupo de pilotos de barra de La Spezia») bem como ao ministero dei Trasporti e della Navigazione (Ministério dos Transportes e da Navegação).

3.
    A Corsica Ferries é uma sociedade de direito francês que assegura, desde 1 de Janeiro de 1994, enquanto empresa de transportes marítimos, um serviço de linha regular por ferry-boat entre a Córsega e certos portos italianos, entre os quais Génova e La Spezia. Utiliza para esse efeito navios arvorando pavilhão do Panamá, fretados por certo tempo pela Tourship Ltd, com sede em Jersey. A Corsica Ferries e a Tourship Ltd são controladas pela Tourship SA, sociedade de direito luxemburguês com sede no Luxemburgo. Ao longo do período que vai de 1994 a 1996, a Corsica Ferries pagou aos grupos dos pilotos de barra de Génova e de La Spezia certas somas a título das operações de pilotagem (atracagem e desatracagem dos navios) a que deram lugar as escalas nesses portos de navios que ela explora.

4.
    A Corsica Ferries fez sempre acompanhar os seus pagamentos de reservas expressas, em que indicava que a obrigação de recorrer aos serviços dos referidos grupos constituía um entrave à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços e que os montantes que lhe tinham sido exigidos resultavam da aplicação de uma tarifa sem qualquer conexão com a realidade dos serviços efectivamente prestados e adoptada em violação das regras de concorrência do direito comunitário.

5.
    Em 2 de Julho de 1996, a Corsica Ferries, com fundamento no artigo 633.° do Código de Processo Civil italiano, propôs no Tribunale di Genova uma acção pedindo que fosse dirigida uma injunção para pagamento ao grupo de pilotos de Génova dum montante de 669 838 425 LIT, ao grupo de pilotos de barra de La Spezia dum montante de 188 472 802 LIT, bem como, solidariamente, ao

Ministério dos Transportes e da Navegação dum montante de 858 311 227 LIT, devendo esses montantes ser acrescidos de juros. Segundo a Corsica Ferries, tal injunção é justificada pelo carácter indevido dos pagamentos que ela efectuou. A este respeito, desenvolveu em particular duas séries de argumentos.

6.
    Em primeiro lugar, na sua opinião, as tarifas praticadas para as operações de pilotagem nos portos em causa no processo principal não têm qualquer ligação com o custo dos serviços efectivamente prestados aos navios pelos pilotos de barra e, além disso, variam de um porto para outro, de forma que há entraves ao mesmo tempo à livre prestação de serviços, garantida no sector dos transportes marítimos pelo Regulamento n.° 4055/86, e à livre circulação de mercadorias, garantida pelo artigo 30.° do Tratado.

7.
    Em segundo lugar, esses pagamentos foram impostos em violação das regras do Tratado em matéria de concorrência. Essa violação resulta não só do facto de as tarifas serem fruto de acordos entre associações de empresas proibidos pelo artigo 85.° do Tratado, mas igualmente do facto de os grupos de pilotos de barra de Génova e de La Spezia abusarem, em violação do artigo 86.° do Tratado, da posição dominante que detêm numa parte substancial do mercado comum, praticando tarifas injustas, impedindo as empresas de navegação de recorrerem ao seu próprio pessoal qualificado para procederem às operações de pilotagem e fixando tarifas diferentes consoante os portos relativamente a prestações idênticas efectuadas em proveito de navios idênticos.

8.
    Em apoio do seu pedido de condenação solidária da República Italiana ao pagamento das somas de que se afirma credora, a Corsica Ferries baseia-se na responsabilidade que incumbe a este Estado pelo facto de este último não ter intervindo a fim de fazer cessar as violações do direito comunitário de que se considera vítima.

9.
    Resulta da regulamentação aplicável no processo principal que os serviços de pilotagem de barra são regidos pelo Codice della navigazione (Código da Navegação, a seguir o «Código»), pelo Regolamento per la Navigazione marittima (Regulamento da Navegação Marítima, a seguir «Regulamento») e, em relação a cada porto, pelas disposições adoptadas pela autoridade marítima localmente competente.

10.
    Por força dos artigos 62.° e 63.° do Código, o comandante do porto regula e vigia a entrada e a saída, o movimento, a ancoragem e a pilotagem de barra dos navios no porto, ordena as manobras de atracagem e de desatracagem, ordena, em caso de necessidade, que sejam executadas oficiosamente as manobras ordenadas, à custa do navio, e, finalmente, ordena, em caso de extrema urgência, o corte das amarras.

11.
    Em aplicação do artigo 116.° do Código, os pilotos fazem parte da categoria do pessoal afectado aos serviços portuários. As regras que lhes dizem especificamente

respeito constam do capítulo VI (artigos 208.° a 214.°) do Regulamento. O artigo 209.° do Regulamento confia a regulamentação do serviço dos pilotos de barra ao comandante do porto, que assegura a regularidade do serviço em função das necessidades do porto e pode, nomeadamente, nos portos em que existe uma tal necessidade, organizar em grupo os pilotos de barra. Finalmente, o artigo 212.° do Regulamento prevê que, em cada porto, as tarifas relativas às operações de pilotagem de barra são fixadas pelo comandante da circunscrição marítima.

12.
    A regulamentação específica aplicável no porto de Génova é constituída pelo Regulamento n.° 759, de 1 de Junho de 1953, adoptado pelo presidente do Consorzio autonomo del porto di Genova (Consórcio Autónomo do Porto de Génova), que instituiu o grupo de pilotos de barra de Génova, bem como pelo Regulamento relativo aos Serviços Marítimos e à Polícia Portuária, adoptado em 1 de Março de 1972, cujo artigo 13.° enuncia que

«o recurso às prestações dos operadores encarregados da atracagem nas manobras de atracagem e desatracagem dos navios é facultativo...

No entanto, no caso de um navio não recorrer às prestações dos operadores encarregados da atracagem, essa manobra deve ser exclusivamente efectuada pelo pessoal de bordo.»

13.
    Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o segundo parágrafo desta disposição torna de facto obrigatório o recurso aos serviços do grupo de pilotos de barra de Génova.

14.
    A regulamentação específica aplicável no porto de La Spezia está contida no Decreto n.° 20, de 16 de Julho de 1968, do comandante da Circunscrição Marítima de La Spezia. O artigo 1.° desse decreto institui um grupo de operadores encarregados da pilotagem de barra. De acordo com o disposto no artigo 2.°, esse grupo

«efectua os serviços de atracagem e de desatracagem dos navios, velando por garantir a segurança no porto. O serviço em causa é obrigatório para os navios de uma arqueação bruta superior a 500 toneladas. Os navios de tonelagem inferior podem fazer executar a manobra em questão pelo pessoal de bordo, na condição de não prejudicarem o tráfego e de não comprometerem nem a segurança do porto nem a do pessoal. É formalmente proibido recorrer, para executar os serviços de pilotagem de barra, a qualquer pessoa não pertencente ao grupo de operadores acima referido.»

15.
    No que toca ao estabelecimento de tarifas das operações de pilotagem de barra, a apresentação feita no despacho de reenvio, que tem por quadro um processo sumário e não contraditório e que reproduz, por conseguinte, unicamente os

elementos de facto e os argumentos de direito expostos pela Corsica Ferries, difere da que dela fazem os grupos de pilotos de barra de Génova e de La Spezia, o Governo italiano e a Comissão. Apesar da questão escrita posta pelo Tribunal de Justiça à Corsica Ferries quanto a este ponto, alguns aspectos não puderam ser determinados, mantendo as partes uma interpretação divergente quanto a certos pontos.

16.
    Segundo o despacho de reenvio, nenhum texto legislativo determina os critérios a que devem obedecer os comandantes de cada porto para fixar as tarifas dosserviços de pilotagem de barra. Estas tarifas são por vezes fixadas na sequência de acordos concluídos entre as empresas do sector e tornados, em seguida, executórios por acto administrativo.

17.
    Em contrapartida, segundo os grupos de pilotos de barra de Génova e de La Spezia, o Governo italiano e a Comissão, é necessário ter em conta a Lei n.° 160/89 de 5 de Maio de 1989 (GURI n.° 139, de 16 de Junho de 1989) que dispõe, no seu artigo 9.°, n.° 7, que o Ministro da Marinha Mercante adopta as regras relativas à harmonização a nível nacional das tarifas relativas aos serviços de operações portuárias, após consulta das organizações sindicais do sector mais representativas a nível nacional, dos outros parceiros sociais e das sociedades em causa. A reestruturação de tarifas assim prevista foi regulada nomeadamente pela circular n.° 8/1994 de 19 de Setembro de 1994 do Ministro da Marinha Mercante, que determina os critérios a que as autoridades portuárias devem obedecer para fixar as tarifas.

18.
    Segundo as próprias partes, as tarifas são, assim, calculadas com base numa fórmula que tem por objecto repartir proporcionalmente entre as diversas classes de utentes dos portos os encargos ligados à execução do serviço de pilotagem de barra. Para a aplicação das tarifas, os utentes são repartidos em diferentes categorias, em função da tonelagem bruta dos navios, e podem ter direito a reduções específicas para certas categorias de navios, tais como os ferry-boats, ou ligadas à frequência de acostagem. O nível da tarifa, válida por dois anos, é calculado em função do volume de negócios global previsto para cada grupo de pilotos de barra, que depende, por sua vez, do volume do tráfego no porto. Antes que ocorra a decisão da autoridade portuária que adopta a tarifa para cada porto, os interessados, tanto do lado da procura como do lado da oferta, podem fazer valer o seu ponto de vista.

19.
    As tarifas nos portos de Génova e de La Spezia foram publicadas respectivamente por decretos de 20 de Outubro e de 27 de Setembro de 1994.

20.
    Segundo o Tribunale di Genova, os grupos de pilotos de barra de Génova e da La Spezia fornecem prestações de serviço à Corsica Ferries, que também oferece serviços abrangidos pelo Regulamento n.° 4055/86, e esses grupos constituem empresas na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, que dispõem de direitos exclusivos numa parte substancial do mercado comum. Interrogando-se sobre a

questão de saber se a natureza dos direitos exclusivos, o carácter obrigatório do serviço, as modalidades de fixação das tarifas e o seu montante podem entravar as trocas comerciais intracomunitárias de mercadorias e de serviços e levar as empresas titulares desses direitos a explorar a sua posição dominante de uma forma que seja abusiva e afecte o comércio entre Estados-Membros, sendo os custos repercutidos nas empresas que efectuam transportes entre Estados-Membros, o órgão jurisdicional nacional decidiu, por consequência, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«1)    O artigo 30.° do Tratado deve ser interpretado no sentido de que obsta à proibição, imposta por uma lei ou prática administrativa de um Estado-Membro, às empresas de transporte marítimo estabelecidas em outros Estados-Membros, de atracarem e desatracarem os respectivos navios, à chegada ou à partida dos portos do primeiro Estado-Membro, se as mesmas não recorrerem aos serviços prestados por uma empresa local no âmbito de uma concessão exclusiva em matéria de atracagem e desatracagem, pagando a esta contrapartidas desproporcionadas relativamente ao custo efectivo dos serviços prestados?

2)    O Regulamento (CEE) do Conselho n.° 4055/86, de 22.12.1986, conjugado com o artigo 59.° do Tratado, obsta à imposição num Estado-Membro da obrigatoriedade do serviço de atracagem, com a aplicação às empresas de transporte marítimo estabelecidas noutro Estado-Membro — no momento da chegada e partida dos navios no primeiro Estado-Membro — de taxas determinadas não por lei, mas pelo mero poder discricionário da administração?

3)    O disposto nos artigos 3.°, 5.°, 90.°, n.° 1, 85.° e 86.°, do Tratado, conjugados, é contrário à lei ou prática administrativa de um Estado-Membro que confira a uma empresa estabelecida nesse Estado direito exclusivo ao exercício do serviço de atracagem, de modo a permitir: a imposição do próprio serviço, a exigência de contrapartidas desproporcionadas relativamente ao custo efectivo das prestações, a aplicação de taxas fixadas por acordo e/ou pelo poder discricionário da administração, e condições desiguais de aplicação das taxas de porto para porto, mesmo para prestações equivalentes?»

Quanto à admissibilidade

21.
    Tanto o Governo italiano como os grupos de pilotos de barra de Génova e de La Spezia puseram em dúvida a admissibilidade das questões submetidas por razões ligadas, por um lado, à natureza do processo no tribunal nacional e, por outro, à falta de pertinência das questões relativamente ao litígio que lhe foi submetido.

22.
    No que toca, em primeiro lugar, à natureza do processo no tribunal nacional, o Governo italiano lembrou que se trata de um processo sumário e não contraditório, que podia ser instaurado por quem quer que prossiga a execução de um crédito com base em documento escrito a fim de obter, sem que a outra parte seja ouvida, uma injunção para pagamento, ocorrendo o eventual debate contraditório só numa fase posterior, quando a parte condenada deduzir oposição contra a referida injunção. Segundo o Governo italiano, a ausência de carácter contraditório e a impossibilidade de obter outras provas que não as provas escritas apresentadas pela recorrente impedem o Tribunal de Justiça de dispor dos elementos necessários para responder a questões que incidem sobre situações de facto e de direito complexas, em matéria de concorrência.

23.
    A este propósito, deve salientar-se que o Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que o presidente de um tribunal italiano, decidindo no quadro do mesmo processo de injunção previsto pelo Código de Processo Civil italiano, exerce uma função jurisdicional na acepção do artigo 177.° do Tratado e que esse artigo não subordina o recurso ao Tribunal de Justiça ao carácter contraditório do processo em que o tribunal nacional formula as questões prejudiciais (acórdão de 17 de Maio de 1994, Corsica Ferries, C-18/93, Colect., p. I-1783, n.° 12, e jurisprudência citada).

24.
    Há que acrescentar todavia que, no quadro de tais processos, é também necessário que o órgão jurisdicional nacional apresente ao Tribunal de Justiça uma exposição detalhada e completa do contexto factual e jurídico.

25.
    É forçoso reconhecer que, no caso em apreço, a descrição do contexto factual e jurídico apresenta insuficiências, impedindo assim o Tribunal de Justiça de responder com a precisão desejada a algumas das questões que lhe são submetidas. Resta que os elementos que figuram nos autos permitem ao Tribunal de Justiça pronunciar-se, deixando, no entanto, em aberto alguns aspectos das respostas às questões submetidas.

26.
    No que toca à pertinência das questões submetidas, os grupos de pilotos de Génova e de La Spezia alegaram que o pedido submetido à apreciação do tribunal de reenvio tem por objecto o reembolso da totalidade das somas que lhes tem pago a Corsica Ferries. Como estariam, de qualquer forma, no direito de obter uma certa retribuição, pois que serviços de pilotagem de barra foram efectivamente executados, a acção da Corsica Ferries não preenche, portanto, uma das exigências impostas pelo artigo 633.° do Código de Processo Civil italiano, isto é, a existência de um crédito certo. Concluem daí que a resposta às questões prejudiciais não tem qualquer incidência sobre a solução a dar ao litígio.

27.
    Há que recordar, a esse propósito, que, segundo uma jurisprudência constante, cabe exclusivamente aos órgãos jurisdicionais nacionais, que são chamados a examinar um litígio e devem assumir a responsabilidade da decisão judicial a proferir, apreciar, à luz das particularidades de cada causa, tanto a necessidade de

uma decisão prejudicial para poder proferir o seu julgamento como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça. A rejeição de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se for manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio no processo principal (v., acórdãos de 6 de Julho de 1995, BP Soupergaz, C-62/93, Colect., p. I-1883, n.° 10, e de 26 de Outubro de 1995, Furlanis, C-143/94, Colect., p. I-3633, n.° 12). Tal não acontece no caso concreto do processo principal.

28.
    O pedido de decisão prejudicial é, por conseguinte, admissível.

Quanto à primeira questão

29.
    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, em substância, se o artigo 30.° do Tratado se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro que impõe às empresas de transportes marítimos com sede noutro Estado-Membro, cujos navios fazem escala nos portos do primeiro Estado-Membro, a obrigação de recorrerem, mediante uma retribuição superior ao custo efectivo do serviço prestado, aos serviços de grupos de pilotos de barra locais, titulares de concessões exclusivas. O órgão jurisdicional nacional põe-se a questão de saber se, ainda que não dizendo directamente respeito às mercadorias, a regulamentação em causa no processo principal é contrária ao artigo 30.° do Tratado, na medida em que tem por efeito tornar os transportes mais onerosos e, por isso, constituir obstáculo às importações de mercadorias provenientes de outros Estados-Membros.

30.
    Deve salientar-se que, na causa do processo principal, a regulamentação incide indistintamente sobre qualquer navio, italiano ou não, que faça escala num dos portos em causa. A obrigação que consagra tem por objecto o recurso, contra remuneração, aos serviços de pilotagem de barra locais, que beneficiam de uma concessão exclusiva em matéria de atracagem e de desatracagem. Quanto aos eventuais efeitos dessa obrigação sobre a livre circulação de mercadorias, deve observar-se, por um lado, que se trata essencialmente neste caso da prestação de um serviço de transporte marítimo que diz respeito tanto às pessoas como às mercadorias. Por outro lado, mesmo que se tratasse apenas de transporte de mercadorias, resulta dos autos no processo principal que, para um navio, o preço dos serviços de pilotagem de barra representa menos de 5% dos custos portuários, os quais, no seu conjunto, representam 12 a 14% do custo do transporte, que representa no custo dos produtos transportados de 5 a 10%. O recurso aos serviços de pilotagem de barra representa um suplemento de custo para os produtos transportados de cerca de 0,50/00.

31.
    Em consequência, uma regulamentação como a que está em causa no processo principal não faz qualquer distinção consoante a origem das mercadorias transportadas, não tem por objecto regular as trocas comerciais de mercadorias com os outros Estados-Membros e os efeitos restritivos que possa produzir sobre

a livre circulação das mercadorias são demasiado aleatórios e demasiado indirectos para que a obrigação que consagra possa ser considerada susceptível de entravar o comércio entre os Estados-Membros (acórdãos de 14 de Julho de 1994, Peralta, C-379/92, Colect., p. I-3453, n.° 24, e de 5 de Outubro de 1995, Centro Servizi Spediporto, C-96/94, Colect., p. I-2883, n.° 41).

32.
    Há, portanto, que responder à primeira questão que o artigo 30.° do Tratado não se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro, tal como a do caso em apreço, que impõe às empresas de transportes marítimos com sede noutro Estado-Membro, cujos navios façam escala nos portos do primeiro Estado-Membro, a obrigação de recorrerem, mediante uma retribuição superior ao custo efectivo do serviço prestado, aos serviços dos grupos de pilotos de barra locais, titulares de concessões exclusivas.

Quanto à terceira questão

33.
    Com a sua terceira questão, que deve examinar-se antes da segunda questão, a fim de utilizar da melhor forma os elementos do contexto factual e jurídico fornecidos nos autos, o órgão jurisdicional nacional pergunta, em substância, se os artigos 3.°, 5.°, 85.°, 86.° e 90.° do Tratado se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro que confere a empresas com sede nesse Estado o direito exclusivo de garantir o serviço de pilotagem de barra, impõe o recurso a esse serviço por um preço superior ao custo efectivo das prestações e prevê tarifas diferentes consoante os portos para prestações equivalentes.

34.
    As regras de concorrência do Tratado aplicam-se ao sector dos transportes (v. acórdãos de 17 de Novembro de 1993, Reiff, C-185/91, Colect., p. I-5801, n.° 12, e de 9 de Junho de 1994, Delta Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, C-153/93, Colect., p. I-2517, n.° 12).

35.
    Por si mesmos, os artigos 85.° e 86.° do Tratado dizem respeito unicamente ao comportamento das empresas e não visam medidas legislativas ou regulamentares que emanam dos Estados-Membros. Resulta, no entanto, de uma jurisprudência constante que os artigos 85.° e 86.°, conjugados com o artigo 5.° do Tratado, impõem aos Estados-Membros a obrigação de não tomarem ou manterem em vigor medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, susceptíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (acórdão Centro Servizi Spediporto, já referido, n.° 20, e jurisprudência citada).

Quanto aos artigos 86.° e 90.° do Tratado

36.
    O órgão jurisdicional de reenvio põe-se a questão de saber se não existe, na esfera dos grupos de pilotos de barra de Génova e de La Spezia, um abuso da posição dominante que detêm numa parte substancial do mercado comum, graças aos direitos exclusivos que lhes foram conferidos pelas autoridades públicas italianas.

37.
    O abuso invocado, no caso em apreço, revestiria três aspectos. Residiria na concessão de direitos exclusivos aos grupos locais de pilotos de barra, que impediria as empresas de navegação de recorrer ao seu próprio pessoal para proceder às operações de pilotagem de barra, no carácter excessivo do preço do serviço, que não estaria relacionado com o custo real do serviço efectivamente prestado, e na fixação de tarifas diferentes consoante os portos para prestações equivalentes.

38.
    No que respeita à delimitação do mercado em causa, resulta da decisão de reenvio que esse mercado é o da execução, por conta de terceiros, de operações de pilotagem de barra nos portos de Génova e de La Spezia. Tendo em conta, nomeadamente, o volume do tráfego nos portos em causa e a importância desses portos para as trocas comerciais intracomunitárias, cada um desses mercados pode ser considerado como constituindo uma parte substancial do mercado comum (acórdãos de 10 de Dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C-179/90, Colect., p. I-5889, n.° 15, e de 12 de Fevereiro de 1998, Raso e o., C-163/96, ainda não publicado na Colectânea, n.° 26).

39.
    No que toca à existência de direitos exclusivos, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, uma empresa que beneficie de um monopólio legal numa parte substancial do mercado comum pode ser considerada como ocupando uma posição dominante na acepção do artigo 86.° do Tratado (acórdãos de 23 de Abril de 1991, Höfner e Elser, C-41/90, Colect., p. I-1979, n.° 28; de 18 de Junho de 1991, ERT, C-260/89, Colect., p. I-2925, n.° 31; Merci convenzionali porto di Genova, já referido, n.° 14; e Raso e o., já referido, n.° 25).

40.
    Há que precisar, em seguida, que, se o simples facto de criar uma posição dominante pela concessão de direitos exclusivos, na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Tratado, não é em si mesmo, incompatível com o artigo 86.° do Tratado, um Estado-Membro infringe as proibições consagradas por essas duas disposições quando a empresa em causa for levada, pelo simples exercício dos direitos exclusivos que lhe foram conferidos, a explorar a sua posição dominante de forma abusiva ou quando esses direitos são susceptíveis de criar uma situação em que essa empresa é levada a cometer tais abusos (acórdãos Höfner e Elser, já referido, n.° 29; ERT, já referido, n.° 37; Merci convenzionali porto di Genova, já referido, n.° 17; de 5 de Outubro de 1994, Centre d'insémination de la Crespelle, C-323/93, Colect., p. I-5077, n.° 18; e Raso e o., já referido, n.° 27).

41.
    Resulta daí que um Estado-Membro pode, sem infringir o artigo 86.° do Tratado, conceder direitos exclusivos para a prestação de serviços de pilotagem de barra nos seus portos a grupos locais de pilotos de barra, na medida em que estes últimos não explorem a sua posição dominante de forma abusiva ou não sejam necessariamente levados a cometer tais abusos.

42.
    Para excluir a existência de tais abusos, os grupos de pilotos de barra de Génova e de La Spezia invocam o artigo 90.°, n.° 2, do Tratado. Resulta nomeadamente dessa disposição que as empresas encarregadas da gestão de um serviço de interesse económico geral só estão sujeitas às regras de concorrência do Tratado na medida em que a aplicação destas regras não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão particular que lhes foi confiada. O artigo 90.°, n.° 2, do Tratado precisa ainda que, para ser aplicável, é ainda necessário que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade.

43.
    Sustentam que as tarifas aplicadas são indispensáveis para a manutenção de um serviço universal de pilotagem de barra. Por um lado, as tarifas comportam uma componente correspondente ao suplemento de custo que implica a manutenção de um serviço universal de pilotagem de barra. Por outro, as diferenças de tarifas de um porto para outro que, tendo em conta os elementos dos autos, resultam da tomada em consideração, no cálculo das tarifas, de factores de correcção que reflectem a influência das circunstâncias locais — o que tende a indicar que as prestações fornecidas não são equivalentes — justificam-se pelas características do serviço e pela necessidade de assegurar a cobertura universal deste.

44.
    Há, pois, que averiguar se a derrogação da aplicação das regras do Tratado prevista no artigo 90.°, n.° 2, do Tratado se pode aplicar. A esse propósito, deve examinar-se se o serviço de pilotagem de barra pode ser considerado como um serviço de interesse económico geral na acepção dessa disposição e, em caso afirmativo, por um lado, se o cumprimento dessa missão particular só pode ser assegurado por meio de serviços cuja remuneração seja superior ao custo efectivo das prestações e cujas tarifas diferem consoante os portos e, por outro, se o desenvolvimento das trocas comerciais não é afectado numa medida que contrarie os interesses da Comunidade (v., neste sentido, acórdão de 23 de Outubro de 1997, Comissão/Países Baixos, C-157/94, Colect., p. I-5699, n.° 32).

45.
    Resulta dos autos do processo principal que as operações de pilotagem de barra revestem um interesse económico geral que apresenta características específicas em relação ao que revestem outras actividades económicas e que é susceptível de as fazer incluir no âmbito de aplicação do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado. Com efeito, os pilotos de barra são obrigados a fornecer em qualquer momento e a qualquer utente um serviço universal de pilotagem de barra, e isto por razões de segurança nas águas portuárias. De qualquer forma, a República Italiana pôde considerar que era necessário por razões de segurança pública conceder a grupos locais de operadores o direito exclusivo de assegurar o serviço universal de pilotagem de barra.

46.
    Nestas condições, não é incompatível com os artigos 86.° e 90.°, n.° 1, do Tratado incluir no preço do serviço uma componente destinada a cobrir o custo da manutenção do serviço universal de pilotagem de barra, na medida em que ela corresponda ao suplemento de custo que implicam as características específicas

deste serviço, e prever, em relação a este serviço, tarifas diferentes em função das características próprias de cada porto.

47.
    Por conseguinte, desde que os grupos de pilotos de barra foram efectivamente encarregados pelo Estado-Membro da gestão de um serviço de interesse económico geral na acepção do artigo 90.°, n.° 2, do Tratado e desde que as outras condições de aplicação da derrogação das regras do Tratado prevista por essa disposição estejam reunidas, uma regulamentação como a do caso em apreço não constitui uma violação do artigo 86.° do Tratado, conjugado com o artigo 90.°, n.° 1.

Quanto ao artigo 85.° do Tratado

48.
    O órgão jurisdicional nacional interroga-se igualmente quanto à compatibilidade do processo de fixação das tarifas dos serviços de pilotagem de barra com o artigo 85.° do Tratado.

49.
    O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que há violação dos artigos 5.° e 85.° do Tratado quando um Estado-Membro imponha ou favoreça a conclusão de acordos contrários ao artigo 85.° ou reforce os efeitos desses acordos, ou retire à sua própria regulamentação o seu carácter estatal delegando em operadores económicos privados a responsabilidade de tomarem decisões de intervenção de interesse económico (acórdão Centro Servizi Spediporto, já referido, n.° 21, e jurisprudência citada).

50.
    A esse propósito, deve salientar-se, por um lado, que os autos no processo principal não revelam a existência de um acordo na acepção do artigo 85.° do Tratado.

51.
    Com efeito, se bem que os grupos de pilotos de barra constituam efectivamente empresas na acepção dessa última disposição, um acordo entre esses grupos a nível nacional, se existe, não acaba por fixar um preço comum para todos os portos, pois que a tarifa é calculada com base numa fórmula matemática na qual são aplicados diversos factores de correcção ligados às características de cada porto. Por outro lado, mesmo que fosse demonstrado que os portos estão em concorrência no seio de um mesmo mercado geográfico, o que é presumido no despacho de reenvio, continua difícil perceber os efeitos restritivos de um eventual acordo, na medida em que direitos exclusivos são concedidos em cada um dos portos em causa e em que não existe, portanto, concorrente potencial do grupo de pilotagem de barra local. Por conseguinte, não resulta dos autos do processo principal que haja um acordo entre empresas que tenha por objectivo ou por efeito restringir a concorrência.

52.
    Por outro lado, há que reconhecer que não resulta também dos autos do processo principal que as autoridades italianas tenham delegado as suas competências em matéria de fixação das tarifas nos grupos de pilotos de barra de Génova e de La

Spezia. Com efeito, em cada um dos portos em causa, as tarifas dos serviços de pilotagem de barra foram fixadas pela autoridade marítima local, em aplicação do artigo 212.° do Regulamento, com base numa fórmula geral, determinada a nível nacional pelos poderes públicos, e após consulta não somente dos grupos de pilotos de barra interessados, mas igualmente dos representantes dos utilizadores e dos agentes marítimos dos portos de Génova e de La Spezia. A participação dos pilotos de barra no processo administrativo de elaboração das tarifas não poderá ser considerada como um acordo entre operadores económicos que os poderes públicos tenham imposto ou favorecido ou cujos efeitos tenham reforçado.

53.
    Por conseguinte, o artigo 85.° do Tratado não se opõe a uma regulamentação como a que está em causa no litígio do processo principal.

54.
    Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder que asdisposições conjugadas dos artigos 5.°, 85.°, 86.° e 90.°, n.° 1, do Tratado não se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro tal como a do caso em apreço,

—    que confere a empresas estabelecidas nesse Estado o direito exclusivo de assegurar o serviço de pilotagem de barra,

—    que impõe o recurso a esse serviço por um preço que, além do custo efectivo das prestações, compreende o suplemento que implica a manutenção de um serviço universal de pilotagem de barra, e

—    que prevê tarifas diferentes consoante os portos para ter em conta as características próprias de cada um deles.

Quanto à segunda questão

55.
    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, em substância, se as disposições conjugadas do Regulamento n.° 4055/86 e do artigo 59.° do Tratado se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro que imponha às empresas de transportes marítimos com sede noutro Estado-Membro, quando os seus navios fazem escala nos portos do primeiro Estado-Membro, a obrigação de recorrerem, mediante remuneração, aos serviços dos grupos de pilotos de barra locais, titulares de concessões exclusivas.

56.
    Segundo jurisprudência constante, o artigo 59.° do Tratado exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços em razão da nacionalidade, mas igualmente a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada a prestadores nacionais e de outros Estados-Membros, quando seja susceptível de proibir ou entravar de alguma forma as actividades do prestador estabelecido noutro Estado-Membro onde ele preste legalmente serviços análogos (acórdãos de 25 de Julho de 1991, Säger, C-76/90, Colect., p. I-4221, n.° 12, e de 5 de Junho de 1997, SETTG, C-398/95, Colect., p. I-3091, n.° 16).

57.
    A esse propósito, tal como salientou o advogado-geral no ponto 35 das suas conclusões, o regime contestado não parece comportar qualquer discriminação ostensiva ou dissimulada contrária aos artigos 59.° do Tratado e 9.° do Regulamento n.° 4055/86.

58.
    Por um lado, a obrigação de recorrer no porto de Génova aos serviços de pilotagem de barra fornecidos pelo grupo dos pilotos de barra de Génova aplica-se a todas as empresas de transportes marítimos sem distinção. Por outro lado, no porto de La Spezia, todos os exploradores de navios de uma arqueação bruta de mais de 500 toneladas devem recorrer aos serviços do grupo dos pilotos de barra de La Spezia. Uma empresa como a Corsica Ferries, que explora ferry-boats, é, portanto, submetida à mesma obrigação de recorrer aos serviços de pilotagem de barra que as empresas italianas de transporte que utilizam navios de tamanho equivalente.

59.
    Deve esclarecer-se, a título preliminar, que, quanto a um eventual entrave à livre prestação de serviço de pilotagem de barra, basta remeter para a análise da aplicação da derrogação às regras do Tratado prevista pelo artigo 90.°, n.° 2, do Tratado para concluir que tal entrave, caso exista, não é contrário ao artigo 59.° do Tratado, uma vez que as condições de aplicação do artigo 90.°, n.° 2, estão reunidas.

60.
    Quanto à eventual existência de restrição à livre prestação de serviços de transporte marítimo, há que observar que o serviço de pilotagem de barra constitui um serviço técnico náutico essencial à manutenção da segurança das águas portuárias, que apresenta as características de um serviço público (a universalidade, a continuidade, a satisfação de exigências de interesse público, a regulamentação e a vigilância pela autoridade pública). Por isso, com a reserva de que o suplemento de preço em relação ao custo efectivo da prestação corresponda, na verdade, ao suplemento de custo que implica a manutenção de um serviço universal de pilotagem de barra, a obrigação de recorrer a um serviço de pilotagem de barra local, mesmo que fosse susceptível de constituir uma dificuldade ou um entrave à livre prestação de serviços de transporte marítimo, poderia ser justificada, nos termos do artigo 56.° do Tratado CE, por considerações de segurança pública invocadas pelos grupos de pilotos de barra e com base nas quais foi adoptada a regulamentação nacional sobre a pilotagem de barra.

61.
    Por conseguinte, deve responder-se à segunda questão que as disposições do Regulamento n.° 4055/86 e do artigo 59.° do Tratado não se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro como a do caso em apreço, que impõe às empresas de transportes marítimos estabelecidas noutro Estado-Membro, quando os seus navios fazem escala nos portos do primeiro Estado-Membro, a obrigação de recorrerem, mediante remuneração, aos serviços dos grupos de pilotos de barra locais titulares de concessões exclusivas. Tal regulamentação, mesmo que constituísse um entrave à livre prestação de serviços de transporte marítimo, seria,

com efeito, justificada por considerações de segurança pública, na acepção do artigo 56.° do Tratado.

Quanto às despesas

62.
    As despesas efectuadas pelo Governo italiano bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Tribunale di Genova, por despacho de 5 de Julho de 1996, declara:

1.
    O artigo 30.° do Tratado CE não se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro, tal como a do caso em apreço, que impõe às empresas de transportes marítimos estabelecidas noutro Estado-Membro, cujos navios fazem escala nos portos do primeiro Estado-Membro, a obrigação de recorrerem, mediante uma remuneração superior ao custo efectivo do serviço prestado, aos serviços dos grupos de pilotos de barra locais, titulares de concessões exclusivas.

2.
    As disposições conjugadas dos artigos 5.°, 85.°, 86.° e 90.°, n.° 1, do Tratado CE não se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro tal como a do caso em apreço,

—    que confere a empresas estabelecidas nesse Estado o direito exclusivo de assegurar o serviço de pilotagem de barra,

—    que impõe o recurso a esse serviço por um preço que, além do custo efectivo das prestações, compreende o suplemento que implica a manutenção de um serviço universal de pilotagem de barra, e

—    que prevê tarifas diferentes consoante os portos para ter em conta as características próprias de cada um deles.

3.
    As disposições do Regulamento (CEE) n.° 4055/86 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados-Membros e Estados-Membros para países terceiros, e do artigo 59.° do Tratado CE não se opõem a uma regulamentação de um Estado-Membro como a do caso em apreço, que

impõe às empresas de transportes marítimos estabelecidas noutro Estado-Membro, quando os seus navios fazem escala nos portos do primeiro Estado-Membro, a obrigação de recorrerem, mediante remuneração, aos serviços dos grupos de pilotos de barra locais, titulares de concessões exclusivas. Tal regulamentação, mesmo que constituísse um entrave à livre prestação de serviços de transporte marítimo, seria, com efeito, justificada por considerações de segurança pública, na acepção do artigo 56.° do Tratado CE.

Gulmann
Wathelet
Moitinho de Almeida

Puissochet

Sevón

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Junho de 1998.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

C. Gulmann


1: Língua do processo: italiano.